426 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 49
Os crimes em causa revestirão, contudo, a feição militar (crimes acidentalmente militares) quando forem praticados por militares ou quando, por circunstâncias particulares, a lei assim entenda dever considerá-los. Será o caso de tais crimes ocorrerem em tempo de guerra ou de emergência.
A este assunto se voltará a propósito do foro competente.
Do que fica exposto resulta que as infracções de que nos estamos ocupando bem poderiam ser contempladas na lei penal comum. E não há dúvida de que elas são previstas de uma maneira geral no projecto do novo Código Penal.
Simplesmente, não se vê inconveniente, mas antes se tem por avisado prevê-las nesta lei do serviço militar, não só porque elas têm manifesta ligação com este, mas ainda porque a lei penal comum em vigor as não prevê suficientemente. Importará, todavia, ter presentes as indicações do projecto do novo Código Penal, já revisto por uma comissão de juristas e publicado no n.º 157 do Boletim do Ministério da Justiça. E importará ainda confrontar os novos textos que se propõem com o estatuído na Lei n.º 1961, vigente, e no Código de Justiça Militar. Da ponderação de todos estes elementos é que deverão extrair-se as soluções.
26. Na proposta atribui-se aos tribunais militares a competência para conhecer e julgar os crimes a que se referem as disposições penais previstas.
Trata-se de uma orientação que o direito vigente não consagra. Justificar-se-á?
Segundo uma certa tendência, só os crimes essencialmente militares, justamente por eles violarem as necessidades de obediência e disciplina militares, devem ficar sujeitos ao foro militar. Todos os outros - mesmo os cometidos por quem tenha a qualidade de militar - devem ser julgados nos tribunais comuns.
Dentro de outra orientação legislativa, o foro militar é competente não apenas relativamente aos crimes essencialmente militares e aos crimes acidentalmente militares, mas estende-se ainda a vários crimes comuns cometidos por indivíduos meramente civis, máxime os crimes contra a segurança do Estado.
Entre nós, os tribunais militares são competentes para julgar os crimes previstos no Código de Justiça Militar, quer sejam essencialmente militares, quer acidentalmente militares (artigo 355.º do Código de Justiça Militar). Relativamente aos civis, houve a preocupação de só em casos restritos e em circunstâncias excepcionais - tempo de guerra ou de emergência - os sujeitar ao foro militar (cf. o artigo 164.º, § único, e o artigo 166.º).
Quanto aos crimes respeitantes ao recrutamento militar, que interessam à proposta em apreciação, o Código de Justiça Militar preceitua, no seu artigo 356.º, que «os tribunais militares não são competentes para conhecer da regularidade ou irregularidade das operações de recrutamento militar».
No mesmo sentido se orientou a Lei n.º 1961, em vigor, cujo artigo 76.º dispõe o seguinte,
Todas as fraudes de que resulte omissão da inscrição de qualquer mancebo no recenseamento são julgadas pelos tribunais ordinários e punidas com prisão de um mês a um ano.
Os funcionários públicos civis ou militares autores ou cúmplices em fraudes do recenseamento militar serão abatidos cios quadros a que pertençam e em seguida julgados nos termos estabelecidos.
Por sua vez, os artigos 78.º e 79.º da mesma lei sujeitam ao foro comum todos os indivíduos, mesmo militares (oficiais, sargentos, membros das juntas de recrutamento), que pratiquem os factos neles previstos.
Em suma a orientação do nosso direito é no sentido de colocar fora da jurisdição dos tribunais militares as infracções à Lei do Recrutamento e Serviço Militar.
27. A proposta, ao contrário, decide-se pela competência do foro mulitar, mesmo quando as infracções sejam cometidas por não militares.
Põe-se, porém, a maior reserva a esta orientação, pois afigura-se-nos não haver razões bastantes para, em circunstâncias normais - de paz, digamos -, subverter os melhores princípios do direito e processo criminais.
Com efeito, as infracções previstas na proposta de lei não constituem crimes essencialmente militares, como já ficou dito no inúmero anterior, visto que não se traduzem na violação de um dever militar, muito embora ponham em causa interesses de ordem militar São crimes contra a defesa nacional, que tanto podem ser cometidos por civis como por militares. Assim, só quando forem militares os seus agentes se justifica que intervenham os tribunais militares, em razão do foro pessoal.
Reparte-se que entre nós a tendência tem sido para restringir a competência dos tribunais militares.
Assim, pelo artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 35 044, de 20 de Outubro de 1945, foi extinto o Tribunal Militar Especial, passando a sua competência para os tribunais ordinários, nos termos da lei geral. E entre os processos da sua competência encontravam-se os que diziam respeito aos crimes contra a segurança do Estado.
Por outro lado, é de assinalar que as infracções de que se ocupa a proposta de lei estão, de um modo geral, previstas no projecto do novo Código Penal, já revisto por uma comissão de juristas designados pelo Ministério da Justiça. E isso significa justamente que se trata de crimes comuns, por isso mesmo afectos ao conhecimento dos tribunais ordinários.
A solução preferível parece ser, assim, a de entregar aos tribunais comuns o conhecimento e julgamento dos crimes em causa quando os seus agentes forem civis e aos tribunais militares quando aqueles tiverem a qualidade militar.
Em circunstâncias excepcionais, isto é, em tempo de guerra ou de emergência, já se compreende que o foro militar se estenda aos próprios civis, como, aliás, o admite o direito actual quanto ao crime de inabilitação voluntária para o serviço militar (artigo 77.º da Lei n.º 1961, cf. , no mesmo sentido, o n.º 3.º do artigo 402.º do projecto do novo Código Penal) e quanto a alguns crimes previstos pelo Código de Justiça Militar [§ único do artigo 164.º (mobilização do mão-de-obra), artigo 166.º e § único (convocação de mancebos com mais de 18 anos e mobilização de pessoal técnico ou especializado)].
E serão também circunstâncias excepcionais, merecendo por isso o mesmo tratamento, aquelas que obriguem, em todo o território ou em parte dele, à execução de operações militares ou de polícia destinadas a combater as (perturbações ou ameaças dirigidas contra a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas e a integridade do território nacional, embora não tenha sido declarado o estado de sítio. É, aliás, orientação já seguida, embora de âmbito mais limitado, quanto ao território e às pessoas, no Decreto-Lei n.º 45 308, de 15 de Outubro de 1963.
É esta extensão do foro militar, nos termos acabados de referir, que parece oferecer a necessária garantia dos interesses a tutelar