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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.°47

ANO DE 1943 16 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEA NACIONAL

III LEGISLATURA

SESSÃO N.º 44, EM 15 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários: Exmos. Srs.
José Manuel da Gosta
Augusto Leite Mendes Moreira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 49 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Salvador Nunes Teixeira mandou para a Mesa dois requerimentos: um, solicitando lhe sejam fornecidas as publicações do Instituto Nacional de Estatística referentes aos resultados do último recenseamento da população; outro, pedindo informes com o fim de tomar conhecimento do critério seguido pelo Grémio dos Armazenistas de Mercearia para a fixação dos contingentes mensais de géneros cuja distribuição lhe está cometida.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano económico de 1944.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Luiz Mendes de Matos, António Cortês Lobão, José Soares da Fonseca e Águedo de Oliveira.
Concluído o debate na generalidade, procedeu-se à discussão na especialidade, sendo a proposta de lei aprovada, com uma emenda ao artigo 5.°, de harmonia com uma proposta apresentada pelos Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Oliveira Ramos, Joaquim Saldanha, Sá Carneiro, Soares da Fonseca e Madeira Pinto.
Após uma interrupção de alguns minutos, foi aprovado o texto elaborado pela Comissão de Redacção.
O Sr. Presidente comunicou que recebera as contas do Estado da gerência de 1942.
O Sr. Presidente encerrou a sessão As 18 horas e 20 minutos.

Última redacção. - Texto, aprovado pela Comissão de Redacção, da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1944.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 39 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Salvação Barreto.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues Cavalheiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.

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João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Manuel da Costa.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Pedro Inácio Alvares Ribeiro.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 65 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 49 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Como ainda não chegou o Diário da última sessão, não o posso submeter à votação.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Salvador Teixeira.

Sr. Salvador Teixeira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para requerer que com a maior urgência me sejam enviados os seguintes documentos:

Requeiro que com a possível urgência, pelo Ministério das Finanças me sejam fornecidas as publicações, já feitas pelo Instituto Nacional de Estatística, dos resultados do último recenseamento da população existente no continente da República.

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 15 de Dezembro de 1943. - O Deputado Salvador Nunes Teixeira.

Requeiro que, com a possível urgência, pelo Ministério da Economia me seja dado conhecimento:
1.° Do critério seguido pelo Grémio dos Armazenistas de Mercearia para a fixação dos contingentes mensais dos géneros, cuja distribuição lhe está cometida, pelos vários distritos e concelhos do continente da República;
2.° De quais os contingentes de sabão, massas alimentícias, açúcar, arroz e bacalhau atribuídos aos diferentes distritos e concelhos do continente da República em cada mês do ano corrente; e
3.° Se os contingentes fixados foram integralmente entregues e, no caso de o não haverem sido, quais as razões por que o não foram e destino dado aos não entregues.

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 15 de Dezembro de 1943. - O Deputado Salvador Nunes Teixeira.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai continuar a discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano económico de 1944.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mondes de Matos.

O Sr. Luiz Mendes de Matos: - Sr. Presidente: depois dos brilhantes discursos pronunciados nesta tribuna sobre a apreciação do valor político e financeiro da lei de meios, poderia dispensar-me de tomar parte neste debate. No entanto, parece-me que não o devo fazer. Intervenho, pois, e faço-o, não apenas por mero diletantismo verbal ou por simples prazer de crítica, mas sim por um grato imperativo de consciência. Faço-o levado por um sentimento a que bem poderei chamar dever profissional.
Na verdade, a lei de meios, como toda a orgânica orçamental que sobre ela se baseia, não é apenas um processo administrativo, porque atrás dela ocultam-se importantes questões de justiça e graves problemas de moral. Os números que exprimem as contas públicas não são apenas realidades frias e inertes, nêles vibra e palpita a própria alma nacional, nos seus anseios, nas suas esperanças, nas suas lutas e nos seus sacrifícios.
A lei de meios não é apenas, por imposição da Constituição, a primeira na ordem do tempo; é também a primeira na importância, porque nela se espelha e retrata toda a actividade da vicia colectiva da Nação.
Perante um diploma desta vastidão e desta importância, com tam largas projecções e tam variados aspectos, não sinto coragem de o encarar em globo, porque o seu conteúdo é tam profundo que não cabe na estreiteza de um discurso. Por isso, vou limitar-me exclusivamente à apreciação do artigo 4.°, isto é, vou tratar apenas, mais uma vez, do imposto sucessório, não com o brilho com que o fizeram outros oradores, mas para nesta tribuna ressuscitar por momentos aqueles homens bons, que o nosso povo mandava às velhas assembleas representativas, para que eles fossem os intérpretes das suas queixas e dos seus pedidos, e assim honestamente ajudassem o Poder na administração da justiça e colaborassem com lealdade na gestão da causa pública.
Venho trazer ao Govêrno as queixas dos pequenos casais que se sentem ameaçados pelos assaltos do imposto sucessório, conjuntamente com o inventário de menores.
Limito o meu discurso a este ponto restrito: demonstrar que o imposto sucessório poderá ser desagravado directa ou indirectamente, e, que emquanto ele não for desagravado, convém que o Governo realize uma política que sirva simultaneamente à defesa da economia nacional e à defesa cios lares ameaçados, por isso da ordem nacional.
A lei de meios traz uma pequena alteração no § único do artigo 4.°, que é concebida nestes termos:

«Continuará reduzida a 3 por cento a taxa referida no corpo deste artigo para as transmissões operadas a favor

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de descendentes, quando iguais ou inferiores a 5.000$ em relação a cada um deles, podendo o Governo elevar este limite a 10.000$, se assim o julgar conveniente».

Esta alteração, como realização, é realmente pequena, tanto mais que ela é hipotética e eventual; no entanto, vale para nós alguma cousa, porque tudo quanto representa desagravamento das cargas tributárias do povo, ainda que como simples esperança, é para nós de importância e de interesse.
Mas essa alteração vale imensamente mais como tendência que o Governo mostra para o desagravamento deste imposto.
Até onde deve ir esse desagravamento?
No relatório das contas de 1938, o então Ministro das Finanças e hoje Presidente do Conselho, escreveu estas palavras:
«A parte este inconveniente de princípio, realmente grave, de constituir uma fracção do capital anualmente consumido pelo Estado sem que este porventura o constitua por outro, dois problemas sobretudo me preocupam neste imposto: a destruição da unidade da exploração económica que a própria morte porventura teria deixado intacta e a liquidação forçada de valores imobiliários para pagamento do imposto nos prazos curtos da leis.

Há dezenas de anos que as vozes mais eloquentes e mais autorizadas desta Assemblea mostraram exuberante, definitivamente, a ilegitimidade deste imposto.
Hoje não vale a pena terçar armas por essa causa. Julgou-a o próprio Chefe do Governo naquelas palavras lapidares que em síntese luminosa mostram todos os malefícios do imposto, no domínio dos princípios e no campo dos factos. Elas envolvem, na verdade, dois problemas: um de princípio e outro de facto. Problema de princípio: o imposto em alguns casos não incide só sobre o rendimento: toca as próprias fontes que o alimentam. Absorve o próprio capital, o que é contrário a toda a filosofia do imposto e ao melhor direito fiscal.
Problema de facto: destrói a unidade de exploração económica e força os casais à venda de bens imobiliários.
Parece-me, Sr. Presidente, que, perante estes resultados, o desagravamento deveria ser total nos pequenos casais, largamente reduzido nas médias fortunas e justo e equitativo nas fortunas grandes. Em vez disso, a lei de meios traz apenas um hipotético e miudinho desagravamento na taxa adicional aplicado à cota pessoal de 5 contos.

O Sr. Melo Machado: - Chamo a atenção de V. Ex.ª para o facto, que consta da lei de meios, de ter sido deminuída para 8,5 por cento a taxa de contribuição predial rústica no concelho de Mafra depois que vigoram nele as matrizes de cadastro geométrico. Verifica-se que o rendimento colectável dessas propriedades passou de 4:338 contos para 9:789 contos. Como esta deminuição de taxa incide só sobre a contribuição predial, veja V. Ex.ª quanto vai ser agravado o imposto sucessório pago sobre aumento de valores desta natureza.

