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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98

ANO DE 1951 14 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º98 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 13 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 14 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 96 e 97 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu insistiu pelas informações que pedira, por intermédio do Ministério da Economia, sobre a propagação da cochonilha nos vinhedos e mandou para a Mesa um requerimento sobre o Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta tratou da situação das populações serranas do Minho perante a actuação dos serviços florestais.
O Sr. Deputado Carlos Moreira ocupou-se da gravidade dos reflexos da visita do príncipe Ali Khan a Moçambique.
O Sr. Deputado Pinto Barriga requereu informações sobre os Vencimentos, gratificações e despesas dos directores da Companhia dos Diamantes de Angola; tratou dos ensinos primário e secundário; insistiu para que lhe sejam fornecidos os elementos que pedira sobre o papel de jornais e de livros, e ocupou-se da inscrição dos especialistas nos quadros da Ordem dos Médicos.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na especialidade das propostas de lei de alteração à Constituição Política e ao Acto Colonial.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

CAMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 17/V, acerca do projecto de lei n.º 130 (aditamento de um artigo novo ao titulo IX da Constituição Política).

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 8 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António Pereira de Sousa da Câmara.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.

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Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santas Bessa.
Luis Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manual doe Sousa Meneses.
Manuel ao Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco de Campos.
Vasco Lopes Alves.

0 Sr; Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 14 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 96 e 97 do Diário das Sessões.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.º 96, correspondente à sessão de 11 de Abril, p. 815, col. 1.ª, 1. 33, o em resposta a um aparte do Sr. Deputado Carlos, Moreira, eu terei dito o seguinte: "Tem. V. Ex.ª razão. Em princípio é sempre condenável e a situação é a das boas relações ou concordata entre o Estado e a Igreja".
Tal como está, a minha resposta não tem sentido; o que eu disse foi o seguinte: "Tem V. Ex.ª razão. Em princípio é sempre condenável o a situação ideal é a das
boas relações ou concordata entre o Estado e a Igreja".
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que à palavra "situação" se acrescente a palavra "ideal", sem a qual a minha resposta se não compreende.

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer outra reclamação sobro esses números do Diário, considero-os aprovados, com a alteração apresentada.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da Casa do Povo de Santa Marinha do Zêzere, do delegado escolar do concelho de Baião, da comissão municipal de assistência de Balão, cios delegados das Ordeno dos Médicos e aos Advogados de Baião, da comissão concelhia da União Nacional de Balão, da comissão venatória do concelho de Baião, do Grémio da Lavoura de Baião e da Santa Casa da Misericórdia de Balão discordando das considerações do Sr. Deputado Carlos Moreira quanto à anexação de cinco freguesias ao concelho de Mesão Frio.
De Guerreiro Castro apoiando o pedido do Sr. Deputado Mascarenhas Gaivão relativo à suspensão das novas pautas aduaneiras.

Ofícios

Do Grémio da Lavoura de Viana do Castelo comunicando que dá a sua inteira concordância à exposição apresentada à Assembleia Nacional pelos grémios da lavoura da província do Douro Litoral.
Da Câmara Municipal de Baião enviando cópia de uma exposição dirigida a S. Ex.ª o Ministro do Interior acerca da pretensão do concelho de Mesão Frio de anexar cinco freguesias.

Exposições

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. A comissão directiva do Grémio Nacional dos Industriais ao Fabricação ao Papel, ao tomar conhecimento do requerimento apresentado no decorrer da sessão de 3 do corrente mês pelo Sr. Deputado Pinto Barriga "sobre o momentoso problema do papel destinado à imprensa periódica o à indústria editorial", resolveu solicitar de V. Ex.ª mui respeitosamente, a honra e a permissão de fornecer alguns elementos de elucidação sobre tal problema, na parte em que se refere à indústria nacional de fabricação de papel.
Fá-lo-á com a possível concisão e clareza, cônscia das responsabilidades que lhe advêm ao, representação que lhe confere o Grémio que dirige.
Mas, para se poder apreciar a verdadeira situação do fabrico de papel em Portugal, ter-se-á, Sr. Presidente, que expor alguma coisa sobro o que se passa no Mundo, porquanto a indústria nacional labora, na sua quase totalidade; com pastas de origem estrangeira.
Desde o segundo trimestre do ano pretérito que o mercado internacional fornecedor de pastas começou a mostrar tendência de subida de cotação.
Com o deflagrar do conflito da Coreia a alta acentuou-se de forma impressionante, e desde então o mercado

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internacional mostra-se restrito quanto às quantidades oferecidas para venda e com preços sucessivamente mais elevados. Exemplificando tal aspecto desta afirmação segue-se:

Mapa de cotações de pastas, em coroas suecas, por tonelada

[Ver Tabela na Imagem]

Tal agravamento de prego influenciou, como não podia deixar de ser, o custo de produção dos papéis, e desde os fins de 1950 os pregos de venda destes começaram a sofrer aumentos autorizados em diferentes países, ao mesmo tempo que se procurava economizar papel, especialmente nos jornais.
A Suíça tomou as suas primeiras providências em Novembro ao 1950, a França em Janeiro do corrente ano e a Inglaterra em Fevereiro último reduziu, o fornecimento do papel aos jornais;
Em Portugal, oficialmente, nada se fez até este momento.
0 Grémio só particularmente tem conhecimento de um organismo oficial, que resolveu reduzir o seu expediente, para economizar papel, o ao um jornal que deliberou tomar providências sobre as "sobras", a fim de diminuir ao indispensável a sua tiragem.
Apesar disso, tem o Grémio Nacional dos Industriais, de Fabricação de Papel acompanhado com toda a atenção o desenrolar desta situação, procurando orientar-se acerca das tendências que norteiam os mercados mundiais, para assim poder estudar e propor as medidas necessárias à defesa da produção nacional.
No consumo do papel em Portugal há dois aspectos fundamentais a considera:

1.º 0 do papel para impressão ao jornais, que é importado directamente pelas respectivas empresas à sombra da isenção de direitos ao que gozam há muitos anos. Quase só os jornais de pequena tiragem, da província, consomem papel ao jornal produzido no País.
2.º 0 dos outros papéis, de impressão, de escrita, de embalagem, etc., que a indústria nacional tem produzido dum modo geral, em quantidade e qualidade suficientes para o consumo, mesmo nos tempos cruciais do último conflito.

Quer dizer que, dividida a questão apresentada pelo Sr. Deputado Pinto Barros nos dois aspectos, apresentados um deles, o primeiro, é totalmente estranho aos interesses defendidos por este Grémio, pelo que somente lhe resta ter de esclarecer o segundo, ou seja o referente ao papel destinado à indústria editorial.
A portaria em vigor que reorganizou as condições, de fabricação ao papel o fixou os respectivos pregos de venda é de Fevereiro de 1969, e desde então eles têm-se mantido inalteráveis.
Nessa data os mercados mundiais encontravam-se vendedores; quer de pasta-a, quer de papéis, e os nossos editores e armazenistas não hesitaram em comprar no estrangeiro os papéis que desejaram, sem se preocuparem com os interesses do trabalho nacional, que nos anos anteriores nunca tinha deixado de os servir, por vezes com sacrifício.
Contudo o prego do livro não baixou o os queixumes dos editores continuam a fazer-se ouvir.
E tinham ou têm tais queixumes razão de ser?
Não compete a este Grémio, adentro dos quadros de organização corporativa, aduzir razões de defesa ou de queixa quanto à forma como os organismos representativos de outros interesses encaram os seus problemas.
Há que afirmar, porém, que a indústria nacional nunca deixou ao considerar os justos reparos dos editores e sempre tem procurado trabalhar em conjugação com eles, como seus clientes directos que são, nunca lhos faltando com os papéis necessários à sua laboração. A mais elementar observação ao preço por que se vendem os livros em confronto com o preço por que os industriais lhos entregam o papel demonstra que com dificuldade, ao encontrará um livro vulgar ou médio em que o preço do papel exceda em 10 por cento o seu prego de venda.
Poder-se-á afirmar, com consciência, que é o papel o principal causador da carestia ao livro em Portugal e das dificuldades com que este luta para a sua divulgação a conquista de mercados?
Volta-se agora um pouco atrás para continuar a esclarecer V. Ex.ª no que, respeita às medidas tomadas por este Grémio para a justa defesa dos interesses que lhe estão confiados.
Como a alta dos preços das pastas se acentuasse e começasse a ameaçar as bases de trabalho da indústria, resolveu este organismo, em Outubro de 1950, reunir na sua sede os seus agremiados para uma primeira troca de impressões. Como resultado dela e como consequência também do agravamento da situação, foi apresentado, em 26 de Dezembro, a S. Ex.ª o Ministro da Economia um pedido de substituição da portaria em vigor e das condições de fixação de pregos. Por se prolongar a apreciação viu-se este Grémio forçado a insistir junto do Sr. Ministro. E para se conseguir uma rápida resolução do problema submeteu-se a apreciação de S. Ex.ª, em Fevereiro deste ano, um novo projecto, tendo somente em atenção a alteração dos preços de venda dos papéis, justificada pela alta constante das pastas necessárias à sua produção.
Em apêndice junta-se uma cópia da última exposição apresentada e ainda pendente, de despacho.
Da sua leitura depreender-se-á sem custo que com o agravamento do preço das pastas, que nalguns tipos atinge quatro ou cinco vezes o de 1949, não é possível à industria nacional continuar a produzir papéis dentro da tabela em vigor.
Mas, como título de orgulho para a indústria, é justo salientar que esta, sem qualquer auxílio, tem continuado a adquirir pastas e a fabricar papéis que normalmente não tem deixado de entregar ao mercado.
Como o tem conseguido? À custa aos seus próprios capitais, das suas reservas e ao crédito bancário.
De facto, a indústria, papeleira encontra-se a laborar com real prejuízo, por o preço de transformação das matérias-primas não ser compensado pelo preço de venda dos seus produtos. Toda a tendência é para um constante agravamento desta situação. Daí o dever considerar-se como natural e lógica a atitude de defesa assumida pelos industriais ao utilizarem nas suas vendas actuais as cláusulas de reserva ao preços para encomendas a executar e a de prazo de entrega.
A primeira representa um critério de defesa futura para o industrial, que está a fabricar com prejuízo e aguarda que lhe seja feita a justa concessão de novos preços.

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A segunda baseia-se nas dificuldades com que se está a fazer a aquisição de pastas.
Com efeito, a carência de capitais próprios, por falta de compensação nas vendas, limita-lhe as compras de matérias-primas e o preço do custo real, cada vez mais elevado, leva-o a fugir, tanto quanto lhe é possível, à fabricação de determinados tipos de papéis mais onerosos.
Mas, apesar de tudo, não lia notícias de qualquer fábrica ter suspendido a sua laboração. E, como a compra de matérias-primas é forçosamente feita com maior lentidão - falta de capitais e dificuldades do mercado vendedor - e a indústria continua a produzir e a entregar, não há nem pode haver em seu poder stocks dignos de nota.
Outra conclusão ressalta do que se vem afirmando e demonstrando: é a de não haver, na generalidade, falta de papéis. O que pode haver é maior ou menor facilidade na aquisição de determinados tipos.
Contudo, como a situação do mercado internacional, longe de melhorar, continua a agravar-se, quer na elevação dos preços de venda quer inclusivamente na criação e aumento de taxas de exportação, a indústria nacional - que em Fevereiro último precisava de cerca de 150:000 contos mais por ano para a compra de pastas - aproxima-se a passos agigantados de um ponto de tal gravidade que não se sabe como encará-lo ou como resolvê-lo.
É que, Sr. Presidente, não há reservas nem créditos que possam permitir a laboração de unidades industriais que não" recebem pela sua produção o valor das matérias-primas que empregam.
Não há, portanto, no momento que se atravessa nem stocks industriais nem dificuldades das outras indústrias complementares.
Há, sim, o problema gravíssimo da indústria de fabricação de papel por resolver. Desde que importa para a sua laboração as matérias-primas, que internacionalmente mais subiram de cotação, ela necessita de saber ?d deve ou não continuar a trabalhar e, em caso afirmativo, quais as condições em que o deverá fazer.

Lisboa, 13 de Abril de 1951. - A bem da Nação. - A Comissão Directiva, (seguem as assinaturas).

