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192-(2) DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º123

cunstâncias e criou ocasiões. Podia ter nascido em qualquer tempo ou ter actividade em qualquer campo; marcaria a passagem na sua época.

Foi mais na ocupação de Moçambique que, longa e fortemente, se sentiu sua acção. Para lá seguiu, jóvem guarda-marinha, trocando a ambição de uma estação na China pelo risco e privações de uma campanha de África. Começou a carreira por uma demonstração do seu alto carácter.
Era missão espinhosa servir em tais paragens na profissão das armas, mesmo a quem não tivesse tam exaltado brio.
A uma estreita faixa junto do litoral se limitava o mando da coroa portuguesa. Tomava-se difícil reprimir, na extensíssima costa, o tráfico de escravos que potentados negros e mouros exerciam. Era mais, que precária a nossa soberania sôbre régulos hostis com arraiais assentes junto às autoridades. E pesavam ainda sôbre terras, nossas de longa data, as pretensões de estranhos.
Para obra de tal monta, de pouco se dispunha, além do muito que era a coragem dos homens. Deu-lhe Coutinho a valentia e toda a resistência da sua juventude, a decisão segura e a prudência do seu carácter forte, o bom senso e o saber, e, além do mais, a modéstia e a bondade que tanto o impuseram a amigos e inimigos.
Dêle disse Serpa Pinto em relatório enviado ao Ministro:

... sendo rigorosíssimo no castigo e fazendo-se amar de tal modo dos pretos que qualquer arrisca a sua vida por êle. Eu atrevo-me a chamar a atenção, de V. Ex.ª para êste heróico oficial, que tem apenas vinte e quatro anos de idade.

E sobre a tomada de Chilomo, informou nestes termos:
Serviu debaixo das minhas ordens o tenente da armada real João de Azevedo Coutinho; se todos os oficiais que tive a honra de comandar foram dignos de elogio, nenhum se igualou ao tenente Coutinho em bravura e coragem. À frente da tripulação do vapor Cherim tomou a povoação fortificada de Chilomo, que era defendida por quatro mil macololos, pondo-os em debandada completa. A êle confiei o comando de uma coluna que submeteu o país até às cataratas, missão que desempenhou com a sua habitual coragem e ainda com prudência superior a todo o elogio, porque conseguiu pacificar o país, convertendo os vencidos em amigos.

Só inteíro desinterêsse de, si próprio e inexcedível devoção ao serviço da Pátria podiam permitir levar a cabo quanto Coutinho fez em Moçambique. Nêle concorreram, no mais alto grau, os grandes predicados dos que primeiro entraram no sertão africano e o desbravaram; cujo entusiasmo não era de ceder às privações e a quem o saber das cousas e dos mistérios de África dava fôrça e prestígio para lutar e vencer.
Dêsse saber, se armou em todas as campanhas; não menos que a bravura lhe serviu uma visão equilibrada e clara.
Sôbre o ataque a Mafunda, em que, mal ferido já, seguia combatendo, escreveu Aires de Orneias:

... experimenta-se um profundo sentimento de respeito por tamanha energia. Não fica mal mesmo se a compararmos à de D. Lourenço de Almeida, sentado no chapitéu da nau, com as pernas partidas e comandando tranquilamente o combate naval contra os rumes.

E o governador geral Joaquim Machado, ao confiar-lhe o comando da expedição Júlio de Vilhena que iria para o Mataca, disse-lhe:

A V. Ex.ª está entregue o mais valioso e honroso serviço que na actualidade podia ser cometido nesta província a um oficial português. Faço votos por que a Providência o ajude e fico certo que V. Ex.ª aliará à sua provada bravura a prudência indispensável que devem ter todos os chefes que, pelos seu actos e pela sua posição, podem realçar ou prejudicar o nome e os interesses da Pátria.

Mas o militar esforçado e valoroso das guerras da Zambézia não só em Moçambique vincou a sua acção. A pouca permanência por Angola não impediu que firmasse domínio entre povos do Zaire. Nem na vida do mar faltou a evidência, em provas repetidos, do seu ser animoso e pleno de recursos.
E não se vá esquecer, por ver o militar, como continuou em seus governos a obra que pelas armas encetara. Fala Mousinho do seu forte prestígio quando por duas vezes governou a Zambézia. Governador geral, e mais tarde Ministro, juntou por seu saber sucessos novos aos muitos conquistados, dos combates do Chire à campanha do Barué.

Não há que provar a justiça do projecto. Atestam-na os chefes junto de quem serviu Azevedo Coutinho; e o aprêço do Rei, do Povo e do Govêrno por, quem com tal denôdo soube servir a Pátria.
Informa êste parecer a fôlha dos serviços que prestou. Não há comentário a acrescentar. 0 ilustre Ministro da Marinha, com sua autoridade, assim julgou também quando escreveu a carta que vem junta, ao projecto.
Com promulgar a lei se enaltece a Nação. E com distinguir o heróico marinheiro se dignifica a armada, por ser êle um dos seus, e porque, se escolheu, para distinção, restituir-lhe a farda da marinha.
Também, como o Ministro, a Câmara Corporativa, dando parecer favorável ao projecto, o faz com «caloroso aplauso».

Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Secção de Defesa Nacional, 10 de Fevereiro de 1942.

Eduardo Augusto Marques.
João Batista de Almeida Arez.
José de Almada.
Vasco Lopes Alves, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA