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17 DE JANEIRO DE 1939 131

tação e para documentação, mas, trazendo-se aqui êsses elementos para comparação, é preciso saber-se quais são aquelas leis que, de facto, se executam lá fora e quais as estatísticas que transpiram verdade.
Diz o povo: «cá e lá más fadas há»; neste capítulo de restrições do mau cinema eu devo dizer que, num país da Europa oriental, pude assistir à forma como se executa o não cumprimento daquilo que lá está muito bem estipulado na lei!
Devemos pois ter sempre cuidado no seguinte: é que os povos variam como variam as regiões. Temos, portanto, de atender a duas circunstâncias particularíssimas: às diferenças raciais e às diferenças climatéricas. Nós não podemos de forma nenhuma comparar estatísticas portuguesas com as da América do Norte, por exemplo, ou com as do Japão ou da China. Temos, sim, de escolher leis e estatísticas de povos mais ou menos afins do nosso.
Em questão de transplantações destas, recordo o que já dizia o nosso vate nórdico Correia de Oliveira numa síntese feliz, embora poética:

Alma e corpo têm medida,
não lhes serve a roupa alheia!

Diz também o nosso bom povo: cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso.
Mas quero eu dizer na minha que não se deve então legislar de novo sôbre o assunto? De forma alguma. Eu entendo que devemos aproveitar todas as ocasiões para decretar providências que possam ser bem acolhidas e úteis no campo da educação nacional, como a que serve de ponto ao debate presente.
Em resumo, quero dizer com isto: 1.° O projecto de lei que se discute tem oportunidade; 2.° A oportunidade não obriga a deslocar para terceiros a responsabilidade familiar; 3.° A sua execução, tal como se apresenta, afigura-se-me dificílima; 4.º O método selectivo (ou positivo) é preferível ao proïbitivo (ou negativo).
Concordo, pois, na generalidade com o doutíssimo e completo parecer da Câmara Corporativa, mas embora concorde, entendo que a selecção de filmes não pode ser muito fácil.
Devemos ter em conta que há falta de divertimentos apropriados às crianças, como sejam jogos ao ar livre e outros, tanto da sua predilecção. Isto já aqui foi conveniente e justamente lembrado.
Não temos, por assim dizer, campos de patinagem, nem retiros ou recintos infantis, designação que prefiro à de parques infantis, muito estrangeira e em que tanto se tem falado.
Desviemos as nossas crianças e os nossos jovens para o ar livre, para a vida sã, para a luz, dando-lhes exercícios desportivos e gimnásticos. Eis, em meu entender, uma boa derivação do cinema ...
Entendo que o Estado deve providenciar para o desenvolvimento possível dêsses campos (preferíveis a salas e salões fechados, menos eugénicos) e para satisfação da vontade, da sêde das nossas crianças pelos desportos, pelos jogos, pelos exercícios físicos ao ar livre. Vêde-as na rua, para não ir mais longe ...
Sr. Presidente: não sou, é certo, daqueles que acreditam piamente no apregoamento exagerado do definhamento da raça portuguesa. Posso dizê-lo com propriedade e certa autoridade que me dão os meus trabalhos e prática de antropologia física; mas não deixa realmente de soar alarme e serem precisos alguns cuidados com a nossa população.
Sr. Presidente: a hora já vai um pouco adiantada e eu tenho de resumir as minhas considerações; não as terminarei sem fazer ainda algumas referências a pontos essenciais do problema.
Sabem V. Ex.ªs também que, a respeito da acção deletéria do cinema, que ninguém nega, podemos dizer tal como se aceita em medicina: as doenças são mais graves e evoluem de uma ou outra maneira consoante o terreno e as condições de defesa orgânica. Isto aprende-se em patologia geral no 3.° ano das Faculdades de Medicina. Êste raciocínio pode ser aplicado ao cinema, que actua sobre o terreno moral da criança e também do adulto.
Sôbre essa acção psicológica alguma cousa poderei dizer, porque de há dez anos a esta parte trabalho em análise da personalidade psico-moral de delinqüentes. Não é essa, decerto, a causa principal do seu pendor criminal.
Em frente das estatísticas estrangeiras, vemos que os números, entre nós, não são terríveis; apesar de haver perigo, êle deve ser reduzido às devidas proporções, que não deixam de ser assustadoras, mesmo assim.
Evidentemente que não há escalas para o prognóstico e terapêutica desses casos clínicos, como muito bem lhe chamou a ilustre Deputada D. Maria van Zeller.
Em medicina dizemos: não há doenças, há doentes; quási que poderíamos exclamar, adoptando a idea: não há vicios, há viciosos.
Tanto isto é assim que como causas crimonogénicas não encontramos sòmente o cinema; há outras muito mais perigosas e influentes, na opinião do professor Ernesto Nelson, expendida em artigo da Revista de Criminologia, Psiquiatria y Medicina Legal (n.° 132, 1935), de Buenos Aires, baseado mo estudo de 850 menores delinqüentes, observados na América Central. Êsses motivos, muito importantes, são: inferioridade da habitação; miséria; falta de educação escolar; emancipação familiar (44 por cento); profissão perigosa; vagamundagem; trabalho pernicioso; ausência dos pais (mãi e pai) do lar, ocupados no granjeio da vida; ilegitimidade do nascimento; orfandade (60 por cento); desbragamento do lar (alcoolismo, ateísmo, adultério, prostituição, etc.); abandono familiar,etc.
E comentei então em artigo no Comércio do Pôrto, recente, que intitulei «O Amigo n.° 1» - sendo este amigo a criança, claramente:
«São estas, de facto, as mais importantes causas delituais na infância, não falando já na anormalidade morfo-psíquica das crianças que o boqueirão do crime atrai com tanta facilidade».
Esta anormalidade é razão de muita perniciosa influência moral cinematográfica - é um óptimo terreno!
Outro grave problema, mais grave que o da assistência de menores ao cinema, em meu entender: o da vadiagem e da mendicidade.
No referido artigo eu estabeleci esta fórmula, que dispensa mais comentários:
Mendicidade + vagamundagem = criminopatia.
O mesmo é dizer:
Mendigo + vagamundo = delinqüente!
Relembro o alcoolismo e o jôgo, que tam infelizmente tentam os menores. Perigos indiscutíveis. Basta olhar, ao passarmos por êles, botequins e tabernas com seus pequenos fregueses de balcão e de bilhar russo ...
Por outro lado, peço licença a V. Ex.ªs para ler parte das providências legisladas na pequena República de Costa Rica, a propósito da defesa da infância, e da juventude, ainda não citada neste lugar:

«Vigilância de pais e tutores no que respeita a alimentação, tratamento de doenças, educação, etc., dos filhos tutelados; instituïção de seguros familiares destinados à alimentação e subsistência completa das crianças órfãs ou cujos pais lhas não podem garantir; institutos para tratamento e educação de crianças anormais; fiscalização do trabalho dos menores, etc.