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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
SUPLEMENTO AO N.º 185
ANO DE 1938 12 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
CONTAS GERAIS DO ESTADO
(1 de Julho de 1928 a 31 de Dezembro de 1936)
Parecer da comissão encarregada de apreciar as contes públicas
(Artigo 91.º da Constituição)
1. O período de administração pública compreendido entre 1928 e 1936, distingue-se por certo número de condições e circunstâncias traduzidas em resultados que marcam na vida financeira da Nação unia época inteiramente nova.
Valia, por isso, a pena expor com clareza os principais acontecimentos que influenciaram os negócios do Estado nesses anos e fornecer ao mesmo tempo elementos de estudo e investigação a quem quisesse analisar em maior minúcia as cifras e operações que caracterizaram a gestão financeira neste relativamente longo espaço de tempo.
Com êste intuito dividiu-se o trabalho da comissão em duas partes inteiramente distintas.
O presente parecer foi elaborado sôbre um estudo prévio do relator da comissão, publicado sob o título Portugal Económico e Financeiro, do qual constam subsídios de diversa ordem e os pormenores indispensáveis à mais fácil análise das contas públicas. Faz parte como anexo do presente trabalho e é base em que assenta a sua substância. Foi por êsse motivo distribuído a todos os membros da Assemblea Nacional e será designado adiante pelo nome de Relatório.
2. As circunstâncias em que se encontrava o País em 1928 e os objectivos da reforma financeira que então se pretendia iniciar podem resumir-se nestas frases, extraídas do discurso do Ministro das Finanças que a empreendeu:
«O problema financeiro é redutível aos seguintes dados fundamentais: um déficit crónico que tomou foros de instituição nacional, de um venerando monumento nacional; um déficit cuja repetição provocou uma dívida relativamente avultada, nem sempre representada por uma contrapartida no activo do Estado; uma dívida flutuante muito elevada, de taxas de juros altos, onerosa portanto e com perigos de reembolso imediato; e uma dívida constituída por tam diversos tipos de empréstimos e juros tam afastados da taxa do mercado, que as cotações parecem acusar o descrédito do Estado, quando de facto acusam apenas os baixos rendimentos. Acrescentemos ainda a má arrecadação das receitas e uma distribuição desigual dos rendimentos públicos pelos serviços do Estado.
¿ Será por aqui que deve começar-se a solução do problema nacional?
Digo-vos: a não solução dêste problema fundamental traduz-se no recurso indefinido ao crédito. Quando este falta é preciso recorrer à emissão de notas, à fabricação de moeda falsa, que tanto é a emissão de notas sem cobertura. Essas emissões representam saques sôbre o futuro. São êsses os que somos agora chamados a pagar».
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3. Os factos tam lùcidamente sintetizados em Junho de 1928 eram consequência da série de desvarios financeiros que se tinham acentuado na última década, embora viessem já de longa data. Dois períodos dominantes haviam deixado profundo rasto nas finanças nacionais: o que se refere às lutas civis dos primeiros tempos do século passado e o que, mais perto de nós, se seguiu à Grande Guerra.
Não é êste o lugar para larga análise dêsses períodos, e de outros porventura também carecidos de demorado exame, nem há vantagem em trazer à superfície acontecimentos que cavaram ruínas na economia nacional. O conhecimento dos factos que dêles resultaram tem, porém, a vantagem de evitar que possam repetir-se métodos ou processos de administração semelhantes.
No Relatório já mencionado foram expostos, como prefácio à análise das contas públicas, alguns dos principais tópicos da gestão financeira desde 1800 a 1926.
4. Não podia o País, sob pena de suicídio, arcar com os tremendos efeitos duma política financeira que levava a deficits orçamentais constantes e volumosos e tinha como consequência o aumento progressivo da dívida flutuante, representada por bilhetes do Tesouro e contas correntes com a Caixa Geral de Depósitos e Banco de Portugal, além do recurso a emissões fiduciárias de que resultava o aviltamento da moeda.
A anarquia nas contas públicas e a debilidade na defesa das receitas, que representavam pesados sacrifícios dos contribuintes; o contínuo aumento das despesas que raro significavam prestação ou melhoria de serviços; a impossibilidade de atalhar dispêndios inúteis consentidos pela fraqueza do poder ou por compromissos políticos, eram a causa directa de reclamações, de protestos, de desordens sociais e do afastamento ou indiferença da opinião da maioria perante a actividade do poder central.
Ressentiu-se disso a economia pública. E o atraso material do País e a falta de melhoramentos indispensáveis ao bem-estar dos povos, tanto nas cidades como nas populações rurais, derivaram em grande parte dos processos financeiros aplicados durante largos anos. Quando tudo ou quási tudo se consumia no pagamento do funcionalismo ou nos encargos da dívida, pouco ou nada havia para atender às necessidades de ordem social ou económica dum país que descurara, por épocas seguidas, os seus instrumentos de fomento e não soubera aproveitar um potencial de recursos de inegável valor.
A reforma financeira tornava-se, por consequência, no tocante à vida interna da Nação, necessidade imposta pelas circunstâncias cada vez mais delicadas do Tesouro. Sobretudo depois da guerra acentuara-se a multiplicação de notas do Banco, vulgarizara-se o hábito de recorrer, para pagamento de despesas, aos depósitos da Caixa Geral e abusava-se nas piores emergências do fácil remédio da emissão de bilhetes do Tesouro a taxas demasiadamente elevadas.
5. Não eram menos delicados os reflexos da desordem financeira na nossa política internacional. É sabido que a administração dum país se repercute sempre nas suas relações externas.
Nesta época de extrema facilidade de comunicações o conceito dum povo no mundo internacional representa no seu activo uma parcela importante. A autarquia económica torna-se difícil aos próprios países de extensa área e largos recursos fàcilmente adaptáveis às necessidades modernas. Nem aqueles que possuem dentro de suas fronteiras quási todas as matérias primas e substâncias alimentícias necessárias à vida conseguem desprender-se de ligações ou trocas com o mundo exterior. Quando, porém, é preciso procurar no estrangeiro mercados para a colocação do excesso da produção interna em serviços e em bens de consumo, e se torna indispensável importar combustíveis e outros elementos essenciais às actividades de todo um povo, o problema do conceito internacional assume especial delicadeza e acuidade. Traduz-se em muitos aspectos da vida pública e particular; influe consideràvelmente nas relações económicas; e pode mesmo servir de base ou constituir factor importante na defesa de direitos que, embora sólidos e bem fundados, muitas vezes são esquecidos quando se trata de nações pequenas a quem falece, com a fôrça material, a força moral resultante da seriedade e da lisura nos actos e nas decisões da sua política administrativa.