Sr. Ministro da Economia. - Excelência. - O Grémio Nacional dos Industriais de Fabricação de Papel, apresentando a V. Ex.ª os seus mais respeitosos cumprimentos, permite-se a honra de passar a expor a situação difícil em que se encontra a indústria papeleira, pela alta acentuada das suas matérias-primas fundamentais, com especial destaque para as pastas.
Na verdade, quando, em 26 do passado mês de Dezembro, se permitiu pela primeira vez chamar a boa atenção de V. Ex.ª para essa situação, que já se desenhava com aspectos alarmantes, estava muito longe de supor que o agravamento do custo das pastas para a fabricação de papel se acentuasse tão fortemente, como veio a acontecer.
O quadro anexo (n.º 1) demonstrativo do custo das pastas em Fevereiro de 1949 e em Fevereiro de 1951, segundo os elementos que este Grémio possui, é tão elucidativo que dispensa quaisquer considerações.
A indústria está a repor, desde Outubro de 1950, à custa das suas reservas, parte dos seus stocks, de forma a manter a possibilidade de cumprir com as suas obrigações. Fê-lo, porém, com o seu habitual espírito de sacrifício, mas sente que aos preços actuais das pastas e aos preços por que vende os seus produtos lhe é impossível continuar.
De resto, tal situação não é única em Portugal, pois em todos os países da Europa Ocidental ela se sente e é motivo de preocupações. A imprensa mundial, reflectindo este estado de coisas, dá conta dos aumentos sucessivos autorizados para o papel nesses países.
Justamente pelo reconhecimento desta situação, vê-se o Grémio dos Industriais de Fabricação de Papel forçado a solicitar de V. Ex.ª que o estudo pormenorizado que estava a ser feito do seu projecto de remodelação das condições de fabrico e distribuição de papéis, apresentado em 26 de Dezembro de 1950, seja suspenso e substituído pela alteração da tabela dos preços à que faz parte da Portaria n.º 12:741, de 22 de Fevereiro de 1949, e que se junta sob o n.º 3.
Tal tabela não foi, porém, organizada sem se ter considerado devidamente o custo da produção dos diferentes tipos de papéis e a possibilidade de a mesma poder ser convenientemente verificada pelas entidades oficiais e pelos interessados. A fórmula estudada, que se apresenta sob o n.º 2, está inteiramente de acordo com esses princípios enformadores e foi com base nela que se fez a tabela atrás citada, que, como se escreveu, se junta sob o n.º 3.
Se se vier a acentuar a alta, se se estabilizar, ou se, pelo contrário, se registar a baixa das cotações actuais das pastas, corresponderá a fórmula pela substituição dos preços que actualmente lhe servem de base pelos que vierem a vigorar. Resta acrescentar que o Grémio Nacional dos Industriais de Fabricação de Papel, pelo interesse que o norteia de servir de elemento útil à economia nacional, propõe que a alteração da tabela ora apresentada seja revista de seis em seis meses, de forma a ajustá-la, com regularidade, às condições de produção que se forem verificando.
E porque a situação é acentuadamente grave, pois a indústria vive à custa de matérias-primas estrangeiras e já dificilmente poderá vir a recuperar os prejuízos sensíveis que tem suportado e que se virão a reflectir na reforma das suas instalações industriais, espera o Grémio Nacional dos Industriais de Fabricação de Papel que V. Ex.ª se dignará ordenar que as medidas de emergência juntas sejam aprovadas com a brevidade que a mesma requer.
A bem da Nação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: é só para instar pela remessa urgente de documentos que há muito tempo pedi ao Ministério da Economia sobre a propagação nas vinhas da cochonilha chamada "algodão da vinha" e providências tomadas oficialmente para combatê-la.
Algumas das informações que pedi podiam ter resposta imediata, e espero que, pelo menos estas, não demorem.

O Sr. Presidente: - Vou insistir de novo junto do Ministério da Economia para dar satisfação ao pedido de V. Ex.ª

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
Aproveito estar no uso da palavra para enviar para a Mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério competente, me seja fornecida a seguinte nota relativa ao Diário da" Sessões da Assembleia Nacional:

1.º Tiragem normal de cada número, presentemente;
2.º Número de exemplares que é distribuído pelos assinantes do Diário do Governo e outras pessoas ou entidades;

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3.º Número de exemplares relativos às sessões realizadas desde Janeiro, até 13 de Abril de 1951 vendidos na sede da Imprensa Nacional ou em agências e livrarias, fazendo-se esta indicação em referência a cada sessão.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: na sessão de 11 de Janeiro de 1950 - há, portanto, quinze meses o meu querido amigo Sr. Deputado Manuel Domingues Basto o eu levantámos aqui as nossas vozes a favor das populações serranas do Minho, gravemente ameaçadas nos seus legítimos direitos e interesses pela actuação dos serviços florestais.
0 apelo ao Governo não ficou sem resposta. Era preciso antes de mais esclarecer. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas prestou uma informação ao
Sr. Ministro da Economia, publicada no Diário das Sessões, e que teve larga publicidade na imprensa do País, que se havia feito eco das nossas palavras nesta Assembleia.
Criticou-se, como não podia deixar de ser, com o espírito de colaboração que todos nós devemos ao Governo.
0 Governo ignorava alguns aspectos da actualização de um serviço responsável por um dos sectores, e não dos de menor importância, da reconstituição económica do País.
Procurámos esclarecê-lo, ficando com a nossa consciência tranquila, e não temos razões para arrependimento, antes pelo contrário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apesar da resposta dos serviços, o tal vez por isso mesmo, o Sr. Deputado Domingues Basto e eu enviámos para a Mesa uma nota de aviso prévio
sobre o assunto, que, pela sua amplitude, merecia ser tratado com o desenvolvimento que as simples intervenções no período de antes da ordem do dia não comportam.
Requeremos, por isso, que a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas nos fornecesse, determinados elementos.
Alguns, muitos, tínhamos nós - o dossier é volumoso - outros ficou aquela Direcção-Geral na obrigação de no-los fornecer, como é seu dever em face do artigo 96.º da constituição.
Até hoje, porém, continuamos a aguardá-los, o que faz crer que o anunciado aviso prévio só possa ser discutido na próxima sessão legislativa.
Eis mais um aspecto da censura, mas censura por antecipação, feita por certos serviços do Estado, sempre que lhes não convenha que nesta Assembleia sejam tratados problemas que lhes toquem pela porta.
Este aspecto escapou ao ilustre Deputado Sr. Ribeiro Cazaes, que anteontem no seu magnifico discurso me deu a deixa para voltar a trazer a esta Assembleia, o que tanto desejaria ver repousado entre as folhas de cartolina do dossier que possuo sobre uma obra do Estado Novo que merecia, na verdade, melhor sorte.
Creio bem - e digo-o com profunda mágoa - que a oportunidade do aviso prévio não desapareceu.
Oxalá haja desaparecido no início da sessão legislativa de 1951-1952.
Eu explico.
Primeiro: julguei sempre que o que se estava -7 e, até certo ponto, está- a passar na região serrana de Entre Douro e Minho reflectia apenas má compreensão o incompetência de determinados funcionários, que, apesar de tantas e tantas reclamações apresentadas a quem de direito durante estes últimos anos, se teima em consentir que continuem nos lugares.
A brilhantíssima intervenção do Sr. Deputado Manuel Maria Vaz no debate sobre a reconstituição económica estendeu o problema até às serranias de Trás-os-Montes.
O Sr. Deputado Ribeiro Cazaes prometeu - e, como sempre, cumpre- vir reforçar esta falange com os clamores da sua Beira.
Não é apenas o Minho que se queixa. 0 problema tem, portanto, outras causas diferentes das que julgávamos.
Quem se queixará mais?
Segundo: o Sr. Deputado Mário de Figueiredo a quem peço licença para render as homenagens da minha maior consideração, anunciou no final do referido debate sobro a reconstituição económica que fora informado de que o estudo sobre as condições silvo-pastoris dos terrenos sujeitos ao regime florestal estava em vias de concluir-se.
Mas pode perguntar-se: então passados tantos anos sobre o início do repovoamento florestal é que se vai concluir um estado de que dependia fundamentalmente o êxito do empreendimento?
Este aspecto do problema é dos mais graves e dos que merecem ser considerados com mais atenção.
Eu aponto apenas que desde 1943 a 1949 - e repare-se que o repovoamento florestal do País, ou antes dás serras ao norte do Tejo, começou a atingir extensão - a partir de 1943 - o número de ovinos tosquiados desceu de 2.634:899 para 1.872:516, isto é, diminuiu em cerca de 80 por cento.
E que a lã manifestada naquele ano de 1943 foi de 6.303:695 quilo ramas e no de 1949 apenas de 4.415:864 quilogramas. Quer dizer: manifestaram-se em 1949 menos 1.881:031 quilogramas de lã do que em 1943.
Note-se que esta impressionante baixa de produção de uma das matérias-primas mais importantes para a vida do Pais se deu acentuadamente nos distritos, de Viana do Castelo, Braga, Vila Real, Viseu, Guarda e Castelo Branco - precisamente aqueles onde a acção dos serviços florestais mais se faz sentir.
Poder-se-á, perguntar: em que medida é que esta acção contribuiu para que no curto decorrer de seis anos a produção da lã em Portugal tivesse baixado em cerca de um terço?
Não respondo à pergunta, até porque sentiria prazer em que me demonstrassem e convencessem de que as causas são outras e muito diferentes.
Mas não posso esquecer que o ilustre Ministro da Economia disse em 25 de Fevereiro passado, na Covilhã, que a lá constitui hoje, como ninguém ignora, uma matéria-prima escassa no Mundo e sobreavaliada em todos os mercados.
0 contributo que a Assembleia possa dar para a solução deste e de outros problemas, que respeitam à vida da Nação, é com certeza bem recebido pelo Governo.
Dai, portanto, o meu pensamento ao afirmar, como o fiz, que o anunciado aviso prévio tinha ainda oportunidade e a deverá ter também a partir de Novembro próximo.
Sr. Presidente: lealmente, cumpre-mo ainda fazer um balanço do que se tem passado de há um ano a esta parte na minha região, isto é, desde que aqui, nesta Assembleia de representantes da Nação, foram lançadas, críticas à actuação dos serviços florestais.
Ter-se-á modificado de algum modo essa actuação?
Respondo: sim e não.
Concelhos há onde, graças á acção dos presidentes das câmaras e ao bom senso dos administradores florestais, se resolveram questões, a contento das populações.
É o caso, por exemplo, do concelho de Melgaço.
Foi-se até ao ponto, digo-o com júbilo, de se rever caso por caso e de se sacrificarem até plantações feitas para que os caminhos que conduzem aos pastos ficassem

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com largura suficiente para o trânsito do gado sem o perigo das autuações.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Prova de que ficou mal feito.

O Orador: - Não se fez tudo ainda? Fez-se aquilo que era possível, depois de tantos erros, graças à compreensão e colaboração das autoridades.
Vou ler passagens de uma carta recebida há tempos de pessoa que em outro concelho exerce funções políticas de relevo e que à cansa pública muito se tem dedicado:

A princípio - diz a carta - ainda houve protestos, chegando mesmo a esboçar-se um principio de revolta ... ; mas, antes que tomasse proporções desagradáveis e de graves consequências, meti-me de permeio e servi de ponto de ligação entre os serviços e os meus paroquianos.
Á correcção dos Srs. Engenheiros em questão procurei eu corresponder com a maior lealdade, e tudo tem agora corrido bem. Creio mesmo estar aqui o segredo do bom entendimento dos serviços com as populações desta área.

Vejamos o reverso da medalha, porque a medalha também tem reverso, infelizmente.
Há outros concelhos onde tudo continua na mesma, ou pior ainda.
Em 4 de Fevereiro deste ano escreveu-me alguém.

Continua tudo na mesma. Como você verificou, já estávamos bastante isolados e continuam a afastar-nos cada vez mais; já dispensámos metade dos animais - é o caso das lãs - por não termos onde os apascentar o mesmo porque não dão para as multas, que agora são de 606 por animal, isto é, não tem limite. Aqui o lavrador aproveitava os dias disponíveis do Verão para roçar o tojo e só depois que o tempo refrescava o carregava; agora fomos intimados pelos guardas de que, se o mato não fosse retirado vinte e quatro horas depois da exploração, pagaríamos 50$ por carro.

O Sr. Manuel Domingues Basto: - Como não são de lá, não sabem...

O Orador:

...por isto e por não deixarem caminho para os carros já, pensamos em semear as terras sem estrumes. Todas as freguesias deste concelho, além de já o terem feito, voltaram a pedir a demarcação dos baldios. Mas, claro está, sem abrangerem todos os logradouros em volta dos povos não o fazem.

Da primeira carta a que me referi quero ainda realçar uma passagem.
Na solução do que vou ler e na delimitação dos baldios está, no meu entender, a chave do problema.
Diz a passagem desfia carta:'

Quero também fazer uma referência aos guardas florestais. Estes, embora pareça que não, desempenham papel preponderante no bom andamento dos serviços; são por vezes a ferrugem que faz emperrar a máquina ou o óleo lubrificante que a faz correr. Era na sua escolha que se deveria pôr todo o cuidado. Acima de tudo, o guarda florestal devia ser morigerado nos seus costumes, calmo e prudente na sua actuação, mais cuidadoso em evitar as multas do que em as aplicar. Há guardas tão mal comportados que são verdadeiros lobos ... Outros só andam à caça das multas o dão ás populações a impressão de que foram colocados nas localidades onde prestam serviço só para oprimir os povos.

Há abusos, terríveis abusos, que não podem ser ignorados dos engenheiros silvicultores que estão à frente das administrações.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - Alguns não estão e por vezes são substituídos por funcionários que não têm habilitações para tal efeito ...

O Orador: - Mas destes conheço eu alguns que nunca subiram ao monte a ver ao menos as sementeiras o as plantações que ordenaram cá de baixo, da estrada, de dentro do jeep ... . É que, se subissem, teriam muito que ver e que ouvir ...
Mas isto ficará para melhor ocasião.
Não esqueço o que li em 0 Século de 27 de Março findo, em artigo que merece ser lido e meditado por todos os que têm responsabilidade na arborização do País:

Em Portugal os incultos, os descampados, os baldios, as encostas desnudas e as serranias com os seus dorsos pelados à vista são tantos que há lugar para tudo.

Há lugar para tudo, sim. Não se vã motivo para tantos atropelos.
O Sr. Ministro da Economia em breves meses de governo já mostrou que é capaz de lutar, a bem da economia nacional, até contra os intangíveis.

Vozes: - Muito bem; muito bem!

O Orador: - Eu próprio deste mesmo lugar, interpretando o sentimento de gratidão da gente da minha região, rendi a S. Ex.ª as homenagens a que tinha direito.
Hoje, novamente, digo ao Sr. Ministro que a pobre gente da serra, como a da ribeira, confia em que S. Ex.ª não consentirá mais a já lendária intangibilidade dos serviços florestais.
S. Ex.` vai abrir a porta do fechado serrado a que se referia o Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
E é tão fácil fazê-lo ...
Não peço, nem ela pede, que se apare de uma obra em que o sumptuário ultrapassa o necessário, em que a incompetência tantas vezes anda de mãos dadas com a prepotência.
Só peço, e ela pede, que se apliquem as disposições da Lei n.º 1:971, que se façam finalmente os inquéritos previstos pela base IV, que se delimitem urgentemente os baldios, como o ordena a base III, que funcionários animados de boas intenções o dotados de bom senso vão a cada uma das freguesias onde existam baldios sujeitos ou a sujeitar ao regime florestal e aí, com as autoridades locais, com os presidentes das câmaras e os vizinhos interessados - não esquecer de os chamar!-, resolvam à boa paz tudo aquilo que hoje continua a ser em muitos casos o pomo da discórdia.
Essa gente, fiel a Deus a aos que governam o País, merece-o bem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra porque desejo contribuir para que não passem em julgado determinados acontecimentos há pouco tempo ocorridos na nossa portuguesa província de Moçambique.

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Vou ser breve, não porque o assunto deixe de merecer demorada e cuidadosa atenção, mas porque devo ter presentes as disposições regimentais que regulam o uso da palavra no período de antes da ordem do dia e o muito sobre que esta Assembleia tem ainda de pronunciar-se antes de terminar a presente sessão legislativa.
Sr. Presidente: as terras da orla 5 mar Índico já desde a viagem do Gama constituíram para nós um problema de vulto quanto às relações estabelecidas na ocupação e no comércio. De todos VV. Ex.ªs Srs. Deputados, é conhecida a parte real e maravilhou que tal assunto ocupou na grande epopeia camoniana.
Não vou - nem o lugar nem o momento mo propiciam - entrar no conhecimento e na crítica das ocupações e da vida dessas populações, de origem hindu e árabe, que dominam o quase absorvem o comércio ao longo dessa extensa orla moçambicana, sobretudo naquela tradicional faixa que se estendo das bocas do Zambeze - o velho rio dos Bons Sinais - ao que parece até ao extremo norte, prolongando se ainda, além do nosso território, pela velha Mombaça e outras terras e, em seguimento, pelas portas do mar Roxo até á Índia.
Sr. Presidente: fomos desde sempre um povo que deu exemplos, e continua a dá-los, da maior tolerância e solidariedade.
0 princípio superior de humanidade tem marcado sempre profundamente o nosso convívio com os outros povos - grandes e pequenos, ricos e pobres, civilizados ou mergulhados na obscuridade primitiva. Basta atender à nossa acção civilizadora, orientada por verdadeira fraternidade cristã e conseguida assim à custa de isenções e de sacrifícios que só a luz de Cristo superiormente anima e fortalece.
Vencemos guerras, punimos traições, mas fomos sempre levados na ânsia de obter relações amigáveis com os povos que íamos descobrindo ou com quem íamos tratando.
É necessário, porém, que esse cultivo de boas relações de vizinhança ou, mais ainda, de vida em comum na nossa casa não seja levado além do razoável e justo.
Não denuncio um perigo, faço um avisa.
Conheço, por verificação própria, a vida e actividade social dessas populações muçulmanas que estão em permanente contacto com os povos indígenas da nossa África Oriental. Não. é necessário evidenciar aqui como o seu conceito de vida e modos de actividade se harmonizam com a concepção religiosa o política do Alcorão, concepções que se não separam, antes se fundem, como nós, peninsulares, especialmente podemos verificar num exame retrospectivo desde os tempos da invasão islâmica.
E se compararmos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as directrizes o reflexos de uma concepção cristã e de uma concepção islâmica, teremos forçosamente de concluir que as populações que vamos afeiçoando à nossa vida e civilização precisam de ser defendidas de conceitos e práticas contrários aos nossos desígnios.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Isto vem a propósito da recente visita feita pelo príncipe Ali-Khan à nossa referida província ultramarina.
Longe de mim, Sr. Presidente, a ideia ou desejo de que a nossa gente e as nossas autoridades daquela província fossem contra o nosso tradicional temperamento o modo de ser menos respeitadoras e até menos lhanas para com um visitante ilustre. Os conceitos superiores de humanidade e do boas relações entre os povos impõem obrigações a que não sabemos nem queremos faltar. Mas daí à quase apoteose que a imprensa referia há cerca de um mês e em que colaboraram ou consentiram pessoas ou entidades que não deviam tomar tais atitudes vai uma grande distância.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- A voz, a todos os títulos autorizada, de S. E. o Cardeal-Arcebispo de Lourenço Marques, D. Teodósio Clemente de Gouveia, elevou-se - felizmente e graças a Deus -, para, numa medida justa e benévola, profligar o erro e apontar os perigos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Da sua declaração, publicada no bi-semanário Oriente, que mão amiga me enviou de Lourenço Marques, permito-me transcrever, como preito à verdade e homenagem ao seu autor, as seguintes palavras :
0 islamismo levanta na colónia um problema político de extrema gravidade para a civilização cristã e para a soberania portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E prossegue S. E., citando o livro Árabes e Muçulmanos, de Eduardo Dias:

0 movimento pan-islamítico, intensificado nos últimos séculos e com maior vulto e importância que geralmente supõem os espíritos europeus demasiadamente optimistas (apoiados), tem por objectivo capital eliminar o cristianismo da África e o que não é menos grave, opor-se, em nome da fé ao que denominamos civilização cristã e ocidental.
Depois de se referir ao assunto no aspecto político e nacional, o Sr. Cardeal-Arcebispo de Lourenço Marques comenta-o sob os aspectos religioso e moral, apontando casos lamentáveis ocorridos entro indígenas portugueses que j A haviam abraçado a fé católica. E conclui, em nome da autoridade que lho assiste, estranhando o lamentando que pessoas católicas, e até com especiais responsabilidades, tenham acorrido %o pressurosas às diversas manifestações em honra do aludido príncipe árabe.
Sr. Presidente: não quero ir mais longe nesta minha intervenção, que, todavia, reputei conveniente e necessária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ninguém poderá dizer, julgo eu, que o assunto não tinha o relevo e gravidade bastantes para poder ser trazido a esta Assembleia, e por meio dela ser chamada a atenção daqueles a quem o Governo conferia as altas e honrosas responsabilidades de defender a nossa soberania nesses distantes passos do Mundo, que são o prolongamento e a continuidade da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ainda bem que à frente do Ministério das Colónias se encontra a pessoa do Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, para quem não são novidade a vida e as aspirações do nosso ultramar e a quem não falta, até por experiência própria, a clarividente e serena visão dos nossos problemas coloniais.
Por isso, ao terminar, Sr. Presidente, faço-o confiante e seguro na defesa intransigente do nosso nome o da nossa soberania.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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850 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: começo por mandar para a Mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro, pelo Ministério das Colónias, me sejam fornecidos, com urgência, para poder ainda nesta sessão, legislativa ocupar-me do problema da administração da Companhia dos Diamantes de Angola e da sua exploração técnico-comercial, os seguintes dados:

1.º Indicação dos vencimentos, gratificações, percentagens, ajudas de custo e verbas de despesa de representação auferidos no último quinquénio pelos corpos gerentes dessa Companhia, com especificação por ano e por pessoas;
2.º A designação do local onde poderei consultar os relatórios do comissário do Governo respectivo"..

Aproveito este ensejo para fazer uma série de considerações sobro vários assuntos da administração pública.
Sr. Presidente: tenho procurado honrar o meu mandato tentando fazer uma oposição construtiva e patriótica.
Afluem-me de todos os lados do País as mais diversas reclamações, alude-se a manifestas injustiças.
Não ás trago a esta tribuna sem as filtrar, sem verificar a sua exactidão e sem ponderar o valorizá-las na hierarquia dos interesses nacionais.
Apesar de professor universitário, tenho fugido, nesta Casa, a imiscuir-me em assuntos pedagógicos, confiando plenamente na energia inteligente o no bom senso do actual titular da pasta da Educação Nacional.
Os clamores que me chegaram obrigam-me a publicá-los do alto desta tribuna, não com ideias de censurar o Ministro respectivo, mas de lhe tornar conhecida a expressão desse clamor.
Vou empregar quase um estilo telegráfico, pela quantidade dos assuntos que tenho de tratar neste curto espa4o do período regimental de antes da ordem do dia.
Instrução primária. - Má formação do aluno primário, e consequentemente maus alicerces educacionais, estrito regime de economia orçamental, pelo sistema de postos de ensino, cujos regentes têm uma insuficiente preparação cultural e pedagógica.
Essa má preparação do aluno primário vem reflectir-se quando ascendo ao secundário, por lhe faltarem as bases indispensáveis.
Malbarata-se tempo irreparavelmente. Urge aperfeiçoar o quadro do professorado primário, que tem óptimos elementos, pagar-lhe melhor o dispensar um pouco os ... "decuriões".
Ensino secundário,- Mal universal e mala ultra-repleta, de roupa de humanidades que se amachuca, que deixa vincadas as inteligências com maus vincos indeléveis que nem o ferro do ensino superior nem o da vida conseguem desamarrotar.
Pequenos "Picos de La Mirandola", sobrecarregados de programas, de cadeiras e com anti-higiénica absorção de horas, física e mentalmente.
Memória para a frente, porque não há tempo de digerir pela inteligência; abrem-se, "verdadeiras latas de conserva intelectual", não se "cozinha", e o resto é lotaria dos exames.
Ensino secundário particular. - Alguns bons colégios, alguns bons professores, mas todos estas mal pagos, requeimados pelas horas de serviço excessivas que têm
para não morrerem de fome. Sem estatuto professoral condigno que lhes garanta os seus direitos a uma vida decente, não verdadeiros proletários intelectuais.
Pais indiferentes que entregam os filhos aos colégios como se fossem a uns "bengaleiros", seguindo mal a sua vida académica!
0 ensino secundário oficial tem bons professores, queimados pelos programas, que constituem uma autêntica comida de "entroncamento" intelectual. Todos se queixam: pais, alunos e professores. Mas tudo fica na mesma...
Sr. Ministro da Educação Nacional: o País está atento na acção de V. Ex.ª e ... espera confiadamente que V. Ex.ª faça desaparecer essa espécie de mercado negro do ensino secundário, provocado pela aglomeração de disciplinas e densidade dos programas onde abundam e se multiplicam dispendiosos explicadores, reexplicadores e repetidores, despedagogicando todo o ensino secundário, desarticulando o aluno, habituando-o a esse "bicarbonato" na "digestão" intelectual.

O Sr. Morais Alçada: - V. Ex.ª dá-me licença? Infelizmente torna-se necessária essa camada colaborante do curso oficial, porque, em muitos casos, prova-se que os professores oficiais se mostram descuidados na sua missão, quer no aspecto pedagógico, quer didáctico.
Logo há que salvar os alunos da indiferença dos burocratizados que assim se revelam. É, portanto, uma necessidade dos alunos e dos encarregados da educação.

O Sr. Bartolomeu Gromicho:- Essa necessidade é devida à falta de número de aulas. Assim há um excesso de matéria que é preciso ser ajudado com explicador.

