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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
3.º SUPLEMENTO AO N.º 119
ANO DE 1947 26 DE DEZEMBRO
CÂMARA CORPORATIVA
IV LEGISLATURA
PARECER N.º 25
Projecto de lei n.º 117
Alterações ao artigo 29.º do decreto-lei n.º 28:652
(Julgamento de reclamações em matéria de hidráulica agrícola)
A Câmara Corporativa, consultada acerca do projecto de lei n.º 177, sobre alterações ao artigo 29.º do decreto n.º 28:652, de 16 de Maio de 1938 (julgamento de reclamações em matéria da hidráulica agrícola), emite, pelas secções de Justiça e de Obras públicas e comunicações, a que foi agregado o Procurador António Trigo de Morais, o seguinte parecer:
I
Finalidade da proposta e seus fundamentos
1. Tem por fim o projecto de lei n.º 177, enviado à Câmara Corporativa para desta receber parecer, criar «todas as garantias de uma justiça tão perfeita quanto possível» no julgamento das reclamações dos beneficiários da obra hidroagrícola.
Nada mais desejado.
A obra da hidráulica agrícola, que o Estado chamou a si nos termos da lei n.º 1:949, se da engenharia depende para a solução própria dos problemas técnicos de levar e fornecer às plantas a água de que elas carecem, na quantidade e na época adequadas, de modo a produzirem melhor em quantidade e qualidade e corrigirem-se assim as condições de desfavor de um meio de quedas pluviais irregulares e meteorologia desconcertante - é fundamentalmente uma obra social. E como tal carece de continuado aperfeiçoamento. Para bem pouco serviria mesmo diligenciar alcançar o objectivo supremo do engenheiro hidráulico, que é fazer dos rios amigos do homem, a quem docilmente eles sirvam, se falharem os princípios de uma sã economia, porque, não só esta ruirá na sua função de base de apoio, como o objectivo social jamais será atingido.
2. Para a consecução do fim indicado do projecto. de lei m.º 177, propõe-se nele a substituição do estabelecido no artigo 29.º do decreto n.º 28:652, que diz:
As reclamações serão julgadas em sessão da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola por maioria absoluta de votos, devendo as deliberações constar das respectivas actas.
pela redacção seguinte:
As reclamações serão julgadas por um conselho, assim constituído:
Como membros da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola:
O ajudante do Procurador Geral da República, que servirá de presidente;
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Professor de Hidráulica Geral e Agrícola do Instituto Superior de Agronomia;
Representante da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas;
e três representantes da lavoura, sendo:
Um eleito pelos grémios da lavoura dos distritos de Beja, Castelo Branco, Évora, Faro, Lisboa, Portalegre, Santarém e Setúbal;
Outro pelos grémios da lavoura dos restantes distritos;
O terceiro indicado pela Associação Central de Agricultura Portuguesa.
§ 1.º Ao fazer a reclamação o interessado fará o preparo necessário para pagar as despesas de deslocação dos três membros representantes da lavoura.
E acrescenta o projecto em consulta que, em relação aos actuais parágrafos do artigo 29.º do mencionado decreto n.º 28:652, a respectiva numeração deverá ser alterada
3. Quanto às razões justificativas do projecto de lei, parece que elas podem ser assim alinhadas:
a) As reclamações apresentadas pelos interessados nas obras de hidráulica agrícola contra erros estão a ser decididas pela própria Junta, que os sancionou.
Tais erros vêm indicados: «acerca de limites de áreas, de figura, de nivelamento da planta parcelar, troca ou erro de nome, erro acerca do rendimento, do preço e valor das rendas, de classificação no registo cadastral ou outro semelhante, e ainda sobre a fixação da taxa de conservação»;
b) «Não satisfaz aos interessados que
c) «É natural e humano que se persista e defenda a todo o transe o primeiro voto emitido»;
d) «Das obras de hidráulica agrícola provêm sempre pesados encargos para os proprietários das propriedades beneficiadas».
II
Matéria de informação
4. Sendo o problema como o projecto de lei o põe, só há que considerar como benvinda a iniciativa da solução. O fazer desaparecer a actual actuação imperfeita e suas causas na apreciação das reclamações dos beneficiários e contribuir, assim, para que uma obra, em que o Estado já despendeu para cima de 435 mil contos, não tenha a empecilhá-la no seu caminho e a prejudicá-la nos seus resultados motivos como os apresentados com tanta clareza no relatório do projecto de lei, só merece louvores.