A sensível melhoria na posição internacional do País, verificada nos últimos tempos, é em grande parte consequência da reorganização financeira e revela claramente que a maior e melhor propaganda política e económica dum povo se faz pela conveniente solução dos problemas internos relacionados com as finanças do Estado.
6. Tudo exigia se removessem de vez as causas que afectavam profundamente a vida pública.
Não fôra possível logo a seguir ao 28 de Maio atacar o mais delicado problema português - o das suas finanças. Perturbações políticas e sociais, traduzidas em acontecimentos revolucionários de gravidade, ocasionaram mesmo perigosos aumentos de despesa. Quási não havia tempo nesses agitados anos para cuidar, com sossêgo de espírito, das finanças nacionais.
Com o deminuir da agitação política, principiaram a acentuar-se as aspirações do País pela tranquilidade social, a que se ligava o saneamento indispensável das contas públicas.
A situação em 1928 pode resumir-se assim:
a) Dívida flutuante exagerada e extremamente dispendiosa em virtude das elevadas taxas de juro;
b) Dificuldades na aquisição de cambiais para pagamento de encargos do Estado e de particulares, no estrangeiro;
c) Nivel baixo de receitas e atrasos nas cobranças;
d) Despesas excessivas em relação aos recursos normais do Tesouro, agravando os desequilíbrios das contas públicas;
e) Vida administrativa extremamente complexa, levando à dispersão de verbas por diversos serviços, que não vinham ao orçamento, e das quais muitas vezes se não extraía o rendimento necessário;
f) Desconexão entre os elementos financeiros do Estado, ou a êle estreitamente ligados, traduzindo-se em enfraquecimento do poder central;
g) Possibilidades e facilidades na abertura de créditos para liquidação de despesas, sem contrapartida de receitas;
h) Má repartição da carga fiscal, com inconvenientes e injustiças patentes a todos;
i) Mau aproveitamento de muitas receitas por motivos resultantes da própria organização administrativa do Estado;
j) Indiferença e pessimismo duma opinião pública habituada, em sucessivos anos de promessas, a descrer dos seus dirigentes políticos.
7. Estas razões e outras, que escusado será enumerar aqui, tornavam urgente a solução do problema financeiro. Para isso era necessário:
1.º Concentrar e aumentar a potência financeira pela redução das despesas, melhor aproveitamento das receitas e consolidação das dívidas do Estado, das colónias e dos corpos administrativos;
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2.º Sanear o crédito público e particular pela estabilização da moeda, fazendo cessar de vez os aumentos da circulação fiduciária e desviando para fins produtivos grande parte da poupança nacional, representada por depósitos nas caixas económicas e bancos;
3.º Simplificar, aperfeiçoar e modernizar os serviços públicos e os directa, ou indirectamente ligados ao Estado, de modo a estabelecer relações claras e honestas entre o público e as entidades oficiais.
O que fica exposto resume sumariamente a herança do passado, as necessidades impostas pelas condições, do Tesouro e a gravidade do problema financeiro, em faço das circunstâncias que prevaleciam em 1928.
Os saldos
8. A característica principal das coutas gerais do Estado, sujeitas à apreciação da Assemblea Nacional, reside na série constante de saldos verificados nos últimos oito anos e moio que terminaram em 31 de Dezembro de 1936. Convém examiná-los em face da lei fundamental do País.
O título XIV da Constituição, relativo às finanças do Estado, contém nos artigos 63.º e 67.º as directrizes a que as mesmas devem obedecer.
A doutrina expressa é a seguinte:
«Artigo 63.º O Orçamento Geral do Estado para o continente e ilhas adjacentes é unitário, compreendendo a totalidade das receitas e despesas públicas, mesmo as dos serviços autónomos, de que podem ser publicados à parte desenvolvimentos especiais».
Em conformidade com os preceitos constitucionais, o saldo das coutas do Estado é a diferença entre a totalidade das receitas e despesas públicas ordinárias e extraordinárias.
Nas receitas extraordinárias compreende-se o produto de empréstimos emitidos e colocados durante o ano económico. Tornava-se, por consequência, necessário regular claramente as condições em que ao Estado é permitido recorrer ao crédito. Constam elas do artigo 67.º:
«Artigo 67.º O Estado só poderá contrair empréstimos para aplicações extraordinárias em fomento económico, amortização de outros empréstimos, aumento indispensável do património nacional ou necessidades imperiosas de defesa e salvação pública.
§ único. Podem todavia obter-se, por meio de dívida flutuante, os suprimentos necessários, em representação de receitas da gerência corrente, no fim da qual deve estar feita a liquidação ou o Tesouro habilitado a fazê-la pelas suas caixas».
A determinação dos saldos no fim de cada ano tem, pois, de ser feita tendo em conta:
1) O total das receitas ordinárias e extraordinárias;
2) O destino do produto das operações de crédito realizadas durante êsse ano.
Neste último caso é indispensável verificar se os empréstimos contraídos foram utilizados em:
a) Aplicações extraordinárias em fomento económico;
b) Amortização de outros empréstimos;
c) Aumento indispensável do património nacional;
d) Necessidades imperiosas de defesa e salvação pública.
Nos capítulos relativos a receitas extraordinárias, despesas extraordinárias e saldos, respectivamente a pp. 67, 315 e 341 da 1.ª parte do Relatório, encontra--se desenvolvidamente tratado êste assunto. Utilizaremos aqui as cifras apuradas nesse trabalho anexo.