O Orador: - Agradeço as autorizadas interrupções de VV. Ex.ªs. Folgo de ter o ensejo de prestar homenagem à Direcção-Geral do Ensino Secundário, que zelosamente, segundo boa informação, procura estudar e remediar os inconvenientes da reforma do ensino secundário.
Que os colégios de ensino particular secundário sejam para os alunos mais alguma coisa que uma espécie branda de escolas correccionais e de readaptação para os cábulas. Com tais programas e acumulações de matéria talvez seja salutar ... ser cábula!
Do ensino superior não falo espero, com toda a força desse verbo, da acção do ilustre Ministro da Educação Nacional.
Relevem VV. Ex.ªs que insista novamente no problema do papel; pena, é que ainda não tenha dados oficiais para mo ocupar já dele, o que farei brevemente com dados ou sem dados, oficiais ou oficiosos.
Vou finalmente tratar do recente decreto que regulamenta a inscrição de especialistas no quadro da Ordem dos Médicos. Discordo da forma como ela se estabeleceu, porque deixa um pouco a ideia; pelo seu artigo 13.º, que se ocupou mais da publicidade do que propriamente de criar uma autêntica especialização.
E nós vivemos hoje numa atmosfera em que o que parece ter mais importância, neste decreto, é a defesa de uma tabuleta.

O Sr. Cortês Pinto: -0 problema não é apenas de tabuleta: todo o médico pode o deve tratar de todos os doentes dentro da clínica geral. A clínica geral não pode existir se não existir o conhecimento do que diz respeito aos problemas que aio tratados nas especialidades; de maneira que, de facto, todo o clínico geral que não tiver conhecimento dos problemas de especialidade não é um clínico perfeito.
A falta de indicação duma especialidade na tabuleta não significa de modo nenhum que o clínico geral esteja inibido de tratar os doentes em qualquer campo da especialidade.

O Orador: -V. Ex.ª concorda com esse sentido de especialidade como é feito, mas eu julgo-o muito insuficiente.

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O Sr. Cortês Pinto: - Estou a referir-me apenas à circunstância que V. Ex.ª focou quanto à questão de tabuleta.
A tabuleta indica que há um médico que trata com maior profundidade o que diz respeito a uma especialidade dentro do plano geral da clínica. E esta especialização não inibe o médico de clínica geral.

O Orador: - Mas é que, bem visto, esse campo dentro da especialidade constitui subespecialidades que às vezes os clínicos gerais abrangem.
Eles tomaram a si, ao longo de uma experiência grande, uma subespecialidade que pertence a uma especialidade reconhecida por esse decreto. E isso é que não ficou ressalvado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pinto Barriga: V. Ex.ª já acabou as suas considerações?

O Orador: - Ainda as não terminei, Sr. Presidente.
Aproveitei a oportunidade da intervenção do meu ilustre colega para esclarecer o assunto.
Foi uma oportuna intervenção e, por isso, a agradeço. Mas, repito, ficam desprotegidos os clínicos gerais que dentro das especialidades exercem uma subespecialidade, ou que mesmo a criaram dentro da sua clínica geral.
Fica-lhes vedada toda a publicidade, apesar de há muitos anos exercerem essa subespecialidade.
Feriu inegavelmente o interesse legítimo dos clínicos gerais que desempenhassem não funções de especialistas, mas tivessem criado dentro das especialidades uma subespecialidade em que são mestres.

O Sr. Cortês Pinto : - São problemas de pormenor que se revestem de uma complexidade que é difícil precisar.

O Orador: - Exactamente.
Discordo da forma como se estabeleceu o júri para dar um titulo de especialista, criando uma superfaculdade de medicina e um superdiploma.
Não tratou este decreto de autênticas subespecialidades - como diabetes, ciática, asma, reumatismo, etc.; deixou sem garantias os clínicos gerais que nestes assuntos se especializaram, vedando-lhos até essa especialidade, que legitimaram por um longo exercício, pois proíbe que a exibam nas suas tabuletas.
Confio em que os Ministros responsáveis tomarão boa nota desta minha intervenção.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Comissão de Legislação e Redacção sobre a situação parlamentar dos Srs. Deputados Lopes Alves e Teófilo Duarte. Vai ser publicado no Diário das Sessões e será oportunamente submetido à apreciação da Assembleia.
Está também na Mesa o parecer da Câmara Corporativa cerca do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira e outros Srs. Deputados para se aditar um artigo novo ao titulo IX da Constituição Política.
Vai ser publicado no Diário das Sessões e baixar às Comissões de Legislação e Redacção e de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se A

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vamos começar pela discussão na especialidade da proposta de lei de revisão constitucional.
Quando chegarmos ao título VIII discutiremos então a proposta de lei relativa ao Acto Colonial.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.º da proposta de lei.
Esse artigo elimina o § único do artigo 1.º da Constituição Política.
Sobre este artigo há na Mesa uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção que vem publicada no Diário das Sessões de hoje e que dou como apresentada para o efeito de ser discutida neste momento.
A Comissão propõe a eliminação do artigo 1.º da proposta de lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Maria da Silva.

O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: os ilustres e talentosos Deputados D. Maria Leonor Correia Botelho, Monsenhor Carreto e Manuel Domingos Basto sugeriram que fosse incluído no artigo 45.º do corpo da Constituição, que trata das relações entre a Igreja e o Estado, uma referência a Deus.
Como crente e católico, não posso deixar de abraçar essa ideia, mas entendo que o nome de Deus não deve estar incluído no corpo da Constituição.
A Constituição estabelece preceitos para os homens; não pode estabelecê-los para Deus. No entanto, se pudesse, apresentaria a proposta de que o nome de Deus constasse, como uma invocação, no preâmbulo da Constituição. "Em nome de Deus o a bem da Nação se preceitua o seguinte". Mas, como digo, o nome de Deus não pode ser discutido pelos homens e, portanto, não me atrevo a apresentar tal proposta, porque, se fosse rejeitada, ofenderia o Supremo Criador do Céu e da Terra.
Nestas condições, desejo apenas que fique constando do Diário das Sessões esta minha afirmação, este meu lamento de que na Constituição não se começasse por aquelas palavras, como começam muitas outras Constituições de várias outras nações.
Como represento uma cidade católica, composta de gente católica e crente, desejaria que em Macau, se soubesse que fiz esta declaração na Câmara.
E limito-me a isso.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo:- Sr. Presidente: a eliminação apresentada pela Comissão de Legislação o Redacção tem este sentido: manter-se o artigo 1.º da Constituição nos precisos termos em que se encontra, com o seu § único.
Conforme a proposta do Governo, a disposição do único do artigo 1.º era integrada no artigo 2.º 0 Governo foi, porventura, conduzido a esta solução em consequência do parecer que sobre o Acto Colonial emitiu a, Câmara Corporativa.
Efectivamente nesse parecer escrevia-se:

Entende, porém, a Câmara Corporativa que ao integrar-se o Acto Colonial no texto da Constituição deixa de ser justificado o preceito especial para o

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ultramar, devendo antes este artigo, com carácter de generalidade, passar a constituir um § 2.º do artigo 1.º da Constituição.

Quer dizer: o ponto de vista da Câmara Corporativa ao organizar o parecer sobre o Acto Colonial é de que a matéria do artigo 7.º do Acto Colonial era no fundo o desenvolvimento da matéria do § único do artigo 1.º da Constituição e, portanto, preconizava que as duas disposições aparecessem uma ao lado da outra. Naturalmente levado por esta ordem de considerações, o Governo reduziu a uma única as duas disposições do § único do artigo 1.º e do artigo 7.º do Acto Colonial.
A Câmara Corporativa entendeu, porém, agora, no parecer que emitiu relativamente à proposta de lei sobre as modificações à Constituição, que o § único do artigo 1.º devia manter-se como está e sugeriu como artigo 2.º a disposição modificada do artigo 7.º do Acto Colonial.
A Comissão de Legislação e Redacção convenceu-se de que esta arrumação é melhor do que a da proposta do Governo, e convenceu se disso essencialmente pelo seguinte: no artigo 1.º define-se o território da Nação, e diz-se: é este e mais aquele a que porventura tenha ou vier a ter direito. É a definição do território da Nação.
O artigo 2.º refere-se antes aos poderes que podem ser exercidos sobre este território, e, portanto, embora haja, no fundo, aproximação entre o determinado nos dois artigos, é certo que eles devem com vantagem - parece à Comissão - ficar separados. Assim, a Comissão de Legislação e Redacção propõe a eliminação do artigo 1.º da proposta, o que quer dizer que o artigo 1.º da Constituição ficará tal e qual, com o seu § único.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a proposta da Comissão de Legislação e Redacção para eliminação do artigo 1.º da proposta de lei.
Como acaba de dizer o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, a votação desta proposta tem como consequência manter-se a redacção ou não do artigo 1.º e do seu § único da Constituição.

Submetida à votação, foi aprovada a proposta de eliminação do artigo 1.º da proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Em consequência desta votação, o artigo 1.º da Constituição conserva a sua redacção.
Está em discussão o artigo 2.º da proposta de lei.
A proposta de substituição deste artigo 2.º, apresentada pela Comissão de Legislação e Redacção, vem publicada no Diário das Sessões de hoje e vai ser lida à Assembleia.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: como salta aos olhos, a disposição do § único proposto pelo Governo (§ 2.º do artigo 2.º da Constituição) na parte final tem uma redacção que não pode ter resultado senão dum lapso.
Quanto ao corpo do artigo nada tenho a observar, melhor direi, a acrescentar ao que já disse, relativamente ao artigo 1.º
Quanto aos parágrafos que a Comissão propõe e que são, como o corpo do artigo, os sugeridos pela Câmara Corporativa, tenho de observar o seguinte: é que a matéria de que trata o corpo do artigo é diferente da matéria de que tratam os parágrafos.
O corpo do artigo trata de alienação de direitos de soberania mesmo quando se refere a porções de território.
Os parágrafos referem-se à alienação de terrenos sobre os quais pelo facto da alienação se não perdem os direitos de soberania. A matérias diferentes deviam corresponder disposições independentes.
A razão da proposta da Comissão não é de princípio, mas de ordem prática. É manter a orientação do texto que já existe sem alterar a numeração dos artigos da Constituição.
Mas não deixou a Comissão de Legislação e Redacção de ver que, realmente, as matérias a que se referem o corpo do artigo e os seus parágrafos são de natureza diferente.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre este artigo 2.º, vai passar-se à votação.
Vai votar-se, portanto, a proposta da Comissão de Legislação e Redacção que foi dada a conhecer à Câmara, no sentido da substituição do texto da proposta de lei pelo texto sugerido pela Câmara Corporativa e que a Comissão de Legislação e Redacção perfilha.

Submetido à votação, foi aprovado o artigo 2.º com a proposta de alteração sugerida pela Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.º da proposta de lei, segundo o qual o n.º 3.º do artigo 6.º passará a ter a seguinte redacção:

3.º Zelar pela melhoria das condições das classes sociais mais desfavorecidas, procurando assegurar-lhes um nível de vida compatível com a dignidade humana.

Sobre este artigo há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Mendes do Amaral, que já foi publicada no Diário das Sessões e que vai ser lida.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Está também em discussão esta proposta.

O Sr. Mendes do Amaral: - Sr. Presidente: as duas notas fundamentais que colhi da leitura que fiz do parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei do Governo .para diversas alterações ao texto constitucional, as duas notas fundamentais, repito, foram estas: a primeira é de que se deve evitar o mais possível a frequência das revisões1 do texto constitucional, e a segunda é que igualmente não deviam constituir motivo para revisão constitucional simples alterações da redacção do texto, quando dessas alterações não resultasse qualquer emenda substancial no sentido do conceito do texto primitivo.
Quanto à primeira observação da Câmara Corporativa devo dizer que não estou totalmente de acordo, e que, pelo contrário, entendo que as revisões constitucionais, embora limitadas a determinados períodos de vigência do texto, não são de condenar pela sua frequência, porque no mundo em que hoje vivemos a evolução dos princípios e dos costumes pode muito bem aconselhar a frequente adaptação dos textos legais a essa evolução.
Quanto à segunda, entendo que realmente não vale a pena fazer emendas nos textos constitucionais quando elas não contenham realmente uma mudança profunda, uma alteração ao sentido desse texto.

