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410 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 26

tinção que esta Assembleia lhe conferiu, elegendo V. Ex.ª para tão alto cargo.
Os superiores dotes de inteligência e carácter de V. Ex.ª, aliados aos muitos e valiosos serviços por V. Ex.ª prestados ao Estado Novo - governador civil, Ministro, presidente do Supremo Tribunal Administrativo, presidente da Comissão Executiva da União Nacional -, faziam de V. Ex.ª o candidato indiscutível á presidência desta Assembleia.
E eu, que conheço os altos merecimentos de V. Ex.ª, através de uma convivência de muitos anos, que se cristalizou em forte amizade, regozijo-me com tão merecida distinção e saúdo efusivamente V. Ex.ª
Sr. Presidente: nos últimos dias o jornal O Século, referindo-se à crise por que estão passando os trabalhadores que se empregam na indústria salícola da região de Alcochete, chamava a atenção do Governo para o facto, a fim de se tomarem as providências que possam remediar a situação.
Como Deputado pelo círculo de Setúbal - a que pertence o concelho de Alcochete -, conhecendo do perto o viver dos salineiros da região, gente pouco macia por vezes, mas estruturalmente boa, e conhecendo a importância que a salicultura desempenha na economia local, sinto-me na obrigação, que muito gostosamente cumpro, de secundar nesta Assembleia aquele apelo.
A indústria do sal no continente português vem de muito recuados tempos. Aveiro já exportava sal no reinado do Fundador; na Figueira da Foz já também se colhia por essa época; e, quando, em meados do século XII, conquistámos Alcácer do Sal, já lá encontrámos marinhas exploradas pelos árabes. Com os direitos de exportação do sal pagou Portugal aos holandeses grande parte da dívida a que se obrigou pelos tratados de 1661 e 1669.
E que excelente sal é o nosso! O químico Girard, professor do Conservatório de Artes e Ofícios de Paris, que há uns oitenta anos estudou a fundo a indústria salineira portuguesa, escreveu, em trabalho publicado nos anais da Academia das Ciências daquela cidade, estas palavras: «Portugal é um país salícola por excelência; favorecido por temperatura elevada e pelos ventos secos de nordeste, produz anualmente 250:000 toneladas de sal, das quais 2/3 ou 3/4 partes são exportadas para o Brasil, a Rússia, a Inglaterra, a Suécia, etc., para a salga de carne e peixe».
A experiência secular - diz ainda Girard - deu aos marnoteiros portugueses unia habilidade incomparável e algumas vezes processos singulares de eficácia inesperada e provavelmente impossíveis de imitar em outros países.
Das regiões salícolas do continente - que se espalham do baixo Vouga às costas algarvias - a mancha de marinhas da margem esquerda do baixo Tejo - nos concelhos de Alcochete, Barreiro, Moita e Montijo, todos do distrito de Setúbal - constitui o centro salineiro mais importante do País, com uma produção que se calcula em 35 por cento da total.
E nessa zona cabe a primazia a Alcochete, que se inscreve com cerca de 90 marinhas, produzindo anualmente à beira de 105:000 moios ou 80:000 toneladas de sal.
Destas fábricas de produto tão excelso que se ministra logo no sacramento do baptismo, como símbolo da sabedoria que há de manter íntegra a verdade revelada; de produto tão necessário que sem ele o pão é detestável, as melhores iguarias se não tragam e o peixe e a carne não escapam à corrupção - destas fábricas, dizia eu, a «jóia» de Alcochete é a Marinha Nova da Bomba, com 120 hectares de superfície, construída por Jácome Ratton, em tempos do marquês de Pombal, que o barão de Samora Correia legou, com outras, à Santa Casa da Misericórdia da vila e que esta instituição recebeu há poucos anos, por morte da usufrutuária, esposa daquele titular. A Marinha Nova chegou a produzir 14:000 moios de sal ou 10:500 toneladas!
O salgado da margem sul do Tejo emprega cerca de 1:500 trabalhadores; Alcochete à sua parte uns 700 talvez, o que equivalerá a 3:500 bocas a sustentar. A faina do sal começa em princípios de Junho e vai crescendo pelo Verão fona. O trabalho é rude, desde as primeiras irisas em Agosto até ao transporte do sal para as serras das marinhas, que se faz em canastras à cabeça, num vaivém continuado sobre a estreita prancha, à torreira do sol.
O alcochetano - seco, frugal, com músculos de aço - especializou-se na faina do sal e no carrego dele para os lanchões e fragatas; e nas descargas do carvão no porto de Lisboa não há melhor trabalhador. Sal e carvão «preto e branco», escreveu com graça o Prof. Lepierre em trabalho notável sobre a indústria portuguesa do sal.
Como trabalho mais violento, o da faina do sal é naturalmente mais procurado, por mais bem pago; mas não ocupa todo o ano.
Alcochete não tem indústrias fabris propriamente. Pode ser que um dia, quando o ramal de caminho de ferro Pinhal Novo-Montijo alcançar a vila (e o Sr. Ministro das Obras Públicas ainda recentemente prometeu que ele ia ser estudado), algumas indústrias se instalem, que a localização do povoado a isso convida.
Por agora, as actividades que se proporcionam aos íncolas repartem-se entre os trabalhos de uma agricultura pouco rica e os dia salinagem. Mas o trabalho do sai é de pouca dura - uns meses de Verão. Há que forrar durante eles o que no resto do ano se gasta. E o comércio local tem de fiar, fiado no sal e nas descargas de carvão em Lisboa, tão escassas por agora,.
A indústria salineira, que temi de viver da exportação, atravessa horas difíceis. Em 1923 chegaram a exportar-se 105:000 toneladas de sal; o volume foi descendo sucessivamente até 10:400 toneladas, em 1926; voltou a subir para 82:000, em 1935; de 1937 a 1939 caiu para a média de 6:700 toneladas; em 1943 quase paralisou, com uma saída de 51 toneladas apenas; em 1944 sextuplicou esta quantidade - talvez o aumento da nossa frota bacalhoeira não tenha sido alheio a este refrescamento.
Sem exportação na escala necessária, o sal acumula-se nas serras das marinhas, os que as exploram não podem fabricá-las - até por, in loco, não haver onde lançar o produto a recolher -, o trabalho rareia, os salineiros sofrem.
Nem ao menos aos trabalhadores alcochetanos pode valer eficazmente a Misericórdia da sua vila, que, em condições normais, pelos seus rendimentos, poderá fazer uma obra de assistência local das mais vastas do País; e não pode valer-lhes porque as suas reeeitas provêm essencialmente do rendimento das marinhas que o benemérito barão de Samora Correia lhe legou.
Mais porque está em crise a indústria salícola? Porque baixa a exportação?
Nos últimos anos, a guerra mundial bastaria para explicar o facto; mas, como acentuou o ilustre engenheiro Duarte Ferreira em uma tese que apresentou ao I Congresso da União Nacional, em 1934, o fenómeno - que já então se registava - tinha antecedentes e causas diversas: processos de fabrico deficientes; mau estado dos esteiros das marinhas, originando transportes demorados e incertos dos centros de produção e morosidade nos carregamentos - tudo se reflectindo no encarecimento do produto; falta de organização da indústria,- traduzindo-se ma instabilidade de preços e na