Os saldos orçamentais
9. As receitas e despesas, tal qual se exprimem nos orçamentos que foram lei nos anos que decorreram de 1928-1929 a 1936, podem esquematizar-se no quadro seguinte:
Receitas e despesas orçamentais
(Em contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Durante os anos respectivos abriram-se créditos diversos, devidamente autorizados; mas, como êstes não podem perturbar o equilíbrio do orçamento, porque cada aumento de despesa tem de ter contrapartida em aumento de receita ou em anulações de outras verbas de despesa, o equilíbrio mantém-se, embora os totais de receitas e despesas no fim de cada ano sejam diferentes dos que figuram no orçamento.
A título de informação, e para melhor esclarecimento do assunto, podem resumir-se no quadro seguinte as dotações orçamentais no fim de cada ano, em contos:
[Ver Tabela na Imagem]
10. Examinando o quadro que define o total das receitas e despesas, verifica-se que se apresentaram rigorosamente equilibrados os orçamentos em cada ano, conforme o espirito da Constituição de 1933 e das leis de reforma orçamental que orientaram desde 1928 as finanças públicas nacionais.
Os saldos podem resumir-se, por anos económicos e milhares de contos, nos números seguintes:
[Ver Tabela na Imagem]
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As cifras mostram:
1. Que os saldos orçamentais entre as despesas e receitas ordinárias se elevaram a 40:700 contos;
2. Que os deficits orçamentais das receitas sôbre as despesas extraordinárias se elevaram a 24:700 contos;
3. Que o total dos saldos orçamentais no período de oito anos e meio foi de 25:000 contos.
Os saldos das contas
11. São meras estimativas os números que se inscrevem no orçamento. A sua exactidão, embora correcta no momento em que são inscritos, pode sofrer profundas alterações durante o decorrer da gerência ou ano económico, por virtude de acontecimentos tanto de ordem social e política como puramente financeira. Os orçamentos do Estado requerem por isso atenção contínua durante o tempo em que vigoram. Embora os preceitos constitucionais estatuam explìcitamente o seu equilíbrio, por fôrça do artigo 66.º da lei fundamental do País, que impõe o nivelamento entre as receitas e despesas nos seguintes termos: «O orçamento deve consignar os recursos indispensáveis para cobrir as despesas totais», é mester vigiar constantemente o rigoroso cumprimento dos princípios expressos na Constituição e nas leis da contabilidade pública.
Esta necessidade é de todos os tempos, mas torna-se mais premente em épocas de perturbações económicas, políticas ou sociais. A correspondência exacta entre as receitas e despesas, base fundamental da estrutura financeira do Estado Português, já foi posta à prova, no período agora sujeito à apreciação da Assemblea. E adiante se verão quais as consequências, no ponto de vista orçamental - quantitativo das receitas e despesas-, da crise económica, que também perturbou a normalidade das contas públicas.
O quadro seguinte mostra, expressas em milhares de contos, as receitas e as despesas ordinárias e extraordinárias tal como se apresentam nas contas, depois de deduzidas, em 1933-1934 e 1936, as receitas destinadas a amortização de dívida e a economia resultante, em 1931-1932, do contrato com o Banco de Portugal, utilizada na redução do débito do Estado ao mesmo Banco.
[Ver Tabela na Imagem]
12. Estes números indicam que o total dos saldos das contas nos últimos oito anos e meio se eleva, em números redondos, a 1.376:000 contos.
Nota-se, na comparação dos resultados das contas e das estimativas orçamentais, que foram consideràvelmente excedidas as previsões em cada ano. Porquê? ¿ Excessos imprevistos na cobrança das receitas? ¿ Demasiada largueza de dotação no capítulo das despesas? Economias consideráveis nos serviços?
Os elementos constantes da 2.ª parte do Relatório, extraídos da documentação oficial, mostram o seguinte quanto a receitas:
a) Nos anos económicos de 1928-1929 a 1936, com excepção de 1930-1931, as receitas cobradas foram superiores às orçamentadas;
b) A diferença das receitas ordinárias cobradas, para as orçamentadas, é superior a 600:000 contos.
c) O produto das receitas extraordinárias foi inferior ao cálculo orçamental, o que de resto era lógico em virtude da origem e destino dessas receitas.
13. Se a diferença entre as receitas ordinárias cobradas e orçamentadas não passou de 684:000 contos e os saldos das contas excederam esta cifra é evidente que parte dêsses saldos teve outra origem, a qual só poderia ser ou a inclusão nesses saldos de receitas extraordinárias - e veremos que tal não sucedeu - ou economias efectuadas nas dotações das despesas.
O exame dos quadros relativos a estas últimas mostra:
Que nos anos económicos, compreendidos entre 1928-1929 e 1936, as despesas ordinárias pagas foram inferiores às despesas ordinárias orçamentadas (ver Relatório, a p. 40 da 2.ª parte). A diferença nos serviços próprios dos Ministérios foi sempre superior a 100:000 contos, com excepção de 1931-1932, em que não ultrapassou 95:918 contos. Inferiores foram também as despesas com o serviço da dívida e encargos gerais do Estado.
Considerando de modo especial as contas por anos económicos, a diferença atinge uma soma avultada. Quere isto dizer que os saldos das contas, mesmo depois de feitas as correcções necessárias nos anos de 1928-1929 e 1929-1930, que não coincidem com as gerências, provêm, na sua maior parte, de economias nas despesas ordinárias orçamentadas. Podemos por isso afirmar, pelo menos no ponto de vista das contas, que os serviços haviam sido suficientemente dotados e que uma séria vigilância se estabeleceu durante todo o período sujeito à apreciação desta Assemblea sôbre o dispêndio dos dinheiros públicos, da qual resultaram economias apreciáveis relativamente às previsões orçamentais.
14. Para melhor compreensão da origem dos saldos das contas podem dispor-se os números pela forma seguinte, em milhares de contos:
[Ver Tabela na Imagem]
Em todos os anos a diferença entre as receitas e despesas ordinárias foi superior ao saldo das respectivas contas, e negativo o saldo das despesas extraordinárias sôbre as receitas da mesma natureza que lhe fizeram face, com a única excepção de 1936, em que as receitas extraordinárias foram superiores em 3:800 contos às despesas da mesma espécie.
