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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
2.° SUPLEMENTO AO N.° 119
ANO DE 1947 24 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IV LEGISLATURA
Texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção
Decreto da Assembleia Nacional sobre protecção ao cinema nacional
I
Fundo do cinema nacional
Artigo 1.° A fim de proteger, coordenar e estimular a produção do cinema nacional e tendo em atenção a sua função social e educativa, assim como os seus aspectos artístico e cultural, é criado o Fundo do cinema nacional.
Art. 2.° A administração do Fundo do cinema nacional será feita pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, ouvido o Conselho do Cinema.
Art. 3.° O Conselho do. Cinema funcionará no Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo e será constituído pelo secretário da informação, presidente; por dois delegados da Junta Nacional da Educação, nomeados pelo Ministro da Educação Nacional, respectivamente, de entre os vogais das secções de belas-artes e de educação moral e cívica; pelo inspector dos espectáculos; por um delegado do grémio ou grémios que representem a indústria cinematográfica ; por um delegado do sindicato ou sindicatos nacionais que representem os técnicos de cinema, e pelo chefe da secção de cinema do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, secretário.
§ 1.° O Ministro das Colónias, quando tornar extensivo ao Império Colonial Português este diploma, poderá designar um delegado ao Conselho do Cinema.
§ 2.° Os delegados da Junta Nacional de Educação e os representantes dos organismos corporativos que fizerem parte do Conselho do Cinema, assim como o delegado do Ministro das Colónias, terão direito, por cada sessão a que assistirem, à gratificação de 100$.
Art. 4.° A exibição em Portugal de qualquer filme destinado a exploração comercial depende de licença da Inspecção dos Espectáculos, a qual pressupõe o visto da Comissão de Censura.
Art. 5.° A licença fica sujeita ao pagamento de uma taxa, cobrada por uma só vez no acto da entrega, variável com a espécie e categoria do filme, conforme a tabela seguinte:
Filmes de fundo (com mais de 1:800 metros):
Categoria A (filmes destinados a ser exibidos, em programa de estreia, como principal atracção do espectáculo) - 10.000$.
Categoria B (filmes destinados a ser exibidos, em programa de estreia, juntamente com outro filme de fundo - em programa duplo) -
Filmes de complemento (com o máximo de 1:800 metros) por parte não superior a 300 metros:
Categoria C (farsas e atracções musicais) - 500$.
Categoria D (desenhos animados) - 400$.
Categoria E (documentários e congéneres) - 200$.
Categoria F (actualidades) - 100$.
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§ único. Se um filme classificado na categoria B vier a ser exibido em programa simples, como principal atracção do espectáculo, será cobrada a diferença entre a que houver pago e a taxa correspondente à categoria A.
Art. 6.º Constituem receita do Fundo do cinema nacional:
a) O produto da taxa de licença, criada no artigo antecedente;
b) Dotações especiais do Estado;
c) Donativos e legados particulares;
d) Subvenções, subsídios e créditos concedidos por entidades oficiais;
e) Multas aplicadas por infracção do disposto no artigo 17.º;
f) Quaisquer outras receitas resultantes da administração do Fundo do cinema nacional e da actividade do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo na propaganda e difusão do cinema português.
§ único. Os empréstimos feitos pelo Comissariado do Desemprego com destino à produção cinematográfica portuguesa ficam sujeitos ao preceituado nesta lei quanto à concessão de subsídios e caucionamento de créditos pelo Fundo do cinema nacional.
