842 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 80
2. Contra as inovações acabadas de referir, pronunciou-se na Assembleia Nacional o Sr. Deputado Homem de Melo no período de «antes da ordem do dia» da sessão de 17 de Março. E na sessão do dia imediato, em requerimento assinado pelo mesmo e por mais treze Deputados, era solicitada, ao abrigo do disposto no § 3.º do artigo 109.º da, Constituição, a apreciação do referido decreto-lei pela Assembleia Nacional.
3. O requerimento foi imediatamente deferido, mas a Assembleia interrompeu os seus trabalhos logo no dia seguinte (19 de Março), por motivo das férias da Páscoa, só os retomando em l de Abril, já em regime de prorrogação da sessão legislativa; e, desse modo, o requerimento tornou-se automaticamente inoperante quanto à disposição do decreto-lei destinada a produzir efeitos em 31 de Março (§ único do artigo 2.º).
Quando o assunto foi incluído na «ordem do dia» (sessão de 22 de Abril), a Assembleia já não podia, pois, evitar - mesmo recorrendo à solução extrema e recusar a ratificação do decreto-lei - o facto consumado da exoneração colectiva, de todos os presidentes e vice-presidentes de câmaras com mais de doze anos de exercício do cargo em 31 de Março anterior.
4. A Assembleia Nacional reagiu, então, contra o que lhe era possível ainda reagir: a improrrogabilidade, no futuro, do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras para além de doze anos consecutivos de exercício do cargo (nova redacção dada pelo artigo 1.º do decreto-lei ao artigo 72.º do Código Administrativo) e a caducidade do mandato daqueles que se encontravam nesse momento investidos em tais cargos à medida que os doze anos de exercício se fossem completando (artigo 2.º do decreto-lei).
Não faltou quem propusesse - dada a impossibilidade de a Assembleia suspender de outra forma a execução do diploma legislativo até completo estudo do problema - a recusa pura e simples de ratificação; mas a Assembleia optou pela solução mais moderada da ratificação com emendas.
Em consequência disso, e em cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política, o Decreto-Lei n.º 42 178 foi enviado a Câmara Corporativa, competindo agora a esta emitir sobre ele o seu parecer.
5. Não goza a Câmara Corporativa, em casos destes, da mesma liberdade de apreciação de que desfruta quando é chamada a pronunciar-se sobre projectos e propostas de lei presentes à Assembleia Nacional ou sobre projectos de diplomas do Governo. Efectivamente, nos termos expressos do regimento (artigo 22.º, § único), «nos pareceres relativos a ratificações com emendas haverá apenas lugar no exame nu especialidade e tis respectivas conclusões, podendo, porém, quando necessário, fazer-se preceder o exame na especialidade de uma introdução».
Isto quer significar, manifestamente, que a Câmara Corporativa não tem qualquer liberdade de e apreciação na generalidade» dos decretos-leis ratificados com emendas pela Assembleia Nacional, pois deve entender-se que, nesse aspecto, o diploma se encontra definitivamente aprovado. E daí deriva, como corolário lógico, que o «exame na especialidade» a que haja de proceder não pode mover-se senão no quadro da «generalidade» já aprovada pela Assembleia 1.
Mas o que isto implica, evidentemente, é a necessidade de apurar, antes de mais nada, o verdadeiro sentido da «generalidade» aprovada pela Assembleia ao ratificar o decreto-lei, pois não pode deixar de ter-se em conta que a Assembleia condicionou essa ratificação à introdução de emendas e pode, desse modo, ter pretendido atingir o diploma em certos aspectos da própria «generalidade».
Por outras palavras: o que não pode a Câmara Corporativa, em casos destes, é fazer uma apreciação autónoma da «generalidade»; mas pode e deve apurar em que medida «generalidade» aprovada pela Assembleia se conforma com a «generalidade» que inspirava o diploma na sua versão primitiva, pois é no âmbito daquela, e não no âmbito desta, que a Câmara tem de mover-se ao proceder ao «exame na especialidade» que lhe é solicitado.
Para esse efeito, há-de a Câmara socorrer-se essencialmente de dois elementos: as votações verificadas e os discursou proferidos durante o debate na Assembleia Nacional - as primeiras, como expressão da própria vontade da Assembleia; e os segundos, como elemento de hermenêutica para esclarecer o verdadeiro sentido daquelas votações.
6. Aplicando estes princípios ao caso presente, uma conclusão resulta logo nítida do debate e da votação a que o Decreto-Lei n.º 42 178 foi submetido na Assembleia Nacional: n de que u Assembleia desejou ostensivamente abster-se de discutir na «generalidade» as disposições daquele diploma que não estão relacionadas com o problema do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras. E são elas: a nova redacção dada pelo artigo 1.º do decreto-lei aos §§ 1.º, 2.º e 3.º do artigo 55.º, ao § 4.º do artigo 145.º, ao § 2.º do artigo 149.º, aos artigos 180.º, .184.º, 187.º e 272.º e ao § único do artigo 469.º do Código Administrativo e o disposto no artigo 3.º do decreto-lei, em manifesta correlação com a nova redacção dada pelo artigo 1.º do mesmo diploma ao artigo 272.º do Código Administrativo.
Que esta foi, sem sombra de dúvida, a vontade da Assembleia Nacional mostra-o o facto de nenhum dos Srs. Deputados que intervieram no debate ter esboçado a mais ligeira crítica ao decreto-lei quanto a essas disposições. E não deixa de ser elucidativo também, no mesmo sentido, que o Sr. Deputado Amaral Neto,
1 Nem faria sentido que fosse de outro modo, pois a Assembleia Nacional já não volto a discutir na «generalidade» o decreto-lei ratificado com emendas; e seria supérflua, portanto, qualquer consideração formulada a esse respeito pela Câmara Corporativa.
Foi logo na primeira sessão legislativa da I Legislatura que a Assembleia Nacional teve de fixar doutrina a este respeito, estabelecendo, depois de largo e elucidativo debate, que nos decretos-leis ratificados com emendas «a discussão por ocasião da ratificação ó a discussão na generalidade e que não há outra na generalidade» (Diário das Sessões n.º 18, de 23 de Fevereiro de 1985, p. 867).
Foi na sequência desta deliberação que o Regimento da Assembleia determinou, no seu artigo 84.º, que «os decretos-leis submetidos a ratificação da Assembleia Nacional serão postos à discussão e votação na generalidade, independentemente do parecer da Câmara Corporativa». E essa discussão na generalidade, segundo elucida o artigo 41.º, alínea a), do mesmo regimento, «terá por fim apurar se deve ser concedida ou negada a ratificação e, além disso, apreciar a oportunidade e vantagem dos novos princípios legais e a economia do decreto-lei».
Seria erróneo, portanto, supor que a Assembleia Nacional, ratificando com emendas um decreto-lei, apenas se pronunciou sobro o problema da ratificação, deixando campo livre à Câmara Corporativa para sugerir as emendas que entender, qualquer que seja a sua amplitude. Para além do problema da ratificação a Assembleia Nacional deixou arrumado o debate, de uma vez para sempre, quanto à oportunidade e vantagem dos novos princípios legais e quanto à economia do decreto-lei. E é restritamente dentro do âmbito dos princípios assim fixados pela Assembleia que a Câmara Corporativa tem de pronunciar-se no seu «exame na especialidade».