22 DE MAIO DE 1945
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O Orador: — Assim, a minha voz de simples português não mais se calará em prestar homenagem a Salazar e a Santos Costa, não bem pelo esfôrço despendido em saber preparar e defender o território nacional dos horrores sem igual, mas sim pela silenciosa e sacrificante velada que lhes roubou a paz e tranqüilidade do seu viver íntimo, em favor exclusivo da tranqüilidade e paz da família portuguesa.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Estes dois ilustres homens de Estado, sobraçando as pastas ministeriais mais difíceis, encontram no coração de todos nós, e em especial, no da mulher portuguesa, como fulcro que seria de toda as dores se acaso o sôpro do monstro tivesse toldado êste País abençoado por Deus, as mais sinceras manifestações de comovida e íntima gratidão.
Sr. Presidente: que o sangue derramado perante o mudo testemunho das ruínas dos mais sagrados penhores históricos nobilite e purifique ante Deus os espíritos dos homens que em nome das nações vão enfrentar a nova fase, não menos melindrosa, de consolidar humanamente a paz obtida.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E, a terminar, lamento não me ter sido possível, pelos motivos já ditos, ouvir pessoalmente S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho na sessão desta Assemblea da passada sexta-feira.
No entanto, não posso deixar de verificar e salientar, com prazer e entusiasmo, que às palavras corajosas e cheias de verdade de S. Ex.ª correspondeu o povo português com o mais devotado apoio e patriótico aplauso.
A comunidade de pensamento expressou-se pela verdade da vasta obra já feita e apreciada e sobretudo pela verdade do momento, que S. Ex.ª expôs interpretando fielmente o sentir da Nação.
Derruíram as fantasias de sonhos idealistas, que aliás já deram suas provas, derruíram as esperanças dos que, por má interpretação de funções, pensavam esconder erros cometidos, atribuindo-os subtilmente às doutrinas que nos norteiam.
A verdade é bem clara, e é por ela e com Deus que vamos caminhar para a frente, castigando severamente quem prevarica como exemplo da verdade como se governa e ainda como exemplo de coragem moral e de justiça para os deturpadores e deturpados; de resto, Sr. Presidente, é, em síntese, esta a vontade unânime da Nação.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento, que peço licença para ler:
«Embora na base XV da proposta de lei sôbre coordenação dos transportes terrestres se tenha escrito que só excepcionalmente serão autorizadas carreiras concorrentes, isto é, as que liguem localidades servidas directamente por caminhos de ferro e aquelas em que se verifiquem outras circunstâncias, nos termos do artigo 17.° do decreto-lei n.º 23:499, de 24 de Fevereiro de 1934, sabemos que o pensamento do seu ilustre autor não fora orientado pelo critério inadmissível da extinção de valiosíssimos serviços de transporte que constituem factor basilar para a economia de inúmeros centros de actividade, múltiplas povoações e importantes centros industriais, e, assim, afectando notòriamente a vida de grande parte da população portuguesa.
Se tal extinção viesse a verificar-se, as carreiras assim suspensas nunca poderiam ser supridas na sua quási totalidade, mesmo que o sistema ferroviário fôsse devidamente actualizado, quanto mais no seu estado actual, com traçados orientados por autêntica e nociva fobia das povoações (como ontem verifiquei numa visita que tive a satisfação de fazer a Vila Viçosa e me permitiu atravessar o Alentejo de lés-a-lés, onde as estações de caminho de ferro se situam a dezenas de quilómetros das sedes dos concelhos e centros de laboração), sistema ferroviário, dizia eu, quási totalmente desprovido de material circulante moderno, de boas máquinas, de automotoras e, sobretudo, se exceptuarmos a linha do Estoril, privado das consideráveis vantagens que para o público resultariam da electrificação das zonas suburbanas e linhas principais, melhoramento que muito facilitado seria se o Estado tomasse a seu cargo, como defendi quando aqui se discutiu o problema magno da electricidade, a construção das principais centrais e o transporte da respectiva energia.
Como é óbvio, as referidas carreiras concorrentes terão de subsistir, como, aliás, todos os actuais transportes colectivos, de aluguer e particulares, por camionagem, bem como os ferroviários.
Eu nunca dei pela tam proclamada pletora de meios de transporte.
Verifica-se, sim, e por toda a parte, grande insuficiência de carreiras de combóios, de veículos, de pneus e combustíveis.
Muito longe de supressões de carreiras de automóveis ou de serviços ferroviários, impõe-se sim, e quanto antes, para corresponder à ânsia geral por tudo o que respeita à viação célere, promover a actualização dos sistemas de transportes e sua possível generalização para que se economize tempo e se defenda a saúde, a fim de que toda a energia da população convirja para trabalhos úteis.
O tráfego carece, sem dúvida, de afluir também ao carril, mas não mercê da supressão ou encarecimento incomportável das carreiras de camionagem; a sua afluência deverá vir ùnicamente como conseqüência de melhoramentos indiscutíveis nos serviços ferroviários.
Por isso na base XIII se lê:
O Govêrno promoverá o aperfeiçoamento técnico e comercial das explorações ferroviárias, para o que poderá atenuar na medida conveniente os respectivos encargos e facilitar-lhes a obtenção de capitais necessários para a realização em breve prazo de um adequado plano de melhoramentos materiais e de reforma de serviços.
Mas, conforme a proposta de lei, as vantagens desta acertada política de imediata valorização do importante património do Estado e factor de progresso constituído pela rêde dos caminhos de ferro iriam concentrar-se, conforme se lê na base I, «numa só emprêsa exploradora de toda a rêde geral de via larga e via estreita», depois conseguida a sua unificação e prorrogados os prazos das respectivas concessões, por acôrdo ou mercê de medidas impostas pelo Govêrno.
Verifica-se que o Govêrno, reconhecendo a necessidade urgente do aperfeiçoamento técnico e comercial das explorações ferroviárias, pretende, para a atender, poderes que o habilitem à redução de encargos, fornecimento de capitais, unificação de condições e prorrogação de prazos de concessões, reservando-se a faculdade de impor estas últimas soluções.
Haverá, pois, que contar-se com a hipótese do recurso ao resgate, aliás previsto nas cláusulas das diferentes concessões.