Isto significa que se despenderam em despesas extraordinárias receitas ordinárias e que, apesar disso, ainda foi apreciável o saldo das contas. O equilíbrio orçamen-
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tal, por consequência, não só se apresentou sólido, mas excedeu o próprio rigor dos preceitos constitucionais, como aliás as imprevisões da crise económica prudentemente aconselhavam.
Aplicação do produto de empréstimos
15. Tanto nas receitas ordinárias como nas extraordinárias se inscreveu o produto de empréstimos. E não pode ser considerado regular o saldo das contas quando as receitas tenham esta proveniência, a não ser que caibam dentro do disposto no artigo 67.º da Constituição. Os fins para que podem ser obtidos empréstimos já atrás foram enumerados. São êles:
a) Amortização de dívida;
b) Aplicações extraordinárias em fomento económico;
c) Aumento indispensável do património nacional;
d) Necessidades imperiosas de defesa e salvação pública.
As receitas de empréstimos resumem-se assim, em contos:
1928-1929 ........ 8:813
1929-1930 ........ 16:549
1930-1931 ........ 14:749
1931-1932 ........ 107:237
1932-1933 ........ 87:384
1933-1934 ........ 201:822
1934-1935 ........ 153:749
1936 ............. 751:025
1.341:328
O exame das despesas públicas mostra que às receitas extraordinárias provenientes de empréstimos foram dadas as seguintes aplicações:
Contos
Amortização de dívida ................. 724:020
Fomento económico ..................... 382:016
Aumento do património nacional ........ 235:292
Total ............. 1.341:328
A) Amortização dê divida
16. Excluindo a amortização de parte da dívida do Estado ao Banco de Portugal, nos termos do contrato de Junho de 1931, houve amortizações extraordinárias se resumem, por anos; dêste modo, em contos:
[Ver Tabela na Imagem]
Estas amortizações extraordinárias permitiram a substituição de empréstimos de juro elevado - 63 3/4 e 6 1/2 pôr cento - por outros de juro muito menor - 4 3/4 e 3 3/4 por cento. As operações realizadas, estão compreendidas no plano de simplificação da Dívida Fundada e redução de taxas que vem sendo gradualmente aplicado desde o início da reconstituirão financeira.
Merece porém referência especial a conversão facultativa de 6 1/2 (ouro) determinada pelo decreto n.º 23:570.
Do seu nominal no valor de 880:000 contos, mais de 88 por cento dos seus portadores aceitou a conversão em títulos de 4 3/4 e foi reembolsado capital no valor aproximado no constante do quadro. Pelo que respeita ao resgate-conversão do 6 1/2 (consolidação) do relatório da Junta do Crédito Público, referente a 1936, presente à Assemblea, constam os pormenores da, respectiva operação. Do mesmo relatório, e dos anteriores sujeitos ao juízo da Assemblea, constam ainda os valores rectificados dos reembolsos de facto efectuados, pois. tratando-se de operações demoradas, as verbas que exprimem a parto de capital convertida e a reembolsada encontram-se até ao termo das respectivas operações sujeitas a possível rectificação.
B) Fomento económico
17. Nem sempre é fácil destrinçar as "aplicações extraordinárias em fomento económico" do "aumento indispensável do património nacional" a que se referem as disposições constitucionais. Obras de fomento económico aumentam indubitàvelmente o património nacional, e muito do que se pode incluir em "aumento indispensável do património nacional" também pode fazer parte de "obras de fomento económico".
Não tem no entanto grande importância para o ponto de vista que se pretende esclarecer, o rigor do critério adoptado para a destrinça. O que interessa é verificar se as verbas que resultaram do produto de empréstimos foram empregadas em qualquer das duas categorias de despesas.
As seguintes rubricas podem classificar-se de aplicações em fomento económico:
Contos
Portos ................ 189:626
Hidráulica agrícola ... 54:516
Caminhos de ferro ..... 115:874
Estradas .............. 20:000
Arborização ........... 2:000
Total ...... 382:016
Os quadros fornecidos pelos diversos serviços do Estado, publicados na 2.ª parte do Relatório, mostram com clareza o destino de cada uma das verbas acima mencionadas. Deve acrescentar-se que tanto em Portos como em Estradas, se gastaram somas maiores do que as inscritas por conta de empréstimos.
A questão podia ser posta de outra maneira, tal qual se faz no Relatório: extrair dos mapas fornecidos pelos servidos o total despendido em obras de primeiro estabelecimento em conta de capital, se assim se pode dizer, e compará-lo com o que só pediu emprestado para êsse efeito. Verificar-se-ia que em obras novas ou de primeiro estabelecimento se consumiram cêrca de 260:000 contos no caso dos portos. Resultou de outras receitas extraordinárias, e sobretudo de receitas ordinárias, a diferença de dezenas de milhares de contos nêles utilizada, visto se terem aplicado, da conta de empréstimos, sòmente 189:626 contos.
Outro tanto aconteceu cem as estradas. Apenas se desviaram para êste efeito empréstimos na importância de 20:000 contos, inscritos em 1936. Vias o quadro fornecido pela Junta Autónoma de Estradas indica que, só em estradas novas, se despenderam cêrca de l65:000 contos.
Foram gastos nos Caminhos de Ferro do Estado, pelo produto de empréstimos, conforme nota fornecida pela Direcção Geral respectiva, cerca de 98:000 contos, até 31 de Dezembro de 1936. Escrituraram-se nas contas, para caminhos de ferro, 115:847 contos. A diferença refere-se aos encargos de juros é outros do próprio empréstimo e à amortização das obrigações de 4 1/2 e
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5 por cento, de 1903, 1905 e 1909. O que se consumiu nesta rubrica por despesas extraordinárias eleva-se a 153:000 contos.
A parte relativa a hidráulica agrícola vem discriminada no mapa, inserto no Relatório, enviado pela respectiva Junta Autónoma. Os 2:000 contos destinados a arborização utilizaram-se em trabalhos que constam do plano prèviamente aprovado pelo Govêrno. O número de árvores plantadas, a área semeada e as obras de construção civil e vias de comunicação também se mencionaram na 1.ª parte do Relatório.
C) Aumento indispensável do património nacional
18. Besta agora verificar o emprego de 235:292 contos, atrás mencionados como tendo sido gastos no aumento do património nacional.
Podem distribuir-se do modo seguinte:
Contos
Edifícios e obras diversas ........ 85:569
Liceus e outras escolas ........... 54:810
Telefones ......................... 24:000
Instituto Superior Técnico
e outros .......................... 14:300
Compra de Acções .................. 45:000
Abalos sísmicos (Faial) ........... 11:500
235:179
Há uma pequena divergência de 113 contos entre os dois totais, resultante da inscrição do produto da venda de títulos de 6 1/2 por cento, ouro, em 1928-1929.
Os empréstimos que serviram para custear as obras acima referidas tiveram duas origens, inteiramente distintas: contratos entre o Tesouro e a Caixa Geral de Depósitos, e emissões de títulos colocados gradualmente no mercado.
a) Edifícios
19. Era necessário construir novos edifícios e acabar aqueles que haviam sido começados há longos anos. A proverbial morosidade das obras do Estado derivava da insuficiência de disponibilidades e da sua dispersão. Do trabalho lento e caro redundavam, em última análise, prejuízos para o Tesouro. Foi por isso resolvido contrair um empréstimo de 115:000 contos, cuja utilização se iniciou em 1932-1933. É regulado pelos decretos n.0 22:186, 25:748 e 26:652. O decreto n.º 27:008 aumentou o seu montante para 151:000 contos.
Pode esquematizar-se no quadro seguinte o que nas contas se inscreve:
[Ver Tabela na Imagem]
Foram dadas explicações no Relatório, acompanhadas de minuciosos quadros, sôbre a aplicação dos fundos obtidos por empréstimos. E por isso não há necessidade de pormenorizadamente, fazer aqui nova análise.
Nota-se na tabela atrás publicada uma diferença entre os totais, que foi justificada pelos serviços de contabilidade pela forma seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]
Por fôrça do empréstimo de 115:000 contos foram na realidade despendidos em edifícios do Estado 85:085, embora 1:715 contos figurem em 1933-1934 na rubrica "Construções a efectuar em conta das receitas gerais do Estado". Além destes foram gastos em 1936, também por conta do empréstimo, 11:506 contos, descritos na rubrica de edifícios para escolas e casas económicas.
Encontram-se, por outro lado, como gastos pelo produto de empréstimos, em 1934-1935, 9:109 contos (8:959 contos no Alfeite e 150 no Estádio de Lisboa), que na realidade foram incluídos em "Construções a efectuar em conta das receitas gerais do Estado".
Não vale a pena entrar agora em minúcia nas obras concluídas, ou em execução, ou em vias de acabamento, financiadas pelo referido empréstimo. É suficientemente elucidativo o mapa a p. 333 da 1.º parte do Relatório. Pode conjugar-se êste mapa com o que se publica a pp. 70, 71 e 72 da 2.ª parte, onde se descrevem, ano por ano, e obra por obra, os totais dos dinheiros públicos despendidos desde 1928-1929 a 1936. E o exame directo de cada obra e o conhecimento da sua importância darão os elementos necessárias para avaliar da sua utilidade social ou nacional.
b) Escolas
20. Na rubrica liceus incluem-se 54:810 contos. São 43:500 contos até 1934-1935 e 11:310 incluídos em 1936 para "edifícios de escolas primárias, escolas de ensino técnico profissional e liceus". Parece ser mais conveniente separar as dotações, tanto nas despesas como nas receitas.
De facto, pode verificar-se no capitulo das despesas extraordinárias para 1936 que nas "escolas primárias, em regime de comparticipação com as autarquias locais e entidades particulares", se gastaram 6:310 contos, e que para novos edifícios de liceus se destinaram 5:000 contos. Assim, a verba dos liceus deve ser corrigida para 48:500 contos.
Também os serviços que superintendem na construção de liceus enviaram o mapa que se publica na 2.ª parte do Relatório, a p. 94, do qual se deduz o custo de ciada obra executada.
A verba de 14:300 contos inscrita nas contas para a construção do Instituto Superior Técnico não representa a totalidade do que ali se gastou. Não foi possível pelos elementos que à Comissão foram fornecidos até à conclusão dos seus trabalhos apurar o total, mas aparecem verbas na distribuição do empréstimo de 115:000 contos, no Fundo de Desemprêgo e ainda no mapa fornecido pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos (pp. 70, 71 e 72 da 2.ª parte). Também. se discute este assunto a p. 213 da l.ª parte do Relatório.
c) Telefones
21. Um empréstimo de 24:000 contos, com objectivo de alargar a rêde telefónica do Estado, foi contraído na
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Caixa Geral de Depósitos directamente pela Administração Geral dos Correios e Telégrafos e utilizado na extensão do sistema telefónico. Fazem-se algumas considerações sôbre êste assunto quando se apreciam os serviços daquela Administração Geral, na l.ª parte do Relatório.
d) Outras utilizações do produto de empréstimos
22. Despenderam-se ainda 56:500 contos, produto de empréstimos, além do que foi já anotado. Parte - 11:500 contos - foi destinada a refazer os prejuízos do abalo sísmico da ilha do Faial e os restantes 45:000 contos inverteram-se na compra de acções do Banco Nacional Ultramarino e Companhia Geral de Crédito Predial Português, quando da grave crise financeira que abalou algumas das nossas instituições de crédito. O primeiro, autorizado pelo decreto n.º 13:398, de 4 de Abril de 1927, foi contraído na Caixa Geral de Depósitos logo a seguir ao cataclismo que assolou a ilha. O segundo cabe na doutrina do decreto n.º l5:465 e justifica-se em face das repercussões que poderiam advir para a economia nacional do agravamento da situação bancária e do crédito público ligado à vida das duas referidas instituições.
23. O exame das contas mostra que em alguns anos se inscreveram nas despesas ordinárias dotações por conta de receitas que resultaram do produto de empréstimos; tais como certos gastos em liceus e edifícios em 1932-1933, 1933-1934 e 1934-1935. Acha-se também incluído nas despesas ordinárias de 1933-1934 e 1934-1935 o reembolso de empréstimos.
Parece mais correcto inscrever as quantias despendidas em conta do produto de empréstimos no capítulo das despesas extraordinárias e não no das ordinárias.
O facto em si pode não ter importância no equilíbrio das contas, isto é, não afectar os saldos de anos económicos ou gerências, visto estes serem, como já se notou, a diferença entre o total das receitas e o das despesas, quer ordinárias quer extraordinárias. Das receitas extraordinárias, aquelas que derivaram de empréstimos têm fins especiais, expressamente indicados, primeiro no decreto n.º 15:465 (reforma orçamental) e depois no artigo 67.º da Constituição.
Se de facto se utilizou conforme os preceitos constitucionais o produto dos empréstimos, quere dizer, se se aumentou o activo da Nação, ou com obras de fomento económico, ou com adições ao património nacional, ou, ainda, se as operações de crédito serviram para reembolsar outros empréstimos, pode ser indiferente, no ponto de vista das contas, que se escriturem as verbas gastas nas despesas ordinárias ou nas extraordinárias.
Por isso acima se procurou analisar o destino do que se pediu ao crédito. E viu-se que de facto a utilização das somas obtidas teve o destino marcado pela Constituição.
Mas parece ser mais conveniente para a fiscalização das contas e tècnicamente mais perfeito o sistema da contabilização adoptado em 1936 - inscrever tudo o que se refere ao destino de receitas extraordinárias no capítulo das despesas extraordinárias, com a indicação expressa da origem dos fundos gastos nas obras executadas - se de empréstimos, se de outras receitas.
Outras receitas extraordinárias
24. Como receitas extraordinárias registam ainda as contas outras verbas cujo total se elevou, durante os oito anos e meio, a 720,5 milhares de contos.
A proveniência e características destas receitas e a forma como foram despendidas vão a seguir indicadas.
Milhares de contos
Contrato com o Banco de Portugal:
a) Valorização de reservas .............. 454,8
b) Fundo de amortização ................. 74,2
Venda de materiais ...................... 32,5
Amoedação ............................... 157,5
Diversos ................................ 1,5
Total .......................... 720,5
Do decreto que estabilizou a moeda e do respectivo contrato com o Banco emissor resultou a comparticipação do Estado na valorização das reservas e Fundo de amortização das somas, já indicadas, que foram inscritas nas receitas extraordinárias dos anos de 1930-1931 e 1931-1932. Serviu o produto dessa valorização, juntamente com a entrega de 250:000 libras, para reduzir a dívida amortizável do Estado ao Banco de 1.540:354 contos para 1.058:028, respectivamente em 30 de Junho de 1930 e 1931.
Os termos do contrato encontram-se mais largamente relatados e apreciados na l.ª parte do Relatório.
A segunda verba importante que faz parte das receitas extraordinárias derivou da venda de materiais dos Caminhos de Ferro do Estado, em obediência ao contrato de arrendamento celebrado em 1927. O exame do total das despesas em 1928-1929 e 1929-1930 mostra que para regularizar a situação dêsses caminhos de ferro foi necessário despender maiores somas.
Além da amoedação, que rendeu durante todo o período cerca de 157:000 contos, apenas se cobraram de outras proveniências pouco mais de 1:500 contos.
Finalmente, se ao montante destas receitas extraordinárias juntarmos o produto dos empréstimos, no valor acima apurado de 1.341:328 contos, encontraremos o total das receitas extraordinárias elevado, em números redondos, a 2:061,8 milhares de contos durante o período sujeito à apreciação.
A legitimidade dos saldos
25. As considerações que acabam de ser formuladas relativamente ao emprêgo dos fundos obtidos de operações de crédito mostram que, na verdade, os empréstimos contraídos tiveram o destino preceituado no decreto n.º 15:465 e no artigo 67.º da Constituição. Foram de facto empregados em amortização de dívida, em obras de fomento económico e em aumento do património nacional.
Tanto aqui como no relatório anexo houve a preocupação de bem aclarar êste assunto, porque êle tem na verdade grande importância na fiscalização das contas públicas.
Também se pode concluir que as restantes receitas extraordinárias, e mesmo uma parcela importante das receitas ordinárias, se empregaram em fins que poderiam ser custeados pelo produto de empréstimos. Já se viu que tanto em portos, como em estradas, se gastaram, no que pode ser considerado como obras novas, maiores quantias do que as inscritas na conta de empréstimos. Uma outra realização importante teve lugar dentro do período agora sujeito à apreciação da Assemblea: utilizaram-se cêrca de 400:000 contos no financiamento de material destinado à frota de guerra. Nos termos da Constituição, êsse financiamento poderia caber no artigo 67.º, na parte que se refere a "necessidades imperiosas de defesa e salvação pública". Era, na verdade, uma "necessidade imperiosa de de-
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fesa» a aquisição de navios de guerra, dado o estado em que se encontrava a marinha nacional no ponto de vista de armamento.
No entanto não se recorreu ao empréstimo - as disponibilidades das receitas ordinárias e extraordinárias permitiram que não fôsse necessário recorrer a operações de crédito para pagar, mesmo antecipadamente, a nova frota de guerra.
26. À comissão pareceu lógico neste capítulo concluir:
São verdadeiros e são legítimos, por estarem de harmonia com os preceitos constitucionais, os saldos das gerências e anos económicos das contas relativas ao período que decorreu de 1 de Julho de 1928 a 31 de Dezembro de 1936. O total dêsses saldou foi, números redondos, de 1.376:057 contos.
Receitas ordinárias
27. No Relatório são minuciosamente descritas, capítulo por capítulo, as receitas ordinárias cobradas pelo Tesouro desde 1928 até 1936, e nos gráficos publicados na 2.ª parte mostra-se a sua evolução, ano por ano, durante o mesmo período. No mesmo trabalho se faz a resenha das principais influências que as perturbaram, resultantes de fenómenos de ordem económica originados na crise que o mundo vem atravessando há já alguns anos.
As cifras são as seguintes:
[Ver Tabela na Imagem]
Pode ver-se neste quadro a influência da crise económica nas receitas ordinárias. Vieram decrescendo até atingir o mínimo em 1931-1932, para melhorar lentamente nos anos seguintes, sem contudo atingir o nível de 1928-1929 ou mesmo de 1929-1930.
O exame das cifras publicadas na 2.ª parte do Relatório revela, até certo ponto, as falhas.
28. O que mais interessa no capítulo das receitas ordinárias é o rendimento dos impostos directos e indirectos, as taxas e o domínio privado e participação de lucros.
Mostra-se no quadro seguinte a sua evolução, em milhares de contos:
[Ver Tabela na Imagem]
As cifras tal qual se expõem neste quadro não permitiriam comparação se se não tivessem juntado os impostos directos e indirectos, porquanto a reforma tributária de Abril de 1929, que extinguiu o imposto de transacções, englobando-o na contribuição industrial, e desdobrou desta o imposto profissional, veio ter completa execução em 1929-1930. As Contas de 1928-1929 traduzem ainda o sistema anterior de impostos.
Os números corrigidos para cada uma das classes poderiam ser assim apresentados, em milhares de contos:
[Ver Tabela na Imagem]
29. Dêste quadro duas conclusões transparecem claramente. A primeira mostra a deminuição dos impostos directos, que contribuem para o orçamento com cêrca de um têrço das receitas ordinárias; e a segunda indica o aumento gradual dos impostos indirectos. Ultrapassaram estes últimos 900:000 contos em 1935, que foi também ano de grandes importações.
No capítulo das taxas, em que se notou mais sensível quebra de receitas, verifica-se entre 1928-1929 e 1936 unia deminuição de 85:600 contos; mas se corrigirmos as cifras daquele ano das entregas feitas ao Tesouro pelos serviços, num montante de 74:000 contos, a quebra notada torna-se mais aparente do que real.
Os restantes capítulos - rendimento de capitais, consignações de receitas, reembolsos e reposições - não têm, na verdade, grande influência nas contas públicas, no ponto de vista orçamental.
A sua evolução pode exprimir-se no quadro seguinte, em contos:
[Ver Tabela na Imagem]
Notam-se fàcilmente as grandes flutuações dos rendimentos dos capitais pertencentes ao Estado, e isso mostra que, à parte dois ou três tipos de papel, o resto pouco produz. O Estado não tem na carteira de valores uma grande fonte de receita.
Nas «Consignações de receitas» figura, como verba muito importante em 1928-1929, 1929-1930 e 1930-1931, o que o Tesouro recebeu de juros de títulos da divida pública. Foram respectivamente 119:200, 122:700 e 100:800 contos. Isso explica as cifras volumosas dêste capítulo naqueles anos; logo em 1931-1932 os títulos na posse da Fazenda Pública não renderam mais do que
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6:400 contos, porque a política do Estado foi no sentido da desmobilização da dívida fictícia.
30. O capítulo orçamental das receitas ordinárias requere a maior atenção. Das receitas ordinárias provêm os fundos necessários à vida do Estado em todos os seus aspectos. A parte o produto de empréstimos que tem fins especiais, expressamente designados pela lei fundamental do País, as receitas extraordinárias pouco renderam, como vimos, durante os oito anos e meio agora sujeitos a análise. Cêrca, de 70 por cento do seu total derivaram de acontecimentos que se não repetem - como o contrato do Banco de Portugal e a venda de materiais de caminhos de ferro. Das receitas ordinárias também saem anualmente os encargos dos empréstimos contraídos. No fundo, essas receitas liquidarão as despesas feitas com obras de fomento económico - embora seja de prever um aumento de receitas derivado do carácter reprodutivo destas obras - ou aumento do património nacional, ou ainda com as necessidades imperiosas de defesa e salvação pública, a que se destinam os empréstimos contraídos.
Ora mostra-se, pelas cifras atrás publicadas, que o nível das receitas ordinárias não melhorou sensìvelmente de 1928-1029 a 1936. Se se tomar em conta o valor do escudo relativamente ao ouro ou mesmo aos índices do custo de vida ou preços, pode dizer-se que a quebra das receitas foi maior do que as contas fazem supor.
Isto pode provar uma cousa: é que os agravamentos tributários não se mostram na realidade tam pesados como a muitos se poderia afigurar.
Há que notar, neste aspecto da questão, um outro ponto: logo a seguir ao início da reforma financeira se deu a crise económica mundial.
As receitas mostram a sua repercussão já em 1930-1931 e o seu máximo de intensidade nas contas públicas em 1931-1932. De então para cá houve melhorias, embora não muito pronunciadas, que se acentuaram sobretudo nos impostos indirectos.
Todos estes fenómenos, cuja análise meticulosa se tornaria muito extensa, indicam a delicadeza e a complexidade de uma das questões que mais poderosamente podem afectar a vida financeira nacional.
Despesas ordinárias
Não podemos descer aqui a minuciosas apreciações dêste capitulo das contas públicas; nem isso se torna necessário em face do que consta do Relatório anexo a êste parecer.
Interessa sobretudo fixar certos aspectos políticos das despesas públicas, com o fim de aclarar os objectivos que presidiram à sua distribuição pelos diversos departamentos do Estado e esclarecer as circunstâncias e motivos que a ela conduziram.
Entre as várias questões que poderiam ser sujeitas a exame da Assemblea Nacional encontram-se certamente as seguintes:
a) Aumento ou deminuição das despesas ordinárias;
b) Critério de distribuição das receitas pelos diversos departamentos ministeriais;
c) Critério seguido na aplicação das verbas, - neste ou naquele melhoramento, edifício, estrada, pôrto ou qualquer outro;
d) Boa ou má utilização das dotações orçamentais;
e) Rendimento dos serviços do Estado;
f) Possibilidades de redução de pessoal, com vantagens ou melhorias dos serviços, pelo uso dos melhores métodos de organização administrativa;
g) Relações entre os serviços do Estado e o público.
Além dêstes, muitos outros aspectos das Contas, na parte que diz respeito às despesas, poderiam sofrer exame e merecer discussão pormenorizada, de modo a esclarecer inteiramente um dos mais delicados capítulos do Orçamento Geral do Estado.
O largo período sôbre que recaiu o estudo deste parecer impedia, já de si levar muito longo a análise dos pormenores. Contudo foi possível à Comissão fazer certo número de inquéritos em diversos serviços oficiais e do Relatório anexo a êste parecer constam quadros, tabelas e gráficos que exprimem resultados, traduzidos no custo de melhoramentos e serviços, na utilização das receitas públicas, sobretudo daquelas que, provenientes de recursos extraordinários, se destinaram a aplicações também extraordinárias.
¿ Qual a evolução das despesas ordinárias de 1928 a 1936? Os números seguintes exprimem, em milhares de contos, os totais apresentados pelas contas:
1928-1929 ............... 1:765,2
1929-1930 ............... 1:941,0
1930-1931 ............... 1:755,3
1931-1932 ............... 1:679,9
1932-1933 ............... 1:674,4
1933-1934 ............... 1:903,1
1934-1935(12 meses) ..... 1:802,4
1934-1935(18 meses)...... 2:703,5
1936 .................... 1:812,5
Podemos dizer que estes números não reflectem a realidade, antes de sofrerem algumas correcções necessárias. Primeiro há que excluir os juros dos títulos na posse da Fazenda Pública, cujas cifras oscilam - de 120:000 a menos de 5:000 contos; e, em segundo lugar, é também necessário deduzir em alguns anos as despesas que devem ser consideradas como extraordinárias - as relativas a amortizações extraordinárias da Dívida e as que custearam os aumentos do património nacional a que já se aludiu atrás.
Poderia apresentar-se pela forma seguinte a expressão corrigida das mesmas cifras em milhares de contos:
[Ver Tabela na Imagem]
Nota-se a deminuição das despesas ordinárias nos anos de maior crise. É o reflexo das medidas tomadas logo que começou a ser verificada quebra sensível das receitas.
Se se pretendesse levar a análise um pouco mais além haveria que ter em conta algumas modificações de critério, certamente fundado nas realidades, que se deram a partir de 1933-1934, exactamente quando aparentam ser mais elevadas as despesas. Entendeu-se então que muitos dos gastos efectuados na reconstrução das estradas já não cabiam no capítulo das despesas extraordinárias e passaram a ser inscritos daí em diante no das ordinárias. Foram cêrca de 71:000 contos que transitaram para êste capítulo e que deveriam, para o efeito de tornar comparáveis as cifras, ser também lògicamente deduzidos.
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A conclusão é que houve de facto um aumento de despesa ordinária que atingiu nos anos extremos, cêrca de 100:000 contos; e não pareço ser demasiado neste longo espaço de tempo se se considerar as melhorias importantes sofridas pelos serviços e as obras realizadas, muitas delas escrituradas integralmente no capítulo das despesas ordinárias.
Verificados os totais como vêm nas Contas, e corrigidos para os comparar, convém agora saber como se distribuíram essas despesas.
O quadro seguinte dá-nos as percentagens. Os números absolutos podem ser examinados no Relatório:
[Ver Tabela na Imagem]
Ainda as despesas se poderiam dispor de outra maneira, equiparando aquelas que têm maiores afinidades. Encon-trar-se-á isso feito na 2.ª parte do Relatório, no que diz respeito às ordinárias e extraordinárias, e às duas em conjunto.
Para melhor esclarecer a distribuição do total das despesas, corrigindo os números de modo a mostrar o que de facto se consumiu em cada serviço, foi elaborado o quadro seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]
Êste quadro dá expressivamente a vida financeira do Estado, no grande capítulo das despesas, nos sete anos que vêm de 1929 a 1936.
Mostra dois aspectos que importa frisar:
Deminuição apreciável na despesa efectiva da dívida pública. Os números absolutos são respectivamente 312:310 contos em 1929-1930, e 277:620 contos em 1936. A diferença para menos é de 34:690 contos.
Aumento importante dos gastos em fomento e obras públicas. De 216:355 contos, em 1929-1930, subiram para 440:572 contos, em 1936. Um aumento de 224:217 contos entre os dois anos extremos. Quási duplicaram. Estes números incluem evidentemente o produto de empréstimos, e a quási totalidade do aumento teve essa proveniência. As cifras, para o caso de se considerarem apenas as despesas ordinárias, seriam 213:764 e 286:488, respectivamente em 1929-1930 e 1936, uma diferença para mais de 72:724 contos.
No quadro das percentagens, acima transcrito, os números são corrigidos, quere dizer, expurgaram-se os títulos na posse da Fazenda Pública das despesas da dívida, e fez-se incluir em Previdência social o total gasto com classes inactivas, mesmo o que se contabiliza e inscreve nos Ministérios da Guerra e da Marinha. Assim, o que se lê em defesa nacional corresponde na verdade às percentagens anualmente despendidas por aqueles Ministérios. Há a notar que os gastos da defesa nacional aumentaram muito em 1932-1933 e 1933-1934. Quási atingiram os 530:000 contos em 1933-1934. Incluíram-se nas cifras o custo do rearmamento, e por consequência o que se pagou pela nova frota de guerra - não só pela rubrica das despesas ordinárias e extraordinárias, mas também em conta dos saldos orçamentais de anos económicos anteriores.
Tais são as principais características das Contas Gerais do Estado submetidas à apreciação da Assemblea Nacional.
Pelo exposto a Comissão tem a honra de submeter à aprovação da Assemblea as seguintes bases da sua resolução:
A) A cobrança das receitas públicas, durante as gerências e anos económicos, compreendidos entre 1 de Julho de 1928 e 31 de Dezembro de 1936, foi feita de harmonia com as autorizações e preceitos legais e adaptou-se quanto possível às circunstâncias económicas e sociais do País;
B) As despesas públicas, nesse período, deram satisfação às obrigações normais e extraordinárias do Estado, em conformidade com as disposições legais;
C) O produto dos empréstimos contraídos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
D) Foi mantido, durante o mesmo período, um rigoroso equilíbrio orçamental e são verdadeiros e legítimos os saldos apresentados nas Contas Gerais do Estado ao mesmo respeitantes;
E) Foi altamente benéfica para a Nação a obra financeira realizada durante o mesmo período e merecem plena aprovação as Contas Gerais do Estado das gerências e anos económicos de 1928-1929, 1929-1930, 1930-1931, 1931-1932, 1932-1933, 1933-1934, 1934-1935 e 1936.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 8 de Abril de 1938.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Juvenal Henriques de Araújo.
José de Araújo Correia (relator).
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA