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546 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 36

rem ter a mesma lei pessoal, o que evita prováveis e graves conflitos de leis e é mais um vínculo de robustecimento da unidade da família; mas justifica-se a proposta atenuação do mesmo princípio com a ideia de por este modo, se respeitar a vontade individual nitidamente expressa num domínio que, por ser estritamente pessoal, transcende os interesses da própria família e que, por se basear normalmente no nobre sentimento do amor pátrio, é digno de todo o respeito.
Mesmo sem perfilhar esta doutrina, deve reconhecer-se que a circunstância de a modificação projectada só permitir a conservação da nacionalidade de origem à mulher quando ela provar que não perde pelo casamento essa nacionalidade traz consigo a vantagem, decerto mas importante na prática, de evitar que ela fique sem nacionalidade.
Aliás, é semelhante a situação que, em caso paralelo, a lei em vigor cria à mulher portuguesa que casa com cidadão estrangeiro. (Código Civil, artigo 22.º, n.º 4.º1).
A alteração proposta afigura-se, portanto, de louvar.

12. No artigo 1.1.º afirma-se a regra de que a nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo casamento de mulher estrangeira com português, se ela o tiver contraído de boa fé e enquanto tiver domicílio em Portugal.
A solução contrária é a consagrada no Code de la nationalité française (artigo 42.º) e tem sequazes no nosso país (Dr. L. da Cunha Gonçalves, Tratado ..., vol. I, p. 525); mas. com orientação contrária opinou o Prof. Fernando A. Pires de Lima (O Casamento Putativo no Direito Civil Português, p. 252). A disposição em projecto resolve a questão no segundo sentido, e os motivos que o relatório invoca em justificação (n.º 7) - a possibilidade de do casamento haver filhos que conservem a nacionalidade portuguesa e o facto de a mulher se ter integrado realmente na comunidade portuguesa - são inteiramente procedentes. E tanto mais que a solução adoptada fica dependente da atitude da própria interessada e esta se revelará por um índice objectivo - a manutenção do seu domicílio em Portugal. Convém, no entanto, exprimir esta atitude por forma inequívoca, através de uma opção de nacionalidade.

13. Trata a secção II do capítulo II da aquisição da nacionalidade por naturalização (artigos 12.º a 16.º). Aí se renovam os princípios substantivos acerca da naturalização de estrangeiros, matéria esta que, depois de ter sido regulada pelos Decretos de 2 de Dezembro de 1910 e de 28 de Março de 1911, consta hoje do artigo 19.º do Código Civil, segundo a redacção do Decreto n.º 19 126, de 10 de Dezembro de 1930.
Pouco há a observar sobre o assunto.
Dizendo que o Governo «poderá» conceder a nacionalidade portuguesa mediante naturalização, o artigo 12.º vinca que a obtenção desta não constitui um direito subjectivo de todos aqueles que se encontrem nas condições previstas na lei. E apenas uma expectativa de direito, cuja concretização depende de uma faculdade discricionária a usar pelo Governo. E, em atenção à importância política que as naturaliza coes podem revestir, não pode criticar-se esta solução.
A atenuação das exigências permitida pelo artigo 13.º justifica-se obviamente.

14. Refere-se o preceito do artigo 12.º à naturalização de qualquer cidadão de país estrangeiro, sem distinção alguma, que para adquirir a nacionalidade portuguesa reúne as condições ali impostas.
Mas esta Câmara tem conhecimento da existência de pretendentes à nacionalidade portuguesa de índole bem diversa. São muitos dos que pertencem a povos com maior ou menor grau de sangue nacional desde o tempo das conquistas e que se sentem presos a Portugal pelos laços da língua, que dificilmente conseguem ir conservando, ou da religião, que os isola do meio ambiente, ou da civilização ocidental, que assimilaram. São, em todo o caso, grupos humanos cheios de fervor português e que a Portugal se sentem vinculados por lima comunidade de sentimento e de vontade digna de admiração e credora de carinho.
Não pode pensar-se que o Governo proceda à naturalização, por assim dizer em massa, dos componentes de qualquer grupo destas populações, tantos, e tão graves seriam os problemas que tal medida poderia suscitar. Mas é de desejar que a lei lhe dê meios para, segundo as circunstâncias de cada caso a considerar, poder introduzir no grémio da Nação muitos daqueles que, talvez impedidos para sempre de pisar o território nacional, todavia se sentem irmanados com a população portuguesa mediante laços espirituais, que só por falta de vínculo jurídico se não podem considerar como amor pátrio verdadeiro.
E isto pode prevê-lo na futura lei em disposição adequada.

15. O capítulo III do projecto intitula-se «Da perda e da reaquisição da nacionalidade» e também se divide em duas secções, das quais a primeira tem por epígrafe «Da perda da nacionalidade» (artigos 17.º a 20.º).
Comenta, os respectivos preceitos o relatório do projecto (n.º 8), indicando o espírito que orientou as disposições. Por virtude destas eliminou-se .das causas de perda da nacionalidade a aceitação de condecoração de qualquer governo estrangeiro sem licença do Governo Português (Código Civil, artigo 22.º, n.º 2.º), sanção transcrita do artigo 8.º da Carta Constitucional e que, em face da hodierna intensidade das relações internacionais, é totalmente desproporcionada com o facto que visa impedir e parece não ter paralelo em qualquer outra legislação.
A este respeito pode ainda dizer-se que, além de obsoleta, aquela disposição é hoje praticamente inoperante. É por isso que, podendo certamente aplicar-se a muitos portugueses, só provocou até hoje uma decisão conhecida, e essa judicial. É a sentença de 9 de Dezembro de 1881, confirmada por acórdão da Relação dos Açores, que julgou ser a sanção cominada naqueles dois preceitos «grave pena que não deve ser imposta, senão por sentença condenatória ...º (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 17.º, p. 489).
Justifica-se, portanto,/inteiramente, a omissão daquele facto entre as causas da perda da nacionalidade.
Analisando agora as disposições projectadas, podem fazer-se-lhes algumas observações.
No artigo 17.º, alínea a), a fórmula empregada é, como se diz no relatório, mais ampla do que a fórmula vigente, que apenas se refere a naturalização, e permite abranger casos de aquisição de nacionalidade estrangeira como os apontados, aos quais o conceito de naturalização não pode aplicar-se. A fórmula nova é, pois, mais adequada.
Ao fundamento da perda da nacionalidade expresso na alínea b) - a aceitação de funções públicas ou a prestação de serviço militar a Estado estrangeiro sem licença do Governo, se essas funções ou o serviço não forem abandonados dentro do prazo fixado - faz o relatório a importante restrição de que, no pensamento inspirador da lei, estes motivos apenas são aplicáveis aos cidadãos que sejam sómente portugueses, e não aos