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Parece, portanto, Sr. Presidente, que estaria em contradição comigo próprio ao apresentar uma proposta de emenda à proposta do Governo que à primeira vista parece não conter uma alteração essencial.
Todavia, em primeiro lugar desejo acentuar que prefiro a redacção proposta pelo Governo àquela que propõe a Câmara Corporativa para o n.º 6.º do artigo 6.º, que se limita a dizer: "zelar pela melhoria de condições das classes mais desfavorecidas".
Quanto à redacção proposta pelo Governo, acho-a realmente preferível à que consta do actual texto. E porquê?
Porque me parece que ela se harmoniza mais com as condições reais do problema.
Com a redacção actual do texto, quando se dizia: "obstando a que aquelas classes desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente", o Estado afirmava, por assim dizer, apenas uma posição defensiva contra a pressão, contra a tendência natural para a miséria. Adoptando a redacção agora proposta parece que realmente o Governo se dispõe a trocar essa posição defensiva, essa posição por uma atitude de ataque e de ofensiva contra as causas da miséria.
Mas, Sr. Presidente, quando atentei nas palavras "procurando assegurar-lhes um nível de vida compatível com a dignidade humana", pareceu-me que ainda esta redacção não era suficientemente clara e peremptória para significar a obrigação em que o Estado se considera de conseguir, para todos os cidadãos portugueses um nível de vida compatível com a dignidade humana.
Com efeito, Sr. Presidente, pode parecer, por esta redacção, que neste momento o Estado ou, melhor, o Governo que o representa ainda anda procurando no mundo das teorias, no mundo da problemática, quais os meios que pode utilizar para conseguir para toda a população portuguesa esse nível de vida compatível com a dignidade humana. E eu penso, Sr. Presidente, que neste momento, depois de vinte e cinco anos de uma administração pública, como já tenho tido ocasião de dizer, que não conseguiu apenas melhorar a situação material do País mas modificar para muito melhor a psicologia e a moral da população portuguesa, o Governo Português já conhece, já tem à sua disposição, os meios necessários para evitar que haja em Portugal quem tenha um nível de vida inferior àquele que é compatível com a dignidade humana.
Quais são esses meios, Sr. Presidente? Peço licença para dizer algumas palavras em resposta a esta interrogação, que, de certo modo, justificam não apenas esta alteração que: proponho ao texto, mas outras que tive a honra de propor a vários artigos na parte propriamente doutrinária do texto constitucional.
Os meios que eu entendo que o Estado Português tem hoje à sua disposição para realizar o ideal que promete no n.º 6.º do artigo 3.º são, por exemplo, a instituição do salário mínimo para todas as modalidades do trabalho, a instituição do salário familiar, as medidas já preconizadas na Constituição para a defesa da família, o princípio da possível associação do trabalho à empresa, o reforço das verbas destinadas a assistência pública, a descentralização na aplicação dessa forma de assistência e, ainda, o estudo cuidadoso da revisão do problema da previdência subordinado ao critério de que não é talvez a melhor forma de fazer previdência confinar-nos dentro do critério rígido da teoria da capitalização, mas sim combinar sabiamente, acertadamente, o doseamento entre a forma de previdência por repartição e a forma de previdência pela capitalização.
Foi nesta ordem de ideias que eu me permiti apresentar algumas emendas à proposta do Governo e outras sob a forma de projecto de lei em matéria que não foi abordada pela proposta do Governo.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não me repugna que neste n.º 6.º do artigo 3.º, em vez da redacção, de certo modo evasiva, de "procurando assegurar-lhes", o Governo diga à Nação: "garantindo às classes mais desprotegidas da população portuguesa a existência de um nível de vida compatível com a dignidade humana".
Desejava, Sr. Presidente, uma vez que estou no uso da palavra, fazer uma pergunta à Mesa, que porventura V. Ex.ª traduzirá numa consulta à Assembleia.
Eu apresentei um projecto de lei de algumas alterações à matéria contida no artigo 8.º da Constituição, que, por sua vez, é também objecto de alteração na proposta do Governo.
Essa alteração ao artigo 8.º consiste na introdução do direito ao trabalho e na inserção dos deveres gerais dos cidadãos portugueses, um dos quais se contém no artigo 40.º do texto constitucional.
Desejava perguntar, Sr. Presidente, se V. Ex.ª vê algum inconveniente em que na altura em que se discutirem as alterações propostas pelo Governo ao artigo 8.º da Constituição entrassem também em discussão as minhas propostas de aditamento a esse artigo, embora, como digo, não tenha parecer da Câmara Corporativa e não se refiram designadamente às alterações propostas pelo Governo.
Desejava também acrescentar que, quanto ao n.º 4.º que se propõe, na proposta do Governo, adicionar a seguir ao n.º 3.º "defender a salubridade da habitação", que lhe dou o meu voto, a minha concordância de preferência com a redacção que lhe propõe a Comissão de Legislação, contanto que realmente seja eliminado do texto constitucional o artigo 40.º, que trata da mesma matéria.
Diz o artigo 40.º:
Leu.
Parece-me que é isso mesmo que propõe a Comissão de Redacção e Legislação.
Terminando, Sr. Presidente, depois das considerações que fiz a propósito da alteração que propus para o artigo 6.º, julgo-me talvez dispensado de tomar tempo à Assembleia, fazendo a justificação das propostas de alteração que apresentei relacionadas com este mesmo assunto.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a Comissão de Legislação e Redacção, tendo considerado atentamente o parecer da Câmara Corporativa sobre a disposição que está a discutir-se, entendeu que devia manter-se a da proposta do Governo.
Não a convenceram as razões produzidas no parecer da Câmara Corporativa no sentido de a disposição ficar redigida nestes termos:

Zelar pela melhoria das classes sociais mais desfavorecidas.

Não nos convenceram, dizia, as razões produzidas pela Câmara Corporativa e que se cifram, no que contêm de específico, essencialmente no seguinte: não1 pode determinar-se o que há-de entender-se por nível de vida compatível com a dignidade humana. E como não pode determinar-se o que há-de entender-se por "nível de vida compatível com a dignidade humana", o melhore eliminar essa parte.
À Comissão pareceu que, raciocinando assim; se deveria ser conduzido a eliminar toda a disposição, porque também há-de ser difícil determinar o que se entende por classes sociais mais desfavorecidas.

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Nestas condições entendeu dever manter a disposição tal como se contém na proposta do Governo, convencida de que nessa disposição aquilo de que se trata não é de pôr o problema da assistência social.
Os problemas de assistência social, segundo se crê, põem-se não relativamente a esta ou àquela classe, mas relativamente a todas as classes.
O que se pretendeu foi afirmar na Constituição uma orientação política geral que o Governo, na sua actuação, deveria adoptar e apontar, designadamente, para o aspecto para o qual essa actuação deveria dirigir-se, e tal aspecto era o aumento do nível de vida das classes mais desfavorecidas.
Porque se trata de um princípio de orientação política geral e não de uma obrigação imediatamente assumida pelo Estado - de elevar a vida das classes mais desfavorecidas, até certo limite -, entendo que não deve ser aceite a solução proposta pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral.
Realmente não pode, de um momento para o outro, modificar-se o nível de vida. É à custa de muitas medidas, de muitas formas de actuação que hão-de ser utilizadas, durante tempos e tempos, que havemos de atingir a modificação do nível de vida, de maneira a que todos tenham o que convém àquilo que nós supomos ser a dignidade humana. Por isso se dizia na proposta do Governo: "procurando assegurar-lhes".
Quer dizer, indo pelo caminho adiante a tomar as medidas necessárias para se chegar o mais ràpidamente possível à meta para onde se aponta.
Eis por que, prestando as minhas homenagens ao pensamento do ilustre Deputado Sr. Mendes do Amaral ao apresentar a sua proposta de alteração, entendo, no entanto, que ela não deve ser aprovada.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Visto mais ninguém pedir a palavra, vai votar-se a proposta do Governo sobre o n.º 3.º do artigo 6.º da Constituição, sobre o qual foi apresentada uma proposta pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral.
Esta proposta é essencialmente uma proposta de emenda ao texto da proposta de lei.
Consequentemente a votação vai fazer-se por esta forma: vai votar-se o n.º 3.º tal como consta da proposta do Governo, mas com a emenda sugerida pelo Sr. Deputado Mendes do Amaral.
Os Srs. Deputados que não concordam, naturalmente rejeitam nesta primeira votação. Se for rejeitado, será submetido à votação o texto tal como se contém na proposta de lei.

Submetido à votação, foi rejeitado o n.º 3.º do artigo 6.º, com a proposta de emenda do Sr. Deputado Mendes do Amaral.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o texto do n.º 3.º do artigo 6.º tal como se contém no artigo 3.º da proposta de lei.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mendes do Amaral fez à Mesa uma pergunta, a que não respondi imediatamente. Essa pergunta interessa à discussão do artigo 8.º da Constituição.
De momento, posso dizer ao Sr. Deputado Mendes do Amaral que, embora o assunto possa ser objecto de uma melhor reflexão, o meu pensamento se traduz no seguinte: o projecto de lei do Sr. Deputado Mendes do Amaral contém modificações ao corpo do artigo 8.º e propõe ainda o aditamento de números novos.
Quanto às emendas ou alterações que propõe ao corpo do artigo 8.º da proposta de lei do Governo, o Sr. Deputado Mendes do Amaral pode transformar a parte do seu projecto referente a este artigo numa proposta de emenda, que pode ser discutida na altura em que o for o referido artigo. Quanto aos números novos que propõe também no seu projecto, como se trata de matéria não tocada na proposta em discussão, de momento inclino-me a pensar que esses números novos não podem ser discutidos nessa oportunidade.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Quando V. Ex.ª diz "corpo do artigo 8.º...".

O Sr. Presidente: - O artigo 5.º da proposta de lei diz:

O artigo 8.º e seu n.º 1.º passam a ter a seguinte redacção:

O Sr. Mário de Figueiredo: - Então, quando V. Ex.ª diz artigo 8.º, quer significar apenas o seu corpo, sem os números respectivos?

O Sr. Presidente: - Exactamente.
O artigo 2.º do Sr. Deputado Mendes do Amaral diz:

Leu.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Muito obrigado. Estou perfeitamente de acordo.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): - Se expirar o prazo que VV. Ex.ª marcou para a Câmara Corporativa dar o seu parecer acerca das propostas do Sr. Deputado Mendes do Amaral, V. Ex.ª pode ou não incluí-las na discussão e, porventura, no lugar próprio se o prazo estiver excedido?

O Sr. Presidente: - Vou examinar esse ponto, embora me pareça que não.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.º da proposta de lei. O Governo propõe que ao artigo 6.º seja aditado um n.º 4.º, com a seguinte redacção:

4.º Defender a higiene pública e a salubridade da alimentação.

Existe ainda uma proposta da Comissão de Legislação e Redacção, que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

4.º Defender a saúde pública.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: as razões da proposta de alteração apresentada são as que resultam do que passo a expor.
Segundo a Câmara Corporativa, essa disposição da proposta do Governo devia ser eliminada, porque ela se contém, com conteúdo paralelo, no artigo 40.º da Constituição. E não há dúvida de que, a manter-se o corpo do artigo 40.º da Constituição, a disposição da proposta devia ser eliminada. Representava uma pura e simples duplicação.
Tenho razões para crer que foi por lapso que o Governo, ao apresentar essa proposta de aditamento ao artigo 6.º da Constituição, foi por lapso, dizia eu, que o Governo deixou de propor a eliminação do artigo 40.º da Constituição.
Realmente essa disposição está fora do seu lugar. O artigo 40.º representa, em certa parte, uma duplicação da

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disposição que está contida no n.º 1.º do artigo 6.º, na fórmula "direitos e garantias impostos pela moral".
Para evitar esta duplicação e indicar uma obrigação que é geral, e que não se refere às matérias tratadas neste ou naquele capitulo da Constituição, entendeu o Governo que devia acrescentar um n.º 4.º, que, praticamente, contém, juntamente com o n.º 1.º do artigo 6.º, o que estava no corpo do artigo 40.º
Sucedeu que o representante da Ordem dos Médicos na Câmara Corporativa fez observações que a Comissão julgou procedentes. Afirmou que hoje, na verdade, já não se usa a designação de "higiene e salubridade públicas", mas antes "saúde pública", fórmula já consagrada no mundo internacional, e que abrange as outras: a higiene e salubridade públicas.
Entendeu por isso a Comissão apresentar uma. proposta de alteração à proposta do Governo, que V. Ex.ª acabou de mandar ler, no sentido de que ao artigo. 6.º fosse aditado um n.º 4.º, onde se diz que incumbe ao Governo defender a saúde pública, e a consequente eliminação do corpo do artigo 40.º e, por virtude desta eliminação, a conversão em artigo do seu § único.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta da Comissão de Legislação e Redacção que substitui o n.º 4.º do artigo 6.º proposto pelo Governo. Se a referida proposta for aprovada, considera-se prejudicado o artigo 4.º da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada a proposta da Comissão de Legislação e Redacção.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar à sessão. A próxima sessão será na terça-feira, dia 17, sendo a ordem do dia a mesma da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Calheiros Lopes.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneres.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Teófilo Duarte.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Parecer da Comissão de Legislação e Redacção a que se referiu o Sr. Presidente nu decurso da sessão de hoje:

Parecer

Sr. Presidente. - O Sr. Deputado Teófilo Duarte comunica, pela sua carta de 20 de Fevereiro último, que foi nomeado delegado do Ministério das Colónias no conselho a e administração do Banco Nacional Ultramarino e o Sr. Deputado Vasco Lopes Alves, também por carta da mesma data, informa que foi nomeado, interinamente, comissário do Governo junto da Companhia Colonial de Navegação.
Ambos pedem que, em face da sua nomeação, seja esclarecida a sua situação parlamentar.
Ouvida, a Comissão de Legislação e Redacção emite o seguinte parecer:
O artigo 90.º e seus n.ºs 1.º, 2.º e 3.º da Constituição Política determinam que importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional:

1.º Aceitar do Governo, ou de qualquer Governo estrangeiro, emprego retribuído ou comissão subsidiada;
2.º Exercer os seus respectivos cargos durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, se forem funcionários públicos, civis ou militares;
3.º Servir lugares de administração, gerência e fiscalização que não sejam exercidos por nomeação do Governo, ou de consulta jurídica ou técnica em empresas ou sociedades constituídas por contratos ou concessões especiais do Estado, ou que deste hajam privilégio não conferido por lei geral, ou subsídio ou garantia de rendimento ou juro;

Àquele princípio da perda de mandato, e com referência ao n.º 1.º do mesmo artigo, estabelece taxativamente o § 1.º determinadas excepções, mas, porque nenhuma delas se verifica, a Comissão de Legislação e Redacção é de parecer que ambos aqueles Srs. Deputados, aceitando os lugares para que foram nomeados, perdem o seu mandato.
Ao emitir este parecer, não quer, todavia, a Comissão deixar de notar:

1.º Que não se trata de cargos remunerados pelo Estado;
2.º Que os delegados do Governo em empresas ou sociedades abrangidas pelo n.º 3.º não são funcionários públicos. Para assim o verificarmos basta considerar que eles são nomeados livremente, sem concurso nem contrato, não prestam compromisso de honra, não estão sujeitos à disciplina dos funcionários públicos, podem ser livremente exonerados, independentemente de prazos ou de processo, não têm aposentação, etc.;
3.º Que, confrontando o n.º 2.º com o n.º 3.º do artigo 90.º da Constituição, verifica-se que, ao passo que os Deputados que sejam funcionários públicos civis ou militares perdem o mandato se exercerem os seus cargos durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, os que servem lugares de adminis-

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tração gerência ou fiscalização, por nomeação do Governo, em empresas ou sociedades nas condiç5es, do n.º 3 podem exercer livremente esses cargos durante o funcionamento da Assembleia sem incorrer na perda do mandato.

Há, pois, diferença marcada entre uns e outros, não só quanto, à natureza jurídica das funções não parlamentares, como quanto ao regime ao exercício das mesmas funções: para os funcionários propriamente ditos há incompatibilidade constitucional entre o exercício e as funções parlamentares e das funções não parlamentares durante o funcionamento efectivo da Assembleia; para os representantes do Governo nas empresas ou sociedades abrangidas pelo n.º 3.º tal incompatibilidade de exercício não existe.
Esta Comissão não quer deixar de notar também que a Assembleia Nacional não teve ainda ocasião de se pronunciar sobre casos como os daqueles Srs. Deputados, não estando assim ligada a qualquer interpretação anterior.
0 que acaba de escrever-se significa que, ao pronunciar-se sobre os casos que lhe são submetidos, a Assembleia está em interpretar o n.º 1.º do artigo 90.º da Constituição: aplica-se essa disposição só aos Deputados nomeados pelo Governo para lugares retribuídos pelo ou aplica-se também aos Deputados nomeados pelo Governo para lugares não retribuídos pelo Estado?
É a primeira vez que a Assembleia é chamada a pronunciar-se sobre esta questão. A decisão no sentido da perda de mandato significa que a disposição se aplica
a uns a outros e a decisão pela não perda do mandato significa que Estado.

Pela Comissão de Legislação e Redacção, Mário de Figueiredo.

"Exmo. O Sr. Presidente da Assembleia Nacional. Comunico a V. Ex.ª que, por portaria de 10 de Fevereiro de 1951, fui nomeado delegado do Ministério das Colónias no conselho de administração do Banco Nacional Ultramarino. Como este facto se pode reflectir na minha situação parlamentar, rogo a V. Ex.ª se digne promover o esclarecimento dessa situação.

A bem da Nação. - 20 de Fevereiro de 1951. - Teófilo Duarte ".

"Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Depois de ter sido eleito Deputado da Nação a esta Assembleia, fui nomeado, interinamente, comissário do Governo junto da Companhia Colonial de Navegação.
Tendo dúvida sobre se esta circunstância pode afectar a minha situação nesta Câmara, peço a V. Ex.ª se digne promover o esclarecimento do assunto.
Com os mais atenciosos cumprimentos, apresento a V. Ex.ª os protestos da minha maior consideração.

20 de Fevereiro de 1951. - Vasco Lopes Alves".

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CÂMARA CORPORATIVA

V LEGISLATURA

PARECER N.º 17/V

Projecto de lei n.º 130

A Câmara Corporativa, consultada nos termos ao artigo 103.º da Constituição, acerca ao projecto de lei n.º 130, emite, pela sua secção de Política e administração geral, à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Pedra Pinto de Mesquita, Francisco Marques, Júlio Dantas, Luís Supico Pinto, Pedro Teotónio Pereira e Tomás de Aquino da Silva, o seguinte parecer:

1. 0 artigo proposto tem esta redacção: "O Estado tomará m providências necessárias tendentes à protecção e defesa, da língua como instrumento basilar da cultura lusíada e da projecção ao nome português no Mundos. Quer dizer: o encargo de prover à protecção e defesa aos interesses superiores da língua (o conceito de "protecção" está implícito no da "defesa") pertence ao Estado; essa função exerce-se a bem ao idioma "como instrumento de cultura lusíada" o (como instrumento também) "de projecção do nome português no Mundo"; isto é - na sua expressão nacional e na sua expansão universal. Qualquer que seja a redacção, nada há que opor à doutrina. A vontade, por qualquer forma manifestada, de zelar a língua materna só pode honrar e enobrecer um povo. Esta Câmara tem dúvidas, apenas, acerca da necessidade e da conveniência de introduzir semelhante preceito na Constituição Política da Nação. Só o cuidadoso exame da questão, poderá esclarecê-la. Vejamos, em primeiro lugar, quais são as linhais gerais da denominada "política de línguas" e, em segundo lugar qual é a posição especial de Portugal no quadro dessa política, que Tollenaere (Lexicografe in Skandinavië considera, talvez exageradamente, o "capítulo mais complexo e rico de aspectos do moderno, direito internacional. A soluç5o decorrerá, naturalmente, do próprio enunciado do problema.

2. A língua é um dos grandes valores do património histórico das nações. Obra dos povos, que a criam, aos letrados, que a disciplinam, da história, que a enriquece e a renova no contacto incessante de outros povos e do outras raças, instrumento por excelência de convívio humano, de acção civilizadora, de cultura intelectual, de penetração económica - compreende-se que as nações zelem o seu idioma, como zelam os seus monumentos suas riquezas naturais, a memória das virtudes heróicas que formaram a sua consciência colectiva. Por mais que queiramos estremar as noções de língua e de nacionalidade (há nações bilingues e trilingues; idiomas comuns a nacionalidades diferentes; territórios nacionais cujas minorias étnicas falam línguas de outros países), idioma e nação confundem-se frequentemente no seu sentido histórico. A língua é a pátria. E quando, pela energia do expansão e um povo, a sua língua adquire expressão imperial - como a portuguesa do século XVI, que deu a volta ao Mundo, que se tornou sob outros céus o idioma de outros povos e que deixou vestígios indeléveis da sua passagem em cento e cinquenta idiomas e dialectos ao Oriente - a língua não é apenas a pátria; é, no seu amplexo fraterno, a Humanidade.

3. O zelo e defesa da língua e representa, pois, não apenas uma actividade de cultura que se exerce livre-

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mente pelos seus instrumentos próprios - a escola, o livro, a imprensa, a tribuna, a Universidade, a Academia, o teatro, o fonograma, o cinema, a rádio -, mas um acto de natureza e de extensão política. O princípio de que os estados não devem intervir na evolução do fenómeno linguístico e muito menos legislar sobre ele (as línguas, organismos vivos, são os povos que as fazem, os escritores que as fixam, os gramáticos que depuram as formas e deduzem as leis) encontra-se em certa medida ultrapassado pela concepção do vernáculo como facto social e bem comum das nações. Os estados reconheceram geralmente a necessidade de instaurar uma política da língua, conjunto de medidas e de providências, mais ou menos eficazes, no sentido da defesa, unidade, expansão e prestígio do idioma nacional. No domínio interno, a política cia língua confunde-se com a política do ensino, na medida em que procura criar, na escola e na vida, uma nova consciência do valor que o domínio do idioma, ou dos idiomas, atribui ao homem moderno, hoje consideravelmente diminuído na sua capacidade de expressão pelo desequilíbrio resultante, por um lado, do excesso de preparação técnica, por outro, da carência de formação humanista. A reforma da pedagogia gramatical na escola popular (Dauzat), destinada a produzir, não sabres em série que analisem com perfeição um texto - o que interessa mediocremente - mas cidadãos capazes de falar bem e de escrever bem a sua língua; o desenvolvimento das humanidades no ensino médio, dentro dos limites em que ele seja indispensável à valorização da personalidade humana; a reabilitação das especialidades universitárias pobres, em especial da filologia, activando a investigação científica no domínio da língua - estas e outras formas de intervenção são comuns às duas políticas. As nações que instauraram uma boa política do ensino têm meio caminho andado na política linguística, que se exerce pelos mesmos instrumentos e se caracteriza pelo mesmo espírito didáctico: organização e dotação de academias ou de sociedades de escritores, gramáticos, filólogos e lexicógrafos, que especialmente se ocupem dos cânones da língua (dicionários, vocabulários ortográficos e ortoépicos, gramáticas, atlas linguísticos); determinação, estabilização e unidade das normas ortográficas nacionais em harmonia com os trabalhos dos técnicos, função que transcende os limites da política interna quando o idioma é comum a outras nações; mecenato literário (estímulo da produção de obras que constituam, na sua pureza, padrões actuais da língua); utilização da rádio, do fonograma e do teatro (companhias itinerantes) na lição da norma ortofónica; propaganda da boa linguagem, realizada pela imprensa e pela radiodifusão ,(consultas, questionários, corrigendas gramaticais, vulgarização filológica); «polícia linguística», expressão e comodidade que compreende a acção de defesa contra o solecismo, o estrangeirismo, as várias formas de corrupção do génio da língua (tabuletas, letreiros públicos, anúncios, legendas de cinema, tecnologias desportivas morfologicamente imperfeitas, publicações estrangeiras vertidas em português incorrecto por tradutores não portugueses). Toda esta função de polícia, de propaganda e de didáctica popular se exerce, aliás, como extensão do ensino nacional. Desenvolvendo o ensino, o Estado estimula, dirige e coordena a obra de defesa da língua; zela aquilo que, não sendo de ninguém, pertence a todos; evita que se converta em logradouro público o que deve ser riqueza colectiva e orgulho comum.

4. A política exterior da língua reveste-se de aspectos mais delicados do que a sua política interna. Tem por objectivo a expansão internacional do idioma, como meio de influência política, intelectual e económica. É, em maior ou menor escala, o «imperialismo linguístico». Só podem exercê-lo com êxito estados representativos de vastas culturas históricas que disponham de línguas de fácil difusão. Começa por exportar-se a escola, com ou sem reciprocidade de tratamento (institutos da língua funcionando junto das embaixadas e legações; leitorados e cátedras nas Universidades estrangeiras; permuta de professores; missões de estudantes; informações pedagógicas internacionais); depois exporta-se a língua por todos os veículos de cultura de que dispõe o país exportador (a conferência, o livro, a revista, o jornal, o teatro, o cinema, a rádio). Às vezes sobre uma única nação-cobaia fazem-se, em ofensivas diplomáticas sucessivas ou simultâneas, experiências de competição de imperialismos antagónicos (inglês, francês, alemão, russo). Outras vezes a corrente de interesse orienta-se na direcção inversa: é a nação imperialista que abre as portas das suas Universidades ao ensino de línguas estrangeiras, quando carece de armar-se com o conhecimento dessas línguas como instrumentos de acção económica. Todas as nações, mesmo as de influência restrita e de línguas inacessíveis, são aliás interessadas em alargar o campo de expansão do seu idioma e da sua cultura, tendo algumas vezes feito para isso, ou mostrando-se dispostas a fazê-lo, o sacrifício do alfabeto nacional (cirílico, grego, árabe). Depois dos tratados de paz de 1919-1920, que procuraram inspirar-se no princípio das nacionalidades, a dispersão das minorias étnicas obrigou algumas chancelarias a intervir diplomaticamente para assegurar a essas minorias o direito do uso e ensino da língua materna. Nas nações bilingues e trilingues a luta entre as línguas nacionais (por exemplo a dos valões e a dos flamengos, na Bélgica), sugerindo, nas suas crises agudas, o dilema da federação ou do separatismo, reveste-se por vezes de aspectos que não são apenas de carácter interno. A situação, porém, mais difícil no domínio da política internacional da língua é a das nações cujo idioma imperial se tornou condomínio de outros grandes povos, sua projecção étnica e histórica no Novo Mundo, e que naturalmente se interessam por que a língua comum, a despeito das inevitáveis variações ortoépicas consequentes da transplantação, mantenha a unidade intercontinental da sua expressão escrita. E o caso de Portugal, da Espanha, da Grã-Bretanha e, até certo ponto, da França. O melindre das negociações diplomáticas respectivas à unidade (além de outros aspectos de ordem psicológica) reside na dificuldade de conciliar dois direitos igualmente respeitáveis: o direito, que assiste às nações americanas, de usar como melhor entendam as suas línguas nacionais e o direito, que tem de reconhecer-se também às nações-mães dessas línguas, de desejar que elas sejam quanto possível respeitadas pelos povos que as adoptaram. O actual chancelar do Brasil, embaixador João Neves da Fontoura, apresentou a questão com luminosa clareza ao receber, na Academia Brasileira de Letras, o escritor argentino Aráoz Alfaro: «As línguas portuguesa e castelhana são deles, portugueses e espanhóis; nosso é apenas o direito de as usar». Mas, se por um lado é assim (a herança de uma língua, como a de um grande nome histórico, obriga ao respeito do valor moral que se herdou), também não parece aceitável que qualquer das três antigas metrópoles - criadoras de impérios e mães de povos - introduza, mediante acto unilateral, alterações sensíveis no regime da língua, designadamente no regime ortográfico - sua expressão concreta e estável -, sem a colaboração e acordo das nações que na América a usam. O princípio da colaboração intercontinental, quer dizer, a «política da unidade», já de maneira geral foi adoptado pelas grandes empresas lexicográficas privadas inglesas e norte-americanas (Philological Society, New Standard Dict); e parece

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que também o vai adoptar o Seminário de Lexicografia da Real Academia Espanhola. Coube, porém, a Portugal e ao Brasil a honra de haverem sido os primeiros países a considerar francamente o problema no plano internacional, ou intergovernamental, pela assinatura da Convenção de 29 de Dezembro de 1943, instrumento diplomático sui generis, que o notável filólogo Prof. Ramón Menéndez Pidal recomendou como exemplo à Espanha e às nações íbero-americanas, e nos termos de cujo artigo 3.º o statu que ortográfico só pode ser alterado por acordo entre os dois Governos, ouvidas, como órgãos consultivos, as duas Academias. Nem todas as nações, porém, em regime de condomínio atingiram ainda tão elevado grau de perfeição na política da unidade, porque nem em todas elas o problema se apresentou com o mesmo carácter de urgência e de necessidade. A política de expansão teve recentemente o seu jubileu durante a crise de exacerbação dos nacionalismos da Europa. A política da unidade encontrou a sua mais típica expressão nas negociações linguísticas luso-brasileiras. É a expansão que faz o prestígio das línguas; mas é na unidade que reside a sua força.

II

5. A difusão universal da língua portuguesa foi a consequência da política das navegações e dos descobrimentos e culminou aio século XVI com a expansão do imperialismo português no Mundo. Não houve de início propriamente uma «política da língua»; houve uma língua ao serviço de uma vasta política de domínio económico, de investigação científica e de evangelização cristã. Levámos connosco a língua na nossa deslumbrante aventura; conduzimo-la em triunfo até aos confins do Oriente; demos com ela a volta ao planeta; fizemos dela a melhor das propagandas - propaganda pela acção -, sem ter de nenhum modo ia intenção de a fazer; vimo-la pulular em dialectos na índia, tomar-se língua diplomática com os reis de Ceilão, língua jurídica com os tabeliães de Batávia, língua comercial com os traficantes da Arábia, da Pérsia, das Molucas, da China e do Japão; e a nossa vocação universalista foi de tal ordem que não nos contentámos em levar uma parte considerável da humanidade a falar como nós; aprendemos também a falar como ela; fomos, nas mesmas/línguas dos povos orientais, os seus catequistas e os seus pedagogos. E nossa a .primeira gramática japonesa; nosso o primeiro dicionário sino-português; nosso o primeiro glossário tamul. Basta ler o que da prodigiosa influência da língua portuguesa no Oriente nos dizem os Fokker, os Schuchardt, os Murakámi, os Marre, os Heyligers, os David Lopes, os Sebastião Dalgado. Hoje a ipropagaiida da língua faz-se decerto com mais comodidade, mas com menos êxito e, decerto, com menos brilho. Outrora não precisámos de defender a língua, a não ser, episodicamente, contra Maurício de Nassau, que não queria que se falasse português em Java; hoje temos de defendê-la de nós próprios. Devido à acção benemérita da antiga Junta da Educação Nacional e do actual Instituto para a Alta Cultura, ensina-se hoje a língua portuguesa em muitas Universidades europeias (Paris, Bordéus, Poitiers, Montpellier, Toulouse, Londres, Oxford, Liverpool, Madrid, Salamanca, Santiago de Compostela, Colónia, Hamburgo, Heidelberg, Bruxelas, Zurique, Amsterdão, Centro Universitário Mediterrâneo de Nice); e, por iniciativa e administração dos próprios países, em Universidades americanas e asiáticas. Mas só pudemos dar execução e seguimento a esta obra considerável de expansão depois de ter resolvido um problema que durante os últimos quarenta anos, e, em especial, durante os últimos vinte, foi o ponto nevrálgico da nossa política linguística: o problema da unidade da língua portuguesa; quer dizer, o problema da uniformidade dia expressão ortográfica em Portugal e no Brasil.

6. A evolução da língua portuguesa no Brasil fez-se com inevitáveis desvios (ortofónicos, semânticos, sintácticos), o que é perfeitamente natural se atendermos às diferenças, por vezes sensíveis - mormente no domínio citoépico- existentes em Portugal de província para província. A ortografia, porém, manteve-se a mesma nos dois países até 1911, data em que entrou em vigor a reforma a que ligou o seu nome o filólogo Gonçalves Viana: uma ortografia preferentemente etimológica, em muitos casos arbitrária, não sujeita, em qualquer tempo, a revisões que houvessem assegurado a sua disciplina e (quanto possível no domínio das línguas) a sua lógica. Até aí, pode dizer-se que não existia o problema linguístico luso-brasileiro. Começou então. E os culpados fomos nós, porque a comissão de 1911 (que não era uma comissão académica, mas um grupo de gramáticos e de filólogos ilustres nomeado ad hoc pelos Poderes Públicos) entregou ao Governo a reforma sem ter previamente estabelecido contacto com os mestres linguistas brasileiros, e o Governo deu-lhe execução antes de procurar, por via diplomática, conhecer a opinião do Brasil. Éramos obrigados a fazê-lo? Juridicamente, não. Não tínhamos firmado ainda com a nação irmã qualquer acordo nesse sentido. Mas assistia-nos o dever moral de o fazer, tratando-se de um país que usava a nossa língua; e, em qualquer caso, a mais rudimentar intuição política nos aconselhava a que se praticasse esse acto de cortesia internacional. O Brasil representava já cerca de quarenta milhões de brasileiros; e o prestígio das línguas modernas - prestígio político e económico - é tanto maior quanto mais vasta for a área geográfica que essas línguas dominam. Não soubemos ser políticos; e as consequências não eram difíceis de prever. O Brasil não nos acompanhou. O Mundo encontrou-se em presença de duas línguas portuguesas de expressão escrita diferente - uma etimológica, outra simplificada. Teria sido ainda possível, mediante intervenções rápidas e cordiais, evitar o cisma iminente. Infelizmente, porém, o nosso país, a braços com as dificuldades de um regime político novo, a que em breve viriam juntar-se as preocupações da Grande Guerra, pensava nesse momento em tudo, menos na língua portuguesa. No Brasil, certos elementos, mormente as correntes de opinião nativista, aproveitaram-se do caos existente para arvorar a bandeira da diferenciação e da autonomia linguística. Alguns filólogos e dialectologistas de além-Atlântico consideraram oportuno reconhecer então a existência de uma «língua brasileira», derivada, sim, do tronco comum - o português imperial do século XVI -, mas distinta do português moderno, do qual, na sua rápida evolução, cada vez mais se distanciaria. «Se somos um povo económica e politicamente independente (diz o autor de uns Rudimentos de Gramática Brasileira publicados em S. Paulo, 1921), por que razão não havemos também de servir-nos de uma língua independente para expressar o nosso pensamento?». A repercussão deste estado de coisas fez-se em breve sentir. A baixa, do livro português nós mercados brasileiros, já acentuada, agravou-se. A nova ortografia repugnava decididamente aos leitores brasileiros, mais ainda do que, nos primeiros tempos, tinha repugnado aos portugueses. E quando, passada a guerra, pretendemos - nós por um lado. o Brasil por outro - criar leitorados e cadeiras de Língua Portuguesa nas Universidades europeias; quer dizer, quando acordámos e quisemos, na hora em que Thomas Mann pregava o «humanismo novo» e Keyserling o «ecumenismo fraterno», realizar

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os actos necessários à expansão da nossa língua e da nossa cultura, foi-nos respondido, aliás com toda a razão: «Não é fácil ensinar a estrangeiros uma língua que, nas duas nações que a usam, se escreve de maneira completamente diferente». Cometemos um erro - e recebemos uma lição. As nações que possuem o condomínio de um idioma não podem resolver sozinhas os seus problemas linguísticos fundamentais. Convém-nos ter presente a lição de há quarenta anos. A língua não é apenas para nós um assunto de ordem interna (ensino); é, acima de tudo, um problema de carácter nitidamente internacional.

7. Data de 1923 a intervenção da Academia das Ciências no sentido de fazer cessar este estado de coisas, a que, aliás, fora até ali completamente estranha. Tendo resolvido recomeçar os seus trabalhos lexicográficos, interrompidos desde a proclamação da República, julgou aquela corporação indicado solicitar a colaboração da Academia Brasileira de Letras. Neste meio tempo, a ilustre Casa de Machado de Assis convidou o presidente da Academia das Ciências de Lisboa a visitá-la; e o Governo Português, conhecedor desse facto, expediu a portaria de 25 de Maio de 1923, encarregando o referido presidente de na sua visita ao Brasil, estudar a possibilidade de um entendimento no sentido da unidade da
língua escrita. Entrava-se, embora tarde, no caminho das negociações diplomáticas. A Academia Brasileira aceitou, em termos primorosos, a nossa proposta de colaboração, o que praticamente lhe oferecia a oportunidade da revisão, em comum connosco, do regime linguístico de 1911. Só, porém, em 1928, com a segunda investidura do Sr. Doutor Oliveira Salazar na pasta das Finanças, pôde ser inscrita no orçamento a verba necessária para ocorrer às despesas dos trabalhos lexicográficos da Academia, que imediatamente recomeçaram, sob os auspícios de quatro filólogos insignes: José Maria Rodrigues, José Leite de Vasconcelos, David de Melo Lopes e José Joaquim Nunes. Três anos depois, inesperadamente, a Academia Brasileira de Letras, em mensagem assinada pelo seu presidente, então Fernando de Magalhães, declarou que o Brasil aceitaria a ortografia portuguesa simplificada, desde que a Academia das Ciências concordasse em introduzir no sistema adoptado algumas alterações. Nem todas as alterações propostas aliás poucas - pareceram aceitáveis. Mas, «Paris valia bem uma missa», e a Academia Portuguesa, ouvido o Governo, aceitou-as. No dia 30 de Abril de 1931, o acordo era assinado solenemente, em Lisboa e no Rio de Janeiro, pelos dois embaixadores e pelos presidentes das duas Academias, e logo mandado executar, aqui pela Portaria n.º 7:117, de 27 de Junho de 1931, no Brasil pelo Decreto n.º 20:118, de 15 do mesmo mês. Bastou a simples notícia do acordo que acabava de assinar-se, para que as Universidades estrangeiras, que haviam oposto legítimas dúvidas à criação de cadeiras e leitorados da Língua Portuguesa, nos abrissem de par em par as suas portas (Junta de Educação Nacional, Relatório dos trabalhos efectuados em 1931-1933, p. 19). Se outras consequências o facto não tivesse, bastaria esta para o justificar. A paz linguística, porém, tão auspiciosamente instaurada, era uma paz de compromisso, que pouco mais durou do que o tempo que as duas nações levaram a festejá-la. Ambas as Academias se mantiveram inalteravelmente fiéis ao acordo; mas, em volta delas, e por vezes contras elas, a guerra das línguas começou - guerra de gramáticos, guerra de doutrinas filológicas, guerra de interesses criados. Laudelino Freire publicou, como expressão do acordo de 1931, um Vocabulário que diferia bastante dele. O próprio Governo Brasileiro, na intenção de restabelecer a paz ortográfica, promulgou o Decreto-Lei n.º 292, de 23 de Fevereiro de 1938, que, mantendo em vigor o acordo de 1931, introduzia nele, de facto, alterações apreciáveis. Por seu turno, a Academia das Ciências, empenhada na organização do vocabulário com que se propunha solenizar a passagem do Ano Áureo, reconheceu que não podia em consciência manter nem o acordo nem o que havia de inaceitável no próprio sistema simplificado de Gonçalves Viana. A despeito da boa vontade de todos, a situação tornara-se confusa. Mas o Vocabulário académico de 1940 salvou-a. Esse código ortográfico notável, a que o Prof. Rebelo Gonçalves vinculou perduràvelmente o seu nome, foi, logo que apareceu, adoptado como padrão da língua pelo Governo Brasileiro, cujo Ministro da Educação e Saúde, Sr. Doutor Gustavo Capanema, no seu memorável discurso de 29 de Janeiro de 1942, reconheceu e proclamou a existência de «uma só língua portuguesa em todas as partes do Mundo», convidando a Academia Brasileira a elaborar imediatamente um vocabulário igual, diferindo apenas do texto português no registo integral dos brasileirismos, flora verbal opulenta que constitui (Meyer Lubke, Leite de Vasconcelos, Antenor Nascentes) a diferença substancial do idioma usado no Brasil, e parte da qual, além do tupi e do afro-negro (Jacques Raimundo, O elemento afro-negro na língua portuguesa), proveio dos dialectos indo-portugueses, mormente do dialecto de Goa (Solidónio Leite, A língua portuguesa no Brasil). Tudo parecia resolvido. Ao receber-se, porém, em Lisboa o Vocabulário brasileiro de 1943, que devia ser a expressão da unidade proclamada pelo Ministro Capanema, verificou-se que havia entre ele e o português, seu paradigma, inesperadas divergências. Não desejou o Governo de Lisboa dar execução a um acordo a que de facto se não chegara, ou a que se chegara incompletamente, e o assunto teve de ser de novo examinado pelas duas chancelarias. A intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Doutor Oliveira Salazar, e do Embaixador do Brasil em Lisboa, Sr. Dr. João Neves da Fontoura, conduziu-nos, clarividentemente, às duas melhores soluções:
1.º Negociar uma convenção, pela qual as duas nações se obrigassem a regular de mútuo acordo o sistema ortográfico comum, ouvidas as respectivas Academias, e a não introduzir no acordo fixado quaisquer alterações sem prévio entendimento;
2.º Reunir em Lisboa, nos termos desse instrumento, diplomático, uma conferência de delegados da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras, com poderes para fazer cessar, mediante cuidadosa revisão, as divergências verificadas entre o Vocabulário português de 1940 e o Vocabulário brasileiro de 1943.
A Convenção foi assinada em 29 de Dezembro de 1943 pelos dois Plenipotenciários, o Presidente Doutor Oliveira Salazar e o Embaixador João Neves da Fontoura. Nos termos da Convenção, a Conferência Interacadémica Luso-Brasileira realizou-se em Lisboa, em Julho-Outubro de 1945, tendo chegado a perfeito acordo (acto complementar de 10 de Agosto e bases analíticas de 30 de Setembro, aprovadas para execução, em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 35:228, de 8 de Dezembro de 1945, no Brasil pelo Decreto-Lei n.º 8:286, de 5 do mesmo mês e ano). Em 1947 as duas Academias deram a lume, como expressão do entendimento a que tinham chegado, dois novos Vocabulários. Eram, finalmente, iguais. Restaurara-se, ao fim de trinta e seis anos, a unidade perdida em 1911. Mas, com maior rigor científico e sob a égide de uma convenção internacional, Carta Magna da Língua Portuguesa, nos termos da qual os dois Estados se comprometeram, não só, como ficou dito, a assegurar a unidade ortográfica intercontinental, mas a zelar em comum (palavras do próprio texto) ca defesa, expansão

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e prestígio da língua portuguesa». Este diploma é hoje lei do País (resolução da Assembleia Nacional de 13 de Março de 1944). É à luz da sua doutrina que nós temos de considerar agora o aditamento proposto.

8. Com razão Meillet, no seu livro célebre, Lês Langues dans l´Europe Nouvelle (edição de 1930), se referiu à extrema lentidão e dificuldade com que se arrastam as negociações internacionais no domínio da política das línguas. Sob esse duplo aspecto - dificuldade e lentidão - as negociações luso-brasileiras, cujas vicissitudes esta Câmara julgou instrutivo recapitular, podem considerar-se clássicas. Mas não é tudo. Alguma coisa há ainda que dizer quanto à posição actual do problema. Não no que pertence à questão linguística propriamente dita, já resolvida e ainda agora confirmada pela votação unânime do Congresso da Língua Vernácula (Rio de Janeiro, Outubro de 1949), em que se encontraram representados duzentos professores e filólogos de todo o Brasil; mas no que respeita a pormenores de técnica jurídica, que, embora estranhos ao problema, inevitavelmente o afectaram. Quando, há cinco anos, se verificou o súbito colapso do Governo Getúlio Vargas, suscitaram-se dúvidas de carácter formal sobre determinados actos políticos da gerência transacta, um dos quais foi a Convenção de 1943, de que nos estamos ocupando, considerada inconstitucional por carência do seu instrumento de ratificação. Vejamos o caso. Como é sabido, aquele diploma, foi aprovado aqui, nos termos da Constituição, pela Assembleia Nacional, em sessão que se revestiu de especial solenidade. No Brasil, porém, promulgou-se o Decreto-Lei n.º 14:533, de 16 de Janeiro de 1944, acto legal considerado insuficiente pela nova situação política. E, como o Decreto-Lei n.º 8:266, que homologou o acordo complementar de 10 de Agosto de 1945, havia sido expedido nos termos dos artigos 3.º e 4.º da Convenção, automaticamente a execução do referido acordo foi suspensa, por se fundamentar nas estipulações de ium diploma internacional não ratificado, ou, como se disse, ratificado com preterição das normas constitucionais. O Itamarati remeteu o texto da Convenção aio Presidente da República, que, por seu turno, o enviou ao Congiresso Nacional para efeito de aprovação pelo Poder Legislativo. A situação era, portanto, esta: em Portugal a Convenção estava em vigor; em vigor o acordo complementar de 10 de Agosto de 1945, mandado executar pelo Decreto-Lei n.º 35:228, de 24 de Dezembro do mesmo ano; em vigor o Vocabulário paradigmático de 1947, expressão deste acordo. No Brasil nem Convenção nem acordo, passando a vigorar, como código ortográfico, o Vocabulário brasileiro de 1943, quer dizer, regressando-se a uma forma pretérita e reconhecidamente imperfeita do acordo idiomático entre as duas nações. Teve o piresidente da Academia das Ciências, quando embaixador em missão especial ao Rio (Maio de 1949), ensejo de em discurso pronunciado em sessão solene da Academia, chamar para a situação a atenção benévola dos Poderes Públicos brasileiros. Felizmente, essa situação encontra-se hoje esclarecida e prestes a modificar-se. As comissões parlamentares de Diplomacia e Tratados, de Educação e Cultura, de Constituição e Justiça deram já parecer favorável à Convenção (sessões de 19 e 25 de Janeiro findo); e, logo que reabra o Congresso Nacional, ser-lhe-á apresentado o seguinte decreto legislativo, redigido pela Comissão de Diplomacia: «Artigo 1.º Fica aprovado o texto da Convenção Ortográfica firmada entre o Brasil e Portugal, em 29 de Dezembro de 1943, em Lisboa; Art. 2.º Revogam-se as disposições em contrário». Uma vez aprovado pelo Congresso da grande nação este instrumento diplomático como já o foi entre nós pela Assembleia Nacional - estará concluída, pela consequente entrada em vigor do Decreto-Lei brasileiro n.º 8:266, a obra política de unidade que, no domínio da língua, as duas pátrias irmãs se propuseram levar a efeito. A quem compete hoje o zelo da «defesa, conservação e expansão» da língua portuguesa? Apenas ao Estado Português? Não. Ao Estado Português e ao Estado Brasileiro, conjuntamente, porque ambos, nos expressos termos do artigo 1.º da Convenção, resolveram exercer em comum esta função meritória, nada resolvendo de futuro qualquer deles sem a colaboração e acordo do outro (artigo 3.º). Em virtude da restrição consentida das respectivas soberanias, o problema situa-se para os dois países, predominantemente, no plano internacional. E, sendo assim, não parece a esta Câmara necessário repetir na Constituição Política da Nação Portuguesa aquilo que já está expresso no nosso direito constituído e que, por se tratar de uma língua em regime de condomínio, se encontra no lugar que lhe é próprio: a Convenção entre a Nação Portuguesa e os Estados Unidos do Brasil.

III

Conclusões

9. O exame, aliás perfunctório, que acabámos de fazer dos aspectos gerais da política linguística e da posição especial do problema político da língua portuguesa permite-nos chegar a algumas conclusões. No domínio interno, a política da língua confunde-se, até certo ponto, com a política do ensino. As escolas primárias, complementares, médias, superiores - que, em conformidade com a doutrina do artigo 43.º da Constituição Política, o Estado se obriga a manter, e, além das escolas, os organismos científicos sobre os quais se exerce a sua acção coordenadora (§ 2.º do mesmo artigo), são os instrumentos dessa política (ensino gramatical, ilustração da língua, culto dos padrões clássicos, investigação científica no domínio filológico). No que respeita à política exterior do idioma, o objectivo essencial é a «expansão» (difusão de uma língua para além dos limites geográficos do país de origem, como agente de cultura intelectual, de influência política e de penetração económica). Quando, porém, a língua não constitui apenas património original de uma nação, mas condomínio de outras - em especial tratando-se de um idioma histórico -, a política de expansão exige, como condição de êxito, que as nações condóminas mantenham ou assegurem a unidade do idioma comum, senão - bem entendido - a unidade ortoépica, sujeita a variantes inevitáveis (clima, influências étnicas), pelo menos a unidade ortográfica e gramatical (mínimo de «unidade didáctica» indispensável ao ensino, mormente de estrangeiros). Todas as nações são interessadas no prestígio da sua língua; e o prestígio das línguas modernas é hoje função, não apenas da dignidade dos seus monumentos literários, mas, sobretudo, do valor político e económico que lhes é atribuído pela extensão territorial que dominam e pelo volume demográfico dos povos que as usam (línguas imperiais). A política da expansão, como a política da unidade - fundamentalmente, uma e outra, políticas de defesa, exercem-se pelas chancelarias, mediante negociações interacadémicas, interuniversitárias e intergovernamentais, que encontram a sua expressão, senão definitiva (nada há de definitivo no domínio das línguas), pelo menos temporariamente estável, nas convenções e acordos internacionais. Portugal e o Brasil, abrindo porventura o caminho a outras nações, regularam o seu problema linguístico nos termos de uma Convenção,

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única até hoje na história do direito internacional público, que, como vimos, não se limita a assegurar a unidade ortográfica nos dois países; vai mais longe, porque entrega a defesa, expansão e prestígio da língua portuguesa, não apenas à guarda de uma nação, mas ao zelo fraterno de ambas. A Câmara Corporativa, prestando aliás homenagem à iniciativa dos Srs. Deputados proponentes, entende, como ficou dito, que o aditamento proposto não é necessário. 0 que tinha de ser regulado na Constituição já o foi: é o que respeita ao ensino (artigo 43.º o seu § 2.º), em que só inclui, naturalmente, o ensino da língua. 0 que não foi não carece de o ser, porque consta já da Convenção de 29 ao Dezembro de 1943, hoje lei do País, como expressão da vontade nacional e como compromisso de direito internacional. Esta Câmara devemos acentuá-lo ainda - não considera o aditamento apenas desnecessário; julga-o inoportuno. Na hora em que o Congresso Nacional brasileiro, depois ao tantas vacilações e incertezas, vai aprovar a Convenção, não é talvez conveniente praticar um acto que, pelo seu carácter de unilateralidade, pode ser interpretado como possível preparação do regresso
de Portugal à política ao isolamento que produziu o erro ao 1911, quer dizer, como indício de que o nosso país, por qualquer razão, prefere administrar sózinho o morgadio da língua. Não está de modo nenhum na nossa intenção fazê-lo. Portugal, fiel aos compromissos internacionais que assumiu, orgulha-se de partilhar com o Brasil tão honroso encargo, penhor, para todos nós, do esplendor e da imortalidade, da língua portuguesa.

Palácio de S. Bento, 13 de Abril de 1951.

Marcello Caetano.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
José Joaquim de Oliveira Guimarães.
Rafael da Silva Novas Duque
António Pedro Pinto de Mesquita.
Francisco Marques.
Luís Supico Pinto.
Pedro Teotónio Pereira.
Tomás de Aquino da Silva.
Júlio Dantas, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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