O Orador: - Agradeço as informações oportunas de V. Ex.ª Elas vêm apenas reforçar as minhas considerações.
Perante o que acaba de ser comunicado pelo Sr. Deputado Melo Machado, nós preguntamos: porque é que o Governo não fez o desagravamento, e pelo contrário parece tê-lo agravado consideràvelmente em alguns casos?
Sr. Presidente: os povos querem sempre ter razão, e a força dos governos está em não lhes dar nenhum motivo para isso. Quere dizer: é preciso que o Poder a tenha. Que razão, tem, pois, o Governo para não fazer o desagravamento, que tantos títulos impõem?
No referido relatório das contas de 1938 afirma-se que depois de profundo estudo sobre o assunto se chego a a esta conclusão: no actual estado de cousas unia reforma radical era absolutamente impossível.
De então para cá aquele estado de cousas não melhorou; bem ao contrário, tragicamente se agravou, não só sob o aspecto económico, financeiro e social, mas principalmente sob o aspecto internacional.
Devemos lealmente confessar que a actual situação internacional criou para o Poder problemas de uma alta gravidade, muito mais importantes do que este pequeno grande problema. Somos obrigados a reconhecer que essas preocupações absorveram o Poder, obrigaram-no a intensos e exaustivos trabalhos, que nos deram um benefício que só o salário da glória é capaz de pagar e que se exprime na conservação do País numa paz digna e honrada.
Este resultado da política do Governo pode porventura explicar que só não haja praticado a reforma radical de que se falava no já referido relatório. Mas na impossibilidade do desagravamento directo poder-se-ia ter ido para o desagravamento indirecto, pela substituição do imposto. Como?
Nos últimos anos, as fontes de rendimento tem-se multiplicado espantosamente, misteriosamente. O capital do nosso tempo tomou, como o velho Proteu, as formas mais diversas, as mais imprevistas, as mais escusas.
Por elas se furta não apenas aos seus deveres fiscais mas também à sua função social. Mais: transforma essa função em actividades de desordem o perturbação, pela especulação e pela agiotagem.
Verifica-se este contraste, que seria paradoxal se não fosse monstruoso: emquanto o pequeno lavrador, que à custa de sacrifícios e de suores conseguiu fazer um pequeno património, quando a morte lhe entra em casa trazendo a orfandade e a viuvez, vê desfazer o seu sonho de educar os filhos e legar-lhes um futuro desafogado, que seria uma riqueza da Nação, afogado nas malhas do fisco, o outro, que enriqueceu pela usura, continua tranquilo a sua obra iníqua, podendo, quando a morte vem, passar intacta a fortuna que noutras mãos continua a sua obra nefasta.
Esta situação parece-me que precisa de remédio e pronto. Como? Tomando esse capital nas únicas manifestações em que elo se revela: no luxo e no vício.
Importa, por isso, que com urgência se realize uma política fiscal, prática e progressiva, sobre matéria sumptuária, isto é, sobro todas as formas de consumo sem compensação alguma: luxo, no sentido vulgar do termo, álcoois, espectáculos inúteis, etc.
Essa política daria ao Governo recursos necessários para se ressarcir da deminuição de receitas resultante do desagravamento do imposto sucessório.
Estaria assim assegurada a defesa dos pequenos casais? Creio que não. Salazar chamou à reforma radical do imposto sucessório um «feixe de problemas».
E na verdade a questão é mais vasta e mais complexa.
Ainda que nós tivéssemos conseguido um desagravamento total, o problema não estaria resolvido.
Nesta questão, o que interessa, além da obediência aos princípios, é a conservação, a defesa dos pequenos lares, dos pequenos patrimónios, que são sempre fontes de riqueza económica e demográfica, poderosos pilares de equilíbrio e da ordem social.
Ora, Sr. Presidente, para proteger eficazmente esses pequenos lares não basta suprimir totalmente o imposto sucessório.
O imposto sucessório, em boa verdade, não opera unicamente por si mesmo; quando aparece, traz sempre

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consigo más companhias na sua obra de ruína e destruição. Entra num complexo económico-jurídico, que se forma pelas despesas que hoje é de uso designar por « lutuosa», o imposto sucessório propriamente dito, inventário orfanológico e a usura, que é de todos o mais prejudicial, o mais pernicioso.
As cousas passam-se desta maneira: a morte é cara, pois traz consigo encargos pesados e inevitáveis: liquidação de despesas da doença, do luto e do funeral, as despesas que comummente chamamos «a lutuosa».
Estas despesas, no seu conjunto, abalam profundamente os pequenos lares, enfermam a sua saúde económica, porque os recursos, normais não lhes permitem fazer-lhes face.
Quando o imposto sucessório aparece, encontra o casal já empobrecido. É um doente que êle atinge. Vem depois o inventario orfanológico.
Intencionalmente é a defesa dos órfãos que ele visa, e nada mais louvável.
No entanto, na prática as cousas passam-se diferentemente porque o inventário apenas destrói o património que deveria defender. Os dois impostos, o do Estado e o da justiça, obrigam a pagamentos que as possibilidades normais do casal não comportam. Começa então a tragédia que finda na ruína.
Para essa liquidação apenas dois meios se oferecem: a venda de bens imobiliários ou o empréstimo. Na maior parte dos casos guarda-se a terra.
E compreende-se que assim seja.
O património ou foi criado com os trabalhos do casal ou se recebeu em herança. No primeiro caso, ele está impregnado das energias, das forças, do suor, do sangue do casal. As loiras que o constituem têm alguma cousa da vida da própria família.
Perdê-las é quási um segundo luto.
Com a perda das terras perde a família alguma cousa de si mesma.
Quando êsse património não foi composto pelo próprio casal, êste liga-se-lhe por um sentimento mais forte: é o coração que quere conservar aquilo que os pais legaram, porque é também algo da sua mesma vida.
É pelo empréstimo que os casais optam, no desejo do conservar o património.
Mas nesta altura aparece a usura a oferecer generosamente o dinheiro para a liquidação das custas com o Estado e com a justiça. Em que condições? Sr. Presidente, ainda hoje, pelo País fora, não obstante as proibições da lei, se fazem empréstimos a 10, 12 e 15 por cento.
E o que acontece? A catástrofe da destruição da família.
Como?
O património por muito bom tratado que seja, tanto mais que a sua estreiteza não permite que seja cultivado pêlos processos da técnica agrícola, não rende mais de 3 a 4 por cento, em quanto o juro a pagar é de 10 a 15 por cento.
Por mais sapiente e severa que seja a administração do casal a família não consegue salvar-se. Os juros comem connosco à mesa, diz o povo, mas comem o melhor do casal, absorvem todas as economias. Crescem, aumentam progressivamente, até igualar o valor do pequeno património. Neste momento a usura faz o assalto e a casa esboroa-se.
Esta é a situação, esta é a terrível situação.
Quais os resultados o consequências? Os resultados e consequências estão à vista de nós todos: a destruição da unidade económica e a destruição da unidade educativa.
Pela destruição da unidade económica opera se um desnivelamento na condição social dos pais. Deprimem-se à condição de proletário. A primeira consequência dessa destruição da unidade de exploração económica dos pais é o aumento crescente da proletarização, fornia mais ou menos clara da escravidão, já que o escravo é apenas o homem que não tem de seu nem terra nem trabalho.
Quanto à destruição da unidade educativa, furta os filhos à educação devida, entrega-os à satisfação de todos os instintos. Priva-os do elemento formativo do homem, Realiza um sinistro esforço de socialização humana.
Encontramo-nos assim perante dois fenómenos inteiramente opostos à nossa compleição nacional, à nossa tradição histórica; encontramo-nos perante dois fenómenos que são a negação dos altos objectivos do Estado Novo.
Essa proletarização dos pais e essa socialização dos filhos importam alguma cousa que não atinge apenas, a ordem económica, mas as raízes da própria ordem social, que o Estado têm obrigação de defender e proteger.
Salvam-se ao menos os interesses da economia? Não, nesta derrocada nem a própria economia se salva.
Quero dizer que o imposto sucessório, cumulativamente com o imposto de justiça, não somente não beneficiam a economia nacional, mas, a meu ver, a prejudicam profundamente.
Vejamos ainda outra vez como as cousas se passam.
Tomemos um casal composto de quatro ou cinco filhos com um património de 30 ou 40 contos. A morte entrou, levando um dos chefes - o pai ou a mãi.
O que sobrevive não pode aguentar a educação dos filhos. E o que acontece?
Dois factos que merecem a atenção do Governo respondem cabalmente.
Por esse Portugal fora estão-se constituindo pequenos grupos de vagabundos, formados por rapazitos de 12 a 15 anos, que orgulhosamente se chamam a si próprios - «os moinas».
Os «moinas» são, na definição dada por eles próprios, os rapazes que não têm lar, não conhecem família nem trabalho, os rapazes que mal sabem onde nasceram, os rapazes que se preocupam apenas com o vício, os rapazes que vivem da pilhagem. São os futuros bandidos.
Outro facto: as instalações das tutorias da infância tornam-se insuficientes, as casas de correcção estão-se multiplicando. Quem vai parar ali? Quem enche essas casas? Quem? Em grande parte, os destroços do naufrágio dos pequenos casais, metidos a pique pêlos assaltos do fisco.
O Estado sustenta as casas de correcção, sustenta os tutorias da infância. Quanto custam ao Estado as vítimas da destruição desses casais abatidos pelo imposto?
Quanto é que o Estado tira do imposto sucessório destes pequenos casais? e quanto é que custa ao Estado a regeneração destas crianças? Seria interessante e elucidativo um inquérito, conduzido com critério neste sentido. Ele mostraria que neste jogo macabro de interesses, é o Estado quem perde. Perde nas fontes de riqueza que se secam e perde na elevação das ruínas que se amontoam.
Dir-se-á talvez, e eu concordo, que nem todas as crianças, nem todos os filhos desses lares esmagados pelo peso do imposto sucessório e do inventário orfanológico vão dar às casas de correcção. Felizmente, há ainda o fundo cristão do nosso povo, que constitue a defesa de muitos desses casais.
É ele que faz com que nem todos os filhos dos lares destruídos vão cair nas casas de correcção. Mas mesmo esses que se conservam sérios e honestos, estes mesmos ficam também caros ao próprio Estado pela necessidade de os proteger nas instituições de assistência social, nas suas creches, nos seus centros infantis, nos seus asilos, etc.