II
Aplicação das disponibilidades do Fundo
Art. 7.º As disponibilidades do Fundo serão aplicadas:
1.º A concessão às entidades produtoras de filmes portugueses de subsídios destinados a cobrir parte do custo desses filmes;
2.º Ao caucionamento de empréstimos a curto prazo, contraídos pelas mesmas entidades na Caixa Nacional de Crédito;
3.º A prémios destinados a distinguir os filmes de maior mérito artístico e técnico e os artistas e técnicos que neles intervierem;
4.º A subsídios destinados a auxiliar os estudos e investigações que visem ao aperfeiçoamento técnico e artístico da cinematografia nacional;
5.º A subsídios destinados a intensificar a produção de filmes de curta metragem, facilitando assim a revelação de novos valores da cinematografia nacional;
6.º A criação e instalação de uma cinemateca nacional;
7.º Ao pagamento das gratificações aos membros do Conselho do Cinema e dos encargos da Inspecção doa Espectáculos, nos termos do disposto no decreto-lei n.º 34:590, de 11 de Maio de 1945.
§ único. Os subsídios previstos no n.º 1.º deste artigo não poderão exceder para cada filme 30 por cento do custo orçamentado, salvo para filmes considerados de interesse nacional por despacho do Presidente do Conselho, e serão no mínimo equivalentes ao juro das operações de crédito necessárias à produção.
Art. 8.º A concessão dos subsídios ou o caucionamento dos créditos previstos no artigo 7.º depende de apresentação ao secretário nacional da informação, cultura popular e turismo e, por este, ao Conselho do Cinema, de um projecto, compreendendo:
a) A exposição desenvolvida do argumento;
b) A relação dos técnicos e dos artistas principais;
c) O orçamento pormenorizado;
d) O plano de trabalho, com a indicação dos períodos previstos para a preparação, filmagem e trabalhos acessórios, documentado por cartas de conformidade do estúdio e do laboratório em que tiver de ser produzido, quando estes não pertencerem à empresa produtora.
Art. 9.º O Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo fiscalizará superiormente as produções subsidiadas ou caucionadas pelo Fundo do cinema nacional, a fim de que o projecto aprovado, sobre parecer do Conselho do Cinema, seja cumprido.
Art. 10.º Os produtores subsidiados pelo Fundo do cinema nacional são obrigados a fazer o seguro do filme, até à sua estreia e a favor do mesmo Fundo, por uma importância não inferior ao valor do subsídio.
III
Definição de filme português
Art. 11.º Só é considerado filme português, para efeito da protecção estabelecida nesta lei, aquele que obedecer cumulativamente às seguintes condições:
a) Ser falado em língua portuguesa;
b) Ser produzido em estúdios e laboratórios pertencentes ao Estado ou a empresas portuguesas instaladas em território português;
c) Ser representativo do espírito português, quer traduza a psicologia, os costumes, as tradições, a história, a alma colectiva do povo, quer se inspire nos grandes temas da vida e da cultura universais.
Art. 12.º A concessão de licenças para a colaboração de técnicos estrangeiros nos filmes portugueses fica dependente de parecer favorável do Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, só sendo de admitir elementos de comprovada competência.
IV
Dobragem e legendas de filmes estrangeiros
Art. 13.º Para garantir a genuinidade do espectáculo cinematográfico nacional, não é permitida a exibição de filmes de fundo, estrangeiros, dobrados em língua portuguesa, salvo os produzidos em regime de reciprocidade, superiormente reconhecida.
Art. 14.º Fica proibida a importação de filmes de fundo, estrangeiros, falados em língua portuguesa, completos ou incompletos, com excepção dos realizados no Brasil e dos reconhecidos superiormente como produzidos em regime de reciprocidade.
Art. 15.º Os filmes de complemento das categorias E e F serão falados em língua portuguesa.
§ único. Exceptuam-se do disposto neste artigo os complementos importados até 31 de Dezembro de 1946.
Art. 16.º A sobreimpressão de legendas portuguesas que não for feita em laboratórios nacionais, estabelecidos em território português, por cada parte não superior a 300 metros pagará uma licença suplementar de 1.000$, a favor do Fundo do cinema nacional.
V
Contingente de filmes portugueses
Art. 17.º Todos os cinemas são obrigados a exibir filmes portugueses de grande metragem, na proporção mínima de uma semana de cinema nacional por cada cinco semanas de cinema estrangeiro, independentemente do número de espectáculos semanais.
§ 1.º Os cinemas de estreia de Lisboa e Porto são obrigados ao contingente previsto neste artigo na medida em que o número de filmes nacionais o permitir.
§ 2.º Os restantes cinemas podem preencher o contingente com filmes portugueses produzidos antes da publicação da presente lei, os quais serão exibidos nas condições de colocação e exploração na mesma estabelecidas.
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§ 3.º A contagem das semanas para efeito de aplicação do contingente é feita em relação a cada ano, a partir de l de Janeiro de 1947, podendo essas semanas ser seguidas ou interpoladas, conforme as conveniências da exploração.
§ 4.º O contingente pode ser aumentado para cada ano, mediante proposta do secretário nacional da informação, fundamentada em voto do Conselho do Cinema, quando o desenvolvimento da produção nacional o justificar.
§ 5.º O não cumprimento do disposto neste artigo importa a aplicação de multas e o encerramento do respectivo cinema, como for estabelecido no regulamento desta lei.
VI
Colocação e exploração de filmes nacionais
Art. 18.º Os contratos referentes a filmes portugueses têm preferência sobre quaisquer contratos que as empresas exploradoras dos cinemas hajam celebrado para a exibição de filmes estrangeiros, tanto para efeito de data da estreia como de duração da sua permanência no cartaz.
Art. 19.º O produtor de um filme português deverá indicar a data da sua estreia à empresa com quem contratar, pelo menos com seis semanas de antecedência.
Art. 20.º Nenhum cinema fixo ou ambulante, qualquer que seja o formato dos filmes que projecte, pode ser propriedade ou ser explorado por empresa estrangeira ou por empresa nacional que não se encontre nos termos da base II da lei n.º 1:994, de 13 de Abril de 1943.
Art. 21.º O secretário nacional da informação fixará, com os organismos corporativos interessados, as condições mínimas de exibição dos filmes portugueses, bem como o mínimo de receita necessário para a sua permanência em exibição, resolvendo, em caso de divergência, o Presidente do Conselho de Ministros, ouvido o Conselho do Cinema.
VII
Serviços cinematográficos oficiais
Art. 22.º Os filmes produzidos pelos serviços cinematográficos dependentes de organismos oficiais só têm de ser submetidos ao Conselho do Cinema quando os mesmos serviços hajam recorrido, para a produção desses filmes, ao Fundo do cinema nacional; e só pagam taxa de licença de exibição quando se destinem a exploração comercial.
Art. 23.º Fica o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo autorizado a criar os serviços de noticiário e documentação cinematográfica, com os seguintes fins:
a) Utilizar o cinema como meio informativo e cultural de exposição e divulgação, por meio de filmes de actualidades, documentários e congéneres, patrocinados ou realizados directamente pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo;
b) Reunir e arquivar na cinemateca nacional prevista no n.º 6.º do artigo 7.º os filmes que interesse conservar como documentos históricos ou obras de arte.
Art. 24.º O Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo pode fazer projectar em qualquer cinema os filmes cuja divulgação julgar conveniente, estabelecendo as condições com o organismo corporativo competente.
VIII
Disposições gerais
Art. 25.º O Governo celebrará com outros países produtores de filmes acordos destinados a fomentar o intercâmbio técnico, artístico e comercial do cinema.
Art. 26.º Enquanto se não legislar especialmente para o formato de 16 milímetros, fica a exploração do mesmo formato, quer na produção, quer na distribuição e exibição de filmes, sujeita a autorização do Governo.
Art. 27.º As restrições da presente lei não se aplicam aos filmes que estejam a ser produzidos na data da sua publicação.
Art. 28.º O regulamento desta lei será publicado no prazo máximo de noventa dias, a contar da sua promulgação.
Sala das Sessões da Comissão de Legislação e Redacção, 23 de Dezembro de 1947.
Mário de Figueiredo.
António de Sousa Madeira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
José Alçada Guimarães.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Soares da Fonseca.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA