1090 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 101
ultrapassando o plano vertical correspondente à linha divisória do chão do domínio público. E o que se conclui do § 2.º do artigo 157º do Regulamento da Conservação, Arborização e Polícia das Estradas, aprovado por Decreto de 21 de Fevereiro de 1889; do § 2.º do artigo 67.º do Regulamento da Conservação, Arborização, Polícia e Cadastro das Estradas, aprovado por Decreto de 19 de Setembro de 1900, e do § 3.º do artigo 88.º do Regulamento das Estradas Nacionais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36 816, de 2 de Abril de 1948, que estabeleci-a textualmente:
Se houver árvores que, embora situadas fora da faixa referida no corpo deste artigo, estendam os seus ramos sobre a zona da estrada definida no artigo 10.º e desse facto possam resultar quaisquer inconvenientes para a mesma ou para o trânsito, poderão ser cortados, pelo pessoal dos serviços de estradas, os ramos que ultrapassarem o plano vertical que passa pela linha limite da referida zona, se o dono dessas árvores, sendo avisado, o não fizer no prazo de três dias.
Nenhum daqueles regulamentos reconhecia, porém, aos proprietários confinantes a faculdade de poderem exigir ou fazer o corte de ramos de arvoredo das estradas que pendessem sobre as suas propriedades, certamente por se reconhecer não deverem aplicar-se ao domínio público as disposições do artigo 2317.º do Código Civil. Semelhante critério corresponde, aliás, ao interesse geral e, no aspecto jurídico, ao espírito da lei e à jurisprudência consagrada pelos tribunais relativamente aos bens públicos, u qual considera não serem aplicáveis ao domínio público, mas somente às relações entre propriedades de domínio privado, os preceitos estabelecidos por aquele Código ao tratar das restrições impostas à propriedade em defesa da propriedade alheia.
3. O caso da situação jurídica das plantações das estradas nacionais francesas tem sido e continua a ser considerado de modo mais ou menos semelhante. Por alturas de 1934, com o propósito de codificar e modernizar a legislação correspondente, o Governo Francês nomeou uma comissão composta de mais de vinte membros, escolhidos entre o alto funcionalismo das finanças, serviços florestais e obras públicas, e representantes das belas-artes e das associações de agricultores e viveiristas. Depois de dois anos de aturados estudos daquela comissão, foram aprovadas, com data de 16 de Junho de 1936, e sob o título «Règles concernant lês plantations sur lês Routes Nationales», novas regras que representam ainda hoje, sob os aspectos técnico e administrativo, a base da codificação relativa às plantações das estradas nacionais francesas. O capítulo dessas regras relativo à situação jurídica das plantações das estradas chama a atenção para os direitos mútuos do Estado e dos particulares, pondo em evidência o aparente desacordo entre o Código Civil e a legislação referente ao assunto; nele se expendem também as opiniões dos altos organismos administrativos franceses sobre o problema, em termos que a seguir se resumem.
De acordo com o Código Civil francês, não é permitido ter árvores a menos de 2 m das estremas dos vizinhos e estes poderão exigir o arranque das plantadas contra essa disposição legal. Importa, no entanto, ter presente que, convidado a apreciar reclamações de proprietários sobre plantações a menos de 2 m do limite da estrada, o Conselho Superior de Obras Públicas (Conseil General des Ponts et Chaussées) foi de parecer, largamente justificado, de que aos referidos preceitos do Código Civil se não aplicavam às relações entre o Estado e os proprietários confinantes com as estradas nacionais. Por sua vez, o Supremo Tribunal (Cours de Cassation) afirmou a mesma doutrina, dizendo que os artigos 671.º e 672.º do Código se não aplicam, nem pelo texto nem pelo espírito da lei, senão a árvores plantadas junto das estremas de propriedades privadas (Acórdão de 16 de Dezembro de 1881).
O Estado tem, por isso, o direito de fazer plantações nas estradas nacionais a qualquer distância das propriedades vizinhas, embora deva usar com moderação deste direito. Segundo a jurisprudência consagrada pelo citado Supremo Tribunal, não se poderão invocar os referidos artigos do Código Civil para exigir o arranque de plantações rodoviárias situadas a menos de 2 m da estrema. Também o artigo 673.º do mesmo Código, modificado pela Lei de 20 de Agosto de 1881, se não pode aplicar contra a administração pública, que, por consequência, não pode ser obrigada a cortar ramos ou raízes que avancem sobre as propriedades vizinhas, nem o proprietário marginal tem o direito de os cortar.
4. Entre nós, porém, aconteceu que, submetido à Assembleia Nacional, o citado Decreto-Lei n.º 36 816, de 2 de Abril de .1948, que aprovava e mandava pôr em execução o Regulamento das Estradas Nacionais, foi convertido em proposta de lei e baixou assim à Câmara Corporativa, que emitiu o respectivo parecer n.º 36/IV, de 21 de Abril de 1949, sugerindo nele diversas modificações àquele regulamento, que passou a designar-se por Estatuto das Estradas Nacionais. Embora o antigo critério, até então usado, tivesse sido mantido por aquela Câmara, a Assembleia Nacional, ao discutir e votar a referida proposta de lei, aprovou um aditamento ao § 3." do artigo 88.º, dispondo que igual direito (o concedido nos serviços das estradas sobre desramação de arvoredo particular) é reconhecido nos proprietários interessados em, relação às árvores existentes na área das estradas, o que, afinal, vem a situar no campo do domínio público doutrina do artigo 2317.º do Código Civil, aplicável ao domínio privado.
A doutrina correspondente ao uso do referido direito está em desacordo com o espírito e á letra das demais disposições sobre protecção da riqueza florestal do País e sobre os direitos e obrigações do público e dos proprietários confinantes, quanto à existência e exploração e árvores à margem e nas proximidades das estradas nacionais. De tais disposições, poderão destacar-se as correspondentes ao artigo 10.º do Regulamento da Protecção das Árvores Nacionais, aprovado pelo Decreto n.º 682, de 23 de Julho de 1914; ao artigo 6.º do Decreto lei n.º 13 658, de 20 de Maio de 1927; ao artigo 7.º do Decreto n.º 20 827, de 27 de Janeiro de 1932; ao artigo 1.º e seus parágrafos do Decreto-Lei n.º 38 271, de 26 de Maio de 1951, e Portaria n.º 13 733, de 7 de Novembro de 1951; e, ainda, do Estatuto das Estradas Nacionais, as correspondentes no artigo 82.º, n.º 3.º, aos artigos 87.º e 127.º, ao artigo 88.º, ao artigo 133.º, § , e ao artigo 138.º.
5. Não pode, na verdade, considerar-se razoável que os proprietários confinantes com as estradas nacionais, contrariando, aliás, outras disposições legais, possam, ao fim de três dias, fazer o corte de ramos de arvoredo rodoviário, quando a poda profunda das suas próprias árvores, radicadas na faixa do seu próprio terreno que se estende até 5 m além da linha limite da zona da estrada, lhes pode ser negada pelos serviços de estradas ou ter de aguardar a necessária autorização dentro de um prazo de 30 dias sobre a entrega da correspondente participação. De resto, na prática, seria manifesta a desigualdade de tratamento em desfavor do Estado e do interesse geral, pois para as estradas apenas poderão