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Deste modo encontramo-nos nesta situação: emquanto o Estado anda a criar obras de defesa dá família (O. M. E. N., etc.), anda o fisco a destruir essas famílias que o Estado tem de proteger. Parece que o Estado destrói as famílias para depois se substituir a elas.
Eu procurei fazer nestas férias parlamentares, se é que se lhes pode chamar assim, um pequeno estudo sobre o rendimento para o Estado deste imposto quanto aos casais pequenos e quanto custam as suas ruínas à assistência pública. Faltam-nos estatísticas para um trabalho consciencioso, mas fiquei com a impressão de que a importância tirada pelo Estado desse imposto é imensamente inferior àquilo que o Estado tem de gastar nas obras de assistência. Impõe-se- um remédio para este mal. E esse remédio onde o vamos buscar?
Eu sou leigo nesta matéria, mas parece-me que se podia talvez conseguir dos serviços de justiça que os inventários dos pequenos patrimónios fossem feitos gratuitamente, isto é, que o Estado encontrasse outra formula de remunerar os serviços dos funcionários que neles intervêm sem recorrer aos emolumentos.
Só apresento esta sugestão, porque, como já disse, sou estranho à matéria.
Sr. Presidente: ainda que conseguíssemos esta solução, o problema não ficaria resolvido. Na verdade, nós nunca poderemos defender esses pequenos lares e ampará-los eficazmente sem que tenhamos eliminado o primeiro e o mais funesto dos factores que contribuem para a sua ruína. Esse factor é a usura.
E como podemos combater a usura?
Julgo que assim como o Estado faz empréstimos para o vinho e para o trigo podia também fazer empréstimos a estes lares quando batidos pela morte e em luta com as exigências do imposto.
Não sou um financeiro e muito menos, um técnico de créditos. Mas vendo o problema com olhos de leigo na matéria, que são no caso sujeito os olhos do coração, parece-me que seria possível organizar esse crédito. Não faltam ao Estado condições para o conseguir, porque - toda a gente o sabe - nos estabelecimentos de crédito do Estado existem hoje centenas de milhares de contos inaplicados!
Por outro lado, o Estado tem condições de segurança e de garantia, as mesmas que tem para se assegurar do pagamento do próprio imposto.
Para ser eficaz, esse empréstimo deveria obedecer a duas condições: primeira, ser efectuado a juros modicíssimos; segunda, a prazos largos, dez ou vinte anos, de forma a que a amortização e juros pudessem ser pagos com o rendimento do trabalho. Quando os menores atingissem a maior idade entrariam, com a posse da herança, na responsabilidade dos encargos que lhes eram inerentes.
Seria uma obra saudável, uma obra nacional, de profundíssimo alcance social.

O Sr. Madeira Pinto: -V. Ex.ª dá-me licença? Está nas mãos de V. Ex.ª trazer o projecto de lei à Assemblea!

O Orador: - Se eu tivesse a antecipada certeza de que esta opinião traduziria, como agora reconheço, a opinião da Assemblea e que dela receberia o acolhimento favorável que está recebendo, tê-lo-ia feito de muito boa vontade.

O Sr. Madeira Pinto: -Porque não?

O Orador:-Mas o assunto não perde oportunidade, antes cada dia ele oferece uma urgência mais clamorosa. Os interesses do Pais impõem que se não esqueça a opinião desta Assemblea, embora eu creia que o Govêrno tem na lei meios bastantes para, através da Caixa Geral de Depósitos, realizar o crédito.
Sr. Presidente: lembro ao Governo a necessidade de defesa da base económica dos pequenos casais, através de uma política de crédito fácil, oportuno, eficaz. Esta política seria em todas as emergências útil e salutar. Mas as exigências da hora presente dão-lho uma importância mais alta, uma urgência imediata. Não sabemos ainda quando a guerra terminará, nem como acabará, nem os problemas que advirão com o seu termo.
O que sabemos já é que sobre os destroços que ela ocasiona surgem ameaças de socialização, que devemos atalhar.
Importa que nós, portugueses, contra elas nos previnamos, prudentemente, até pelo dever de humanidade, que, por vocação histórica, temos de cumprir.
O melhor e mais eficaz modo de nos protegermos é fortalecer a nossa personalidade nacional.
A paz há-de ser a organização do mundo, e creio que nessa organização, Sr. Presidente, vingarão as nações de personalidade mais diferenciada, com uma capacidade de civilização mais perfeita.
Para fortalecer a nossa personalidade nacional e para criar nova capacidade de civilização precisamos de nos integrar na nossa tradição histórica, carecemos não de copiar fórmulas alheias, mas afirmarmos as nossas, que se estão impondo ao mundo; precisamos de fazer com que as realidades nacionais sejam cada vez mais... portuguesas. Para isso não bastam reformas de ordem política. Estas reformas são quási sempre inúteis e podem ser prejudiciais quando não assentem sobre reformas de ordem moral.
Estas reformas de ordem moral não as pode fazer o Governo, porque não estão na sua alçada. Tom de partir de baixo, do seio das famílias, que é essa, por direito natural e constitucional, a sua missão. E de que famílias?
Parece-me que os lares destinados a essa obra não são porventura apenas os lares das classes superiores nem das classes proletárias. Não os das classes superiores, porque elas, no sentido das virtudes que as caracterizavam - o amor ao trabalho, o amor à sobriedade e o amor ao bem comum -, deixaram de existir. Raros e honrosos representantes lhes sobrevivem, sobretudo no sentido do gentil-homem, o gentis hommo, o homem da gente, da grei, da Nação, o homem que vive só para os outros homens.
Não podemos, portanto, contar só com elas para esta reforma que se impõe na defesa da vida nacional.
Não podemos contar com as classes proletárias porque estas classes, pela falta- de independência e de elementos económicos, não estão, em geral, em condições de poder realizar essa reforma.
Devemos contar, principalmente, com os lares da classe média, aqueles lares que são batidos pelo imposto, que são destruídos pelo fisco.
São as classes médias que representam neste momento a grande força da Nação. Até como prova de reconhecimento e gratidão, pêlos muitos e grandes serviços que elas prestam, deveríamos olhar para elas com outro interesse, com outro empenho, e quando a morte nelas entrasse, o Estado devia aparecer não com as exigências de fisco, mas num acto de protecção e de carinho. Só assim poderão defender-se esses casais, só assim eles poderão criar os homens, homens bons e homens fortes de alma e corpo que a Nação precisa para prosseguir, na organização da paz, a sua vocação histórica.
Parece, Sr. Presidente, que esta política de defesa da base económica dos pequenos, realizada através de um crédito barato e eficaz, corresponde a uma grande necessidade nacional. E parece que o Governo está nas melhores condições de a poder realizar.
Porquê?

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Salazar, quando ainda não sonhava -se é que alguma vez sonhou- exercer o poder, escreveu estas palavras límpidas, claras e verdadeiras: «Ter a posse do poder e não ter a posse das consciências é ter um poder que a mais pequena convulsão pode fazer ruir; mas ter a posse das consciências e não ter a posse do poder é estar sujeito a todas as violências, a todas as injustiças e mesmo às vezes a perder as próprias condições de vida».
Sr. Presidente: o Governo tem a posse do poder e tem consigo a consciência nacional. Tanto basta para que eu confie em que o Governo realizará breve esta política para seu prestígio, benefício do povo e a bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: manda o Governo a proposta de lei n.° 21, referente às receitas e despesas para 1944, a fim de a Assemblea Nacional se pronunciar.
Acompanha a proposta um parecer da Câmara Corporativa, que muito facilita o estudo daquela.
Proponho-me fazer umas modestas considerações à proposta de lei, servindo-me para isso dos elementos que o ilustre relator do parecer nos forneceu, e que de certo modo se ligam com o artigo 6.° da proposta.
Não vou discutir as taxas que o Governo entendeu dever lançar sobre os rendimentos ou impostos.
E não vou discutir: primeiro, porque já colegas nossos, com melhores conhecimentos do que eu, aqui se pronunciaram, aqui deram o seu parecer autorizado; segundo, porque todos os anos, quando vejo executado o Orçamento Geral do Estado, reconheço que a gravidade sempre crescente do momento impõe as medidas adoptadas.
As considerações que vou fazer baseiam-se na leitura que fiz do bem elaborado parecer da Câmara Corporativa na parte em que se refere às verbas gastas no Ministério da Guerra.
Sr. Presidente: sabemos todos que a base de toda a política financeira do Governo se apoia no equilíbrio orçamental.
Passámos em revista os números que nos dá a Câmara Corporativa; a despesa extraordinária com o rearmamento do exército, desde 1936 a 1942, monta a 1.462:482 contos.
Desta verba tam elevada foram pagos por saldos diversos 1.099:608 contos e por receitas ordinárias apenas 362:873 contos.
As previsões do Ministro das Finanças, contra a opinião de muitos, permitiram pagar com saldos uma verba tam elevada.
Temos de lhe fazer justiça, reconhecendo mais uma vez certa a sua política financeira.
Mas, Sr. Presidente, como desta tribuna não se fala para a galeria, mas sim para o País, e porque há muito mais feito, porque esta obra não terminou, devemos completar a informação que nos vem da Câmara Corporativa, dando nós mais os elementos referentes ao ano de 1943, porque julgamos conveniente que o País tenha uma noção exacta do esforço que se está fazendo em prol do seu exército, que o mesmo é dizer da guarda da honra e da liberdade da Nação, a fim de podermos afirmar que, sem nos metermos na casa alheia, queremos viver como nação livre.
Vejamos os números de 1943:
A despesa normal foi de 353:700 contos, a destinada a rearmamento 780:000 contos e a despesa de guerra 430:000 contos, o que dá no total 1.563:700 contos.
Estas duas últimas parcelas são divididas como segue:

Rearmamento:

Verba inicial 400:000 contos; primeiro refôrço (decreto-lei n.° 32:860) 80:000 contos, segundo reforço (decreto n.° 32:958) 300:000 contos; soma 780:000 contos.

Despesas de guerra:

Verba inicial 330:000 contos e reforço (decreto n.° 33:130) 100:000 contos; soma 430:000 contos..
Esta verba foi destinada: a manobras 50:000 contos, às forças expedicionárias 370:000 contos e outras despesas aio continente 10:000 contos; soma 430:000 contos.
Por aqui vemos que a despesa do Ministério da Guerra, só em 1943, é de 1.563:700 contos, a acrescentar ao já despendido em anos anteriores.
Esfôrço formidável é este e respondo aos vários sectores derrotistas.
E tudo se fez dentro do equilíbrio orçamental.
Sr. Presidente: eu, que na guerra passada de 1914-1918 estive em França, posso afirmar sem receio de desmentido: o nosso bom soldado desses tempos muitas vezes desembarcou em portos franceses, no inverno de 1917, com temperaturas negativas, sem armamento, sem equipamento e sem roupa para se defender do frio, muitas vezes sem uma única manta para se agasalhar, tendo de aguardar muito tempo que lhe fornecessem o necessário para suportar as baixas temperaturas.
O soldado de hoje que segue para fora do continente leva tudo o necessário ao seu equipamento, armamento e fardamento, fornecido aqui e tudo bem português.
Nos tempos passados de 1914-l918 os orçamentos andavam desequilibrados, vivendo-se de expedientes. Hoje tudo se faz com equilíbrio orçamental, com contas claras, sem sobrecarregar a massa tributária, como se vê pela proposta de lei agora apresentada, onde as taxas o impostos se mantêm iguais ao ano passado.
Que grande diferença entre o passado e o presente!
É bom que o País saiba de tudo isto, uma vez que todos nós sofremos de falta de memória.
Desejo aqui prestar a minha homenagem, pagar uma dívida em aberto ao nosso valente soldado português de hoje.
Os tais do sector a que há pouco me referi entendiam que não nos devíamos armar por várias razões e entre elas porque o nosso soldado não tinha preparação nem cultura para se entender com o material moderno.
Até isso podemos gostosamente desmentir.
Sr. Presidente: posso afirmar a V. Ex.ª, aos meus colegas e ao País que os oficiais e soldados portugueses de hoje, depois da preparação que tiveram, com um pequeno sacrifício, naturalmente justificado nos primeiros tempos, estão habilitados a manejar todo o material moderno que hoje temos em Portugal e que já é bastante.
Temos desta, afirmação a prova nas manobras que acabam de se realizar, e onde todos mostraram que sabiam; manobras em que tomaram parte muitos milhares de soldados, enquadrados em três divisões, e que executaram os planos elaborados pelo nosso alto comando de tal forma que os louvores publicados ao terminarem os exercícios mostram que algumas unidades executaram melhor do que se pedia.
Cabe aqui fazer uma referência especial aos oficiais milicianos que foram mobilizados para completar os quadros, quer das manobras quer das outras divisões que têm saído para fora do continente.
Esses oficiais, grande parte deles fazendo os maiores sacrifícios materiais, com prejuízo da sua posição na vida civil, têm trabalhado com a maior abnegação, com-

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petência e patriotismo, reconhecendo a gravidade da hora que passa.
Deve o País estar-lhes agradecido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente: tudo isto se deve, tudo isto é obra do grande chefe e actual Ministro da Guerra, coadjuvado neste trabalho gigantesco pelo seu colaborador de todas as horas, de todos os momentos, o Sub-Secretário de Estado da Guerra, inteligente e leal colaborador a quem o Ministro da Guerra há pouco tempo, numa reunião com os altos comandos militares, publicamente manifestou a alta consideração em que tinha as suas grandes qualidades de organizador.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: todo o soldado é bom quando os chefes são bons. Isto reconhece-se até nos comandos de pequenas unidades.
Os chefes fazem os soldados.
Nós, os militares, somos os primeiros a sentir esta transformação, mas o País deve sabê-lo.
Tudo isto se tem feito para defesa e honra do País.
Sabemos que é o mesmo Chefe, que tanto amealhou e que nunca consentiu a mínima despesa mal gasta, que agora apresenta ao País as verbas enormes de que acabamos de tomar conhecimento.
Se êle as gasta é porque são necessárias - é o que se deve concluir.
Pode-se preguntar: porque só agora, em 1936, começou a preparação do exército?
A razão pode ser esta: porque antes desta data não tínhamos ainda a casa em condições de nos abalançarmos a tam grande empreendimento.
Talvez não façamos idea exacta do trabalho que exigiu o estudo no detalhe.
Sr. Presidente: como militar afirmo que em cada dia que passa maior orgulho tenho de servir sob as ordens dêste Chefe.
Como português afirmo que, apesar das desgraças que assolam todo o mundo e de que não estamos livres, dou graças a Deus por me ter permitido ver e conhecer a extraordinária obra deste grande português e peço a Deus que a sua vida e saúde se prolonguem, para garantia do futuro.
Pena é que algumas vezes, por culpa nossa, as dificuldades entre nós não sejam atenuadas; e julgo que seria fácil, pela colaboração de todos, pondo de parte certos egoísmos injustificados nesta época grave que atravessamos.
Pêlos erros de alguns? Pela falta de visão de outros? No fim, em prejuízo de todos - governantes e governados.
Expondo a minha opinião quanto à proposta que se discute, dou o meu apoio à referida proposta, fazendo votos por que o cataclismo que caiu sôbre o mundo nos permita manter a mesma política financeira até hoje seguida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: há um ano, fazendo a minha estreia nas lides parlamentares, subi a esta mesma tribuna para salientar o valor político das propostas de lei sobre autorização de receitas e despesas, valor que me não fatigarei jamais de enaltecer. Orienta-nos uma saudável filosofia política, dentro da qual a Câmara dos Deputados já não é detentora do velho, pernicioso o falseado exclusivo das funções legislativas. Rege-nos uma bem orientada Constituição, segundo cujos preceitos a competência de legislar se reparte, quási indiferentemente, no respeitante a razões de matéria, entre o Governo e a Assemblea Nacional, ressalvados os naturais limites impostos pela duração das sessões parlamentares. Vivemos uma época em que as próprias atribuições legislativas desta Casa mal têm assomado, na prática, o seu exercício.
Creio, Sr. Presidente, que nenhuma das circunstâncias apontadas é susceptível de beliscar seriamente o prestígio da nossa missão de Deputados. Mas creio também. que esta Câmara não pode e não devo alhear-se da sua missão necessária e, mais do que isto, indispensável do fiscalização política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As funções políticas da Assemblea Nacional são verdadeiramente as suas grandes funções. Estas há-de ela querer e saber exercê-las.
Tenho até como solene reconhecimento expresso da necessidade de tal missão fiscalizadora o como clara indicação da natural indispensabilidade do seu exercício os preceitos constitucionais que tornam obrigatório virem aqui, sob a forma do propostas de lei, as autorizações de receitas e despesas para todos os anos económicos. E, assim, a obrigatoriedade da vinda da presente proposta de lei importa, do certo modo, a obrigatoriedade do actual debate. Por outras palavras: o valor político da apresentação obrigatória da proposta governamental há-de ser utilizado pela Assemblea Nacional através de séria discussão, sob pena de se negar a si própria.
Isto explica, Sr. Presidente, as razões por que decidi intervir no debuto e justifica a orientação de alguns apontamentos que vou expor, em breve escorço.
Estamos, Sr. Presidente, diante do uma proposta de lei de finanças. Só autoriza e só podo autorizar a organização de orçamento inteiramente conformo com os preceitos legais a êle respeitantes, Há-de o orçamento, portanto, reunir todos os requisitos de antemão fixados nas leis. Há-de sobretudo revestir-se da qualidade mostra que só chama equilíbrio o que chega a ser, entre nós, tipicidade determinada pela própria constituição política do Estado.
Nada disto é já estranho, quer à Assemblea, quer ao País. Pelo contrário, dir-se-ia que precisamente já chega a ser estranho, para alguns, que continue a fazer-se o elogio do equilíbrio orçamental. Pôde até afirmar-se em letra de forma, não há ainda muito tempo, que o problema financeiro era secundário na administração pública ! Como se em casa de qualquer prudente chefe de família os recursos económicos se julgassem matéria quási desprezível! Como se normalmente pudesse haver boa política sem boas finanças! Como se os desequilíbrios orçamentais não representassem verdadeiros e pesados gravamos tributários! Como se não fosse precisamente graças ao firme equilíbrio orçamental, desde há vários anos, que se conseguiu iniciar e continuar o reapetrechamento económico do País, que se teve a possibilidade de prover ao urgente rearmamento da Nação, que se criaram condições do acudir, sem sobressaltos graves, a muitos dos males criados pela guerra e do obviar a outros eventuais ou prover melhor aos muitos já presentes !
Por mim, aplaudo com redobrada convicção a sadia política dos orçamentos equilibrados e legitimo até, nas condições excepcionais em que vivemos (mas só nelas), a política dos saldos fortes nas contas.
Apoiados.
Sem embargo, porém, há-de reconhecer-se, Sr. Presidente, que esta proposta de lei sugere naturalmente os

