184 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 148
tinue a manter, por exemplo, a taxa adicional de 4 por cento ao imposto sucessório: estranhar que dentro do plano do reconstituïcào económica não figure uma política, familiar, que encare nos vencimentos e nosimpostos os encargos da família, e salve os pequenos patrimónios que o fisco ameaça aniquilar.
Mas. Sr. Presidente, o Govêrno poderá dizer-me: o Deputado tem razão, a Assemblea tem razão, mas eu tenho em frente de mim milhares de portugueses que não têm o mínimo suficiente, que não têm o pão assegurado todos os dias.
As necessidades também têm a sua hierarquia e esta consta do artigo 6.º da Constituição.
Qual está primeiro: valer àqueles que não têm pão assegurado ou estudar a melhoria familiar, que é justa, que é indispensável, mas que necessita de estudos técnicos que o Govêrno não tem ainda concluídos?
Perante estas razões sociais poderei curvar-me, mas sem deixar contudo de lamentar que a política familiar não conseguisse afirmar-se ainda por forma aberta em nenhuma das propostas orçamentais do Govêrno.
É certo ainda, Sr. Presidente, que sôbre o País não recaem apenas os impostos lançados pelo Estado. Creio mesmo que o que mais gravemente pesa sôbre o País são os impostos lançados, às vezes um poucochinho anàrquicamente, pelas câmaras municipais.
Abrindo o Orçamento de 1937 eu encontro estes dois números: 73:000 contos para as câmaras, recolhidos em forma de percentagem sôbre as contribuições do Estado; mas encontro também que os seus orçamentos consignam despesas que andam à roda de 460:000 contos. É evidente que êste dinheiro é arrancado à economia do País, caindo os impostos sôbre os pequenos e os médios, porque a maior parte dêsses impostos são indirectos e por isso não obedecem a qualquer justiça distributiva.
Esta cifra é tam forte e tam alta que basta dizer que eu tive o cuidado de alinhar as parcelas da Industrial, da Profissional, da Predial e a do Imposto sucessório, e todas elas dão 439:000 contos. E as câmaras, no entanto, arrancam ao Pais 460:000 contos.
É por isso, Sr. Presidente, que eu, mais de uma vez, tenho afirmado aqui que, quando o País se queixa dos impostos altos, se queixa, com razão. Simplesmente, muitas vezes se queixa do Estado, quando deveria queixar-se daqueles que estão a seu lado e, em certos casos, se intitulam seus defensores.
Vou terminar as minhas ligeiras considerações.
Mais uma vez quis afirmar nesta tribuna que uma proposta de autorização de receitas e despesas trazida a esta Assemblea não está isenta da fiscalização da Câmara. Pelo contrário, tanto na sua política tributária, como na sua política financeira, como na sua política económica, ela merece e deve ser apreciada profundamente por esta Assemblea, porque, no dia em que as propostas de autorização de receitas o despesas deixassem de ser devidamente consideradas por uma assemblea política, esta teria perdido a sua razão de ser, porque, a génese, histórica das assembleas políticas, mostra-nos que elas foram criadas precisamente para discutir impostos e impedir que se aumentem indevidamente as despesas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: inicia-se hoje, nesta Casa, a discussão da proposta de lei da autorização das receitas e despesas públicas para 1938.
E, a êste propósito, sou levado a notar que bem vária e contraditória é, afinal, a atmosfera de comentários e de impressões no meio da qual têm de desenvolver-se, na maior parte das vezes, os factos políticos de um país.
O Govêrno apresenta à Assemblea Nacional, com duplo rigor de pensamento e de formalismo, dentro das normas legais estabelecidas, a proposta que fixa as grandes directrizes a que há-de subordinar-se o Orçamento do Estado no novo ano económico - e, para muitos, êste acto do Govêrno não aparece com outro carácter que não seja o do cumprimento automático e frio de um artigo de lei constitucional a que, em cada ano, êle é obrigado.
O Govêrno propõe à Nação, legitimamente representada por esta Assemblea, uma lei preparatória do Orçamento que é, no fundo, muito mais do que isso, porque é um verdadeiro programa-síntese de administração pública - e, entretanto, parece que, no ponto do vista de muitos, estamos apenas em presença de uma formalidade legal que o Govêrno cumpre, como tantas outras, no decurso da sua função, sem lugar portanto a uma nota destacante de registo ou a uma palavra que a faça notada entre as medidas de todos os dias a que o Govêrno liga a sua responsabilidade e o seu nome.
E, todavia, Sr. Presidente, à luz do direito político e constitucional, como à luz das realidades morais e sociais da Nação, o documento que estamos apreciando é o documento de mais profunda, de mais palpitante, de mais transcendental importância pública e privada que, no exercício da nossa função legislativa e fiscalizadora, nos é dado apreciar e julgar.
Essa importância, a que quero referir-me e pôr em relevo, não é bem a de carácter técnico, resultante dá íntima conexão que existe entre o plano que se traça o a acção que lhe dá vida, entre o diploma basilar e o diploma regulamentar, numa palavra: entre a lei de meios e a própria factura do Orçamento, mas a importância excepcional que dimana do próprio contexto da proposta e do profundo e consolador significado das suas disposições.
Esta é que caracteriza e ilumina toda a proposta, não na esfera das abstracções científicas, mas no campo das realidades que todos palpamos, dando-lhe um valor que, do alto da tribuna desta Assemblea essencialmente política, merece ser devidamente destacado, como um grande facto, uma grande conquista, uma grande glória política de Portugal do nosso tempo.
Não falo já do equilíbrio orçamental, base natural e necessária de tudo a que temos vindo assistindo nos últimos anos no nosso País, em matéria de crédito interno e externo, de estabilização do valor da moeda, do aumento da capitalização, de deminuïçao de alguns impostos. Refiro-me à manutenção e consolidação dêsse equilíbrio, que representa a consagração real e iniludível dos processos de reforma e de acção empregados em matéria financeira e que, ainda agora, permite a esta Assemblea, sob proposta do Govêrno, estabelecer com segurança as linhas gerais do prosseguimento do vasto plano de fomento nacional que ora temos em execução.
Contra todas as tradições nacionais, infelizmente tam perturbadoras neste capítulo, e que chegaram a levar um dia uma Comissão de Fazenda a afirmar, textualmente, que tinha "adquirido a desgraçada certeza de que, por mais economias e reduções que se fizessem, era impossível igualar a receita com a despesa", e que mais tarde haviam de autorizar um professor e economista ilustre a definir que "a história do déficit era a história das finanças portuguesas" - implantou-se o sistema da ordem, da disciplina e do saneamento das finanças públicas, e o equilíbrio do orçamento, planeado com firmeza e alcançado com segurança, pôde ser convertido em norma constitucional do Estado.
Decorreram tempos, passaram-se anos, o Sr. Ministro das Finanças vai organizar agora o 10.º orçamento à luz daqueles princípios, que êle próprio criou, rehabi-