Pareceu, no entanto, à Câmara Corporativa conveniente procurar, na medida do possível, para o tempo de que dispunha, informação sobre a posição actual da obra da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola e do modo como se tem efectivado o disposto no artigo 29.º do decreto n.º 28:652, que se pretende substituir.
Ao organismo referido e ao seu último relatório publicado se pediu o que pudesse interessar. Do que se apurou dá-se resumo neste capítulo.
5. Disse-se já que na obra de hidráulica agrícola e dos aproveitamentos hidroeléctricos simultâneos da rega foram despendidos mais de 435 mil contos. Deste total, 410 mil contos dizem respeito à execução do plano de 1937, aprovado por esta Câmara Corporativa em 28 de Abril de 1938, e 25 mil contos pertencem a estudos e obras feitas fora do plano.
O plano de 1937 compreende vinte beneficiações, que abrangem a área revista de cerca de 125 mil hectares e dezassete centrais hidroeléctricas para a produção de quase 500 milhões de kWh.
Desta área têm estudo e projecto concluído 95:040 hectares, com catorze centrais de potência igual a 186 mil C. V. Dos 95:040 hectares foram autorizadas as obras de beneficiação de 24:834 hectares e as de sete centrais, de potência igual a 8:513 C. V.
A posição, de conjunto, no momento presente, das obras autorizadas é:
a) Concluídas: cinco obras, com 2:317 hectares, onde se despenderam 27:848 contos, ou seja 'a média de 12 contos por hectare;
b) Em conclusão: cinco obras de área beneficiável igual a 18:683 hectares, mais três centrais de potência igual a 7:150 C. V. e produção de 14 milhões de kWh. Despenderam-se já 311:628 contos;
c) Em curso: duas obras, que abrangem 3:835 hectares, mais quatro pequenas centrais, de potência igual a 1:363 C. V. e produção de 2,5 milhões de kWh, atingindo a despesa já efectuada 31:335 contos.
Toda a despesa feita foi, como se sabe, custeada pelo Estado, que chamou a si, nos termos da lei n.º 1:949, os estudos e a execução das obras de fomento hidroagrícola de acentuado interesse económico e social. As obras do plano foram assim consideradas pela Câmara Corporativa.
Em compensação o Estado exige: que a água de rega seja utilizada e exploradas as centrais hidroeléctricas, destes aproveitamentos de uns múltiplos pelo concessionário da distribuição eléctrica mais próximo; que o reembolsem do despendido por meio de uma taxa anual chamada «de rega e beneficiação», cobrada no período longo de cinquenta anos (se se, não preferir a remição antes), de valor variável e condicionada a ser comportada pelo aumento de rendimento da propriedade, comum máximo, porém, bem definido, o qual corresponde, à anuidade de amortização para aquele período, calculada, por hectare, ao juro da taxa de:
4 por cento ao ano para as terras de l.ª classe;
3 por cento ao ano para as terras de 2.ª classe;
2 por cento ao ano para as terras de 3.ª classe.
6. Concluídas as obras pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola (Ministério das Obras. Públicas), fixou ainda o Estado que delas tomariam conta os organismos designados pelo nome de Associações de Regantes e Beneficiários, constituídos pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas (Ministério da Economia). Esta Direcção Geral ficou também com o encargo de dar às associações orientação e assistência técnica, de modo a colher-se das terras beneficiadas o maior rendimento com o menor custo de produção (artigo 52.º do decreto n.º 28:652).
7. A área das obras concluídas e entregues às associações respectivas, pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, em perfeito estado de funcionamento, como consta dos respectivos autos, distribui-se por cinco beneficiações: Paul de Magos, com 535 hectares; Paul da Cela, com 455 hectares; Campos de Loures, com 737 hectares; Campos de Burgães, com 168 hectares, e Campos de Alvega, com 422 hectares, doa quais foram excluídos 67 hectares, pertença do Estado.
8. As associações de regantes e beneficiários - que recebem as obras e são organismos fundamentais e indispensáveis para delas tirar os resultados que se esperam do regadio por meio de uma exploração intensiva, orientada e assistida pela Direcção Geral dos
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Serviços Agrícolas - deviam ter sido constituídas logo depois da aprovação dos projectos definitivos (artigos 10.º e 11.º do decreto n.º 28:652), mas só o foram nas datas que seguem:
Paul de Magos, em Outubro de 1944, tendo a exploração de produção registada começado em 1939;
Paul da Cela, em Novembro de 1943, com registos de produção começados em 1940;
Campos de Loures, em Maio de 1947, com a exploração começada em 1940;
Campos de Burgães, em Dezembro de 1944, e exploração começada em 1942;
Campos de Alvega, em Janeiro de 1942, de exploração começada em 1940.
Por isso, e embora os resultados obtidos do período inicial do regadio (a seguir dados no n.º 9) tivessem sido inteiramente satisfatórios para comportarem os encargos de exploração e conservação (taxa de exploração e conservação, artigo 43.º do decreto n.º 28:652, a custear pelas associações, mediante cobrança que estas fizessem para tal fim dos beneficiários), tais encargos foram acrescidos, em parcelas substanciais, às despesas de 1.º estabelecimento, do que resultou um aumento da taxa de rega e beneficiação (reembolso ao Estado) correspondente aos acréscimos de:
2:941 contos, ou 31 por cento, para Magos;
1:164 contos, ou 24,9 por cento, para Cela;
1:971 contos, ou 29,7 por cento, para Loures;
336 contos, ou 8 por cento, para Burgães;
649 contos, ou 24,7 por cento, para Alvega.
No quadro que segue dá-se a posição actual das taxas de rega e beneficiação:
[Ver Tabela na Imagem]
9. Quanto aos resultados obtidos, colheram-se as seguintes informações:
a) Magos, que antes da beneficiação tinha uma produção avaliada em 1:361 contos nos 535 néctares, passou à produção de valor igual a 3:060 contos na média dos seis anos que antecederam o de 1945, marcado para início do pagamento do reembolso ao Estado. O aumento de 1:699 contos, ou seja 124,8 por cento, obteve-se mediante um encargo com a água de rega, abundante e pronta na época própria, de 509 contos;
b) Cela, que antes da obra tinha uma produção de valor avaliado em 167 contos, o que se ajustava ao facto de 312 hectares, do paul estarem no estado de incultos, mercê do alagamento pantanoso existente, viu as suas produções subir, até à entrega da obra à respectiva Associação em 1943, para:
Contos
1940 ............. 552
1941 ............. 888
1942 ............. l:455
1943 ............. 2:403
O encargo anual do reembolso ao Estado, que só devia ter começado a efectivar-se aio corrente ano, tem o valor de 272 contos;
c) Loures teve a produção avaliada antes da obra em 145 contos. Esta avaliação ajusta-se ao testemunho da comissão de beneficiários que, em 17 de Julho de 1935, veio a Lisboa agradecer ao Governo as obras que «tornariam aproveitáveis para a cultura 700 hectares até agora improdutivos».
De 1940 até à data marcada para começo do reembolso ao Estado - 1945 - os valores das produções registadas foram:
Contos
1940 ................. 1:215
1941 ................. 1:981
1942 ................. 3:420
1943 ................. 2:937
1944 ................. 4:820
O encargo anual do reembolso ao Estado, que devia, ter começado a efectivar-se em 1945, tem em Loures o valor de 335 contos.
Nesta beneficiação os estudos feitos permitiram que se corrigissem as contribuições exageradas de antes da obra, fazendo-as descer, em média, de 363$59 para 141$47, ou seja uma diminuição de mais de duas vezos e meia.
A economia para os beneficiários no ajustamento das contribuições é de 164 contos, ou seja 49 por cento do encargo da taxa de rega e beneficiação, o que significa que, praticamente, as taxas de beneficiação tom um valor de metade do que corresponde à despesa feita;
d) Burgães. - Está marcado para 1948 o início do pagamento do reembolso ao Estado. Em 1944 a Associação de Regantes e Beneficiários tomou conta da obra e as produções de 1942 a 1944, nas áreas cultivadas, tiveram os valores:
[Ver Tabela na Imagem]
Antes da obra o valor da produção, em 73,4 hectares, foi avaliado em 177 contos.
O encargo de reembolso ao Estado, que, como se disse, só começa a efectivar-se em 1948, é de 176 contos para o total dos 168 hectares da área beneficiada;
e) Alvega entrou em exploração em 1940; e logo em 1942 a obra foi entregue à respectiva Associação de Regantes e Beneficiários. Nos dois primeiros anos da exploração os valores das produções dos 355 hectares de particulares foram:
Contos
1940 ...... 1:224
1941 ...... 1:244
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O reembolso ao Estado, de início de cobrança em 1945, é de 131 contos e o valor da produção antes da obra foi computado em 698 contos.
10. Indicou-se que às cinco obras concluídas e entregues às respectivas Associações de Regantes e Beneficiários foi concedido um período de transição, decorrente da conclusão das obras e a passagem destas ao regadio (artigo 33.º do decreto n.º 28:652), no término do qual período as taxas começariam a ser cobradas.
Ora, consoante dispõe o indicado artigo 33.º, se na passagem ao regadio se verifica que não resulta imediatamente um aumento de rendimento líquido suficiente para pagamento da taxa de rega e beneficiação (aprovada esta com a aprovação do cadastro e julgamento das reclamações), pode tal taxa ser reduzida por reclamação dos interessados ou diferido o seu pagamento, mas tanto num caso como noutro por período não superior a três anos.
Apareceram reclamações ao abrigo do artigo 33.º?
Sim: 5 do Paul de Magos e 260 de Alvega.
Quantas foram julgadas procedentes?
4 do Paul de Magos, ficando o pagamento da taxa de rega e beneficiação adiado por três anos; 16 de Alvega, ficando o pagamento adiado por três anos.
(A pedido da Junta, e para justa apreciação das reclamações de Alvega, a Associação de Regantes do mesmo nome forneceu os registos das produções, obtidos consoante o disposto no n.º 9.º do artigo 6.º do decreto n.º 28:653, e neles se fundamentou o julgamento feito nos termos do artigo 29.º do decreto n.º 28:652, depois de apreciados por um perito, engenheiro agrónomo).
Isto quanto a reclamações apresentadas ao abrigo do artigo 33.º, como se disse.
11. Anteriormente - e depois de organizado o cadastro pelos serviços técnicos da Junta e de posto o mesmo à reclamação, nos termos do artigo 25.º do decreto n.º 28:652 - foram também apresentadas reclamações sobre as matérias indicadas no artigo 27.º do mesmo decreto.
Efectuados os estudos, os exames e as vistorias que foram julgadas necessárias pelos peritos (escolhidos estes de modo a não terem responsabilidade no facto impugnado, isto é, serem estranhos à organização do cadastro), as reclamações foram julgadas em sessão da Junta, por maioria absoluta de votos.
Os resultados foram:
Magos: 10 reclamações e nenhuma deferida;
Cela: 480 reclamações e 12 deferidas;
Loures: 90 reclamações e 12 deferidas;
Burgães: 682 reclamações e 56 deferidas;
Alvega: 172 reclamações, e 3 deferidas.
12. A Junta teve até 31 de Dezembro de 1946 a composição que segue:
Presidente;
Vice-presidente;
rofessor de Hidráulica Agrícola do Instituto Superior Técnico;
Professor de Hidráulica Geral e Agrícola do Instituto Superior de Agronomia;
Dois representantes da agricultura, nomeados pelo Governo;
Representante da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos;
Representante da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas;
Representante da Direcção Geral dos Serviços Florestais;
Representante da Direcção Geral de Saúde;
Representante da Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos;
Ajudante do Procurador Geral da República.
A partir do corrente ano passaram a fazer também parte dela mais:
Representante da Direcção Geral dos Serviços Eléctricos;
Representante da Junta de Colonização Interna;
e os dois vogais representantes da lavoura passaram a ser indicados pelas organizações corporativas da agricultura.
Foi um organismo com a composição que se indica que julgou as reclamações dos beneficiários e que aprovou os cadastros das obras organizados pelos serviços da direcção técnica da Junta.
13. Deve notar-se que das publicações feitas pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola ressalta nitidamente haver neste organismo uma persistência no seguimento e na aplicação de princípios julgados fundamentais, que, muito naturalmente, não são de molde a criar, para os julgamentos feitos, ambiente de apreciação diferente daquele que tão claramente consta do relatório do projecto de lei. Um desses princípios, a que a Junta parece estar firmemente arraigada, é assim posto: sendo as obras de rega sempre dispendiosas e de resultados lentos (dispendiosas quando feitas pelo Estado sob a lei n.º 1:949 e não menos dispendiosas quando feitas pelos particulares, a avaliar pelos números, que têm. vindo a público, os quais indicam que se está a fazer regadio na obra particular com o dispêndio de 50.000$ por hectare), torna-se necessário considerar como indispensável a efectivação do justo reembolso ao Estado, deduzido após um período de transição suficiente entre a conclusão das obras e o início do pagamento na passagem das terras ao regadio. Pensa a Junta que sem tal reembolso nem se faria uma aplicação justa dos dinheiros do Estado, que são de todos, com o risco de irem beneficiar, em boa percentagem do seu total, só poucos, nem se criariam as possibilidades económicas e financeiras para prosseguimento de uma obra que é nitidamente dispendiosa (mas só cara quando há água disponível e se não utiliza), porque cedo estancaria a fonte da receita.
Tem ainda a Junta (dizem publicações suas) como divisa cristã e de robustecimento do alicerce conservador da Nação - pela criação de mais lares e de mais pão - as palavras que lhe ensinou o Homem que criou as possibilidades financeiras para a efectivação do regadio em grande (e em curso de norte a sul do País), as quais já ilustram alguns trabalhos da Junta. São elas: «É doloroso que alguns se vejam constrangidos a perder o supérfluo, mas mais doloroso é que muitos não tenham o necessário. Somos uma comunidade de homens e interesses, temos todos de viver».
Tudo isto, porém, é matéria que não está agora em causa, mas que a Câmara Corporativa apresenta, no entanto, por ter acompanhado a informação do serviço informador e por se admitir que possa esclarecer a leitura do relatório do projecto de lei em estudo.
14. Merecedora de especial atenção considera a Câmara Corporativa a criação do período de transição entre a conclusão das obras e a declaração da passagem das terras ao regadio, altura em que começa a cobrança das taxas de rega e beneficiação. Este período não figura no decreto n.º 28:652. Por isso, julga que seria de muita conveniência o aditamento de mais um parágrafo ao artigo 33.º desse decreto (ou a adopção da mesma doutrina em preceito independente), em que se dissesse substancialmente o seguinte:
A declaração da passagem das terras ao regadio, e o início da cobrança das taxas de rega e beneficiação e de novas contribuições determinadas pelas obras, não poderão verificar-se, em nenhum caso, antes de ter de-
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corrido o período mínimo de cinco anos sobre a conclusão das obras. Este período de transição constará do cadastro da obra posto à reclamação.
III
Apreciação
15. Parece à Câmara Corporativa que se deve fazer a substituição do conselho que, nos termos do artigo 29.º do decreto n.º 28:652, julga presentemente as reclamações dos beneficiários da hidráulica agrícola apresentadas nos termos dos artigos 27.º e 33.º e do § 1.º do artigo 56.º .
De facto, é tão vasta a obra confiada à Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, do Ministério das Obras Públicas, para cumprimento das leis n.ºs 1:914 e 1:949, significa tamanha responsabilidade tal confiança, que só deve haver vantagens em não distriar a atenção do organismo, dispersando o seu esforço e reduzindo as possibilidades do seu trabalho. Acresce que, por mais perfeita e acertada que pudesse ser a sua actuação em cumprimento do referido artigo 29.º do decreto, seria quase certo que jamais deixaria dê existir a dúvida, bem natural, sobre se a Junta, que planeou, que estudou, que construiu, não veria com complacência e optimismo prejudiciais os resultados económicos e as possibilidades de reembolso, ajustando-as à dedicação e ao entusiasmo por ela posto na parte técnica, quando a realidade era bem outra ...
Se mais nenhuma razão houvesse, esta, que elimina um estado de suspeita, chegaria.
Mas a Câmara Corporativa, se julga conveniente a substituição proposta, entende também ser de seu dever pedir atenção para as seguintes objecções à composição do conselho sugerida no projecto de lei:
1.ª Três membros deste conselho seriam recrutados na Junta: o ajudante do Procurador da República, o professor de Hidráulica Geral e Agrícola do Instituto Superior de Agronomia e o representante da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas. Dois, os representantes da lavoura, viriam do mesmo meio que indica os dois representantes da lavoura na Junta - os grémios da lavoura.
Ora não é de crer que os três primeiros, pelo facto de mudarem de coordenadas de lugar, passassem a ter no conselho proposto opinião e actuação diferentes das que teriam na Junta; nem é também provável que os dois últimos recebessem directivas dos seus grémios diferentes das que houvessem sido dadas aos seus colegas da Junta. Logo, em seis membros do conselho proposto haveria cinco cuja actuação provável seria igual à que teriam na Junta. Difìcilmente resultaria assim da criação do novo conselho mais perfeição nas decisões. E naturalmente subsistiriam depois dele criado as alegações invocadas no relatório da proposta para a substituição do artigo 29.º
2.ª Para haver um julgamento que ofereça «todas as garantias de uma justiça tão perfeita quanto possível», ele terá de se basear não em queixumes, mas em números e numa reflectida interpretação destes à luz de sãos critérios jurídicos. A entrega da presidência do conselho a um magistrado judicial, designado pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, parece à Câmara Corporativa a solução mais conveniente. Por outro lado, a entidade que tem o encargo de registar os valores das produções e seguir a obra é a Associação de Regantes e Beneficiários (n.º 9.º do artigo 6.º do decreto n.º 26:853). Parece assim que do conselho devam fazer parte os engenheiros agrónomos presidentes das direcções das associações, para, consoante as obras a que digam respeito as reclamações, serem ouvidos, prestarem a sua coadjuvação no estudo e interpretação dos resultados económicos e votarem.
3.ª Fazendo o Estado as obras de rega para que o regadio se efective e o enxugo e a defesa das terras se mantenham em eficiente utilização, e prevendo a lei (§ único do artigo 48.º e artigo 62.º do decreto n.º 28:652) que, quando a rega se não faça, haverá expropriação e entrega da área expropriada à Junta de Colonização Interna, para esta nela instalar casais de família; prevendo a lei ainda expropriações de zonas regadas para a sua redução ao domínio privado do Estado (quando motivos de ordem económica e social o aconselhem) e nelas a Junta de Colonização Interna igualmente instalar casais de família (artigos 61.º e 62.º do decreto n.º 28:652), tudo indica que do conselho julgador das reclamações faça parte um vogal designado pela Junta de Colonização Interna.
4.ª Por último, sendo função da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola estudar, projectar e construir as obras hidroagrícolas e hidroeléctricas simultâneas da rega e ainda a de prestar assistência técnica às associações para estas efectuarem uma conveniente conservação das obras que dela recebam, a representação da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, no conselho que substitua o do artigo 29.º do decreto n.º 28:652, deve ser de mera informação técnica e sem voto. Outra parece não se justificar.
16. A disposição do § l.º do artigo 29.º proposto no projecto de lei afigura-se à Câmara Corporativa desnecessária.
De facto, tratando-se somente de substituir a Junta pelo conselho no julgamento das reclamações, a preparação e o seguimento dos processos respectivos mantêm-se como presentemente se faz: as despesas a realizar com deslocações e vistorias, sejam de membros do conselho, sejam de peritos, serão, nos termos actuais, custeadas pela Junta ou, no caso de indeferimento, pelo reclamante, como está previsto no § 1.º do artigo 29.º do decreto n.º 28:652. Nenhuma nova criação de despesa há que considerar.
IV
Conclusão
Pelas considerações feitas, o parecer da Câmara Corporativa é concordante com a orientação fundamental do projecto de lei; mas não se lhe afigura que deva ser uma lei da Assembleia Nacional a dar nova redacção a um artigo de um decreto regulamentar, como é o n.º 28:652, passando, assim, o texto de um decreto simples a ter composição híbrida.
Porém, como o que se pretende é substituir um órgão por outro, para julgar as reclamações dos beneficiários da obra da hidráulica agrícola e dos aproveitamentos hidroeléctricos simultâneos da rega, de fins múltiplos, crê a Câmara Corporativa que o modo mais indicado consistiria em estabelecê-lo directamente num artigo da nova lei (que seria artigo 1.º ou artigo único, consoante se resolvesse ou não tomar a iniciativa de formular como artigo 2.º o texto atrás sugerido no n.º 14).
Sugere-se a seguinte redacção:
Artigo ... As reclamações que, segundo os artigos 27.º e 33.º e o § 1.º do artigo 56.º do decreto n.º 28:662, de 16 de Maio de 2938, são da competência da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, passam a ser julgadas por um conselho assim, constituído:
Presidente - um magistrado judicial, designado pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
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Vogais:
1) Um ajudante do Procurador Geral da República;
2) Vogal designado pela Associação Central de Agricultura;
3) Vogal eleito pelos grémios da lavoura;
4) Vogal designado pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas;
5) Vogal designado pela Junta de Colonização Interna;
6) Presidente da Associação de Regantes e Beneficiários das obras cujas reclamações estejam em julgamento.
§ único. As reuniões do conselho assistirá, sem voto, um representante da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, para prestar as informações de ordem técnica que forem julgadas convenientes.
Palácio de S. Bento, 18 de Dezembro de 1947.
Paulo Arsénio Viríssimo Cunha, assessor com voto.
Francisco Mascarenhas Gentil.
António Vicente Ferreira.
António Passos de Oliveira Valença.
Duarte Abecasis.
José de Mascarenhas Pedroso Belard da Fonseca.
António Trigo de Morais, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA