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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 119

ANO DE 1947 15 DE DEZEMBRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 119 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 13 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou alerta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 118. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera do Governo vários decretos-leis para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
O Sr. Deputado Querubim Guimarães requereu vários elementos sobre a censura de filmes nacionais e estrangeirou.
O Sr. Deputado Mira Galvão ocupou-se da situação dos alunos das escolas industriais, comerciais e, agrícolas quanto à exigência do serviço militar.
O Sr. Deputado Ricardo Spratley falou nobre a necessidade de se criar uma comissão de turismo no Porto.

Ordem do dia. - Conclui-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1948, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Bustorff da Silva, Pacheco de Amorim e Mário de Figueiredo.
Na discussão na especialidade a proposta foi aprovada com alterações.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 2 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 40 minutos. Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Carlos de Sá Alves.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Martins de Mira Galvão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís da Câmara Pinto Coelho.

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Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 118.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Dado que nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre o referido Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

Da Associação Lisbonense de Proprietários no sentido de ser modificada a redacção dos §§ 1.°, 2.° e 3.° do artigo 5.° da lei de meios.

Oficio

Da Sociedade Histórica da Independência de Portugal manifestando o desejo de que a data de 8 de Dezembro seja incluída no número dos feriados nacionais.

Telegramas

Do conselho provincial do Baixo Alentejo congratulando-se com as imponentes manifestações realizadas em Beja em honra da imagem de Nossa Senhora de Fátima e secundando o voto emitido pelo Congresso Nacional Mariano no sentido de o dia 8 de Dezembro ser considerado feriado nacional.
No mesmo sentido, do clero do arciprestado de Santa Comba Dão.
Do Grémio dos Retalhistas de Víveres do Funchal congratulando-se com as considerações do Sr. Deputado Alberto de Araújo acerca dos altos interesses da Madeira.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, os n.ºs 276, 277, 278, 281, 283 e 284 do Diário do Governo, respectivamente de 27, 28 e 29 de Novembro, 4, 6 e 8 de Dezembro do corrente ano, que inserem os decretos-leis
n.ºs 36:632, 30:635, 30:640, 36:640, 36:047, 36:602 e 36:657.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Querubim Guimarães.

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidos com a maior brevidade os seguintes elementos:
1.° Número de filmes censurados no 1.° semestre de 1947, nacionais e estrangeiros, designando-se a proveniência destes;
2.° Local onde foi feita a exibição para a censura de cada um desses filmes;
3.° Nome do censor ou censores de cada filme, qual a categoria oficial de cada um e qual a remuneração ou gratificação que foi paga a cada censor por cada filme.
Porque desejo tratar em aviso prévio deste assunto, e porque os elementos aqui pedidos podem contribuir em grande parte para o esclarecer, é que solicito a possível urgência na sua remessa».

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: proponho-me tratar hoje de um assunto que muito interessa aos alunos que frequentam os cursos técnicos considerados médios e também ao Ministério da Guerra, como demonstrarei.
É o caso, Sr. Presidente, dos rapazes que frequentam os Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto e as escolas de regentes agrícolas, cujos cursos, por serem considerados médios, não dão aos seus diplomados, segundo o que está convencionado ou superiormente estabelecido, categoria para frequentarem as escolas de oficiais milicianos, sendo por isso obrigados a fazer o serviço militar na altura em que são recenseados.
Assim, os rapazes que atingem os 20 anos em qualquer ano do curso e são apurados são obrigados a interromper os seus estudos para cumprir os deveres militares. E como estes mancebos, logo que estejam matriculados no 1.° ano de qualquer dos cursos indicados, têm as suas habilitações equiparadas ao 7.° ano dos liceus, são obrigados a frequentar a escola de sargentos, o que os faz perder o contacto com a escola durante mais de um ano, por mais ou menos tempo, conforme a arma ou serviço para que são apurados e o seu aproveitamento.
Duma maneira geral, estes mancebos, como todos os outros, são obrigados a fazer, como soldados, uma escola de recrutas na arma ou serviço para que foram apurados, a qual dura pelo menos três meses. Dados prontos, são obrigados a frequentar uma escola de sargentos, cujos ensinamentos são ministrados em dois ciclos, feitos ou não na mesma escola ou em unidades diferentes, conforme as armas ou serviços, e demoram pelo menos cerca de seis meses.
Terminado o 2.° ciclo, vão fazer serviço para as unidades respectivas, como primeiros-cabos milicianos, durante cento e cinquenta dias, findos os quais devem ser licenciados no posto de furriéis. Só passados seis anos são promovidos a segundos-sargentos milicianos. Portanto, na melhor das hipóteses, já aí vão catorze meses perdidos para a frequência escolar, o que, inevitavelmente, intercepta no todo ou em parte o ensino ministrado na escola durante cerca de ano e meio.
É óbvio o inconveniente que de um tal sistema resulta para a boa continuidade dos ensinamentos ministrados nas escolas e do bom aproveitamento dos alunos. E tanto assim é que, talvez por se ter reconhecido oficialmente esse inconveniente, aos alunos dos institutos industriais abrangidos pelo serviço militar é permitido matricularem-se no ano respectivo e requererem o cancelamento

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das faltas dadas enquanto dura o serviço militar, mediante apresentação de «um certificado passado pela unidade em que o aluno foi encorporado e do qual conste a natureza do serviço que está prestando e a data em que o iniciou», sendo-lhe até permitido «fazer os exames de frequência nas datas fixadas para os outros alunos».
É evidente que estes rapazes, não frequentando as aulas, mesmo muito inteligentes e estudiosos que sejam, não podem ir aos exames suficientemente habilitados, do que tem de se ressentir, inevitavelmente, o bom seguimento dos estudos e a preparação dos alunos para apreender os ensinamentos ministrados nos anos seguintes.
Isto é tanto mais grave e inevitável quanto é certo que o curso de sargentos é hoje bastante trabalhoso e os candidatos que o frequentam não podem deixar de se dedicar às matérias neles ministradas, sob pena de levarem baixa de posto e passar às fileiras como soldados se não tiverem bom aproveitamento.
Assim, Sr. Presidente, os rapazes (caso raro) nem podem cabular no curso de sargentos, embora com o fim útil de se dedicarem com mais atenção ao estudo das disciplinas ministradas na sua escola, mesmo que disponham de boas sebentas e de bons livros de texto, porque lhes falta para isso o tempo material.
Além disso ficam sem as práticas de laboratórios e das oficinas, o que também prejudica grandemente a sua preparação técnica.
A muitos tais perturbações no seguimento dos estudos tem motivado a desistência dos cursos e a perda da carreira.
Aos regentes agrícolas, cujo curso também é considerado médio, parece que já é facultado requererem autorização para fazerem o serviço militar no fim do curso, o que até certo ponto lhes atenua os inconvenientes que, para qualquer técnico, representa a interrupção de mais de um ano entre os estudos e a passagem à vida prática, pela qual, de futuro, têm de ganhar os meios de subsistência.
Pois bem, Sr. Presidente: interpretando o sentir e defendendo os interesses dessas centenas de rapazes que todos os anos saem das escolas e institutos de ensino médio e até, estou certo, os interesses dos próprios serviços do exército, como adiante direi, não me parece exagerada pretensão o» que vou pedir a S. Ex.ª o Ministro da Guerra, isto é, que conceda a todos os alunos dos cursos médios, à semelhança do que já está autorizado para os regentes agrícolas, a faculdade de requererem autorização (aos que assim convier, e julgo que serão todos) para fazerem o serviço militar no fim do curso, com o objectivo de lhes serem atenuados os inconvenientes apontados.
De resto, os serviços do exército só têm a lucrar com isso, pois estou informado de que são considerados óptimos elementos para a preparação de bons sargentos das diversas armas e serviços os rapazes que vão das escolas técnicas, dados os conhecimentos especiais que já levam das disciplinas dos cursos que frequentaram, mesmo sendo chamados a fazer o curso de sargentos quando ainda estão no princípio ou no meio do seu curso.
Se forem chamados a prestar o serviço militar depois de concluídos os cursos, é evidente que estes rapazes vão ainda melhor preparados tecnicamente, bastando aproveitá-los para as diversas armas e serviços segundo os conhecimentos especiais adquiridos nos cursos civis, para que, como militares, possam ainda desempenhar melhor as funções de que forem encarregados e apreendam com mais facilidade e melhor aproveitamento os ensinamentos especiais ministrados nos cursos de sargentos, tanto mais que assim não os preocupa já o estudo das disciplinas dos respectivos cursos civis, como agora acontece sendo chamados a prestar o serviço militar no meio dos cursos.
Por isso, Sr. Presidente, eu peço a S. Ex.ª o Ministro da Guerra se digne ponderar as considerações que aqui deixo expostas e conceder (por diploma que julgar conveniente) autorização para que os alunos de todos os cursos técnicos médios que requeiram possam fazer o serviço militar depois de terminado o curso civil que frequentarem ou em que se matriculem no ano em que forem chamados a prestar o serviço militar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: ainda há poucos dias deu esta Assembleia prova de elevados sentimentos humanitários, manifestando o seu pesar pela horrorosa calamidade que enlutou uma centena de famílias do Norte e, com elas, toda a Nação Portuguesa.
Não é, pois, descabido que, perante esta mesma Assembleia, eu me refira a uma catástrofe que está vitimando milhares de portugueses e que, pela sua extensão e pelas circunstancias de que se reveste, apresenta, sem dúvida, um aspecto muito mais lamentável.
Porque a verdade, Sr. Presidente, é que, se a tragédia dos pescadores nortenhos feriu profundamente a nossa sensibilidade pelo que teve de inesperado e de brutal, a tragédia que se está desenrolando em Cabo Verde aflige mais, não apenas pelo número, muito maior, de vítimas que já fez, mas sobretudo porque, ao contrário daquela, que se apresentou fatal e irremediável, ela estava prevista e continua ainda a sua funesta devastação, quando está em nossas mãos pôr-lhe cobro e dar remédio à desgraçada situação dessa nossa colónia.
Já na passada sessão legislativa me referi aqui ao assunto e agora só devo acrescentar que a situação, que então classifiquei de angustiosa, assume actualmente verdadeiras proporções de tragédia.
A fome que grassa em Cabo Verde não é a que se verifica em vários países do Mundo, devida à falta de mantimentos, pois o abastecimento das ilhas tem sido cuidadosamente assegurado pela acção combinada do Governo e dos organismos que dirigem a marinha mercante nacional. O que sé dá em Cabo Verde é a falta de poder de compra, isto é, uma crise de trabalho, hoje bastante agravada pelo estado de enfraquecimento em que se encontram as populações.
Três anos consecutivos de estiagem, depois do curto intervalo de um único ano regular após a crise pavorosa de 1942-1943, determinaram não só a falta de trabalho, como a elevação do custo de vida e, portanto, o enfraquecimento progressivo das populações.
Urge remediar, sem perda de tempo, esta aflitiva situação.
De que maneira?
Fazendo amplas distribuições de mantimentos que melhorem as condições fisiológicas da população e abrindo ao mesmo tempo trabalhos públicos que empreguem com justo salário a numerosa legião dos sem trabalho.
A colónia não dispõe de recursos. Mas que importa? Quando está em causa a vida de uma população não há que hesitar em, despender alguns milhares de contos, num país que com justiça se orgulha do estado próspero das suas finanças.
Se, por espírito cristão e no cumprimento de um dever de solidariedade humana, contribuímos para auxiliar os estranhos, como poderemos deixar morrer de fome os nossos próprios irmãos?
Não lhes podemos negar a assistência que de nós esperam.
É o que está no ânimo de todos nós e representa o sentir de todo o bom português.

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Sei que S. Ex.ª o Ministro das Colónias está sèriamente empenhado em resolver o assunto, que conhece em toda a sua gravidade.
Sei também que a metrópole já este ano enviou auxílios, que, com recursos próprios da colónia, atingem a importante verba de 17:000 contos, gasta em trabalhos públicos, conseguindo, assim, que o excesso de mortalidade verificado ficasse muito aquém do que se tem registado em ocasiões semelhantes.
Mas não devemos esquecer que as colheitas este ano nem sequer se chegam a realizar e que a população atingiu já o limite suportável de depauperamento.
E a não se conceder à colónia um subsídio ou empréstimo de cerca de 60:000 contos que permita o alargamento e uma maior intensidade dos trabalhos, podemos estar certos de que a mortalidade nos próximos meses atingirá proporções aterradoras.
Não é para pedir a atenção de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, que bem conhece a situação e procura resolvê-la com acerto, que eu faço estas breves considerações.
É para dizer a S. Ex.ª que, em tudo o que fizer no sentido de debelar a crise, tem o aplauso incondicional do Deputado por Cabo Verde e, estou certo, de toda a Assembleia Nacional.
E para fazer saber à população de Cabo Verde que a sua sorte nos não é indiferente e que pode confiadamente contar com o auxílio total e desinteressado da metrópole.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Ricardo Spratley: - Sr. Presidente: as reuniões dos representantes das zonas de turismo do País, que se têm realizado na sede do Secretariado Nacional da Informação e de que a imprensa se tem feito eco, merecem-me, a par do meu aplauso, alguns comentários e recomendações.
Em primeiro lugar devo confessar, Sr. Presidente, que, sendo muito mais grato ao meu espírito ter motivos de elogio, de preferência a razões de queixa, me congratulo sinceramente por esta oportuna iniciativa ou deliberação do Secretariado.
E isto precisamente porque, ao reencetarem-se os trabalhos da Assembleia Nacional, eu já tinha formado a intenção de chamar a atenção do Governo para a premente necessidade de se elaborar o plano geral do turismo do nosso País.
A elaboração desse plano, baseado na organização condigna de três ou quatro pontos de irradiação turística, vem sendo reclamada há mais de dez anos.
Efectivamente, não só num modesto trabalho que ali tive a honra de submeter, mas também em diversas outras teses apresentadas e aprovadas no 1.° Congresso Nacional de Turismo, realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa em Janeiro de 1936 -há portanto quase doze anos -, se aludia já à necessidade e urgência em se definir um plano de fomento turístico no País.
Foi por sinal nesse congresso que se aprovou o voto de sugerir ao Governo a criação do organismo central e directivo, adstrito à Presidência do Conselho, que, substituindo o antigo Conselho Nacional do Turismo, veio, por sucessivas étapes de transferências e concentrações de serviços e actividades, a culminar no actual Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo.
O certo é, porém, que se nos sectores de informação e de cultura popular muito tem realizado aquele departamento do Estado, afigura-se-me que em assuntos de turismo se tem caminhado mais lenta ou, em rigor, menos coordenadamente.
E, no entanto, as disposições do decreto n.° 34:134, de 24 de Novembro de 1944, que regulamenta os serviços do Secretariado Nacional da Informação, são a este respeito taxativas, visto que poios n.ºs 1.° e 26.° do seu artigo 23.° se devem elaborar e assegurar a realização de planos gerais do turismo e elaborar o Estatuto do Turismo.
Devo dizer, Sr. Presidente, que faço esta referência à falta de execução daquelas disposições regulamentares sem qualquer espírito de censura, porquanto não esqueço que, não obstante a guerra ter acabado há mais de dois anos, são inúmeras as dificuldades que têm perdurado e embaraçado o turismo, ao qual tem faltado o ambiente próprio, especialmente debaixo do ponto de vista internacional.
Pensava, porém, que era chegado agora o momento de se retomar a tarefa, abordando o assunto nesta Assembleia, e vejo que não me equivoquei, porquanto é o próprio Secretariado que também assim o pensou ao promover, nesta oportunidade, a reunião dos representantes das zonas de turismo do País.
Sr. Presidente: ora acontece - e é este o ponto que eu desejo focar, como esclarecimento, aos dirigentes daquele departamento do Estado-, ora acontece, dizia eu, que a cidade do Porto não se encontra representada naquelas reuniões, não tem ali voz activa nem passiva para a exposição e defesa dos seus pontos de vista e anseios em matéria de turismo, mas que esta circunstância não deve, de forma alguma, sor tomada como desinteresso dos portuenses pelo problema do turismo, nem menor noção do valor social e económico que resultaria do transformar o Porto num dos primeiros núcleos de irradiação turística do nosso País.
É lamentável, sem sombra de dúvida, que, tendo a vizinha vila de Gaia três representantes naquelas reuniões, em delegação das juntas de turismo da Granja, da Aguda e Miramar, o Porto não tenha lá ninguém.
Isto resulta do facto de ainda se não ter constituído a comissão municipal de turismo daquela cidade. Contudo, tanto o Secretariado como o Governo carecem de contar com um certo número de reivindicações que estão no ânimo de todos os portuenses, ou, pelo menos, de todos aqueles que aquilatam dos altos valores económico-sociais que o turismo representa.
Não cabe, evidentemente, a esta Assembleia apreciar os diversos pontos e detalhes de um esquema de turismo adequado ao Porto, mas basta fazer lembrar que no lindíssimo trecho de orla marítima que se desenrola entre a barra do Douro e o porto de Leixões (e que toda a gente aprecia) não existe um único hotel condigno do local e da importância da cidade.
Quando tive a honra de pertencer à vereação da Câmara daquela cidade realizaram-se aturados trabalhos nesse sentido, que, posteriormente, não lograram continuidade.
Poderá alegar-se que Lisboa também não tem uma comissão municipal de turismo. Não mo cabe a mim apreciar se isto representa ou não uma lacuna a remediar. Sei, porém, como toda a gente, que a junta de turismo de Cascais, a Sociedade da Costa do Sol, no que se refere ao Estoril, e a comissão municipal do turismo em Sintra constituem os elementos necessários e eficientes para o progresso turístico e propaganda daqueles dois pontos, que são, afinal de contas, os que mais interessam à capital nesta matéria e que fazem dispensar, porventura, a organização turística do Município de Lisboa. Não é esse, porém, o caso do Porto.
Seja como for, o que pretendo vincar é que, não obstante o Porto não estar representado nas reuniões do Secretariado, é preciso contar com as suas justas reivindicações, aliás necessárias e indispensáveis num esquema compreensível a elaborar brevemente para todo o País,

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fazendo eu votos para que tanto esse plano geral como o Estatuto do Turismo não demorem a aparecer e correspondam, nesta matéria, às necessidades e anseios da nossa terra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Informo a Assembleia de que neste momento estão presentes na sala 68 Srs. Deputados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1948.
Tem a palavra o Sr. Deputado Bustorff da Silva.

O Sr. Bustorff da Silva: - Sr. Presidente: principiarei por uma sucinta nota à margem do preceituado no § 1.° do artigo 5.° da proposta em discussão para autorização de receitas e despesas para o ano de 1948.
Na legislatura anterior, e ao discutirmos a proposta congénere relativa ao ano de 1947, os pequenos patrimónios, as heranças sujeitas a inventário orfanológico, os interessados na liquidação e pagamento de sisa ou de imposto sobre doações e sucessões viram os seus legítimos interesses acautelados e defendidos em termos que justificaram o coro geral de louvores que se ouviu por todo o País.
E se é certo que a experiência levada a efeito no exercício transacto produziu para a Fazenda Nacional uma redução no imposto de sisa que no bem ordenado relatório da Câmara Corporativa se fixa em mais de 22:000 contos, não o é menos que a moralização de certos serviços públicos, consequência imediata dessa salutar, medida, a terminação de abusos tanta e tanta vez incontroláveis, a segurança, a garantia dos contribuintes, oferecem compensação mais que generosa a esse sacrifício do erário público.
Caminhou-se, por conseguinte, por boa senda.
Tudo aconselha, para mais perfeito acabamento da obra, que se aproveite esta oportunidade para remediar um bem evidente esquecimento em que Assembleia e Governo colaboraram.
No que consiste esse esquecimento?
Vou explicá-lo.
Feita de novo a avaliação da propriedade urbana, reconheceu-se que era impossível actualizar as rendas e por isso providenciou-se para que o imposto fosse pago pêlos inquilinos na parte que excedesse o rendimento efectivo (artigo 44.° do decreto n.° 25:502, de 14 de Junho de 1935).
Considerou-se então também que, visto o imposto sucessório incidir, sobre o enriquecimento por sucessão, não era justo obrigar a pagá-lo pelo valor da matriz, baseado em avaliação ou comparação. Pelo decreto-lei n.° 26:151, de 19 de Dezembro de 1935, permitiu-se que para os prédios inscritos nas matrizes anteriormente a 1925 e cujas rendas não podem ser livremente aumentadas o valor colectável fosse o resultante do rendimento efectivo.
Assim se viveu até Janeiro de 1947, data em que entrou em vigor o § 1.° do artigo 5.° da lei n.° 2:019. Este parágrafo ordena que «o valor dos prédios urbanos será em todos os casos o da matriz, acrescido de ...».
Festejou-se este novo preceito como aliviando os contribuintes da avaliação e justificou-se o aumento de
20 por cento - porque o rendimento colectável inscrito na matriz ficara «aquém do rendimento efectivo».
Mas nem a proposta do Governo, nem o parecer da Câmara Corporativa, nem os Deputados que a esta inovação se referiram citaram o decreto-lei n.° 26:151. Por mim, confesso que me esqueci.
Criou-se assim uma solução vantajosa para todos ... menos para os proprietários de prédios de renda limitada - a pobre vítima de quem tanto se tem falado, pois recebe rendas que, por vozes, nem chegam para a conservação do prédio.
Parece-me que o preceito contido no § 1.° do artigo 5.° da lei n.° 2:019 é de ordem geral e por isso não revoga a norma especialíssima do decreto-lei n.° 26:151.
Mas esse § 1.° diz «em todos os casos», e por isso a circular n.° 3/316, de 11 de Janeiro de 1947, da 1.ª Repartição da Direcção Geral das Contribuições e Impostos ordena:

2.° Em virtude do disposto no § 1.° do mesmo artigo, deixa de ter aplicação no ano corrente o disposto no artigo 4.° e seus parágrafos e artigo 5.° do decreto-lei n.° 26:151, de 19 de Dezembro de 1935, salvo quanto aos pedidos feitos em anos anteriores e que ainda se encontram pendentes de despacho ou de liquidação, mas neste caso o valor resultante do rendimento colectável correspondente à renda será acrescido de 20 por cento nos termos daquele § 1.°

e assim se tem considerado revogado o decreto-lei n.° 26:151, sem possibilidade de conseguir outra interpretação, pois, nos termos do artigo 4.° do mesmo decreto, o recurso é para o director geral de finanças e deste para o Ministro das Finanças.
Trata-se de uma hipótese que não foi considerada, e parece-me manifestamente injusto o que se está praticando, pois reduz o imposto sucessório à custa dos proprietários de rendas limitadas.
Não é difícil acudir-lhe.
Bastará que ao votarmos o § 1.° do artigo 5.° da proposta de lei em discussão VV. Ex.ªs aprovem o aditamento, seguinte: «mas sem prejuízo do disposto nos artigos 4.° e 5.° do decreto-lei n.° 26:151, de 19 de Dezembro de 1935».
Na altura própria terei a honra de apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a proposta indispensável para tal fim.
Sr. Presidente: ouvi com a atenção de sempre as aparentemente lógicas considerações aqui produzidas anteontem por esse brilhante e aliciante espírito de matemático que é o nosso ilustre colega Sr. Dr. Pacheco de Amorim.
Julgo, porém, do meu dever opor a algumas das críticas de S. Ex.ª as rectificações e os factos de geral e notório conhecimento que ou enfraquecem ou anulam as pessimistas conjecturas de que, mais uma vez, foi intérprete junto desta Assembleia.
A tarefa não pode ficar completa, porque no curto espaço de quarenta e oito horas - a que há que diminuir aquelas que a vida profissional me tira - não se torna materialmente possível reunir e agrupar os elementos estatísticos indispensáveis para contrapor a uma critica meditada e pacientemente preparada.
Suponho, todavia, que os números e as informações que foi possível recolher em tão curto espaço de tempo chegam e sobram para perfeita elucidação dos que me escutam e dos que me lerem.
Ao iniciar as suas brilhantes considerações e nos últimos passos do seu discurso o nosso colega e amigo Dr. Pacheco de Amorim aludiu ao artigo 9.° da proposta de lei em debate, classificando-o de «cheque em branco» que o Sr. Ministro das Finanças solicita da Assembleia porque já não acredita no sucesso da política deflacionista».

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Esta política deflacionista é a que veio ao encontro da deflação natural que o Sr. Dr. Pacheco de Amorim, ao usar da palavra quando no ano passado se discutiu nesta Assembleia a proposta de lei de meios, reputava ainda distante, pois, para que ela se desse, seria preciso exaurir primeiro a circulação potencial.
Deduzindo, portanto, logicamente das afirmações do ilustre colega, o «cheque em branco» pedido pelo Sr. Ministro das Finanças correspondia, nos seus intuitos, e consistia, na sua essência, a uma medida de oportunidade, a uma precaução de momento criada e justificada pela descrença do ilustre titular daquela pasta no sucesso de uma política surgida de há apenas alguns meses a esta parte.
A ser assim - e as palavras de S. Ex.ª não permitem outra conclusão razoável -, logo neste primeiro comentário ressalta a toda a luz o equívoco do brilhante orador a que estou respondendo.
Com efeito, as aspirações consignadas no artigo 9.° de que se trata têm remota tradição nas propostas de leis de meios dos últimos anos.
O artigo 5.° da lei n.° 1:977, de 2 de Dezembro de 1939. já consignava facilidades quase semelhantes em relação à lei de meios relativa ao ano de 1940.
O artigo 5.° da lei n.° 1:985, de 27 de Dezembro de 1940, seguia igual esteira quanto à lei de meios para o ano de 1941. O artigo 4.° da lei n.° 1:987, de 24 de Dezembro de 1941, procedia identicamente para a lei de meios relativa a 1942. O artigo 5.° da lei n.° 1:993, de 18 de Dezembro de 1942, repetia a doutrina para o ano de 1943.
E os artigos 5.° da lei n.° 1:996, de 21 de Dezembro de 1943, para o ano de 1944, e da lei n.° 2:003, de 24 de Dezembro de 1944, para o ano de 1945, continuaram a conceder ao Sr. Ministro das Finanças precisamente facilidades idênticas a essas que anteontem nos eram apresentadas como condenáveis ou desnecessárias inovações.
É certo que na lei n.° 2:010, de 22 de Dezembro de 1945. já assim se não procedeu em relação ao ano de 1946.
Na proposta em discussão regressa-se, contudo, à fórmula, pode dizer-se, tradicional.
Já veremos se o facto comporta explicação diversa da que lhe atribui o Sr. Dr. Pacheco de Amorim.
Entretanto, é de toda a justiça pôr a claro que S. Ex.ª se iludiu ao sustentar que se tratava da revelação de uma atitude de descrença por parte do distinto titular da pasta das Finanças relativamente à política deflacionista que o Sr. Dr. Pacheco de Amorim condena.
Com efeito, de 1939 a 1943 vivíamos bem longe das possibilidades de uma política dessa natureza e, não obstante, em todas as propostas da lei de meios respeitantes a nada mais nada menos que seis anos de vida financeira portuguesa, na sua quase totalidade arrastados entre os escolhos de uma implacável inflação, aprovou esta Assembleia providências, senão iguais, pelo menos muito semelhantes a essa que o meu distinto amigo condenava, supondo-a medida de mera oportunidade.
A verificação deste equívoco reveste uma importância fundamental.
Porquê?
Porque - eu também aprecio as deduções duma lógica cortante ... - revela da maneira mais convincente que o Sr. Dr. Pacheco de Amorim se iludiu ao relacionar a suposta novidade do texto do artigo 9.° da proposta com um estado de alma do Sr. Ministro das Finanças que as realidades confirmam existir apenas nas congeminações do nosso distinto colega.
S. Exa. sustenta que à crise ministerial de Março passado se seguiu uma crise de plano nas esferas governativas. O Ministério da Economia lançou-se numa política de deflação à força; o das Finanças correspondeu-lhe, coadjuvando-a com as dificuldades do desconto nos bancos particulares, do redesconto no Banco de Portugal e com o do recurso a todos os meios usuais para produzir a deflação monetária.
Aqui se engana de novo, e sempre salvo o devido respeito, o meu prezado colega e amigo.
Garantem-me, e pode, em boa verdade, afirmar-se como facto inequívoco, que o Governo- não exerceu, directa ou indirectamente, sugestões ou pressões junto da banca particular no sentido de se criarem dificuldades ao desconto.
Mais: os elementos que vou citar deixam perceber o contrário.
Com efeito, não se apontam factos concretos demonstrativos da actuação que se imputa ao Governo.
Inversamente, dispomos de um elemento que, só por si, abre o caminho para uma conclusão inteiramente oposta.
Ninguém ignora que, se as intenções do Governo tivessem sido as que suspeita o Sr. Dr. Pacheco de Amorim, elas manifestar-se-iam desde logo através da Caixa Geral de Depósitos, atenta a organização e as estreitas ligações existentes entre este importante organismo e o Governo da Nação.
Ora em 31 de Dezembro de 1946 a rubrica «Empréstimos diversos» da Caixa Geral de Depósitos atingia 2:258,6 milhares de contos.
Em 31 de Agosto de 1947 ascendeu para 2:789,2 milhares de contos, ou seja 530:600 contos a mais nos oito primeiros meses do ano que ora finda.
530:600 contos numa economia como a nossa representam qualquer coisa e significam que o Governo não procurou, através dos organismos mais próximos e de mais fácil influência, restringir as facilidades de crédito.
Cumulativamente, o seguinte mapa da situação bancária liquida as últimas dúvidas:

Situação bancária

(Em milhares de contos)

[Ver Tabela na Imagem]

A par do exposto, os próprios números indicados pelo Sr. Dr. Pacheco de Amorim quanto à circulação fiduciária e a política cambial e de obras públicas do Governo, bem conhecida pela publicidade dos jornais diários, induzem ao reconhecimento de que não houve política deliberada de deflação monetária, nem por restrição de crédito, nem por outro meio.
Previu-se, é evidente, uma tendência deflacionista, natural pelo aumento de importações, e ela deu-se, provocando:

Estagnação evidente da circulação fiduciária;
Redução da chamada circulação potencial por consumo de reservas cambiais.

A acção do Governo exerceu-se no sentido de «evitar exageros deflacionistas». De facto:

Continuou a desenvolver a obra de fomento por obras publicas;
Não restringiu o crédito nem contribuiu para a tensão natural do mercado de capitais.

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O consumo de reservas deu-se:

Por aumento do abastecimento do País;
Por aumento de apetrechamento e ainda, certamente, porque diminuíram entradas não comerciais;
Por diminuição das despesas de estrangeiros no País;
Por retirada de capitais transitoriamente vindos ao País durante a guerra (números que não podem avaliar-se ainda com precisão).

Dentro em pouco lembraremos que há muitos pagamentos importantes para apetrechamento (navios, aparelhagem hidroeléctrica, etc.) que são por conta de constituições em curso que ainda se não traduziram em importações.
O consumo de reservas - 2,7 milhões em 18 milhões - traduz, numa parte, apetrechamento e, em outra, contribuição para paragem da alta.
A posição mais aconselhável tem de ser a de expectativa, depois de uma paragem da alta evidentemente conseguida, procurando:
Aumentar exportações que a política da alta de preços contrariaria;
Reduzir as importações:

Ao indispensável para o abastecimento suficiente ;
Ao necessário para o apetrechamento da produção.

E deve ser essa uma das funções da Comissão Superior do Comércio Externo, recentemente criada.
Sr. Presidente: transitamos destarte, quase despercebidamente, da crítica à política financeira do Governo formulada pelo erudito colega Prof. Pacheco de Amorim para as violentas censuras por S. Ex.ª lavradas contra a política do Sr. Ministro da Economia.
Responderei a S. Ex.ª discutindo primeiro no próprio campo escolhido por S. Ex.ª e rematando a seguir a rememoração de circunstâncias que, segundo parece, estão a apagar-se com rapidez excessiva na memória dos homens com responsabilidades neste Pais.
Diz-se: da psicose altista transitou-se bruscamente para uma psicose baixista, acompanhada a grande instrumental; os compradores deixaram de comprar e os vendedores de vender; o comércio suspendeu as encomendas à indústria; a inacção, o desemprego industrial, surgem já no horizonte como terrível ameaça; criou-se a estranha obrigação de trabalhar... para perder; esqueceu-se que, se o social é a estrutura, o económico é o alicerce, e se este ruir teremos segunda edição de Hiroshima na vida económica nacional!
Foi-se ainda mais longe. Fez-se pior.
Aceleraram-se as importações de géneros, houvesse ou não falta deles, para bater os produtos nacionais; e o que se fez com a batata é inconcebível; e o que se está a passar com a carne simplesmente espantoso.
Ora vamos por partes.
Não oferece dúvida de que as indústrias mais particular e directamente afectadas pela política do Sr. Ministro da Economia foram as da fabricação de tecidos.
Estarão na realidade essas indústrias a trabalhar para perder?
Se estão, é irrecusável que nas repartições competentes do Estado devem existir dezenas de petições solicitando o único remédio para atenuar tamanhos prejuízos: ou a redução das horas de trabalho, ou, se a tanto montar a generosidade dos governantes, permissão para suspender uma actividade que conduz à falência arrasadora. Não será assim?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, solicitei - mas não me chegaram a tempo os próprios documentos comprovativos - algumas ingénuas informações esclarecedoras desta angustiosa situação de transe.
Deles resulta que no Instituto Nacional do Trabalho são frequentes os pedidos para aumentar as horas de laboração (no alegar do Sr. Dr. Pacheco de Amorim, as horas da ruína) e que inúmeras fábricas trabalham com mais de um turno de pessoal.

O Sr. Alçada Guimarães: - Isso é verdade, mas só quanto a algumas secções. Não se verifica em todas as modalidades de trabalho das fábricas. É só, repito, em algumas secções.

O Orador: - Há, consequentemente, um erro de informação que precisa de ser rectificado.
Mas da minha parte com certeza não é...
Ter-se-iam na realidade acumulado as importações de géneros, houvesse ou não falta deles?
É inconcebível o que se fez com a batata?
Espantoso o que sucede com a carne?
Emotivo, como todos os que vivem galharda e generosamente pelos impulsos do coração, o Sr. Dr. Pacheco de Amorim não teve - perdoe S. Ex.ª este reparo - a cautela de se esclarecer devidamente acerca desses momentosos assuntos.
Todos sabemos que no norte e no centro do País são repetidas as queixas contra a situação de ruína em que certos produtores de batata se encontram mercê de importações maciças que, concorrendo com a batata nacional, aviltaram ruinosamente o respectivo preço.
Mas peço licença para ponderar que nem sempre é exacto o que muitos dizem e que não faz mal a ninguém controlar o que possa haver de verdade nas queixas que chegam aos nossos ouvidos.
A boa fé do Sr. Dr. Pacheco de Amorim é axiomática, a sua inteligência clara, o seu desejo de combater pelo que supõe a boa causa livre de toda a suspeita.
S. Exa. perdoará, por consequência, que lhe observe estar mal informado a respeito dos pretensos calamitosos erros que especificou.
O caso da batata, longe de «inconcebível», justifica em absoluto a actuação do Governo.
É que as coisas passaram-se assim:
Em fins de 1945, princípios de 1946, a escassez da batata nos mercados de Lisboa e Porto e em todos os centros populacionais do País atingira os limites de angústia, tanto mais que coincidia com a de muitos outros géneros alimentícios de primeira necessidade.
O Sr. Dr. Luís Supico, ainda Ministro a esse tempo, tomou a corajosa e útil iniciativa de ordenar as primeiras importações daquele produto.
Posteriormente prosseguiu-se na mesma política.
Mas as importações levadas a efeito limitaram-se, em números redondos, às seguintes:

Dos Estados Unidos da América:
Toneladas
Para Lisboa ............ 15:268
Para o Porto ........... 11:226

Do Canadá .................... 18:017
Da Dinamarca e Holanda ....... 10:117

Total, números redondos, 54:000 toneladas.
Todas estas encomendas - registe-se isto bem - foram convencionadas na base de prazo de entrega antes de começar a colheita conhecida pela da batata da Moita, ou seja antes do 15 de Maio de 1947.
E assim sucedeu com a grande maioria da batata importada; mas as greves, as tempestades e o gelo impediram que chegasse na oportunidade prevista a batata

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do Canadá, prolongando a respectiva entrega no mercado por Maio adiante ou para além deste mês.
A primeira importação de batata foi quase instantaneamente absorvida pelo consumo interno.
O preço baixou.
As facilidades de alimentação caseira aliviaram as preocupações de milhares de chefes de família.
A segunda importação teve igual êxito.
Ordenou-se a terceira importação, a tal que por causa das greves e dos gelos do Canadá só chegou ao continente em Maio, quando na Moita ia iniciar-se a colheita.
Foi o pânico.
Chegou a arrancar-se batata ainda por criar. Seguiu-se a inevitável quebra no preço do produto.
Mas é erróneo assegurar-se que a batata estrangeira foi o único elemento decisivo dessa baixa, visto que depois da colheita de batata da Moita não veio nem mais um quilograma de batata importada.
Portanto, a baixa de preço resultou da abundância da colheita.
O problema passa a revestir um aspecto inteiramente semelhante ao que aconteceu com o melão e o tomate. Ninguém atacou o Ministério da Economia pelo que sucedeu com estes produtos agrícolas, porque destes produtos não houve importações que pudessem lançar-lhe em rosto.
Deixou-se exportar melão e fixou-se um contingente para exportação que seria aumentado se se verificasse essa necessidade. Como esse contingente nem sequer foi atingido, não houve que fazer qualquer aumento. Os preços da batata estavam tão altos que muitos produtores que nunca tinham plantado batata em determinadas regiões, porque não eram de interesse por causa das condições climáticas ou da constituição do solo, passaram a plantá-la na mira do seu alto preço, pagando sem discutir os salários que lhes pedissem e os adubos que lhes ofereciam. O preço tinha de ser alto, para que essa gente tivesse compensações. E era-o. Os 5$ e os 6$ por quilograma, as possibilidades daquelas operações, que levaram a classificar a batata em certas regiões do Norte com a designação eufórica de «volfrâmio branco», exerceram as inevitáveis influências perturbadoras.
Plantou-se em regiões condenadas como antieconómicas pela Junta Nacional das Frutas.
A febre da plantação era tão grande que a batata que estava a ser importada para consumo era desviada pelos lavradores para plantio, e, como isso representava perigo, porque não era batata certificada para consumo, o Ministério da Economia teve de publicar uma nota oficiosa a chamar a atenção para o perigo que havia na plantação.
Observam-me que é legítimo que o lavrador semeie os produtos que lhe prometem maior lucro!
E eu respondo: é. Manifestamente é. Mas sempre que se ultrapasse a linha que separa a exploração prudente das aspirações a uma especulação arriscada, deixa de o ser.
Essa linha existe profundamente vincada, traçada no subconsciente de toda a criatura de bem. Dispenso-me, por conseguinte, de a definir.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? Era só para marcar o princípio, tantas vezes defendido por mim, de que é o bom preço que faz a abundância baixar o preço do produto.

O Orador: - O que não contradiz o meu princípio. Que se procure o bom preço dentro duma actuação prudente, mas nunca à custa de ambições de especulação, tão condenáveis na indústria ou no comércio como na lavoura...
E, ao passo que reclamo para a lavoura que se manteve calmamente no trilho das actividades sãs, semeando o mais e o melhor possível dentro das suas possibilidades climatéricas ou geofísicas, não acho forma de descobrir fibra que se sensibilize perante o infortúnio dos que, na ambição de lucros desmedidos, romperam a semear batata em terrenos impróprios pela carestia da cultura e todas as demais circunstâncias já enunciadas e acabaram por perder dezenas ou centenas de milhares de escudos.
Esses não agricultaram - especularam.
Perderam? É o triste signo de quem joga!
E reparem agora os Srs. Deputados: como disse, as últimas importações de batata realizaram-se em princípios de Maio. A batata nova começou a abastecer Lisboa com regularidade a partir da 2.ª quinzena de Maio.
Em 17 de Maio próximo passado a existência total de batata importada era de 10:066 toneladas.
O consumo médio mensal é em Lisboa 6:500 toneladas e no Porto 3:000 toneladas.
Por conseguinte, o saldo das 10:066 toneladas de batata estrangeira existente chegava, à escassa para um mês de consumo em Lisboa e Porto.
Em 31 de Julho último esse saldo já fora totalmente eliminado mercê da seguinte movimentação:
Quilogramas
Batata exportada (para Marrocos) ......... 201:200
Quebras .................................. 1.707:000
Fornecida à Fábrica de Amidos de Sacavém . 741:310
Para consumo em Lisboa e província ....... 7.416:349

Consequentemente, a partir de 31 de Julho a batata estrangeira deixou de pesar, pela concorrência, no preço da nacional.
Este, porém, manteve-se à volta dos 2$, que é ainda hoje o preço máximo fixado pelo Govêrno.
Porquê?
Porque a colheita foi excepcionalmente boa; porque na colheita se aplicaram lavradores e terrenos ocupados noutras culturas enquanto a batata não subiu a preços astronómicos; porque o salutar efeito psíquico da baixa obtida mercê de importações calculadas para datas em que não seria possível colocar à venda uma batata de produção nacional produziu eficaz, salutarmente, a sua acção.
E, nesta conformidade, não é inconcebível a actuação do Governo quanto à batata. Inconcebível, sim, me parece manter a acusação após os esclarecimentos que aqui trago.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem hesitar, recorde-se da cheia do Douro, das enormes quantidades de batata apressadamente arrancada dos armazéns inundados e lançada no mercado a preço baixíssimo... Foi edificante.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quanto à carne?
Sofrêramos os efeitos de cinco ou seis anos de guerras, de dois anos de secas, de uma intensa candonga para um país vizinho e ansioso de carne a todo o preço. Os nossos rebanhos encontravam-se muito dizimados.
A carne nacional era insuficiente para o consumo. O preço incomportável para o público. Dessa falta resultou uma grande subida de preço e falta do produto no mercado.
A importação era indispensável para suprir essa falta, para regularizar o preço, para permitir a recria, isto é, a reconstituição do efectivo pecuário.

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Sempre que há gado vivo, a carne congelada não sai do frigorífico. Não há portanto prejuízo para a lavoura, mas o público tem carne para o seu consumo.
Devido a esta mesma falta, foi necessário limitar ás matanças nos diferentes centros de consumo.
Essa limitação tem vindo a diminuir substancialmente, e se não se libertou por completo os abates em todos os matadouros do Pais foi unicamente porque os conselhos técnicos da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, com representação idónea e profundamente conhecedora do problema, ainda não reputaram oportuna essa medida.
Por outro lado, está universalmente provado e aceite que, em virtude dos estudos a que os técnicos da especialidade se dedicam há algumas dezenas de anos, a carne, pelo facto do ser congelada, não perde qualquer das suas características.
As suas qualidades alimentares são as mesmas e não há qualquer inconveniente na sua utilização.
Como prova, tem o Mundo inteiro a população inglesa, que não consta ter sido dizimada por qualquer epidemia nem ter sido acometida por debilidade física em consequência de consumir desde sempre - quando consumia... - a carne congelada proveniente dos mesmos mercados que agora abastecem Portugal.
E ainda poderemos citar o caso de Lisboa, que, na ausência da carne continental, insular e angolana, tem consumido largamente, desde Dezembro de 1946, carne congelada, sem que os médicos se apercebam de dizimadoras mazelas. E só assim Lisboa viu normalizadas as suas condições de abastecimento em carnes.
Os lavradores em todo o País têm garantida a colocação dos seus gados através da Junta Nacional dos Produtos Pecuários pelos preços reputados justos e sem qualquer limite às quantidades apresentadas à venda.
Os mapas que tenho diante e que farei transcrever no Diário das Sessões patenteiam da forma mais categórica o irrefutável que não havia outro remédio que não fosse o de recorrer à importação de carne congelada.
Basta informar que de 169:219 reses adultas abatidas em 1939 baixáramos em 1946 para 70:940 e de 204:771 reses adolescentes para 66:487.
A eloquência destes números desafia o melhor dos argumentadores!

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: altero agora a ordem das considerações do Sr. Dr. Pacheco de Amorim e passo a esclarecer a Assembleia sobre o critério seguido no capitulo das importações, ilustrando-o com a menção de números e quantias sobre os quais não se equilibram as teses do ilustre orador a quem estou respondendo.
S. Exa. recordou-nos que a posição cambial do Banco de Portugal sofrera em menos de oito meses um desfalque de quase 21,5 milhões de libras esterlinas - 2 milhões e 150 e tal mil contos -, que se escaparam pelas malhas duma importação desenfreada, em prejuízo das necessidades do equipamento industrial do País.
As notas que se seguem esclarecem, sob certos aspectos da balança comercial, os curiosos destes assuntos.
Por elas se aquilata dos movimentos verificados durante os primeiros nove ou dez meses do corrente ano, em comparação com os dos doze meses de 1946, quer em tonelagens, quer em escudos, relativamente às importações de matérias-primas; fios, tecidos, feltros e respectivas obras; máquinas, aparelhos, ferramentas, navios e veículos; manufacturas diversas, e substâncias alimentícias.

I - Matérias-primas

Em 1946: 1.164:089 toneladas, 2.028:274 contos.
Em 1947: 1.285:711 toneladas, 2.060:809 contos.

A admitir os números de Outubro: 1.782:446 toneladas, 2.761:382 contos.
Tocámos a importação de 1946, ultrapassando assim todas as importações de matérias-primas dos anos de guerra, ficando porém abaixo das de 1938 e 1939, por exemplo; reste a consolação de que importámos o máximo de matérias-primas que pudemos. Ao passo que em 1938 pagámos cerca de 550$ por tonelada, pagamos agora cerca de 1.500$ por tonelada. - cerca de 2,8 vezes mais; mas, mesmo assim, economizámos cêrca de 400:000 contos em relação ao ano de 1946, em que a média especifica tocou os 1.770$.
Vamos ver, porém, o interesse da importação feita.
De combustíveis sólidos, entre hulha, antracite e coque, importámos em 1947 903:193 toneladas, 440:389 contos, ao passo que em 1946 importámos 610:996 toneladas, 330:845 contos.
Em 1939 tocámos o 1.175:000 toneladas de combustíveis. Bons tempos, em que pagámos, então, 194:058 contos; o preço médio era de 165$ por tonelada, ao passo que este foi de 490$ - mas temos no País reserva de carvão estrangeiro para cerca do um ano!
No que respeita a combustíveis líquidos (petróleo em rama e refinado, gasolina, gasóleo, diesel e fuel), temos as seguintes posições:
Em 1947: 590:584 toneladas, 384:686 contos;
Em 1946: 343:835 toneladas, 380:960 contos;
Em 1940: 210:881 toneladas, 151:697 contos.
Quer dizer: estamos longe - muito longo já - dos consumos do princípio da guerra: em 1947 importámos mais 246:749 toneladas do que em 1946, sem, contudo, exceder o seu montante em escudos. Quereriam, antes, que recomeçassem as restrições?
De ferros, aços e outros metais, incluindo folha de Flandres, importámos:
Em 1947: 211:552 toneladas, 693:773 contos (alguma coisa);
Em 1946: 169:753 toneladas, 579:948 contos;
Em 1939: 129:744 toneladas, 202:803 contos.
Quer dizer: aumentámos, nitidamente, a nossa importação destas importantíssimas matérias-primas, e, consequentemente, gastámos muito mais dinheiro. Menos do dobro da tonelagem custou-nos mais do que o triplo dos escudos.
Desejar-se-ia dificultar a nossa indústria e o nosso comércio de conservas?
Sr. Presidente: em adubos a nossa posição foi esta:
Em 1947: 69:335 toneladas, 120:988 contos;
Em 1946: 352:812 toneladas, 256:545 contos;
Em 1939: 249:433 toneladas, 110:502 contos.
Diminuímos de muito a nossa importação, quase igualando o valor de 1939. Fomos buscar a compensação a uma produção mais intensa; de adubos químico-orgânicos, químicos mistos e sulfato do cobre, por exemplo, produzimos:
Em 1947: 37:407 toneladas (no 1.° semestre);
Em 1946: 13:477 toneladas.
Adubos não classificados - Observe-se que da estatística temos (Janeiro-Setembro):
Em 1947: 3:428 toneladas, 5:503.905$;
Em 1946: 376 toneladas, 396.317$.

II - Fios, tecidos, feltros e respectivas obras

(Janeiro-Setembro )

Em 1946: 4:302 toneladas, 158:740 contos;
Em 1947: 2:960 toneladas, 185:109 contos.

A aceitar o coeficiente 1,2 (Janeiro-Outubro), teremos a probabilidade: 3:926 toneladas, 257:620 contos, contra 6:824 toneladas, 270:848 contos.

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Quer dizer: importámos menos de 60 por cento do que em 1946 e do que em 1939! Simplesmente pagámos este ano a tonelada a 66$, quando em 1946 a pagámos por 39$ e em 1939 por menos de 14$.

III - Máquinas, aparelhos, ferramentas, etc.
Navios. Veículos

(Janeiro-Setembro)

Em 1946: 47:682 toneladas; 669:540 contos.
Em 1947: 52:002 toneladas; 1.332:165 contos.
A aceitar o coeficiente 1,2 (Janeiro-Outubro), teríamos para 1947: 66:785 toneladas, 1.750:897 contos, ao passo que em 1946 tivemos 91:259 toneladas e 1.283:341 contos.
Importámos cerca de 500:000 contos mais do que em 1946, mas, em compensação, menos cerca de 24:000 toneladas!
A aceitarmos, porém, a média das 25:000 toneladas de importação de antes da guerra, tivemos um déficit até agora, nos anos de 1941, 1942, 1943, 1944 e 1945, de cerca de 5 por cento das toneladas, que se cobriu agora.
De cerca de 100 quilogramas de aparelhos radioeléctricos importamos agora 355:000; de maquinaria agrícola, de que importávamos 182:000, importamos agora 314:000; de aparelhagem industrial temos agora 6:708 toneladas, contra 3:715 em 1946; de aparelhos frigoríficos, 53:000 em 1946 e 182:000 em 1947; de máquinas eléctricas, 364:000 em 1946 e 680:000 em 1947.
De automóveis, camionetas e camiões importámos em 1946 cerca de 5:916 toneladas, no valor de 143:668 contos; em 1947 importámos 17:268 toneladas, no valor de 449:167 contos. Em números, o problema apresenta-se assim:

Em 1946 .............. 4:065
Em 1947 .............. 11:481

Vejamos o seguinte: aceitando a média anual de 4:000 de antes da guerra, a diminuição de 1940 a 1946 foi de 18:000 veículos, o que mostra não termos senão recuperado a posição perdida, e agora com tanto mais interesse quanto é certo que saímos, da guerra com os nossos veículos completamente esfrangalhados, e não é má ideia estarmos preparados para o futuro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em compensação, e graças à indústria nacional e à importação de 1946, já importámos menos pneus e câmaras de ar:
Em 1946: 1:507 toneladas, 90:410 contos;
Em 1947: 1:156 toneladas, 45:759 contos.
Cumulativamente, importámos muito mais material circulante para caminhos de ferro:
Em 1946: 1:262 toneladas, 6:461 contos;
Em 1947: 2:540 toneladas, 27:362 contos.

IV - Manufacturas diversas

(Janeiro-Setembro)

Em 1946: 24:006 toneladas, 393:918 contos;
Em 1947: 32:209 toneladas, 574:793 contos.
A aceitar o coeficiente 1,2 (Janeiro-Outubro), teríamos para 1947: 46:031 toneladas e 780:612 contos, contra (1946): 39 014 toneladas e 640:589 contos.
É difícil a análise, visto que nesta rubrica se incluem as mais diversas manufacturas, desde o vidro, papel e aço em obra até aos medicamentos e brinquedos; observe-se, unicamente, que não chegámos a exceder em 10 por cento a média da importação de 1938 e 1939.

V - Substâncias alimentícias

(Janeiro-Setembro)

Em 1946: 309:134 toneladas, 757:788 contos;
Em 1947: 341:649 toneladas, 1.197:394 contos.
A aceitar o coeficiente 1,2 (Janeiro-Outubro), teríamos para 1947: 432:271 toneladas e 1.579:908 contos, contra (1946): 540:780 toneladas e 1.478:833 contos.
Importámos mais 100:000 contos do que em 1946, mas, em compensação, importámos menos 100:000 toneladas, ficando ainda abaixo das importações de 1944 e 1945.
Não fomos mesmo além de 20 por cento mais do que as importações que fizemos em 1938, quando, em plena normalidade, nada faltava para a nossa alimentação. Custou-nos mais dinheiro a importação. É certo, visto que o preço da tonelada variou do seguinte modo:

Em 1938 ................ 1.200$00
Em 1946 ................ 2.740$00
Em 1947 ................ 3.660$00

Total das importações (Janeiro-Setembro):
Em 1946: 1.549:655 toneladas, 4.009:624 contos;
Em 1947: 1.715:141 toneladas, 5.355:215 contos.
A aceitar o coeficiente 1,2 (Janeiro-Outubro), teríamos para 1947: 2.332:382 toneladas e 7.137:366 contos, contra (1946): 2.487:888 toneladas e 6.859:511 contos.
Quer dizer: não atingimos o volume das importações de 1946 (menos 6 por cento, ou seja 156:000 toneladas) e ficámos ainda abaixo do de 1938!
O mal esteve, evidentemente, no sen custo; com efeito, o preço médio da tonelada importada variou como segue:

Em 1938 ........................ 960$00
Em 1946 ........................ 2.760$00
Em 1947 ........................ 3.060$00

Isto significa que, com uma importação menor, gastámos mais 278:000 contos do que em 1946, ou seja cerca de 4 por cento.
Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Deputado Prof. Pacheco de Amorim citou-nos alguns índices-números para concluir que as reduções no custo de vida, consequência da política do Sr. Ministro de Economia, haviam sido quase insignificantes, oscilando entre os 2 e os 4 por cento. E, interpelado por um dos Srs. Deputados que o escutavam com a atenção a que as considerações de S. Ex.ª têm jus, informou que colhera esses índices-números das estatísticas oficiais.
Vejo-me, portanto, forçado a repetir agora o que mais de uma vez tenho tido oportunidade de afirmar do alto da tribuna: esses índices-números induzem-nos, por vezes, a conclusões em patente e evidente oposição com os ensinamentos que a experiência diária da vida nos fornece. E o Sr. Dr. Pacheco de Amorim já o reconheceu lealmente.
Ora, a par desse vício, são esses indices-números por demais subtis ou sibilinos para a grande massa do País, aquela em que penso e pela qual pretendo fazer-me compreender ao apreciar problemas monetários, ou económicos, ou financeiros, a mor parte das vezes anuveados ou entenebrecidos nas, aliás excelentes, abstractas teorizações dos grandes mestres.
Efectivamente, se é possível que os índices-números demonstrem que as reduções no custo de vida não andaram muito além de 2 a 4 por cento, é, sem dúvida, absolutamente certo que em todos os lares portugueses e nas bolsas de todos os chefes de família nacionais há a convicção segura e a comprovação inabalável de que a essas facilidades corresponde uma redução muito, mas muito superior!

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E não é difícil demonstrá-lo deixando na quietação dos complicados quadros estatísticos os índex numbers e passando à enumeração de alguns exemplos práticos, de conhecimento geral e notório, em que os números que vou citar contradizem os índices desconsoladores da argumentação do Sr. Dr. Pacheco de Amorim.

Preços de retalho em Lisboa

Arroz :

Janeiro de 1947. - Afora o do racionamento, comprava se no «mercado negro» a 10$ e 12$ o quilograma. O do racionamento era a 5$30.
Setembro do 1947. - Mantém-se o do racionamento e encontra-se em todos os estabelecimentos o dos saldos, em venda livre, à tabela, a 5$30 o quilograma.

Açúcar:

Janeiro de 1947. - Afora o do racionamento, comprava-se no «mercado negro» a 18$ e 20$, muitas vezes o areado escuro.
Setembro de 1947. - Mantém-se o do racionamento e encontra-se em todos os estabelecimentos o de venda livre, branco, a 11$60.

Azeite:

Janeiro de 1947. - O do racionamento, com grandes atrasos. Adquiria-se, praticamente, só no «mercado negro», desde 35$ a 45$ o litro.
Setembro de 1947. - O do racionamento, cuja tabela não se alterou desde Janeiro. Encontra-se no «mercado negro», em menor quantidade, desde 18$ a 25$.

Bacalhau:

Janeiro de 1947. - O do racionamento (550 gramas por pessoa e por mês) desde 12$60 a 14$40. Havia também o sortido a 6$60-11$20. Comprava-se no «mercado negro» a 20$ (preço médio).
Setembro, de 1947. - Venda livre com os preços da tabela, 12$60 a 14$40, que não se alterou, havendo porém abusos de preços por parte de alguns armazenistas e retalhistas. Além deste, há as qualidades de sortido de 2.ª e 3.ª, respectivamente a 11$20 e 6$60, que se encontram à venda principalmente nas áreas industriais da cidade.

Batatas:

Janeiro de 1947. - Com abundância, a 2$60 o quilograma.
Setembro de 1947. - Com abundância, desde 1$20 a 1$40. Num caso ou noutro, a 1$60 o quilograma.

Sabão:

Janeiro de 1947. - O do racionamento (375 gramas por pessoa e por mês), com atrasos, a 5$40 (Offenbach) desde 16 de Janeiro. Anteriormente o preço era de 4$40. No «mercado negro» desde 10$ a 12$.
Setembro de 1947. - O do racionamento (500 gramas por pessoa e por mês), também com atrasos, mantendo o preço de 5$40. No «mercado negro» desde 10$ a 12$. O «mercado negro» faz-se mais com o tipo especial.

Manteiga:

Janeiro de 1947. - Vendia-se a manteiga argentina, com abundância relativa, à tabela (média, 33$).
Setembro de 1947. - Com abundância, manteiga argentina, ao mesmo preço. A manteiga nacional, que atingira, em «mercado negro», os preços de 40$ a 50$, já é oferecida pelos industriais à tabela, que se manteve desde Janeiro (33$50, 33$ e 31$).

Massas:

Janeiro de 1947. - Estavam racionadas (400 gramas por pessoa e por mês). Vendiam-se à tabela (desde 5$20 a 9$).
Setembro de 1947. - Livres desde Junho. Subiram as tabelas $30 por quilograma em cada tipo.

Feijão:

Janeiro de 1947. - Do nacional vendia-se de 8$80 a 9$80 o litro; colonial, de 4$70 a 5$10 o quilograma.
Setembro de 1947. - Do nacional, de 5$ a 6$50 o litro. O colonial mantém-se sem alteração sensível.

Grão:

Janeiro de 1947. - 8$ a 10$ o litro.
Setembro de 1947. - 7$ a 9$ o litro.

Banha:

Janeiro de 1947. - A tabela era 21$. Mas pouca se encontrava, adquirindo-se, com dificuldade, no «mercado negro», a 40$.
Setembro de 1947. - Encontra-se com relativa facilidade ao preço da tabela, que não se alterou (21$).

Toucinho:

Janeiro de 1947. - Havia à venda o argentino, a 17$50. Setembro de 1947. - Do nacional, com facilidade, a 18$.

Carne de vaca:

Janeiro de 1947. - Já estava à venda carne argentina, cujos preços se têm mantido. Carne nacional, muito pouca à venda, e a que se adquiria em «mercado negro» atingia preços de 30$ a 40$ e mesmo mais (vitela).
Setembro de 1947. - Mantêm-se os preços da carne argentina. A carne nacional já se adquire ao preço da tabela, que se manteve, e com relativa facilidade.

Carneiro:

Janeiro de 1947. - As tabelas, que iam de 11$80 a 19$, estavam ultrapassadas na prática em 3$ e mais, vendendo-se muitas vezes mais cara.

etembro de 1947. - As tabelas baixaram de 11$80 a 19$ para 10$ a 17$ e há facilidade em a adquirir.

Porco:

Janeiro de 1947. - Não se encontrava à venda, praticamente. Só em «mercado negro» se conseguia, vinda dos concelhos limítrofes e a preços muito elevados.
Setembro de 1947. - A tabela manteve-se e já se encontra a carne com relativa abundância, aos preços dela constante.

Chouriço:

Janeiro de 1947. - Só se conseguia em «mercado negro» à volta de 50$ o quilograma, muito embora a tabela fôsse a 34$.
Setembro de 1947. - Encontra-se com relativa abundância ao preço da tabela em vigor (34$ o quilograma).

Sardinha:

Janeiro de 1947.- A de tamanho médio vendia-se de 3$ a 6$ a dúzia.
Setembro de 1947. - Baixou de preço. Vende-se de 2$ a 4$.

Carapau:

Janeiro de 1947. - O de tamanho médio vendia-se do 3$ a 7$ a dúzia.

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Setembro de 1947. - Baixou do preço sensivelmente, de 2$ a 4$.

Peixe de arrasto:

Janeiro de 1947. - Nas peixarias respeitavam-se, de um modo geral, as tabelas. Na venda ambulante e em lugares de mercados havia abusos.
Setembro de 1947. - Os preços subiram, de um modo geral, em relação aos de Janeiro.

Perguntarão, neste momento, VV. Ex.ªs: e que conclusão há que tirar desta longa e fastidiosa explanação de factos?
Vou proceder ao balanço respectivo.
Em primeiro lugar cai pela base o boato corrente de que foram as importações da batata estrangeira e da carne congelada que arruinaram determinado sector da lavoura.
Quanto à batata de importação, fica demonstrado que ela desaparecera logo nos princípios do período de colheita da batata nacional, pelo que não podia pela concorrência afectar o preço desta, mero resultado das leis de oferta e de procura.
Quanto à carne, a importação acudiu ao dizimamento a curto prazo do armentio nacional e assegurou o único processo de abastecimento ao público desse género do primacial importância na alimentação.
Finalmente, quanto às importações, aos números extraídos da balança comercial, da balança de pagamentos, da "balança invisível" (que suponho ser a que resulta da diferença entre a primeira e a segunda) e, sobretudo, do desfalque em 21.000:000 de libras, ou 2.100:000 contos, das reservas do Banco de Portugal, os esclarecimentos obtidos impõem todas as reservas na afirmação de que essa importantíssima soma só sumiu na voragem das importações que não correspondem a elementos de produção (reequipamento industrial, etc.).
O cômputo, feito tão apressadamente quanto o permitia a escassez do tempo para esta resposta, com base naquilo que há pouco mencionei acerca da importação, acusa um dispêndio de mais de 500:000 contos, estritamente aplicados em elementos de produção.
E o Sr. Dr. Pacheco de Amorim não se apercebeu de que a sua generalização era impossível, ou, melhor, não se baseava em elementos seguros de cálculo.
S. Exa. nos disse que, quanto a algumas rubricas, a carência de elementos o levava a afirmar por suposição.
Grave suposição é essa, se considerarmos os efeitos que pode produzir na consciência do País. Não obstante, porém, é fácil e simpático lastimar a lavoura e a indústria a pretexto dos prejuízos que estão sofrendo, arguir o Governo de queimar mais de 20 milhões de libras, ou mais de 2 milhões de contos, em holocausto a uma política de deflação mantida à custa de importações lesivas da produção nacional.
Ora basta recordarmos as condições normais em que se pratica o comércio de importação para reconhecermos:

Que é possível apurar ao certo o valor e o reflexo na balança comercial das mercadorias importadas para aplicações independentes do reequipamento industrial;
Mas é erróneo e, mais que erróneo, inexacto assegurar que toda a verba retirada das reservas do Banco de Portugal foi despendida na aquisição dessas mercadorias.

Efectivamente, quanto a elas, as transacções fazem-se, em regra geral, mediante crédito aberto irrevogável e pagamento contra documentos.
Feita a encomenda, o comprador nacional abre o crédito; o exportador estrangeiro embarca as mercadorias e envia a respectiva documentação através do banco.
Chegada a mercadoria a Portugal, o banco apresenta os documentos, o importador adquire e paga os cambiais correspondentes e levanta o que importou.
Este último acto reflecte-se imediatamente na balança comercial; o pagamento provoca o desembolso das divisas quo lhe correspondem.
Um e outro acto são, por assim dizer, simultâneos.
Na aquisição de matérias-primas, ferramentas, maquinaria o tudo o mais atinente ao reequipamento industrial as coisas passam-se de maneira completamente diversa:
O industrial português faz a encomenda e entrega logo por conta uma parte; quando a encomenda atinge determinada fase, avança outra parte; contra entrega liquida o saldo.
Verifica-se, por conseguinte, que existe um largo período durante o qual saem efectivamente os cambiais destinados a pagar no estrangeiro as aludidas prestações; mas não entram no País as mercadorias que se destinam a adquirir.
Daqui se verifica que pode haver uma profunda afectação das reservas-ouro do Banco de Portugal, que, na realidade, representam dispêndios efectuados para aquisição de novos elementos de produção..., mas cuja existência é impossível sentir através um exame da balança de comércio.
Quem nos garante que isto não acontece, em parte importante, com relação aos 21 milhões de libras do Banco de Portugal?
Nas curtas horas vencidas desde o encerramento da sessão de quinta-feira última, recorrendo a informações de amigos, vi corroborada a minha tese.
A Assembleia Nacional e o País podem e devem ficar sabendo que cerca de 1.200 000 contos saíram para o estrangeiro com a finalidade e nas precisas condições indicadas.
Efectivamente, e só pelas informações que consegui colher, é possível apresentar e garantir as consoladoras indicações constantes do quadro seguinte:

Encomendas firmadas; cambiais exportados em 1947 para pagamento de mercadoria que ainda não entrou:

Contos
a) Marinha mercante ................................ 650:000

Companhia Colonial de Navegação .................... 346:000
Companhia Nacional de Navegação .................... 121:000
Sociedade Geral de Transportes .................... 151:000
Carregadores Açorianos ............................. 21:000
Diversos ...................... O restante

b) Electrificação do País .......................... 120:000

Zêzere ........................ 45:000
Alto Alentejo ................. 25:000
Cávado ........................(?) 20:000
Companhia Nacional de Electricidade ................ 10:000
Diversos ...................... 20:000

c) Fábricas de adubos .............................. 6:000
d) Reapetrechamento dos portos ..................... 20:000
e) Companhia União Fabril (reapetrechamento) ....... 50:000
f) Companhia Portuguesa (material ferroviário:
locomotivas, tractores, etc.; encomendas e pago, e não recebido) ................................... 40:000
f) Lanifícios, algodões e outras inerentes ......... 300:000
Total ....... 1.186:000

Números redondos: 1.200:000 contos.
Sr. Presidente: detesto as meias verdades!
À medida que os anos sobre mim passam, fortalece-se-me a convicção de que não vale realmente a pena deixar em meio a liquidação dos problemas.

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15 DE DEZEMBRO DE 1947 77

Para cabal elucidação desta Assembleia, para que todos os portugueses possam aperceber-se do que lado está a razão - pretendo admitir que são integral, inteiramente procedentes, todas as objecçoes do Sr. Dr. Pacheco de Amorim. Vou mais longe: peço a VV. Ex.ªs que esqueçam as irrespondíveis justificações que sucintamente alinhavei e que se disponham a verificar a balança e os processos de pesagem utilizados pelo nosso colega Sr. Dr. Pacheco de Amorim na sua crítica à proposta da lei de meios desta legislatura.
Reparem: num dos pratos dessa balança acumulam-se os 2 milhões de contos soi-disant dispersados em inutilidades e em prejuízo das reservas do Banco de Portugal. Transijam VV. Ex.ªs por momentos em que todas as suas arguições são exactas. Aceitem esse peso tremendo como autenticado pela aferição de pesos e medidas...
Mas... e no outro prato da balança?
No outro esqueceu-se S. Ex.ª de fazer pesar a densíssima atmosfera que em matéria de abastecimentos e salários se conseguira criar em Portugal nos últimos meses de 1946 e nos primeiros do ano que vai terminar: sucessivas, crescentes, instantes reclamações de aumento de salários; os braços caídos a desfalcarem a produção; cruciantes dificuldades de abastecimento em inúmeros lares: fogareiros que não era possível acender, dispensas vazias, angústias diárias das esposas e das mães de família obrigadas a zelar pela sustentação da família. E, porque não dizer tudo?, um rumor surdo e persistente de queixumes, de lástimas, do soluços, que surdia nem se sabe de onde e nos deixava antever a iminência de uma convulsão derruidora.
O avolumar de pequenas faltas, agravadas pela sua repetição do dia a dia, quase perdoava já o esquecimento da obra enorme levada a efeito nas finanças, no crédito interno e externo, nas obras públicas, no reequipamento industrial.
Dir-se-ia que, voltando as costas aos exemplos do resto do Mundo, não querendo ver que os males da nossa terra nada eram em comparação com as tragédias que de polo a polo se desenrolavam, a inflação e o desespero terminariam num daqueles cataclismos de dique que se rompe.
O Sr. Dr. Pacheco de Amorim profetizou-o mais que uma vez.
Pois a política deflacionista do Sr. Ministro da Economia desanuviou esse horizonte.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Repetiu-se a divisa do Nelson: post nobilia phoebus: depois da nuvem surgiu o sol.
Custou 21 milhões de libras; 2.100:000 contos?
Há quem leve o exagero ao extremo de proclamar que não teve outros efeitos essa quantia além destes em que acabamos de transigir?
Pois - ainda nessa hipótese - , bem empregada despesa!
Eu, que abomino as aritméticas, quero terminar a embrenhar-me em contas!
Façamos a capitação desses 2.100:000 contos pelos 8 milhões de portugueses: dá cerca de 200$ por cabeça em relação ao período de dez meses em que foram despendidos ; 250$ em dez meses, 25$ por mês.
Em última análise, foi por este preço que cada um de nós comprou o sossego, as facilidades e a segurança da nossa posição actual - aquela que o Sr. Presidente do Conselho ainda há bem poucos dias nos definiu com excepcional calma.
Haverá quem discorde da modicidade do preço?
Os industriais que estão a trabalhar para perder, a dois e três turnos por dia, os lavradores que conservam as suas terras, todos os que puderam continuar no calmo exercício das suas actividades, acharão caro?
Pois que antes de responderem ponham a mão na consciência e os olhos no recente exemplo da França e na ilustradora lição aqui trazida pelo Sr. Dr. Pacheco de Amorim acerca do que aconteceu na Hungria.
E faltar-lhes-á a coragem para uma resposta afirmativa.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Mapas a que o orador se referiu no seu discurso:

MAPA N.º 1

Consumos totais de gado bovino adulto e adolescente do País

[ver tabela na imagem]

MAPA N.º 2

ovinos abatidos para consumo em Lisboa

[ver tabela na imagem]

MAPA N.º 3

Bovinos abatidos para consumo no Porto

[ver tabela na imagem]

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78 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 119

MAPA N.º 4

Variação do custo diário da alimentação

[ver mapa na imagem]

MAPA N.° 5

Variação do preço de custo das 1:000 calorias alimentares obtidas por meio de géneros não racionados

(53 a 66 por cento do custo da alimentação)

[ver mapa na imagem]

O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: se anteontem disse, ao subir a esta tribuna, que o fazia por dever, sem nenhuma espécie de entusiasmo, já o mesmo não posso hoje dizer, porque o Sr. Dr. Bustorff da Silva é tão amável, tão gentil e inteligente que quando venho responder a S. Ex.ª o faço sempre com grande gosto; e mais uma vez repito que se alguma coisa me encanta nesta Casa e nesta legislatura é a gentileza e a distinção com que aqui se tratam todos os assuntos e de que o Sr. Dr. Bustorff da Silva é um exemplo bem frisante.
Posto isto, vou agora fazer uma ligeira apreciação às considerações do Sr. Dr. Bustorff da Silva, começando pela parte que diz respeito ao Sr. Ministro das Finanças.
V. Ex.ª, Sr. Dr. Bustorff da Silva, diz que o Sr. Ministro das Finanças não descria da política deflacionista, antes pelo contrário. Creio que há equívoco, pois o Sr. Dr. Bustorff da Silva, na última parte do seu discurso, mostrou-nos que os preços de importação estão a subir, e como podemos nós crer numa política de baixa de preços, quando lá fora eles estão a subir assustadoramente? Creio que terá havido equívoco na interpretação das palavras do Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Bustorff da Silva: - V. Ex.ª não encontra na administração do Governo nenhuma demonstração de que ele se inclina abertamente para essa posição.

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10 DE DEZEMBRO DE 1947 79

O Orador: - Bom. Já é uma conquista!

O Sr. Soares da Fonseca: - Conquista não; esclarecimento...

O Orador: - Também me serve essa interpretação. Disse o Sr. Dr. Bustortf da Silva que eu tinha leito uma apreciação baseada em hipóteses teóricas. Ora são várias as funções que tem de desempenhar uma assembleia como esta.
Quando discutimos uma proposta ou projecto de lei, quando criticamos uma política ou um acto isolado, temos de aduzir razões, teóricas ou práticas, temos de fazer hipóteses, temos de tirar conclusões, temos enfim de proceder como homens cultos. Ninguém se pode admirar disso porque é assim que se procede em todo o Mundo civilizado. Mas o nosso primacial dever é representar a Nação, porque somos os seus representantes legais, e portanto os intérpretes autorizados do seu modo de pensar e de sentir.
E quando subimos, a esta tribuna não podemos esquecer esse mandato.
Eu tenho sempre essa preocupação, mas isso não me dispensa de averiguar se os números justificam as queixas que chegam aos meus ouvidos. E quando isso sucede é para mim fora de dúvida que essas queixas são fundadas.
Ora, infelizmente, as queixas que ouvi pelo País fora a comerciantes, industriais e lavradores, as queixas que ouvi às donas de casa, a começar pela minha, todas são concordes com os números que pude obter.
Há dias um amigo íntimo, em quem tenho a máxima confiança, depois de uma conversa que tinha tido pouco antes com ele, encontrou-se com um industrial da Covilhã e começou, como vulgarmente costuma dizer-se, «a tirar nabos da púcara».
- Então como vão as coisas lá pela Covilhã? perguntou.
O industrial, com aquela cobardia que caracteriza as nossas forças vivas, respondeu:
- Não vão mal.
- Mas então quantos dias trabalham por semana? insistiu o meu amigo.
- Trabalhamos dois.
- Acho pouco! observou aquele.
- Os maquinismos estão cansados...
- E com esses dois dias de trabalho satisfazem a clientela?
- Satisfazemos e não vendemos tudo. Vemos os armazéns cheios!
Quer dizer: trabalhavam dois dias, pagavam a semana por inteiro e tinham os armazéns cheios de fazenda.

O Sr. Cancela de Abreu: - E ainda ganham para isso e não faliram!

O Orador: - Isso é que é gravíssimo. Então é possível ganhar em tal regime? Não! Os industriais não faliram por estarem a ganhar, mas porque os bancos são dirigidos por portugueses e muitos dos seus directores deixam-se ainda levar pelo coração. Senão tinha falido muita gente. Não deram os bancos tantas facilidades aos produtores como eles precisavam e como é exigido pelo actual nível dos preços.
Mas, não obstante, ainda abriram créditos este ano e em muito maior força do que no ano passado.

O Sr. Pinto Basto: - Mas não o fazem por coração, creia V. Ex.ª

O Orador: - Talvez não, mas fizeram-no. Agora o que eu digo a V. Ex.ª é que eles têm no Banco de Portugal mais de 6 milhões de contos improdutivos e eu começo a não compreender por que motivo é que os bancos têm lá esse dinheiro.
Não percebo: ou eles desconfiam tanto do comércio, da indústria e da lavoura que, apesar de terem dinheiro improdutivo, não emprestam, ou então não sei a causa.
Eu em todas as minhas coisas procuro perceber, mas esse procedimento dos homens não o compreendo bem.
No que respeita ao fundo de cambiais, eu não disse ao Sr. Dr. Bustorff da Silva que os que se gastaram foram todos por água abaixo, mas apenas grande parte. E tive esse cuidado porque, realmente, algumas coisas se importaram que eram necessárias, como as matérias-primas, por exemplo. Mas de que grande parte dos cambiais gastos o foram em pura perda não pode restar dúvida. Basta ir à rua e ver o que por lá vai de carros de luxo, empadas, como agora se diz, até em serviço de táxis!
Risos.
Eu estive o ano passado em Vigo e vi que os espanhóis tinham ficado embasbacados com os estupendos automóveis de luxo e barcos de recreio que apareceram numa regata que se realizara pouco antes naquela cidade. Ficaram boquiabertos.
Há quem queira atribuir ao comércio a culpa deste desregramento das importações. Não concordamos com isso. O comércio compra para vender e, portanto, compra o que tem procura. Se o público é tolo, a culpa não é do comércio. Se os artigos de luxo têm grande procura, o comércio importa artigos de luxo, e faz muito bem, porque está na sua função.
Agora quem governa é que tem obrigação de ver essas coisas e não permitir que se importem mercadorias que não são precisas.
A baixa verificada na posição cambial do Banco de Portugal alarmou-me e vou mostrar que o meu alarme é justificado.
Pessoa amiga chamou-me a atenção para uma noticia vinda no «Foreign Report» do The Économist Intelligence Unit de 30 de Outubro próximo passado sobre a Suécia. A notícia em questão diz o seguinte:
A economia sueca desorganizou-se nos últimos meses, e porquê?
Em Junho de 1946 ela tinha 3:229 milhões de coroas de reservas em ouro e moeda estrangeira. Em Março deste ano já só tinha 1:675 milhões e em Setembro apenas 589 milhões.
Em pouco mais de um ano estoirou as reservas que a guerra lhe metera pelas portas dentro.

O Sr. Bustorff da Silva: - São os efeitos de um governo vincadamente socialista.

O Orador: - Se na Suécia isso fez estragos, o que nos sucederia a nós, que não temos exportação nem de ferro nem de madeiras, como tem a Suécia, nem de outras matérias-primas indispensáveis, a nós, que só exportámos artigos de luxo?
Isto basta para mostrar que o meu alarme não é sem fundamento. Mas não foi só isto que me fez falar.
Quis ter a coragem de romper esta nuvem de enganos que pesa sobre o País.
Nós estamos em vésperas de uma reviravolta nos preços.
Os índices de Setembro já são superiores aos de Agosto. O movimento ascensional vai continuar, sob pena de se desorganizar toda a economia nacional e de continuar a desbaratar-se o precioso fundo cambial a cargo do Banco de Portugal, fundo que é o único penhor do nosso futuro.
É preciso que o País esteja prevenido para isso e não seja tomado de surpresa.

Página 80

80 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 119

Tive a coragem de vir a esta tribuna cumprir aquilo que julgo ser o meu dever, sem ter o intuito de agradar ao Governo ou ao povo, pois só me importa agradar à minha consciência.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: sinto-me sempre embaraçado quando subo os degraus desta tribuna, mas hoje confesso a V. Ex.ª que me sinto mais do que embaraçado, porque me sinto roubado.
Efectivamente gastei uma meia dúzia de horas a elaborar um esquema que aqui tenho em quatro linguados e no qual se contém o sumário do discurso que eu queria fazer na generalidade da discussão da lei de meios. E a verdade é que este esquema foi trilhado, foi percorrido pelo nosso querido, fogoso e inteligente colega Sr. Bustorff da Silva.
De sorte que quase me sinto sem matéria, sem conteúdo para o discurso que me proponho, através de tudo e apesar de tudo, proferir.
O meu embaraço é tanto maior quanto é certo que tenho de proceder neste momento a um processo de reelaboração, de sorte que nem suspeito de como as coisas irão ser arrumadas no movimento do meu discurso.
Tenho aqui, como primeiro número do meu esquema, o artigo 9.º da proposta. Era o primeiro número do esquema do Dr. Bustorff da Silva. Não tenho então nada que dizer a propósito?
É claro que não vou cansar V. Ex.ªs repetindo as considerações a respeito feitas pelo Dr. Bustorff da Silva, que, apesar de brilhantes, repetidas logo a seguir, haviam necessariamente de cansar. Não tenho então nada que dizer a respeito do artigo 9.°? Tenho, creio que sem repetir o Dr. Bustorff da Silva. Disse-se aqui, na discussão da generalidade - e não foi só o Sr. Dr. Pacheco de Amorim quem o disse - que o artigo 9.° era um cheque em branco que a Assembleia entregava ao Governo.
Eu digo que se realmente do artigo 9.° se pode dizer que contenha um cheque em branco, esse cheque já é passado pela nossa orgânica constitucional.
Faço estas considerações precisamente para mostrar a VV. Ex.ªs que a razão profunda do artigo 9.°, na proposta da lei de meios deste ano, não foi o passar um cheque em branco que permita ao Governo lançar adicionais sobre as contribuições gerais do Estado.
A razão deve ter sido outra. Vamos a ver se se descobre.
Segundo o nosso Direito Constitucional, há que manter o equilíbrio das contas e, portanto, se em certo momento da gerência, começa a verificar-se quebra de receitas tal que esse equilíbrio não se possa atingir, o Governo pode recorrer por força de disposição constitucional, ou melhor, deve recorrer, ao abrigo de disposição constitucional, ao decreto-lei, para buscar as receitas que hão-de de equilibrar as contas do Estado.
Nesta ordem de ideias, posso afirmar que, se realmente há cheque em branco, esse cheque resultou, não da disposição do artigo 9.° da lei de meios, mas da nossa própria orgânica constitucional.
Outra coisa se viu - e agora é que foi só o Sr. D r. Pacheco de Amorim - no artigo 9.° O que foi?
Isto: ele é a expressão de um certo estado de ânimo do Governo. Apareceu-lhe no horizonte a perspectiva de, em consequência da alta, dos preços, não poder manter-se o equilíbrio orçamental ou das contas. Daí o ter-se munido da possibilidade de, através de adicionais aumentar as receitas. E, assim, é o próprio artigo 9.º que vem prevenir-nos de que, na verdade, no horizonte aparece clara a nuvem da inflação. Com efeito, se os preços sobem, os despesas do Estado sobem, o equilíbrio rompe-se ou pode romper-se. E daí a autorização, ou, numa fórmula rápida e breve: daí o cheque em branco.
É possível, com boa vontade, tirar da disposição o que acaba de dizer-se. Agora, para se ver que da disposição não se pode concluir que essa ideia corresponde a um certo estado de ânimo do Governo, vou demonstrar que dela também é possível tirar precisamente o contrário. Não é difícil e não estou a tentar formas de raciocínio paradoxais. Com efeito, se a inflação torna ou pode tornar mais volumosas as despesas do Estado, a deflação pode contribuir para uma diminuição de receitas.
Para pôr isto com clareza vou raciocinar com elementos fornecidos pela própria exposição do Sr. Dr. Pacheco de Amorim.
Deflação, não sendo muito suave, significa falências e desemprego, quer dizer, significa diminuição da massa tributária e, portanto, diminuição de receitas que pode comprometer o equilíbrio orçamental ou das contas.
Não pode, pois, da disposição do artigo 9.° concluir-se que ela exprima estado de ânimo do Governo no sentido de que nós vamos assistir a um movimento de alta dos preços. Porque é então que se ressuscita uma disposição que tinha caído em 1940? O nosso colega Bustorff da Silva mostrou que disposição correspondente aparecia nas leis de meios desde 1999. Não apareceu na do corrente ano. Porquê?
Eu estou em crer que foi precisamente para se buscar o ensejo, o quadro, para as últimas palavras que aparecem naquele artigo e que são:
Fica o Ministro das Finanças autorizado a... «reduzir ou suspender dotações orçamentais e condicionar, da acordo com os interesses do Estado ou da economia nacional, a realização de despesas públicas ou de organismos e entidades subsidiados ou comparticipados pelo Estado».
Quer dizer: fica o Ministro das Finanças autorizado a dirigir as aquisições a fazer pelos serviços públicos ou pelas empresas subsidiadas ou comparticipadas. Muitas dessas aquisições terão de fazer-se no estrangeiro e para dirigir o sentido das importações e evitar a delapidação das nossas reservas em mercadorias que não sejam de uma utilidade evidente é que aparece o artigo 9.° da lei de meios!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Continuando: tenho aqui agora, no meu sumário, uma outra rubrica, que se lê assim: «inflação ou deflação?».
Vou começar por dizer a VV. Ex.ªs a razão por que inscrevi esta rubrica.
VV. Ex.ªs já conhecem, através dos discursos proferidos, o que se passou no domínio dos factos.
De todas as considerações, sempre tão brilhantes, sempre tão impressivas, eu ia a dizer - mas não em termos de menos afecto - tão insidiosas, sem que a palavra possa ligar-se qualquer sentido pejorativo, porque elas são insidiosas pela própria sedução do movimento do raciocínio, feitas pelo Sr. Dr. Pacheco de Amorim, o que pode concluir-se?
Melhor: qual é o alvo para que apontam essas considerações?
Suponho. Sr. Presidente, não me enganar dizendo que o alvo é este: nós estamos em presença de um nível de preços que não pode manter-se E não pode manter-se porque - diria o Sr. Dr. Pacheco de Amorim - não pode manter-se o desequilíbrio existente entre o nível dos preços e a massa da circulação. E como esse desequilíbrio é evidente, e o volume da circulação há-de, pelo menos, manter-se como está, os preços hão-de também fatalmente subir.

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Mas se assim é, procuremos o equilíbrio, vamos francamente para o equilíbrio.
Esclareçamos:
Os preços, em confronto com a circulação, eram, em 1939, x. Os preços actuais são 2x.
A massa de circulação era, em 1939, y. Agora é 4y.
Isto quer dizer quo há um afastamento entre o nível dos preços e a massa da circulação.
Para se manter o actual nível dos preços importava fazer deflação, que conduzia praticamente a dividir a circulação actual por dois. Ficaríamos com um volume de circulação de 4.400:000.
Mas procurar a deflação não convém de modo nenhum, pelos perigos que daí poderiam resultar: falências, desemprego...
Então vamos procurar a adaptação do nível dos preços à massa da circulação.
Creio que pus o pensamento do Sr. Deputado Pacheco de Amorim a toda a luz. Não quis evitar dificuldades, porque realmente os problemas não são para se iludirem, mas para se discutirem e para se lhes procurarem as soluções mais razoáveis, sem qualquer pensamento reservado.
Procurei, por isso, pôr o problema no seu momento de crise.

O Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu digo mais: é que quer queiramos quer não, havemos de cair nisso.

O Orador: - Isso quer dizer que ou para já, ou a breve prazo, nós devemos multiplicar por 4 os salários e os vencimentos de 1939, devemos multiplicar por 4 as contribuições e devemos multiplicar por 2, visto que já estão multiplicados por 2, os preços.

O Sr. João do Amaral: - Isso é uma das formas.

O Orador: - Eu continuo a desenvolver o pensamento do Sr. Pacheco de Amorim.
Posto isto, feitas estas considerações muito rápidas, eu ponho o problema a seguir.
É politicamente possível multiplicar as contribuições por 4 e multiplicar os preços actuais por 2?
A atmosfera estava fortemente anuviada nos fins do ano passado e princípios do corrente. Desanuviou-se.
Estava fortemente anuviada nos fins do ano passado e princípios do corrente, porquê? Diz-se que por falta de equilíbrio entre os rendimentos e os preços - rendimentos traduzidos em salários, vencimentos, etc. E desanuviou-se como?
Tenha sido esta ou aquela a razão da baixa dos preços, a atmosfera desanuviou-se em consequência da baixa dos preços.
O Sr. Deputado Pacheco de Amorim diz: não foi em consequência da baixa dos preços... e argumenta com a formidável manifestação de Braga feita pelo produtor de milho, sem se lembrar da formidável manifestação do Palácio das Exposições (Apoiados) onde não havia senão consumidores.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pacheco de Amorim: - Desculpe V. Ex.ª que eu faça estas repetidas intervenções. Quero dizer a V. Ex.ª que a manifestação de Braga foi apenas uma exemplificação; a argumentação foi outra.

O Orador: - Eu sei. Se faço generalização sobre um exemplo é contra o meu habitual, mas para seguir ao sabor do Sr. Dr. Pacheco de Amorim, que faz repetidas vezes, no movimento das suas demonstrações, generalizações sobre exemplos.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Perdão, eu faço demonstrações e exemplifico.

O Orador: - Mas outras razões produziu o Sr. Dr. Pacheco de Amorim para demonstrar que a razão do sucesso duma certa política, da política do Sr. Ministro da Economia, não foi a baixa de preços mas sim a libertação dos produtos.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Que teve como consequência a eliminação do «mercado negros.

O Orador: - Exactamente: o que quer dizer a baixa dos preços reais.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Não quer dizer só isso.

O Orador: - O que digo mostra que afinal foi a baixa de preços que constituiu o sucesso do Sr. Ministro da Economia (Apoiados) e vou explicar-me.
Não sou - e tranquilamente o digo - partidário da libertação dos produtos por qualquer forma, de qualquer maneira, ou em qualquer circunstância.
Estou perfeitamente integrado no nosso sistema constitucional e, portanto, numa certa doutrina económica. Assim, entendo que pode e deve, dentro da doutrina económica da nossa organização constitucional, intervir-se, quando necessário, nos preços, para condicionar o comércio dos produtos ou a produção, ou para libertar os produtos de restrições que estejam a sofrer.
Aceitar pura e simplesmente o sistema da economia liberal, ou o sistema dos equilíbrios automáticos, em que se não justificará qualquer política económica, porque a vida económica resulta desses equilíbrios, é uma posição; simplesmente digo: essa não é a minha posição. E por isso digo também: pode ser caso de libertar os produtos; mas pode ser também caso de os não libertar.
A libertação dos produtos, quando é caso de se fazer, o que é como medida económica? É isto: a economia dos produtos regula-se por si mesma, sem graves afastamentos dos seus custos e com suficiente satisfação das exigências do mercado. Isto quer dizer que, em emergências de estados de carência, a economia dos produtos que faltam não pode deixar-se regular por si mesma; é preciso regulá-la de sorte que chegue a todos o que há e não seja absorvido só por alguns.
Se existe estado de carência de um produto necessário à vida, aqueles que precisam e podem compram-no por qualquer preço.
Aqueles que não podem ficam condenados a morrer de fome.

O Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª dá-me licença?
Teoricamente é assim mesmo. Praticamente na maior parte das vezes dá-se o contrário. E vou exemplificar:
Em Paris, muros para dentro não há nada, muros para fora há tudo, por um preço A.

O Orador: - É a ganância dos intermediários, dos especuladores e dos açambarcadores. Contra eles é que realmente é preciso intervir, e então aparece a polícia precisamente para evitar anormalidades dessas. Quando são anormalidades e não altas de preços justificadas pela demora no consumo dos stoks e pela deterioração ou inutilização que essa demora provoca...

O Sr. Pacheco de Amorim:- Mas as intervenções deram precisamente o contrário. Dera-se a falta de produtos em Paris, com existência deles em toda a França,

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porque não faltava nada em toda a França no que respeita a produtos agrícolas.
O facto é este: as conclusões tirará V. Ex.ª

O Orador: - Eu vou tirá-las e até aproveitar as palavras de V. Ex.ª para um argumento ad hominem.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Eu não sou contrário à intervenção; tenho dito isso muitas vezes. O que sou contrário é à intervenção sistemática, à intervenção transformada em sistema, como é, por exemplo, a dos partidos socialistas, que intervém por intervir.

O Orador: - Ah! Isso também eu.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Então estamos de acordo.

O Orador continuando... V. Ex.ª disse há pouco que o que afirmei pode ser teoricamente certo, mas praticamente não é; e argumentou com o caso de Paris.

O Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª dá-me licença? Voltemos ao caso da carne em Coimbra. Em Coimbra passam-se meses em que se não abate nem uma vitela, nem uma vaca. Pergunto se isso é natural.

O Orador: - E eu pergunto: quem é o responsável por isso?

O Sr. Pacheco de Amorim: - Eu é que não sou!

O Orador: - Mas V. Ex.ª, que faz essa afirmação, poderia ter-se documentado relativamente às razões determinantes do facto.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Entre a carne e as razões eu prefiro a carne!...

O Orador: - Também eu, quando se trata de almoçar ou jantar; quando se trata de discutir problemas, prefiro as razões.

O Sr. Pacheco de Amorim: - Eu vou então apresentar a V. Ex.ª o problema. A carne é um alimento indispensável, por exemplo, em casos de doença, em casos que se tenha doente um filho ou qualquer pessoa de família. E nesses casos não importa dar mais 20 ou 30 por cento pelo artigo. Isto é que é a verdade. Ora a carne em todas as redondezas de Coimbra existe; porque não a há em Coimbra?

O Orador: - Não há em Coimbra carne fresca porque os intermediários não querem que a haja. Por issso, foi preciso intervir e impor a carne congelada. O Dr. Bustorff da Silva explicou o caso; não tenho necessidade de voltar a ele.

O Sr. Albano de Melo: - Veja V. Ex.ª: se se não tivesse importado a carne, o que acontecia!

O Orador: - Fui desviado do rumo que levava. Não tenho a preocupação de me restituir a ele; mas, por que o Sr. Dr. Pacheco de Amorim anunciou que ia sair para não perder o comboio, não quero deixar de, antes que parta, lhe pôr o argumento ad hominem que lhe anunciei há pouco. Precisamente por se tratar de um argumento ad hominem, sinto-me mais à vontade, ao produzi-lo, se V. Ex.ª estiver presente do que me sentiria se o não estivesse.
Disse V. Ex.ª, quando eu procurava justificar a intervenção do Estado no mercado dos preços, ser o que eu afirmava teoricamente certo, mas praticamente não.
Ora bem. V. Ex.ª afirma que a alta dos preços é não só previsível, mas fatal. Porquê? Porque, segundo certa doutrina económica - a teoria quantitativa -, o nível dos preços é função da quantidade de moeda.
Se a quantidade de moeda era em 1939 de 2 milhões de contos e hoje é de 8 milhões, estando assim multiplicada por 4, é fatal que os preços hão-de multiplicar-se por 4 em relação ao mesmo ano de 1939, e, como neste momento estão só multiplicados por 2, é fatal que hão-de elevar-se até aparecerem multiplicados por outros 2.
Não discuto agora se a posição tomada por V. Exa, - que é a posição de um quantitativista puro - é cientificamente verdadeira; só digo que é uma posição teórica. E se digo que não vou discuti-la não é porque não me agradasse fazê-lo, mas só porque entendo que não podemos converter a Assembleia Nacional numa academia em que os representantes da Nação se entretém em discussões de carácter puramente teórico.
Mas se a posição do Dr. Pacheco de Amorim é teoricamente exacta, as consequências que dela logicamente deduz também o devem ser.
O Dr. Pacheco de Amorim acode, porém, a dizer-nos: o que é teoricamente certo pode praticamente não o ser.
Aqui o argumento ad hominem.
Praticamente a que assistimos no problema que interessa? Assistimos a isto: a circulação quadruplicou (mais do que quadruplicou), os preços duplicaram; a circulação mantém-se quadruplicada, os preços apenas duplicados.
Manter-se-ão os preços no nível em que se encontram? Eu não sei.
Inclino-me a crer que não podem manter-se, não por tomar na matéria qualquer posição teórica, mas pela simples verificação deste facto: é que os preços subiram no mercado internacional, designadamente nos mercados externos nossos abastecedores, e desde que o mercado português não é, não pode ser, nem se quer que seja, um merendo fechado, os seus preços não podem dissociar-se dos dos outros mercados. Inclino-me, por isso, a crer que os nossos preços não poderão manter-se; isso, porém, não significa que hajam de quadruplicar em relação aos de 1939.
Não me afastei do pensamento do Dr. Pacheco de Amorim, já que, segundo este, o que é teoricamente certo pode praticamente não o ser...
Isto, mesmo supondo estar certa a posição teórica que assume.
O que afirmo não contraria a posição política do Governo, expressa pelo Sr. Ministro da Economia no seu discurso de Portalegre.
E claro que as afirmações agora feitas por S. Ex.ª não foram as que fez de início. Isso, porém, só mostra que o Sr. Ministro da Economia é político e sabe considerar os fenómenos sociais na sua mobilidade e considerá-los como quem quer atingir resultados políticos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No seu discurso de Portalegre o Sr. Ministro da Economia não diz que vamos continuar na campanha da baixa dos preços. E estou convencido, como sei que o está a gente que no País é mais idónea para se pronunciar sobre a matéria, de que é condenável uma política de baixa do nível geral dos preços através da deflação monetária, por esta ser geradora de falências e desemprego e ainda de que seria de resultados restritos essa política feita através do aumento indiscriminado da quantidade de mercadorias.
Na verdade, não parece que convenha permitir indiscriminadamente as importações, por poder representar desperdício da reserva de divisas acumuladas durante

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a guerra e agora necessárias ao fomento industrial do País; nem que seja possível conciliar o aumento de produção das indústrias nacionais com a baixa doa preços, a não ser que esta se imponha para reduzir a níveis razoáveis os lucros excessivos dos produtores e dos intermediários.
Isto é tanto mais certo quanto é certo também que, por um lado, sendo para a alta a tendência dos preços, nos mercados estrangeiros, das matérias-primas e máquinas importadas, e sendo estas um elemento dos custos, a baixa para além dos limites razoáveis apontados não se compreenderia; e que, por outro lado, encontrando-se em muito baixa tensão a velocidade da circulação monetária, o aumento da quantidade de mercadorias pode ter como efeito só o aumento daquela tensão e nenhuma influência sobre o nível geral dos preços. Não estou a produzir razões minhas, mas dos conhecedores.
O Sr. Ministro da Economia tomou uma certa atitude ao sobraçar a sua pasta e eu já disse que executou uma certa política de preços...

O Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª dá-me licença? Eu queria fazer uma rectificação: Quando falei em política de preços, referia-me...

O Orador: - Mas a demonstração está feita. V. Ex.ª tinha em 1946 uma circulação fiduciária mais elevada e os preços não se multiplicaram, como se afirmou.
Apoiados.
Em 1947 V. Ex.ª tem uma circulação que é quatro vezes a circulação de 1939. Os preços não aparecem multiplicados por 4.
O Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª dá-me licença? Depois da outra guerra os preços apareceram multiplicados por 20 e o nível da vida apareceu também multiplicado por 20.

O Orador: - Mas eu estou argumentando com factos presentes, que podem ser controlados, que podem ser fiscalizados; V. Ex.ª argumenta-me com fósseis...

O Sr. Pacheco de Amorim: - V. Ex.ª tem as suas razões e eu tenho as minhas.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Pacheco de Amorim que não continue a interromper o orador.

O Sr. Pacheco de Amorim: - É a última vez, Sr. Presidente.
As razões de V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, ficarão arquivadas no Diário das Sessões, como as minhas, e verificar-se-á qual de nós tem razão.
Agora, uma outra coisa. O ano passado estávamos mais perto de uma posição de equilíbrio estável do que hoje, em meu entender. Portanto, caminhamos às avessas, ao contrário de por onde teremos de caminhar, quer queiramos quer não.
O Orador: - Se tivéssemos caminhado de outra maneira talvez que já não existíssemos.
Apoiados.
Dizia eu - já nem atino bem com o sentido que levavam as aninhas considerações; creio que ia falar da política, do Sr. Ministro da Economia ao sobraçar o pasta e no momento actual.
Dispunha-me a ler certa passagem do discurso de Portalegre. Era esta: «Do combate ao mercado negro e às especulações, das providências tomadas para o melhor abastecimento do País e mais regular e eficiente distribuição dos géneros racionados (e tudo isto teve de ser realizado em poucos meses) tinham de surgir fatalmente algumas perturbações e até - porque não dizê-lo? - algumas injustiças que nos preocupavam. Não podia, porém, haver paragens para se conseguir o que queria, e só com a «psicose da baixa» e com a confiança do público nas entidades encarregadas de dirigir a produção e o consumo se atingiu o desiderato de voltar completamente do avesso o condicionalismo que existia da lei da oferta e procura; foi graças a estas circunstâncias e à recuperação pelos interessados da consciência da força e da vantagem do seu próprio instinto de defesa que foi possível conseguir: 1.° sustar a alta dos preços; 2.° marcar uma tendência para a baixa; 3.º reduzir o mercado negro a proporções bem menores. Estamos em plena campanha... não nos lançamos, de resto, a um trabalho de utopia, como seria o de pretender a baixa do custo da vida em. Portugal, quando, no Mundo em que vivemos e para além das fronteiras que nos cercam, a vida tende a subir; procuramos unicamente trazer o custo da nossa vida para a sua justa medida, impedindo abusos, cortando especulações, que oneravam desnecessária e injustamente a vida de cada um».
Quer dizer: no que acabo de ler não se desenha uma política de baixa do custo da vida, e até se prevê a possibilidade de o custo da vida se elevar; o que se afirma é que hão-de segurar-se os preços contra abusos injustificáveis, mas não com ruína dos produtores, de modo a que se não afastem muito dos custos e também, portanto, a não se excluírem lucros razoáveis.
No princípio disse-se outra coisa e eu, que não tenho nenhuma procuração do Sr. Ministro da Economia para lhe interpretar o pensamento ao pôr em movimento - como disse o Sr. Deputado Pacheco de Amorim - o seu esplêndido dinamismo, reconheço que, de entrada, disse outra coisa: disse que a campanha era no sentido da baixa. Para isso criou toda a teoria da psicose da baixa. Porquê? Para quê?
Criou-se o estado de psicose da baixa para que fosse possível corrigir abusos e fazer baixar, até níveis razoáveis, os preços. A psicose da baixa em um mercado de alguma maneira abastecido, deu, na verdade, isto: o consumidor - reproduzo quase, as palavras do Sr. Deputado Pacheco de Amorim - que esperava a baixa, deixou de comprar, provocando, de alguma maneira, a paralisação de mercado; o comerciante deixou de encomendar, agravando, de alguma maneira, a paralisação do mercado; o fabricante pode-se ter visto na necessidade de fabricar a um ritmo mais lenta do que aquele que tinha antes. Tudo isto pode ter acontecido.
E não há dúvida nenhuma que tudo isto são elementos de perturbação da vida económica. Porque não havemos de reconhecê-lo?
Mas são elementos de perturbação da vida económica que se punham para provocar, pelo choque, a ordem justa contra a injusta. Era preciso evitar os manejos da especulação para impedir que o intermediário espoliasse o consumidor e que o produtor, em vez de lucros desproporcionados com os custos, se contentasse com lucros não muito distanciados dos custos.
Insisto: são elementos momentâneos de perturbação, mas para se atingir uma ordem estável e justa.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Portanto, mio venha dizer-se que o Ministro da Economia afirmou, quando entrou, uma coisa e está agora a dizer coisa diferente.
É certo. Isso não o diminui em nada, em nada, porque só mostra que é um homem que conhece e sabe acompanhar a mobilidade dos fenómenos sociais e intervir conforme o condicionalismo das circunstâncias do mo-

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mento, sem perder de vista os grandes princípios de actuação permanente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dou por terminadas estas minhas considerações depois de repetir o que disse o nosso ilustre colega Dr. Bustorff da Silva: não houve da parte do Governo quaisquer medidas tendentes à restrição de créditos.
Não houve da parte do Governo a ideia de perturbar a vida da produção em favor do consumidor, porque se prevê a possibilidade de se elevar o nível dos preços conforme as exigências dos custos, o que é justo e defende, é protege tanto o produtor como o consumidor.
Multiplicar tudo é que nada resolve, porque significa nova inflação, novo desequilíbrio e nova multiplicação... Ainda não estão realizadas as condições internas e externas da estabilização.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito. Interrompo a sessão por alguns minutos.

Eram 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão na especialidade os primeiros quatro artigos da proposta de lei.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vão votar-se então os artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.°
Consultada a Assembleia, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 5.° Sobre este artigo há na Mesa várias propostas de alteração, que vão ser lidas. A primeira é do Sr. Deputado Melo Machado, a segunda do Sr. Deputado Bustorff da Silva e outros Srs. Deputados, a terceira do Sr. Deputado Mendes do Amaral e outros Srs. Deputados e a quarta do Sr. Deputado Antunes Guimarães. Há também uma proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Deputado Braga da Cruz.
Foram lidas. São as seguintes:
«Proponho que o último escalão do artigo 5.° tenha a seguinte redacção:

De 1 de Janeiro de 1942 a 31 de Dezembro de 1945.

O Deputado Francisco Cardoso de Melo Machado».

«Proponho que ao § 1.° do artigo 5.° da proposta de lei em discussão se adite o seguinte:

... mas sem prejuízo do disposto nos artigos 4.° e 5.° do decreto-lei n.° 26:151, de 19 de Dezembro de 1935.

Lisboa, 13 de Dezembro de 1947.- Os Deputados:
Henrique dos Santos Tenreiro
António de Sousa Madeira Pinto
Luís Mendes de Matos
Francisco de Melo Machado
António Júdice Bustorff da Silva».

«§ 3.° Nas liquidações pendentes de recurso extraordinário ou de acção de simulação poderá o contribuinte optar pelo valor da avaliação ou pelo seguimento do processo, se não preferir pagar o imposto de harmonia com esta lei.

Os Deputados:
Joaquim Mendes do Amaral
Diogo Pacheco de Amorim
João das Neves
Paulo Cancela de Abreu
José Alçada Guimarães
Mário de Aguiar».

«Proponho o aditamento de um novo parágrafo ao artigo 5.°:

§ 4.° Os preceitos deste artigo e respectivos parágrafos aplicam-se às remições ou liquidações de laudémios do Estado, seja qual for o título da respectiva aquisição.

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1947.- O Deputado João Antunes Guimarães».

«Proposta de aditamento ao artigo 5.°:

§ 4.° É revogado o artigo 6.° e seu § único do decreto-lei n.° 31:668, de 22 de Novembro do 1941, devendo os valores dos prédios constantes das certidões a que se referem o artigo 6.° e seus parágrafos do decreto-lei n.° 31:500, de 5 de Setembro de 1941, ser corrigidos de harmonia com os preceitos acima constantes do corpo deste artigo 5.° e seu § 1.°

O Deputado José Maria Braga da Cruz».

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para lembrar que uma das alterações que foi proposta está fora do elenco da lei de meios. Trata-se de uma questão de propriedade privada - determinação do quantitativo de laudémios e pagamento de foros -, que nada tem que ver com a disciplina duma lei de meios.

O Sr. Presidente: - Efectivamente, o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães não contém matéria propriamente relativa ao assunto em discussão - autorização de receitas e despesas do Estado -, respeitando, antes, ao regime da enfiteuse em que o Estado é senhorio. Está, pois, deslocado, e portanto retiro da discussão o § 4.° proposto por aquele Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente: quanto à alteração proposta pelo Sr. Deputado Melo Machado, é praticamente reduzir o 3.° escalão do corpo do artigo, posterior a 1 de Janeiro de 1942, limitando-o a 31 de Dezembro de 1945.
Realmente, essa alteração dá-nos a impressão de que é perfeitamente justa. Se o fundamento desta diferenciação de percentagens é a desvalorização da propriedade, conforme as épocas, parece à primeira vista que essa alteração está perfeitamente justificada.
No entanto, informo V. Ex.ª e a Assembleia do seguinte: não só os critérios do avaliação adoptados em 1946-1947 foram os mesmos que os adoptados nos anos anteriores, mas até o valor dos produtos que têm de ser considerados para efeito da avaliação é o mesmo, em consequência de instruções do Ministério das Finanças.
Se a proposta fosse admitida dava-se esta injustiça: é que, sendo o prédio avaliado precisamente nos mesmos termos e com base nos mesmos valores que os avaliados antes, não se justificaria a aplicação da percentagem àqueles e não a estes.

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Esclareço melhor: se há algum prédio avaliado em 1946-1947 - e eu não conheço nenhum nem as estações que me informaram -, mas se há algum prédio avaliado em 1946-1947, dizia, essa avaliação exprime precisamente o mesmo resultado, em consequência dos valores a que por instruções do Ministério das Finanças havia de atender-se, que se tivesse sido avaliado em 1944 ou em 1943.
Isto quer dizer que seria uma injustiça aplicar então a percentagem 20 aos prédios avaliados até ao ano de 1945 e não a aplicar aos prédios avaliados em 1946-1947.
É o esclarecimento que queria prestar a V. Ex.ª e à Câmara.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: quanto aos esclarecimentos dados pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, e que não eram do meu conhecimento, estava convencido do contrário, visto que já tinha havido avaliações feitas por preços superiores aos preços anteriores.
Nestes termos, Sr. Presidente, peço licença para retirar a minha proposta, visto que a minha intenção era apenas a de obter uma justiça e não concorrer para uma injustiça.

O Sr. Presidente: - Consulto a Assembleia sobre se autoriza que o Sr. Deputado Melo Machado retire a sua proposta.

Consultada a Assembleia, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o corpo do artigo 5.° tal como consta da proposta de lei.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o § 1.° do artigo 5.° sem prejuízo dos aditamentos propostos.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o aditamento ao § 1.° proposto pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva e outros Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o § 2.° tal como se contém na proposta de lei.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à votação do § 3.°
Sobre este parágrafo há na Mesa uma proposta de substituição, apresentada pelos Srs. Deputados Mendes do Amaral e outros Srs. Deputados.
Vai votar-se esta proposta de substituição.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora um parágrafo novo, ou seja o § 4.°, proposto pelo Sr. Deputado Braga da Cruz.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão os artigos 6.° e 7.°
Sobre estes artigos não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vão votar-se.

Submetidos à votação os artigos 6.° e 7.°, foram aprovados.

O Sr. Presidente:- Estão em discussão o artigo 8.° e seu § único.
Quanto a este artigo, há na Mesa uma proposta de aditamento, apresentada pelo Sr. Deputado Braga da Cruz.
Vai ler-se.

Foi lida. É a seguinte:

«Proposta de aditamento ao § único do artigo 8.°:

... e procederá à nomeação de comissões que estudem e promovam, com a possível urgência, a sistematização da legislação tributária, revendo, coordenando e unificando todas as disposições vigentes e reguladoras dos diversos rendimentos, taxas, contribuições e impostos no sentido da sua simplificação.

O Deputado José Maria Braga da Cruz».

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai fazer-se a votação. Vai votar-se o artigo 8.° e o seu § único.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o aditamento que acaba de ser lido, proposto pelo Sr. Deputado Braga da Cruz.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 9.°

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 10.° Sobre este artigo há na Mesa várias propostas de alteração, que vão ser lidas à Assembleia.

Foram lidas. São as seguintes:

«Proponho o aditamento ao n.° III) da alínea c) do artigo 10.° das palavras: «e respectivas cantinas» entre as palavras: «escolas primárias» e «ampliações».

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1947. - O Deputado João Antunes Guimarães-».

«Proponho o aditamento ao n.° IV) da alínea e) do artigo 10.° das palavras seguintes:

... bem como do Palácio da Indústria e dos Desportos da cidade do Porto.

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1947. - O Deputado João Antunes Guimarães».

«No n.° VII) da alínea a) do artigo 10.° proponho a eliminação das palavras: «as sedes dos concelhos».

Lisboa, Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 10 de Dezembro de 1947. - O Deputado João Antunes Guimarães».

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86 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 119

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A proposta de alteração do n.° III) da alínea c) não me parece de aceitar, porque uma de duas: ou ela é harmónica com o Plano dos Centenários relativo à construção de escolas primárias e subsídios para cantinas, ou é desarmónica com esse Plano dos Centenários. Se ela é harmónica com o Plano dos Centenários, é desnecessária, porque o corpo desse artigo diz assim: «O Governo inscreverá em despesa extraordinária no orçamento de 1948 as verbas necessárias para, de harmonia com os planos aprovados, continuar a realizar obras, melhoramentos públicos e aquisições, nos termos da lei de reconstituição económica, n.° 1:914, do 24 de Maio de 1935, e de outros diplomas de igual força».
Se é desarmónica, é inadmissível, porque fica em contradição com o corpo do artigo 10.°
Quanto ao n.° IV) da alínea e) - o aditamento proposto relativamente ao Palácio da Indústria e dos Desportos na cidade do Porto -, não tenho qualquer oposição de princípio a que seja posto oportunamente esse problema.
Digo apenas que ele não pode ser posto aqui, desde que não há nenhum plano aprovado, sob pena de uma alínea do artigo comprometer o próprio princípio contido no corpo do artigo.
Eis, Sr. Presidente, porque entendo que as alterações a que acabo de me referir não são de aceitar. Prejudicam a própria economia da disposição que se discute.
Quanto à proposta de alteração ao n.° VII) da alínea a) não tenho que fazer nenhuma oposição.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se em primeiro lugar o artigo 10.°, § 1.°, alínea a), até ao n.° VII) exclusive.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o n.° VII) da mesma alínea a).
Sobre este n.° VII) há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarães no sentido de serem suprimidas as palavras «as sedes dos concelhos».

Submetida à votação, foi aprovada esta proposta e bem assim o n.° VII) da alínea a).

O Sr. Presidente: - Vão votar-se agora os n.ºs VIII) e IX) desta alínea a), a alínea b) e a alínea c) apenas com os seus n.ºs I) o II).

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o n.° III) da alínea c).
Há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarães para acrescentar as palavras «e respectivas cantinas».
Este aditamento foi objecto de uma intervenção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

Submetido à votação, foi rejeitado o aditamento.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o texto do n.° III) da alínea c) tal como consta da proposta do Governo.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vão votar-se os n.ºs IV), V) e VI) da alínea c) e a alínea d) com os respectivos n.ºs I) e II).

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vão agora votar-se a alínea e) e seus n.ºs I) a IV).

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães ao n.° IV) desta alínea.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o § 2.° deste artigo 10.°

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão os restantes artigos da proposta de lei, ou sejam os artigos 11.° a 14.°

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vão votar-se.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Está votada a lei de meios.
Vou encerrar a sessão.
A próxima será no dia 7 de Janeiro, à hora regimental, tendo por ordem do dia o aviso prévio do Sr. Deputado Mendes do Matos acerca do exercício contrário ao estabelecido na lei do comércio retalhista de vinhos e outras bebidas alcoólicas.
Como VV. Ex.ªs vão retirar-se e a Comissão do Redacção tem de dar redacção final à proposta que acaba de ser aprovada, proponho um voto de confiança a essa Comissão, para esse efeito.

Consultada a Assembleia, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 2 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
André Francisco Navarro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Herculano Amorim Ferreira.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luís António de Carvalho Viegas.
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.

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10 DE DEZEMBRO DE 1947 87

António Carlos Borges.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rafael da Silva Neves Duque.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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