O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

17 DE JANEIRO DE 1939 135

O Sr. Moura Relvas: - A 4 milhões de portugueses?

O Orador: - A mais do que isso.

O Sr. Moura Relvas: - Mas muitas pessoas foram lá mais do que uma vez.

O Orador: - O que V. Ex.ª quere dizer é que quando eu faço o cálculo sôbre bilhetes vendidos devo ter em conta que, sobretudo em Lisboa, houve muitas pessoas que frequentaram mais de uma vez o cinema.

O Sr. Carlos Borges: - São quási sempre as mesmas pessoas.

O Orador: - Isso é em Lisboa, mas na província já não é assim.

O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª perdoe-me, mas nesse assunto eu tenho mais conhecimento do que V. Ex.ª, podendo, pois, afirmar que o público dos cinemas, quer em Lisboa, quer na província, é sempre o mesmo, porque só um limitado número de pessoas é que tem recursos para ir ao cinema. Muita gente tem vontade de lá ir, imas como não tem recursos não vai lá.

O Orador: - A escola que ministra tais lições ainda mais prejudicará os alunos se êles forem sempre os mesmos, visto que a frequência repetida de lições pervertedoras só agravará o mal.
Mas, se de facto muitos espectadores contribuem para avolumar a frequência, no entanto não é crível que a assistência de mais de 4 milhões seja feita por 200:000 ou 300:000 pessoas.
Suponho que os cálculos do Sr. Dr. Carlos Borges não estão certos.
Mais de 4 milhões de bilhetes foram vendidos e podemos dizer com certeza que mais de 2 ou 3 milhões de pessoas frequentam o cinema.
Se em Lisboa há 380:000 pessoas que frequentam o cinema - e deve neste caso pesar a razão do ilustre Deputado de que há-de haver uma repetição dos mesmos espectadores -, isso na província não se dá, como por exemplo, na cidade do Pôrto.

O Sr. Botelho Neves (interrompendo): - V. Ex.ª poderia dizer-nos quantos milhares de contos representa a drenagem de ouro para o estrangeiro, com a importação de filmes?

O Orador: - Não o posso dizer a V. Ex.ª Certamente isso representa uma grande drenagem de ouro, mas não é êsse pròpriamente o problema pôsto agora e eu não desejo cansar a atenção de V. Ex.ªs E por isso desejaria focar apenas a oportunidade e a maior ou menor urgência do projecto.
Por conseguinte, a primeira conclusão a que pretendo chegar é esta: o alimento cinematográfico é dado por fitas estrangeiras e de que qualidade?
Conheço, Sr. Presidente, dois gritos de alarme soltados precisamente por dois homens dos países que, segundo a estatística, forneceram em 1938 maior alimento cinematográfico para o nosso País: o de um americano e o de um professor de uma escola de medicina instalada no Oriente.
No primeiro caso trata-se do industrial Henry Ford, bem conhecido de todos V. Ex.ªs pelas suas obras e pelos seus merecimentos como industrial. Este homem trouxe-nos o seguinte depoimento: que 85 por cento da produção do cinema estava nas mãos de uma plutocracia internacionalizada, que explorava a prostituição moral dos espectadores de cinema, tal qual se explora o tráfico das brancas através dos prostíbulos.
O cinema tinha, dizia êle, pervertido a consciência pública do seu país.
E foi o grito de alarme dêste homem que levou pouco depois todas as energias morais dos Estados Unidos a unirem-se na Liga de Decência, a que se refere o parecer da Câmara Corporativa.
Por outro lado, o professor Legendre, que largamente tem vivido no Oriente, afirmou neste livro que tenho presente, por uma forma escandalosa - escândalo no bom sentido -, que o cinema se tornara, pelos argumentos e pelas doutrinas, em exemplos que levava ao Oriente uma das grandes causas de animadversão contra a raça branca, porque, diz êle, a alma simples dos indígenas, ao ter conhecimento do realismo brutal que lhe é levado pelas fitas cinematográficas, chega à conclusão de que aqueles que tinha aprendido a respeitar como sendo os homens superiores da raça branca e como sendo as mulheres pudibundas e cheias de virtude pertencem afinal a «países de bandidos e de prostitutas».

O Sr. Pinto da Mota: - E a raça amarela?

O Orador: - Tem mais virtudes do que aquelas que são ostentadas nos filmes que lhe são enviados pelos brancos.

O Sr. Pinto da Mota: - Está V. Ex.ª enganado. Na Ásia a prostituição é enorme.

O Orador: - Pode ser que V. Ex.ª tenha razão; mas eu tenho de guiar-me pelas informações das pessoas que lá estiveram e não pelas afirmações contrapostas por pessoas que não permaneceram na Ásia.
Mas voltemos ainda à estatística portuguesa. Diz-nos ainda que no 1.° semestre de 1938 se abriu na província uma nova sala de cinema em cada mês, o que quere dizer que a invasão do cinema está a fazer-se na província portuguesa.

O Sr. Carlos Borges:- Os cinemas que se abrem na província são exíguos no tamanho, são pobres em tudo, até no pagamento dos direitos de autor, e são frequentados uma vez por semana, ou, quando muito, nas terras em que há mais cinéfilos, duas vezes.

O Orador: - Em todo o caso, posso responder a V. Ex.ª com estes números estatísticos: é que, exceptuando as principais cidades, como Coimbra, Braga, Faro e Viseu, só nas outras terras há uma venda de bilhetes que atingiu 159:000 em Janeiro e 137:000 em Março.
Já vê V. Ex.ª que não é tam deminuta a frequência nas pequenas terras do País. Por conseguinte começa a fazer-se, por uma forma intensiva, a invasão do cinema na província, e eu pregunto: que alimento vão dar as indústrias exibidoras às nossas populações da província? Vão-lhes dar as fitas que têm em cofre e que representam o que há de mais inferior, quer sob o aspecto de arte quer sob o aspecto de moralidade?
Esta suposição leva-me a considerar êste problema não só oportuno, mas urgente. É preciso impedir que se prostitua moralmente a população portuguesa com filmes inferiores em arte e em moralidade.

O Sr. Carlos Borges: - Estamos de acôrdo.

O Orador:- Folgo de ouvir V. Ex.ª dizer que estamos de acôrdo.