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justos comentários aqui apontados por outros Srs. Deputados. A eles juntarei também alguns. E, visto a proposta incidir sobre a Autorização de receitas e despesas, começarei por aquelas, para depois me ocupar destas.
Quanto às receitas, a minha atenção foi especialmente solicitada pelas matérias da contribuição predial e do imposto sobre as sucessões e doações.
Na proposta mantêm-se as taxas da contribuição predial em vigor nos últimos anos. Não há deminuição dos encargos fiscais, mas também não há agravamento tributário.
Em meu parecer, todavia, as taxas são um pouco altas. Bem sei, Sr. Presidente, que a alta é, em grande parte, aparente, visto a incidência das taxas se verificar sobre rendimentos matriciais que não estão devidamente actualizados. Bem sei também que, ao invés do aconselhável na nossa vida doméstica o até ao invés das normas seguidas na execução do orçamento, aqui não são as receitas que determinam as despesas, antes são estas que devem determinar aquelas. Todavia, além da necessitado e legitimidade das despesas públicas, há-de ter-se em conta a potencialidade económica da Nação, e designadamente a do contribuinte predial, sobretudo a do pequeno e do médio contribuinte, que vive vinculado à terra e constituo, por isso, o mais seguro e apreciável elemento de estabilidade social.
Encarado o problema à luz deste critério, cuja legitimidade ninguém decerto impugnará, creio poder esperar-se, Sr. Presidente, que as taxas da contribuição predial serão cuidadosamente examinadas e oportunamente revistas pelo fisco. Por agora reputo talvez impossível aliviá-las com uma redução substancial, já que permanecemos em duros tempos de sacrifícios, necessários à salvaguarda de bens maiores.
Ainda que determinada por fins diferentes dos acabados de apontar, deve louvar-se a excepção prevista para a contribuição predial rústica no concelho de Mafra, cuja taxa, mercê da actualização dos rendimentos colectáveis neste concelho, desce de 14,5 para 8,5 por cento.
Trata-se, neste caso, Sr. Presidente, de assegurar a realização de um dos critérios de justiça do imposto: a sua uniformidade-regra que se ofende, como é bem de ver, com taxa uniforme a incidir sôbre rendimentos desuniformemente determinados.
A excepção deveria mesmo, para mais inteira justiça, generalizar-se a todos ou contribuintes que porventura se encontrem em condições idênticas à generalidade dos contribuintes do concelho de Mafra, e para este concelho, como para aqueloutros casos, deveria também operar-se uma redução igual nas taxas dos demais tributos que incidem, ou, melhor dizendo, podem incidir sobre o rendimento matricial dos prédios. Refiro-me, Sr. Presidente, às taxas do imposto sôbre as sucessões e doações o à taxa da sisa sôbre as transmissões do imobiliários por título oneroso.
Da justiçada integrar no capitulo propriamente dito do imposto sobre as sucessões e doações nada do interessante poderei acrescentar às eloquentes palavras já hoje aqui proferidas. Limitar-me-ei, por isso, à simples nota de um aspecto curioso - que me parece não ter aflorado ainda neste debate: o da anomalia de tal imposto ser ao mesmo tempo progressivo e regressivo.
Enquadrado nas melhores tendências tributárias, o nosso direito fiscal prescreve que a taxa deste imposto crescerá de harmonia com dois factores: o montante dos bens transmitidos e o menor grau de parentesco entre o transmitente e o adquirente. Deverá portanto acompanhar, como é lógico, a própria ordem por que se difere a sucessão legítima.
Ora, Sr. Presidente, na ordem tradicional de diferimento da sucessão legítima, que fôra alterada em 1910 e veio a ser restabelecida em 1930, o cônjuge sobrevivo não prefere aos irmãos e aos descendentes dos irmãos do autor da herança. Todavia a reforma tributária, publicada no domínio de diferimento da sucessão diverso do actual, conserva a sua redacção primitiva - donde resulta quebrar-se neste ponto a progressividade do imposto, cuja taxa, nos 3.° e 4.° escalões, desce com o menor grau de parentesco entre o transmitente e o adquirente. Parece, portanto, que deveria harmonizar-se a lei tributária com a lei sucessória.
Apoiados.
Findam aqui, Sr. Presidente, os meus modestos apontamentos sobre a parte de receitas contida na presente proposta, ainda que outros aspectos pudessem merecer igual atenção, designadamente a previsão do «estabelecimento de adicionei de guerra sobre as receitas gerais do Estado de carecer tributário» e, portanto, sobre a generalidade dos gostos directos.
Quanto às despesas, o debato trouxe já à Câmara as encomiásticas referências devidas à prescrição de um suplemento de vencimentos a atribuir aos servidores do Estado, para «compensação parcial, segundo os próprios dizeres da proposta, do agravamento das condições de vida proveniente do estado de guerra».
Desnecessário é também insistir no encarecimento do propósito, que todos sabemos firme, de se prosseguir na execução da lei de reconstituição económica e dos planos de defesa e segurança nacionais.
Há-de assinalar-se, com não menos merecido aplauso, a iniciativa dos levantamentos topográficos e das avaliações a que se refere o artigo 7.° da proposta - matéria que de si bastaria para absorver toda uma intervenção no presente debate.
Por último (e também aqui os últimos são os primeiros), esta Câmara só poderá acolher com alvoroçada esperança a política de «desenvolvimento da produção e normalização do abastecimento do País na actual emergência».
Apoiados.
Louvável política é esta que vai nortear as despesas públicas e louvável decerto há-de ser também a sua execução. Para isso, Sr Presidente, é mester que se tenham na devida conta princípios equitativos de toda a verdadeira política social reconstrutiva, que nem sempre se vêem observados.
Manda a justiça que, antes de mais, se respeitem os legítimos direitos do particular - proprietário, contribuinte e cidadão. Sacrificar-lhe as vantagens pessoais, quando o bem geral o impõe, está inteiramente certo. Mas, com elas, sacrificar-lhe os justos interesses, privando-o de condigna indemnização, estaria inteiramente desacertado. Só nas teorias socialistas ou socializantes se compreenderia que o Estado procedesse de outro modo e, com a idea do beneficio colectivo em vista, se absolvesse da violação dos legítimos direitos individuais. Para nós, todavia, o Estado, sendo embora condição de existência do indivíduo e podendo, portanto, sacrificar-lhe as comodidades ou vantagens particulares, tem também por fim proteger o mesmo indivíduo e não pode, consequentemente, lesá-lo nos seus justos interesses privados. O Estado Português é uma pessoa do bem.
Apoiados.
Ordena também a justiça que na distribuição de melhoramentos pelo País se atrvés preferência às obras de mais intensa necessidade e às regiões mais desfavorecidas, de modo a assegurarem-se todas as condições económicas e sociais da legitimidade das despesas públicas. Dar primazia, como se fez antigamente, ao benefício de alguém sobre o benefício de todos ou, como nem sempre tem deixado de se fazer hoje, ao menos urgente sobre o mais preciso e aos mais favorecidos sobre os

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menos protegidos é visão deficiente, iníqua e às vezes perigosa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda em nome da justiça (da justiça e das conveniências), deverá, em matéria do "desenvolvimento da produção e normalização do abastecimento do País na actual emergência", fazer-se um reajustamento necessário na política de preços de certos produtos e rever a campanha de organização e distribuição de vários outros.
O Estado Português não é intervencionista por sistema- o ainda bem. Respeitamos, ou queremos respeitar, na maior medida possível, o mesmo nas condições excepcionalmente difíceis do momento actual o desenvolvimento da iniciativa privada no domínio económico e noutros domínios, porque ela ó fonte insubstituível de prosperidade nacional e origem feliz da deminuição das despesas públicas.
Há, portanto, que evitar intervenções escusadas. Nas reveladas necessárias ou julgadas convenientes há que intervir apenas na medida das próprias necessidades ou conveniências - mas sobretudo há que procurar intervir bem e a tempo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nisto parece ter a administração pública pecado algumas vezes.
Já nesta tribuna se referiram casos eloquentes sobre a intervenção em matéria de preços. Parece-me desnecessário carregar o quadro de cores mais negras.
No respeitante a organização e distribuição, creio digno de alguns reparos o que se está passando em matéria de abastecimento de açúcar e de azeite.
Números reputados sérios indicam-me que de Julho a Novembro do ano decorrente entraram no País mais de 32:000 toneladas de açúcar colonial e que de Novembro a fins de Janeiro próximo devem entrar cerca de 14:000 toneladas. Se considerarmos que antes da guerra a média do nosso consumo mensal orçava por 6:500 toneladas e que ao presente se entrou em forte restrição de fornecimento de açúcar à indústria de pastelaria, aos cafés e às próprias farmácias, parcialmente compensada com o produto dos mostos e o racionamento do consumo nestas actividades, mal se compreende a escassez do açúcar no mercado livre, da qual resulta o vil apetite da sua oferta e procura no mercado negro.
Mercê de causas que não são da nossa culpa e que tem sido impossível remover, não foi até agora fácil conseguirmos organizar pequenos stoks, deste e de outros produtos, com a vinda de disponibilidades superiores às do consumo normal. Estarão eles a organizar-se, ao presente, com quantidades retiradas ao próprio consumo normal?
Anuncia-se que vai ser normalizado o problema do abastecimento do azeite-to por isso me abstenho de sobre ele apontar qualquer comentário especial.
No fundo ressalta sempre a imperiosa necessidade de intensificar, com a campanha do "produzir e poupar" - hoje mais- do que ontem, a campanha do "organizar e "distribuir".- amanhã melhor do que hoje.
Tarefa ingente e penosa, a Assemblea Nacional reconhecerá decerto, não obstante as falhas apontadas aqui e além, a decidida boa vontade, o desvelado carinho e a sacrificada abnegação com que o Governo procura enfrentá-la.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - Há-de em especial salientar-se a este propósito e do alto desta tribuna as longas, diligentes e difíceis negociações conduzidas pelo Governo para se reforçar a depauperada marinha mercante nacional com algumas novas unidades, que nos têm .permitido, se não atingir a suficiência dos nossos escassos transportes marítimos, ao menos evitar uma situação verdadeiramente angustiante.
Hei-de, em melhor oportunidade, voltar ao problema, do mais vital interesse para o País. Mas, desde já, a Assemblea Nacional não regateará decerto o particular louvor que por esta acertada medida é devido, como acentuei algures, "à clara visão e firme tenacidade do Sr. Presidente do Conselho, à dedicada cooperação e activo zelo do Sr. Ministro da Marinha, à inquietante ansiedade o diligente cuidado do Sr. Ministro da Economia, à inteligente iniciativa e abnegada actuação do Sr. presidente da Junta Nacional da Marinha Mercante".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ele ó devido igualmente ao patriótico concurso prestado então pelas empresas de navegação adquirentes dos navios, as quais,1 tendo aceitado, como também já apontei noutro lugar, "matar os seus barcos em explorações demasiado intensas, não hesitaram arriscar avultados capitais, alguns deles obtidos por empréstimo, na aquisição de novas unidades antes de conhecerem, confiantes na justa visão dos Poderes Públicos, as condições de frete a que teriam de subordinar-se" - confiança que não será iludida e que decerto em breve alcançará o prémio que lhe é devido.
Em resumo, Sr. Presidente, produzir e poupar, organizar e distribuir, são os quatro grandes postulados da boa política económica. Faço votos por que governantes e governados os realizem cada vez mais e melhor. A má política económica seria um pesado tributo que, embora não mencionado no orçamento, sobrelevaria o peso de todos os impostos orçamentais.
Tenho dito.

Vozes:-Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Aguedo de Oliveira:-Sr. Presidente: a doença do nosso colega Sr. Melo Machado dá infelizmente este ano unia trégua àquilo que é hábito chamarmos instrumento fiscal - o funcionamento das repartições.
Os Srs. Deputados que têm viu tio h tribuna, relevantemente o Dr. Ulisses Cortês e os Srs. capitão Duarte Marques e Dr. José Soares da Fonseca, na parte final, têm posto uma questão fundamental na discussão do problema da autorização da lei de meios, que é a questão económica no que toca ou prende com as finanças.
O Sr. Deputado Marques Mano, ainda que visionando um plano mais elevado - o da ordem internacional, discutindo a filosofia social das contradições do mundo moderno, onde o nosso sentido humanista será uma flecha, no catavento -, também colocou afinal a questão neste terreno. É exactamente no terreno económico que eu vou colocá-la também, pretendendo segui-los e aceitando de boa mente muita da matéria de facto aqui expendida.
Já há dez anos que a discussão se põe para mim da mesma maneira e que surpreendo exactamente a Câmara na mesma posição em relação à autorização a conferir ao Governo.
E, portanto, teria de me repetir, e suponho que a reacção da Câmara, em face daquilo que eu dissesse, não deveria, talvez, ser diferente. Muita cousa se alterou neste lapso de dez anos. Mas nesta matéria nem mudaram as bases nem as consequências. Muito menos se modificaram as razões e as conquistas. Elas aí estão bem à vista.

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O mesmo varão antigo de Plutarco - o Estado-finança!
A mesma administração - sempre impecável!
A mesma ressurreição de Lázaro - levanta-te e caminha!
O mesmo ponto de largada - para a ascensão de sacrifício !
A mesma obra de solidez e confiança em que o discípulo dilecto sucedeu ao grande Mestre!
E pôsto isto, entro propriamente na matéria.
Sem preocupações demasiadamente teóricas, sem grandes desenvolvimentos, tomando até as bases de facto que aqui foram postas, eu pretendo hoje demonstrar duas cousas: a primeira, que todas as guerras têm produzido, uniformemente, altas enormes no custo da vida familiar e as medidas tomadas pelo Estado, sendo elas porventura as mais draconianas, têm resultado, numa apreciável parte, inoperantes.
Em segundo lugar, a origem deste fenómeno, no momento actual, não se pode ter como reflexo das finanças portuguesas, mas deriva de condições económicas de ordem mundial a que se juntam também elementos da nossa vida interior, particularmente da nossa economia monetária.
Particularmente, a finança oficial, compreendida em seu estrito sentido neste capítulo, tem desempenhado apenas uma função benéfica.
Não devo repetir aqui aquilo que já foi exposto tam brilhantemente, sobretudo pelo Sr. Dr. Ulisses Cortês. Claro que as necessidades da guerra, a falta de abastecimentos, a deminuição da produção, o colapso da vida mercantil levam a uma estimação, a uma louvação demasiada das mercadorias e serviços. A isto corresponde, por outro lado, no espírito daqueles que possuem moeda ou disponibilidades, uma menor apreciação dessa moeda, no seu poder de aquisição. Isto explica-se por aquela conhecida figura económica - a equação geral das trocas.
A quantidade da moeda, englobando esta, os títulos circulantes e o cheque bancário, multiplicados pela sua velocidade de circulação, correspondem aos serviços e mercadorias susceptíveis de compra. Qualquer alteração neste estado de equilíbrio - a abundância de bens, a falta de meios, a violência de um serviço - traduz uma modificação de preço, que é expressão numérica desse equilíbrio.
Este estado de equilíbrio, como digo, exposto assim, sinteticamente e quási uniformemente nos economistas que se especializaram nestes assuntos, explica toda a movimentação geral dos preços.
E é curioso que o preço de um automóvel, um objecto de luxo, caro e de difícil construção, provoca a mesma sensibilidade do equilíbrio monetário que o preço de um alfinete.
Portanto, todo o movimento monetário é afectado por uma simples mercadoria.
Vemos, pois, que apesar de uma lei que fixa o valor das moedas, o certo é que o poder do comprador é menor e as exigências de quem vende começam a ser maiores sempre que se dá este fenómeno da sobrestimação dos valores e de menos apreciação de moeda em tempo de guerra. Os bens e serviços têm tendência a negociar-se mais caro - eis tudo.
A história ensina que as vitórias de Alexandre Magno, quando das campanhas asiáticas, de que resultaram enormes despojos, provocaram na Macedónia e na Grécia a chamada, inflação de preços e uma crise de valores - uma crise depressiva da moeda.
A Roma da era imperial, fazendo despesas enormes com as expedições de conquista e de carácter militar, submetendo os países ao confisco de metais preciosos e
de objectos de toda a ordem, debateu-se também numa inflação de valores, numa alta no custo de vida.
A Espanha e toda a península contribuíram enormemente para que esta alta se desse.
E é curioso que Ferrero salienta que, no meio dos grandes despojos e das grandes riquezas adquiridas com as expedições militares, se verificava o empobrecimento da maioria dos cidadãos romanos. Portanto, Roma enriquecia mas o cidadão murmurava porque constatava estar empobrecendo:
As guerras do feudalismo provocaram iguais fenómenos de inflação, iguais fenómenos de altas e baixas, de quebras do valor da moeda, a que correspondiam hipertrofias do valor dos bens.
As guerras por causa da Aquitânia, a guerra dos cem anos, que empobreceu o clero, a nobreza, a burguesia e o povo, salientaram altas dos respectivos valores e conduziram ao empobrecimento geral.
As várias guerras da França, Navarra e da Inglaterra provocaram o mesmo fenómeno.
E entre nós o reinado de D. Fernando I foi caracterizado pelas sucessivas guerras de Castela, acompanhadas de quebras sucessivas do valor da moeda. «Mudou e desfez», diz Fernão Lopes.
Ao mesmo tempo era saliente que os capitalistas e aqueles que guardavam no fundo das suas arcas os respectivos capitais empobreciam devido à constante deminuição do valor da moeda.
Subiram porém sempre os preços, não obstante haver-se tentado resistir. O rei fez « almotaçaria em todas las causas». Os preços quadruplicaram porém.
Com D. João I as cousas foram ainda mais longe e as novas guerras com Castela trouxeram quebras sucessivas do valor da moeda e altas do custo da vida que assumiram então um nível elevadíssimo e inverosímil.
As guerras coloniais de Portugal e da Espanha fizeram entrar no mercado nacional quantidades enormes de metais preciosos e produziram altas no preço dos artigos e deminuições do poder de compra da moeda. É assim que numa das mais belas igrejas manuelinas do País várias figuras ornamentais se desesperam em atitude demoníaca - são aqueles operários que contrataram trabalhar ao ano pelo salário de um vintém por dia, quando os companheiros eram remunerados a alqueire de cereal.
As guerras do século XVI, as guerras de Luiz XIV, a campanha do Russilhão, a revolta da América, a guerra do Oriente, a guerra russo japonesa produziram inevitavelmente a deminuição do valor da moeda e altas no custo de vida.
Unia referência ligeira às invasões francesas. Como se sabe, elas produziram enorme destruição de capital. Assolaram, sobretudo, as províncias da Beira e da Estremadura. Destruíram-se produções e colheitas; imensas pessoas ficaram sem asilo, sem lar, sem roupas, sem mantimentos.
Muitas casas foram incendiadas; algumas, porém, com manifesta satisfação dos seus donos, como o caso do celebrado juiz de Amarelhe, que ficaram só com o que vestiam.
Para evitar a deminuição do valor da moeda, editais de toda a espécie - do Senado, do intendente da polícia e do monteiro-mor, etc. - procuraram fixar os preços, combater a inflação, a exploração e o monopólio de qualquer forma. Emfim, tomou-se um conjunto de medidas destinadas a evitar o fenómeno da alta da vida.
Não falo já da guerra de 1914-1918; ela trouxe-nos o escândalo das negociatas, a criação dos novos ricos, a alta dos preços, a desajeitada reacção do Estado em face do fenómeno e a consequente alta do custo de vida. A repressão foi fraca e desajeitada,

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Portanto (eu digo o que acontece agora), tem acontecido sempre, apesar mesmo de uma economia sistemática ou totalmente dirigida, tentada por alguns países. Posso dizer que, nào obstante isso, são ainda fatais as altas das mercadorias e de todas as cousas.
O Sr. Deputado Ulisses Cortês leu números que exprimem a universalidade e fatalidade do fenómeno.
Portanto, o espectáculo é sempre idêntico, com os seus aspectos pitorescos habituais: falta o sabão, semeiam-se batatas nos canteiros dos jardins, um enxame de fiscais, com seu ferrão aguçado, espalha-se por toda a parte, com a única diferença: dantes andavam a cavalo e hoje de motocicleta. E uma lei histórica, contra a qual não se resiste. As próprias tentativas da economia dirigida não foram capazes de apagar inteiramente todos os vestígios desta lei histórica.
é uma fatalidade invencível da guerra para os países que guerreiam, e para os que não guerreiam mas estão hoje solidarizados pelo comércio mundial.
Podia examinar agora algumas origens mais profundas. As necessidades de grandes compras, as faltas, as urgências, as necessidades, a produção que deminue, a falta de mão de obra de apetrechamento, a imensidade do capital destruído. Mas não vale a pena.
A evolução geral que tracei explica inteiramente o fenómeno.
Nota-se que, se os fenómenos são fatalmente acompanhados de sôbre-estimação dos produtos e dos serviços, numa conflagração como esta eles têm repercussão mesmo para além das fronteiras. Portanto, daqui posso tirar como consequência daquilo que acabo de dizer que fatalmente tínhamos de sofrer as repercussões gerais. Mais: nem mesmo com uma economia terrivelmente restritiva, e porventura inadaptável à índole do povo português, conseguiríamos travar inteiramente a alta do custo da vida.
Por outro lado, acho que o esforço louvável do Ministro das Finanças consiste exactamente em evitar que a pressão dos acontecimentos altere de algum modo a solidez que acompanhou sempre a gestão, particularmente o basilar equilíbrio orçamental.
As finanças sãs continuam a ter necessidade primordial de administração pública.
Mas este é o aspecto primário do problema, porque o aspecto essencial está para além desta estrutura. A questão importante, Sr. Presidente, é social, não é económica.
A questão importante é saber dentro de cada sociedade as repercussões exercidas nas classes económicas que são afectadas pelo problema da alta do custo da vida. Quere dizer: há uns indivíduos que perdem e outros que ganham, uns que lucram e outros que fatalmente suportam a grande massa dos sacrifícios económicos resultantes da guerra.
O que importa é saber o que no quadro social representa a alta desmedida do custo da vida, quem enriquece e mais ainda quem empobrece.
Há aqui uma redistribuição da riqueza, uma nova distribuição de ganhos e lucros. Tomo a liberdade de chamar a atenção para este ponto, que é essencial: há mais valias, e essas mais valias são para os mineiros, para os grandes exportadores que podem realizar os seus negócios, para os armadores, para os pescadores, para os tecelões, para os madeireiros, para a lavoura do vinho, talvez para a lavoura da cortiça, para os senhorios que podem arrendar em regime de liberdade contratual, para o negociante que dispõe de grandes stocks, para o que trabalha com grandes diferenças de preços, para o armazenista, para os devedores simples e mais para os que são ao mesmo tempo os produtores e até para certas categorias de assalariados.
Em compensação temos uma lista imensa de classes que empobrecem: credores do Estado, credores de particulares, reformados, pensionistas, classes com ordenados fixos ou com lucros e ganhos rígidos, exportadores e industriais que porventura não podem colocar os seus produtos, a lavoura do azeite até certa altura, a lavoura dos lacticínios, a do milho, etc. Estes classes perdem em virtude da nova distribuição de riqueza efectuada pela guerra e podem perder por uma intervenção pouco matemática dos governantes.
Além desses fenómenos há os menos visíveis: os ganhos que não chegam e que obrigam a um nível de vida cada vez mais baixo, o sub-consumo, a sub-alimentação. Isto traz a perturbação moral, a descrença na segurança económica, no futuro económico da Nação, traz muito trabalho com ganhos que não correspondem ao seu valor tradicional, angústias que se moem entre quatro paredes e que o sol não ilumina, e das quais nào nos podemos aperceber.
Resulta daqui também como consequência uma certa desordem na- aplicação da riqueza sobrante para uns, falha para outros; ninguém quere poupar, ninguém quere aplicar capitais em empresas, porque não sabe qual o dia de amanhã, entregam-se aos consumos mais desregrados, mais extravagantes.
Ora o meu receio é o de que o perigo da inflação permaneça mesmo depois de acabada a guerra. E, por isso, se não sou pela deflação brusca, sou pela deflação possível, mas lenta, à procura de uma nova equação geral de equilíbrio.
Receio a inflação depois da guerra. Porquê? Em primeiro lugar persistirão grandes massas de poder comprador, comprazendo-se no supérfluo, no capricho e na especulação.
Os salários, uma vez que atingiram certo nivel, dificilmente terão a elasticidade suficiente para descer. Criaram novas necessidades, melhoraram o trem de vida, obviavam a exigências eternas e justificadas; no que assim fizeram dificilmente poderão descer.
Há-de ser difícil, num mundo assim inquieto em que ninguém sabe o dia de amanha, convencer alguém a poupar e manter aquela sobriedade que fizeram a virtude portuguesa dos últimos séculos. Os capitais sobrantes não tomarão, rápido, o caminho e o jeito das empresas produtivas. As repercussões dos fenómenos económicos internacionais dar-se-ão através de organizações comerciais e monetárias desencontradas.
Claro que o Estado tem o dever de evitar as distribuições injustas o agir contra os atentados ao nivel de vida e deve defender e limitar o ganho até ao que é legítimo, ao lucro que é devido, ao benefício que é razoável. Pregunta-se: como se tem resistido? Como se tem intervindo nuns casos e porque se tem sido indiferente ou inane em outros?
Parece-me que se pode afirmar de facto que se tem vivido conforme a um esforço de reacção contra a alta, tendo-se assegurada, neste País, nesta emergência, a paz social.
E nós, votando o imposto sobre lucros de guerra, devemos ter contribuído alguma cousa para isso. Tem-se evitado o enriquecimento excessivo do comércio do retalho. Os lucra dores extraordinários têm resultado mais de um monopólio natural e só raramente de uma especulação. Ao contrário da outra guerra, não tem havido, senão restritamente, as negociatas, os escândalos, os grandes enriquecimentos perceptíveis. Claro que se pôs em movimento uma máquina poderosa, de arestas muito vivas, uma larga aparelhagem repressiva.
E não se têm conseguido eliminar as grandes diferenças entre materiais e artefactos. Calçado, vestuário, móveis, aparecem ao consumidor-produtor por preços descompassados.

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Por outro lado, eu entendo que o chamado auto-abastecimento deve merecer uma maior compreensibilidade.
Nem sempre se aprovarão os regulamentos, as ordens apertadas, os regimes ferroviários, que dificultam a cada um a utilidade do que é seu e necessário. Devo acrescentar que as fiscalizações municipais, inaceitáveis por vezes, parecem inimiga? declaradas dos coelhos e dos presuntos. De resto, as leis, se o Sr. Deputado João Ameal me permite, segundo S. Tomaz de Aquino, servem para melhorar os homens, para fazê-los bons. Não podem conter solicitações de desrespeito.
Chego agora à segunda parte da minha demonstração e, se porventura aqui usarei de menos rigor, posso, em todo o caso, começar por uma série de permissas, que considero de carácter perfeitamente iniludível.
Afirmo que as despesas públicas não cresceram por forma anormal. Acrescentarei que não tem havido déficit financeiro.
Constato que não se tem recorrido aos bilhetes do Tesouro, ao crédito a curto prazo, às obrigações de alta taxa de juro.
Têm-se previsto de certo modo as altas do custo e ao mesmo tempo se tem obviado à quebra, das receitas. Nada se tem pedido ao banco emissor, antes o Estado dispõe na sua conta corrente de um activo mais elevado. Harmonizou-se de certa maneira, e muito bem, o recurso ao empréstimo e ao imposto. Portanto, tiro daqui que não tem havido do lado das finanças desordem ou prodigalidade, fatalidade de administração que levasse à criação de um poder comprador ou à chamada inflação do crédito público.
Mas os oradores que me antecederam patentearam já as dificuldades que ressaltam das condições de produção e abastecimento, dificuldades, e grandes, resultantes do próprio transporte.
O que há portanto? 0 que nos surpreende logo de entrada?
Há uma aspiração dos excessos do poder de compra por meio da tributação dos lucros de guerra, da colocação de empréstimos e ainda por meio de regulamentação, ainda que restrita.
Assim é que, em 31 de Dezembro de 1942, 2.128:000 contos em empréstimos foram emitidos, sem utilização imediata pelo Estado. Trata-se de um capital que ficou estacionário, no sentido de o furtar, de momento, à pressão sobre o mercado.
Mas há ainda, como disse, um poder desregrado, excessivo, que anda pêlos leilões, pelo luxo, . . . que espera automóveis.
Um segundo ponto:
O comércio internacional, as transferências dão lugar a movimentos dispares e desordenados que se repercutem directamente sobre a emissão de moeda.
Deixa-se tudo lá fora ou trazemos para cá os resultados vantajosos da exportação? E vale a pena a aquisição de capital importante, que de momento vem perturbar o mercado interior acrescendo a quantidade da moeda? Utilizaremos algum dia reprodutivamente os saldos da balança de pagamentos? Decerto a função do banco emissor e da sua comissão é estabilizar, mas até onde podem fazê-lo? Poderíamos fechar em autarquia um país pequeno que parece sobrepovoado? O comércio externo, que é só benéfico, não será também necessário?
Suponho que nem sempre será fácil tomar a orientação seguida em alguns países de bloquear e reservar as poupanças e os capitais sobrantes.
Trata-se de regulamentações delicadas, cuja utilidade só será patente nos países em guerra, para as quais o povo português não terá realmente as condições de psicologia económica verdadeiramente indispensáveis. Desconfio muito de que se levantariam atritos e não se obteriam todos os resultados previstos. Vale, porém, a pena examinar o problema, se é que não foi visto já por quem tam acertadamente conduz tais assuntos.
Ressalta que da nossa posição vantajosa em matéria cambial não podem por vezes ser tiradas todas as consequências úteis.
Assim, acontece que um francês que tem um cheque de 1:000 francos não pode comprar um frasco de perfume, que poderia custar em Paris 30 francos, mas já um português poderá adquirir em Madrid um tratado de medicina, com uma margem de benefícios suficiente que lhe dá para fazer a viagem.
Todavia -e isto é que importa- comerciamos, transaccionamos, negociamos, vendemos, colocamos no estrangeiro por magnífico preço e podemos ufanar-nos de termos produtos que faltam inteiramente nos outros mercados do mundo.
Terceiro ponto:
Portanto, porque não estarão as cousas melhores para quem tem de sustentar a família?, ou, para usar de uma expressão agora muito em voga, porque não funciona melhor o nosso circuito económico?
É preciso notar que se tem fugido a aumentar a carga tributária. Ainda não se tentou, como disse há pouco, forçar, bloquear, emfim uma parte da poupança. Não têm sido tomadas certas medidas muito drásticas. Estamos ainda em paz.
Por obediência a um princípio de organização não se tem estendido a todos os compartimentos da vida económica a obrigatoriedade da regulamentação; há zonas livres, há espaços ainda livres que devem manter-se, pois do plano, corporativo não se podo varrer a unidade económica singular, por ser mola de progresso. Verdade seja que alguns dos nossos organismos de regularização e de coordenação são complicados, levantam conflitos de jurisdição e agem tardiamente.
A noção que tenho do que vai suceder, portanto, é um pouco pessimista. Admito novos desequilíbrios.
Segundo aquilo que se tem dito nas conferências de entendidos, como na conferência de Hot Springs, podem prever-se novos desequilíbrios, agravamentos, dificuldades. Aos horrores da guerra hão-de suceder os terríveis problemas da paz - porventura os maiores que têm, afligido os seres humanos. Não se pode avaliar o que nos tem valido como segurança internacional o pilar das finanças portuguesas, o que nos tem valido como segurança política e económica. Pilar inamovível na ponte lançada sobre o futuro. O que foi milagre em princípio é hoje edifício sólido.
Ainda, portanto, que as finanças sejam perturbadas pelo económico nestes calamitosos tempos, as finanças têm feito um esforço enorme para sanear a economia.
Vou concluir:
Se a política tributária, como sempre se demonstrou, deve tender para a igualdade de sacrifícios, é de desejar que este princípio domine as economias na guerra. O enriquecimento de certos beneficiários deve continuar a ser tributado. Também deve procurar-se que se aliviem ou desapareçam as cargas de empobrecimento de certas classes.
A proposta de lei contém no seu artigo 5.° matéria innovadora. Vão adicionar-se certos tributos. Não se diz quais são, não se diz quais os capítulos da receita que vão ser sobrecarregados, mas pode, pela terminologia financeira, supor-se que se trata apenas de impostos directos.
Não creio que sejam só êsses. Ainda que os impostos indirectos tenham defeitos, porque pesam somente sobre as classes numerosas, talvez se possa recomendar, em face das considerações feitas, o combate aos consumos de luxo e de prazer, assim como talvez fosse conveniente que o imposto de guerra devesse ser deminuído nas em-

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16 DE DEZEMBRO DE 1943 61

prêsas de transportes, a fim de lhes facultarmos certa quantidade de meios para apetrechamentos futuros.
Este mandato político que a Assemblea confere ao Governo todos os anos, para cobrar as receitas e efectuar as despesas, deverá ser, sem limitações nem reservas, concedido como nos demais anos. Trata-se do acto crucial do um capítulo dos mais nobres e mais sóbrios da vida administrativa portuguesa.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Esta encerrado o debato na generalidade. Passamos à discussão na especialidade. Está em discussão o artigo 1.° da proposta.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto que ninguém quere usar da palavra, vai votar-se.

Submetido à votação o artigo 1°, foi aprovado.
Sucessivamente foram aprovados sem discussão os artigos 2.°, 3.° e 4.°

O Sr. Presidente:- Está em discussão o artigo 5.°
Sobre êste artigo há na Mesa uma proposta de alteração subscrita pelo Sr. Águedo de Oliveira e outros Srs. Deputados. É a seguinte:

Propomos que na parte final do artigo 5.°, onde se diz: «dando sempre preferência às realizações que importem maior ocupação de mão de obra», se leia: «mantendo sempre de preferência, as destinadas às realizações que importem maior ocupação de mão de obra».

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 15 de Dezembro de 1943. - Os Deputados: Artur Águedo de Oliveira - Artur de Oliveira Ramos - Joaquim Saldanha- José Gualberto de Sá Carneiro - José Soares da Fonseca - António de Sousa Madeira Pinto.

O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ªs vêem, a alteração consiste em substituir as palavras finais - o dando sempre preferência às realizações que importem maior ocupação de mão de obra», por estas: «mantendo sempre, de preferência, as destinadas às realizações que importem maior ocupação de mão de obra».
Vai votar-se o texto com a alteração proposta.

Submetido à votação, foi aprovado o texto com a respectiva alteração.
Seguidamente foram aprovados sem discussão os artigos 6.°, 7.°, 8.° e 9.°

O Sr. Presidente: - Está concluída a votação. Suspendo a sessão por alguns momentos, pára dar tempo a que a Comissão de Redacção dê a forma definitiva à proposta que acaba de ser votada, visto que esta proposta tem de ficar hoje definitivamente aprovada, para ser enviada à Presidência da República.

Eram 18 horas e 3 minutos.

O Sr. Presidente: -Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 13 minutos.

O Sr. Presidente: - Vou dar conhecimento à Assemblea do texto aprovado pela Comissão de Redacção. Se, depois, algum dos Srs. Deputados tiver qualquer reclamação a fazer, poderá apresentá-la.

O Sr. Presidente leu o texto da proposta com a emenda apresentada.

O Sr. Presidente:- Visto que nenhum Sr. Deputado faz qualquer reclamação, considera-se definitivamente fixado o texto da proposta de lei.
Acaba de chegar à Mesa o relatório das contas do Estado relativas à gerência de 1942. No Diário das Sessões dar-se-á conta deste relatório.
A próxima sessão será oportunamente designada.
Apresento a V. Ex.ªs os meus cumprimentos de boas-festas e estimo que todos tenham um Natal muito alegre e muito feliz.

Vozes: - Igualmente o desejamos a V. Ex.ª

O Sr. Presidente:-Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram, durante a sessão:

Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Artur Proença Duarte.
João Luiz Augusto das Neves.
José Luiz da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Acácio Mendes de Magalhâis Ramalho.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Angelo César Machado.
António Carlos Borges.
António Cristo.
Artur Ribeiro Lopes.
Cândido Pamplona Forjaz.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Querubim do Vale Guimarãis.

O REDACTOR - Costa Brochado.

Texto aprovado pela Comissão de Redacção

Autorização de receitas e despesas para o ano de 1944

Artigo 1.° É autorizado o Governo a decretar o Orçamento Geral do Estado para 1944, cobrar os impostos o outros rendimentos públicos e obter os demais recursos indispensáveis ao pagamento das despesas nele inscritas, de harmonia com as leis em vigor.

rt. 2.° É também autorizada a aplicação das receitas próprias dos serviços autónomos ao pagamento das despesas dos mesmos serviços, constantes dos respectivos orçamentos, devidamente aprovados.
Art. 3.° As taxas da contribuição predial no ano de 1944 serão de 10,5 por cento sobre o rendimento dos prédios urbanos e de 14,5 por cento sobre o rendimento dos prédios rústicos, excepto no conselho de Mafra, onde a taxa da contribuição predial rústica será de 8,5 por cento.

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Art. 4.° Continuará a cobrar-se no ano de 1944 o adicionamento de 4 por cento ao imposto sobre as sucessões e doações a que se refere o artigo 2.° do decreto n.° 19:969, de 29 de Junho de 1931, incidindo aquela taxa sobre o valor dos bens abrangidos na liquidação do referido imposto relativamente a cada beneficiário.
§ único. Continuará reduzida a 3 por cento a taxa referida no corpo deste artigo para as transmissões operadas a favor de descendentes, quando iguais ou inferiores a 5.000$ em relação a cada um deles, podendo o Governo elevar este limite a 10.000$, se assim o julgar conveniente.
Art. 5.° O Governo manterá durante o ano de 1944 a cobrança do imposto sôbre lucros extraordinários de guerra, introduzindo no regime da lei n.° 1:989 as alterações que a prática mostre aconselháveis, e tomará as demais medidas necessárias para assegurar o equilíbrio das contas públicas e o regular provimento de tesouraria, nomeadamente a redução de despesas públicas, o estabelecimento de adicionais de guerra sobre as receitas gerais do Estado de carácter tributário e a supressão ou limitação de dotações orçamentais, mantendo sempre, de preferência, as destinadas a realizações que importem maior ocupação de mão de obra.
Art. 6.° No orçamento para 1944 o Governo inscreverá as verbas necessárias para, de harmonia com os planos aprovados, continuar ou concluir obras, melhoramentos públicos e aquisições em execução da lei de reconstituição económica, n.° 1:914, de 24 de Maio de 1935, e iniciar as que, previstas ou não na mesma lei, sejam exigidas pelas necessidades dá defesa e segurança nacionais, desenvolvimento da produção e normalização do abastecimento do País na actual emergência.
Art. 7.° No orçamento para 1944 o Governo inscreverá, em despesa extraordinária, as verbas necessárias ao pagamento ao Instituto Geográfico e Cadastral das despesas com os levantamentos topográficos e avaliações a que se refere o decreto-lei n.° 31:975, de 20 de Abril de 1942.
Art. 8.° As construções referidas na alínea c) da base VIII da lei n.° 1:971, de 15 de Junho de 1938, poderão constar de projectos especiais, ainda que não tenham de preceder os trabalhos de arborização.
§ único. Emquanto se não dispuser de cartas na escala fixada na mencionada base viu, podem os projectos de arborização de serras e dunas ser elaborados sobre as cartas da região na maior escala em que estejam publicadas.
Art. 9.° O Governo inscreverá no orçamento da despesa ordinária para 1944 as verbas necessárias para atribuir aos funcionários e mais servidores do Estado um suplemento de vencimento em compensação parcial do agravamento das condições de vida proveniente do estado de guerra.

António de Sousa Madeira Pinto.
Artur de Oliveira Ramos.
João Luiz Augusto das Neves.
José Alçada Guimarãis.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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