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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.°130

ANO DE 1952 l DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.°130, EM 31 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

Nota - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 118, inscrindo o relatório e contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1950.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 7 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 128 e 129 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Sá Carneiro chamou a atenção do Governo para a grave situação financeira da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
O Sr. Deputado Pinto Barriga falou sobre a venda de títulos de crédito em poder do Estado.
O Sr. Deputado Magalhães Pessoa apresentou um requerimento sobre o funcionamento do Aeroporto da Portela de Sacavém.

Ordem do dia - Concluiu-se a discussão, na generalidade, do projecto de lei, da autoria do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, relativo ao abandono de família. Falaram os Srs. Deputados Carlos Mendes, Santos Carreto e Paulo Cancela de Abreu.
Na especialidade foi aprovado o texto sugerido pela Câmara Corporativa com emendas apresentadas pelos Srs. Deputados Santos Carreto, Lopes da Fonseca, Sá Carneiro, João Neves e José Meneres.
Foi aprovado o texto definitivo da proposta de resolução da Assembleia Nacional relativa ao Protocolo Adicional ao Tratado do Pacto do Atlântico Norte.
Foi também aprovado um voto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para a elaboração dos textos definitivos de diplomas já aprovados.
O Sr. Presidente interrompeu os trabalhos da Assembleia de l de Fevereiro, inclusive, a 29 do mesmo mês, inclusive.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 10 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Finto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.

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Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José Pinto Meneres.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Solva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bastos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 89 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão. Eram 16 horas e 7 minutos.

Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 128 e 129 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum dos Srs. Deputados pedir a palavra sobre os mesmos, considero-os aprovados.

Deu-se conta do seguinte

Expediente
Telegramas

Da Associação Comercial da Beira dando inteiro apoio às considerações do Sr. Deputado Mascarenhas Gaivão aquando da discussão da proposta de lei sobre o condicionamento industrial.
Da Associação Comercial de Gaza no mesmo sentido.
Do Grémio de Lanifícios da Covilhã apoiando o discurso do Sr. Deputado Morais Alçada sobre a construção da estrada de Pedras Lavradas.
Do Grémio do Comércio da Covilhã, da Câmara Municipal da Covilhã, da União Nacional do concelho da Covilhã e da Junta de Freguesia de Tortosendo no mesmo sentido.
O Sr. Presidente:-Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para os fins do § 3.° do artigo 109.° da Constituição, os n.0818, 19 e 20 do Diário do Governo, de 24, 28 e 29 do corrente, que inserem os Decretos n.08 38:614, 38:615, 38:618, 38:619, 38:620 e 38:621.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os documentos pedidos pelo Sr. Deputado José dos Santos Bessa na sessão de 10 de Abril do ano findo, que vão ser entregues àquele Sr. Deputado. Igualmente estão na Mesa os documentos solicitados pelo Sr. Deputado Botelho Moniz, que também vão ser entregues a este Sr. Depurado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: há na cidade do Porto uma instituição quase cinco vezes secular que, pelo menos em oito hospitais -um com mais de oitocentos doentes -, trata carinhosamente toda a espécie de enfermidades, recolhe órfãos, velhas e velhos inválidos, asila cegos e surdos-mudos, interna menores, dando-lhes educação geral e profissional, faz assistência infantil, distribuindo enxovais a crianças nascidas no seu hospital geral subsidia tuberculosos, presta socorros domiciliários, por meio de subsídios mensais a indigentes, em suma, nos seus dezassete estabelecimentos faz a mais extraordinária obra de assistência que existe em Portugal.
Desnecessário seria dizer que me refiro à Santa Casa da Misericórdia do Porto, cuja acção se estende a todo o Norte do País.
Durante séculos essa instituição viveu sem necessitar do auxílio do Estado, não obstante o verdadeiro serviço público que prestava e presta.
Acudiam as dádivas dos benfeitores, que conheciam a acção beneficente da Santa Casa e o tradicional espírito altruísta dos seus mesários, que, no início da instituição, pagavam do seu bolso as despesas diárias do hospital.

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Com o incremento dos servidos tal sacrifício não podia bastar para o custeio de encargos que foram atingindo proporções astronómicas.
Mas sempre na Santa Casa se manteve o ideal cristão da caridade e a tradição da mais honrada das administrações.
Trata-se de irmandade canonicamente erecta - há que lembrá-lo, quando se teme a burocratização destas casas, que são uma das mais belas aflorações da tradição cristã do nosso país.
Os portuenses sentem pela sua Santa Casa o maior carinho, e sempre têm afluído os benfeitores, que, em vida ou em suas últimas vontades, a contemplam generosamente.
A Misericórdia do Porto era rica e não carecia de subsídios do Estado.
Suponho que o primeiro que ela obteve foi pedido pelo antigo provedor António Calem Júnior, a quem a Misericórdia muito deve, quando Deputado da Nação, aquele que foi pai de um nosso estimado colega.
O facto não deixou de suscitar apreensões a outro grande provedor, o Dr. António Luís Gomes, que durante muitos anos dedicou a sua vida à Misericórdia e a quem os nossos tribunais fizeram plena justiça nos pleitos em que, lamentavelmente, se viu envolvido.
É que o Estado, quando subsidia, quer exercer ingerência nem sempre compatível com a própria índole das instituições.
Os subsídios concedidos à Misericórdia do Porto têm oscilado; entre ordinários e eventuais, subiram a 17:000 contos em 1946, mas no último ano pouco passaram de 10:000 contos.
É certo que, além dos subsídios, a Misericórdia recebeu diversas importâncias em pagamento de serviços, quer pelo tratamento de doentes admitidos pela Direcção Geral da Assistência, quer pelo Centro Psiquiátrico da Zona Norte, quer pelo Instituto do Assistência a Menores, para as surdas-mudas internadas no Instituto Araújo Porto.
Mas estes últimos pagamentos não podem considerar-se subsídio e, constituem até encargo para a Santa Casa.
Cada doente paga 20$ diários e custa à Misericórdia quase 27$, o que causa um prejuízo anual da ordem dos 1:000 contos, dado o número de doentes admitidos - 360 a 370.
Por cada surda-muda recebe a Santa Casa 220$ mensais exactamente o que ela paga pêlos surdos-mudos que, de sua conta, faz admitir na Casa Pia de Lisboa; uma tal importância não chega para a satisfação do respectivo internato.
Soube hoje mesmo, no Ministério do Interior, por amável deferência do ilustre titular dessa pasta, que tem sido um grande amigo da Misericórdia, no que é coadjuvado por outro distinto nortenho, o Sr. Subsecretário de Estado da Assistência Social, que os subsídios concedidos para o corrente ano são de 7:800 contos para o Hospital de Santo António e de 500 contos para o Hospital do Conde de Ferreira e outro tanto para o Sanatório de Semide.
Estas verbas, que somam 8:800 contos, são manifestamente insuficientes e não estão em relação com o número de camas daqueles estabelecimentos. Dos 93:830 contos da dotação orçamental de 1952 para estabelecimentos hospitalares, aos Hospitais Civis de Lisboa foi atribuído o subsídio ordinário de 55:000 contos, pura 4:085 camas.
Mas no ano findo, dos 91:000 contos da dotação, esses Hospitais receberam como subsídio ordinário 54:400 e 4:500 como subsídio eventual.
No mesmo ano a Misericórdia do Porto, que só no seu Hospital de Santo António possui mais de 800 camas, teve apenas 10:000 contos de subsídio ordinário e auxílios extraordinários -nem todos de verdadeira utilidade para a instituição- que não ultrapassaram 179 contos.
O confronto é impressionante.
O déficit actual da Misericórdia do Porto excede 3:000 contos e tem diversas origens.
O Código Administrativo impõe às câmaras encargos excessivos em relação às suas receitas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Daí a existência de elevados débitos de câmaras à Misericórdia do Porto.
Em 31 de Dezembro do ano findo, entre câmaras municipais, comissões municipais de assistência e outras Misericórdias, a do Porto era credora de perto de 300 contos.
As caixas de previdência, que pagavam uns 500 contos por ano, deixaram de satisfazer qualquer importância, aguardando-se a publicação de um diploma dos Ministérios do Interior e das Corporações a esse respeito.
O Ministério da Educação Nacional, a quem ultimamente a Misericórdia pediu um subsidio de 500 contos, bem devia concedê-lo, pois o antigo contrato entre a Misericórdia e a Faculdade de Medicina é fonte de despesas para aquela, visto não só os doentes estarem mais tempo nas enfermarias da Faculdade, como aí se empregam remédios mais caros.
A Misericórdia não pode, com as receitas de que dispõe, fazer face aos seus encargos.
Peço, pois, urgentes providências ao Governo para que habilite aquela instituição a desempenhar cabalmente a sua missão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: na sessão de 24 de Janeiro falou o nosso distinto colega Sr. Jacinto Ferreira, professor eminente da Universidade Técnica, pessoa com quem tenho travado alguns combates de ordem doutrinária e por cuja acção parlamentar tenho manifestado a maior e mais alta consideração moral e intelectual, devido ao extraordinário desassombro com que faz sempre as suas afirmações.
O assunto que S. Ex.ª ventilou é interessante, mas só hoje me coube a palavra na escala de inscrição.
Como esse problema foi tratado no período reduzido de antes da ordem do dia, isso naturalmente prejudicou bastante a exposição, porque, essa questão aparece assim demasiadamente simplificada. Mas estou certo de que, se S. Ex.ª anunciar um aviso prévio, então terá ensejo de desenvolver a sua doutrina, dando o devido lugar ao problema, e, certamente, teremos ocasião de verificar a coincidência dos nossos pontos de vista.
Não nos interessa, por agora, a origem da carteira de títulos do Estado, mas sim a sugestão do Sr. Deputado Jacinto Ferreira preconizando a venda dos títulos que o Estado possui em empresas particulares.
O Sr. Jacinto Ferreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
Desejo apenas esclarecer que não propus que o Estado vendesse a sua carteira de títulos. Apenas sugeri que o Estado, na medida em que o ditasse o interesse nacional, se desfizesse de alguns.
O Orador:-Agradeço a interrupção de V. Ex.ª, que me veio dar a certeza de que as nossas posições neste problema não são muito afastadas. Havia em primeiro

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lugar que distinguir entre os títulos em carteira que têm realmente probabilidade de venda, porque dão um dividendo regular ou asseguram posições de comando, e os que são pouco interessantes sob o ponto de vista de cotações na Bolsa.
Com a venda maciça dos títulos iríamos cair fatalmente numa alternativa de desvantagens: ou seriam comprados pelo grande público, desviando esse capital fresco de investimentos novos, proveitosos e economicamente de acarinhar; ou seriam adquiridos por grupos capitalistas, que assim se assenhoreariam de posições de predomínio na macro e microeconomia, para enfrentar as quais o Estado não estaria preparado, nem sequer por uma boa regulamentação das sociedades anónimas, para exercer uma adequada fiscalização sobre esse tipo de sociedades, perigosamente ligado aos mais altos e sagrados interesses do País.
Bem alto afirmo que o Estado não pode abandonar a sua posição de accionista, que lhe permite uma fiscalização rápida, segura e maleável no underground do grande anonimato, sem antes se fixar numa boa posição estratégica, donde possa exercer amplamente uma enérgica acção fiscalizadora e reguladora.
Termino, como principiei, prestando inteira justiça às intenções do Sr. Deputado Jacinto Ferreira, que afinal, tinha disso a certeza, eram idênticas às minhas.
No aviso prévio, se S. Ex.ª o anunciar e for generalizado, ou na discussão das contas públicas, terei ocasião de desenvolver este assunto, que bem o merece e que não pode ficar restrito apenas à carteira de títulos na posse da Fazenda Nacional, mas estender-se também aos títulos privados em cofre nos organismos autónomos estaduais ou mesmo parafinanceiros.
Tenho dito.

Vozes:-Muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Magalhães Pessoa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento:
Nos termos do disposto no artigo 11.° do Regimento, requeiro que, pelo Ministério das Comunicações, me sejam prestadas as seguintes informações:
a)Número de vezes e por quanto tempo de cada vez, nos anos de 1950 e 1951, esteve encerrado ao trânsito, por motivo de nevoeiro, o Aeroporto da Portela de Sacavém;
b) Indicação dos aviões de carreira que, por falta de visibilidade, deixaram de aterrar no mesmo Aeroporto;
c) Número de passageiros que nesses aviões se destinavam a Lisboa e campos do estrangeiro onde tiveram de descer.

Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na primeira parte da ordem do dia, o projecto de lei sobre o abandono da família.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Mendes.

O Sr. Carlos Mendes: - Sr. Presidente: sendo a família, como diz um velho axioma cristão, seguido na nossa lei fundamental, «a célula natural e renovadora da comunidade civil», muito, por isso, sobre ela se tem escrito.
Vasta é a bibliografia, enriquecida há pouco com um profundo trabalho -Responsabilidades Familiares -, publicado pelo ilustre Deputado Dinis da Fonseca.
De um modo especial, os pontífices romanos, mestres da verdade, têm marcado directrizes, em encíclicas e alocuções.
Mas, se é vasta a doutrina, não o é menos a legislação. Completa a síntese que o ilustre Deputado Paulo Cancela de Abreu apresenta no relatório do seu projecto em discussão.
Com razão preconiza a necessidade de um código de família. Compilação de todos os variados diplomas publicados que lhe dizem respeito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Toda essa legislação não tem, porém, conseguido pôr um travão à crise em que a família se vai debatendo.
E isso, certamente, por em grande parte dos casos combater os efeitos sem mesmo os atingir.
É que, como diz o parecer da Câmara Corporativa, a acção do Estado na vida da família é necessariamente muito restrita e cheia de melindre, precisamente por ser uma instituição natural e que assenta, sobretudo, em virtudes morais.
Torna-se, porém, urgente e inadiável destruir as causas da crise da família. Para tanto indispensável se torna a protecção do Estado, agindo por meios indirectos.
Assim o faz a Constituição no seu título III, artigos 12.° a 15.°.
Em defesa da família, conforme o estabelecido no artigo 14.°, muito se tem feito e nunca é demais acentuá-lo: os bairros de casas baratas e económicas, as maternidades, os centros materno-infantis, o imposto sucessório, as escolas, além de outros, aí o estão mostrando claramente.
Mas será o bastante?
Indispensável em primeiro lugar, como diz o sociólogo belga Jacques Leclercq, citado pelo Dr. Dinis da Fonseca, «porque se torna essencial, para vencer a crise da família, a tomada de consciência da sacramentalidade do casamento».
A situação económica da família é problema que, nomeadamente com os contratos colectivos de trabalho, se tem procurado melhorar, mas estamos longe ainda do salário familiar, preconizado nas encíclicas sociais e estabelecido no n.° 3.° do artigo 14.° da Constituição e nos artigos 21.° e 24.° do Estatuto do Trabalho Nacional.
O abono de família é outra conquista. E, se se distribuem já hoje 43:000 contos, quão grandes não seriam os benefícios se se lhes adicionassem mais os 120:000! E certamente mais se nobilitaria o princípio estabelecido se acabassem certas e inexplicáveis excepções. Como tudo, de resto, foi preconizado em Coimbra, no Congresso da União Nacional, em Novembro passado, e até mesmo nesta tribuna aquando da discussão da Lei de Meios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Verdadeiramente excepcional é o que se tem feito quanto ao problema da habitação. Impõem-se, porém, disposições rigorosas, obrigando, sob graves penas, a transformar tantos antros infectos por que se pagam rendas fantásticas; a dissolução de costumes, tantas vezes sob os olhares complacentes de quem a devia evitar; a entrada dos menores nos espectáculos, ainda por regulamentar, apesar de tantas vezes nesta Assembleia se ter preconizado a sua urgência;

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - ... a exposição e venda livre de tantos livros, revistas e gravuras da mais baixa licenciosidade são tantos outros factos em auxílio da filosofia comunista, que considera a família o inimigo n.° l das suas aspirações colectivas, pois, como dizem, não poderão demolir a sociedade actual se não destruírem a família.
Impõe-se acima de tudo fazer desaparecer as causas que levam à comunização da família.
O projecto em discussão é mais uma tentativa para combater os efeitos da crise familiar, não atingindo as causas que a provocam, podendo até deixar a impressão de que não é possível dominá-las...
Compreendo, porém, muito bem a intenção do ilustre Deputado que o apresentou, merecendo-me o mais franco aplauso.
A sua finalidade é completar disposições já em vigor, punindo-as rigorosamente.
Perfeitamente de acordo.
É preciso chamar à realidade quem se esquece tão leviana como criminosamente de responsabilidades tomadas.
E praza a Deus que o peso da punição imposto no projecto ao degradamento de tantos pais seja mais uma pedra para fortalecer a nossa tão tradicional como cristã instituição familiar.
A ela, em justificada e necessária ofensiva, dedicaram uma boa parte dos seus trabalhos o Congresso dos Homens Católicos, realizado em 1950, o da Mensagem de Fátima, realizado o ano passado, e ainda o 3.° Congresso da União Nacional.
As conclusões destes Congressos poderemos resumi-las no que disse Pio XII, justamente cognominado o Defensor da Família, no discurso de 2 de Novembro de 1950:
Se se quer trabalhar activamente para salvaguardar a sociedade humana é preciso nada desprezar para amparar e salvar a família e torná-la capaz de se defender a si própria.
E Salazar ao afirmar:
A revolução continua enquanto houver um lar sem pão.
Não queria certamente referir-se só ao pão nosso de cada dia, mas também ao pão de espírito, à formação moral do lar.
Que esta cruzada em defesa da família sirva ao menos para abrir os olhos aos que não querem ver como ela, enfraquecendo-se nas suas tradições, se vai comunizando, esquecendo-se ainda de que, sendo ela a célula natural e renovadora da Pátria, nesta se repercutirá directamente o seu abastardamento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Carreto: - Sr. Presidente: a louvável iniciativa do nosso ilustre colega Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu, parlamentar distinto e zeloso lutador da boa causa, traduz uma preocupação e visa um alto objectivo.
Há, de facto, na moderna sociedade motivos de sobejo para sérias e graves preocupações.
Em face do notável enfraquecimento do espírito de família, que dia a dia se acentua lastimosamente, e da sua consequente e inevitável desagregação, nenhum português - que o seja devotadamente - pode deixar de sobressaltar-se e alarmar-se.
Se a família é «a primeira e verdadeira célula da sociedade» e a base essencial da vida da Nação, é evidente que nada pode interessar-nos tanto como tudo quanto respeita à vida familiar e que, como já tive ocasião de dizer aqui, uma nação valerá o que valerem as famílias que a constituem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Importa por isso promover, por todas as formas, que a família viva vida alta, protegendo-a decididamente contra tudo o que possa embaraçá-la no seu desenvolvimento e na realização dos fins para que foi instituída.
«A defesa de todas e cada uma das famílias é para o Estado uma razão de interesse público», como brilhantemente disse ontem aqui, em seu admirável discurso, a nossa distinta colega Sr.ª D. Maria Leonor Correia Botelho, espírito formosíssimo de mulher cristã e portuguesa que generosamente vai consumindo o melhor da sua vida ao serviço de uma cruzada que lhe tomou a alma toda.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Com rigorosa justeza se afirma também no douto parecer da Câmara Corporativa que a família é a guardiã das virtudes e tradições que formam a alma nacional e nela nascem e se desenvolvem espontaneamente o respeito pela autoridade e o espírito de sacrifício e dedicação, sem os quais o próprio Estado não pode viver».
A ninguém, pois, é lícito negar ao Estado o direito e também o dever de tomar todas as providências para que a família não enfraqueça no espírito que deve informá-la e animá-la, nem deixe de ser o que em todas as circunstâncias importa que seja: célula viva da própria vida nacional, forja inexaurìvelmente fecunda das melhores e mais altas virtudes humanas.
Não tem outro objectivo o projecto de lei em discussão, e por isso não podemos regatear ao seu ilustre autor efusivos louvores e agradecimentos.
Velar pela segurança familiar, impedir que a vida da família se altere e se desvirtue, punir com energia os perturbadores e pervertedores do seu espírito é função que o Estado não pode deixar de exercer com zelo prudente e decidida firmeza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Mas é manifesto, como diz o douto parecer da Câmara Corporativa, que a acção do Estado não pode exercer-se senão sobre factos de ordem exterior, visto que «a família não é uma simples criação jurídica, mas uma instituição natural, que assenta sobretudo em vínculos morais, espontaneamente gerados entre os seus membros e relacionados com o que há de mais profundo e recatado na vida humana».
De facto, Sr. Presidente, que é a família?
Um grande escritor não encontrou termo que melhor e mais exactamente a definisse do que este: amar. Nascida no amor, no amor se desenvolve e no amor se consome realmente.
Podemos, portanto, dizer que é o coração o grande arquitecto deste santuário bendito que é a família. E o coração, Sr. Presidente, é soberano absoluto, por vezes despótico e fortemente cioso dos seus direitos e das suas decisões.
Pode, na verdade, o Estado constrangê-lo a determinadas atitudes e manifestações externas, mas jamais logrará levá-lo a viver sentimentos que não tem, anseios que não criou, aspirações que o não atraem, generosidades e imolações que só o amor é capaz de inspirar e impor.

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No coração não se manda; positivamente não se pode mandar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Quem pode levá-lo a amar o que o não atrai e prende? Quem poderá exigir-lhe heróicos sacrifícios se ele não viver apaixonadamente o ideal que os reclama?
O projecto de lei em discussão vem estabelecer as sanções julgadas necessárias para a boa defesa da família contra tudo quanto possa perturbá-la na realização dos altos desígnios que, ao instituí-la, a Providência marcou.
Mas serão essas sanções providência suficiente para garantir a segurança da família e fazê-la viver a vida sã que se impõe?
O abandono da família é, sem dúvida, causa de muitos e desastrosos males que envolvem o lar doméstico; mas não é, positivamente, causa de todos os males. Ele próprio é efeito de outras causas que têm raízes mais fundas na vida do homem.
E, como muito bem disse o nosso ilustre colega Dr. Miguel Bastos, «de nada servirá cominar penas contra certa infracção se se deixarem actuar livremente as causas que a originam».
Ora, se é o coração o grande arquitecto do santuário familiar, importa ir até esse mesmo coração para o formar no melhor conceito da vida e fazê-lo viver com paixão verdadeira todas as virtudes que o devem adornar, elevar e enobrecer.
Quer dizer: há que atender com solicitude viva e indefectível à conveniente preparação dos obreiros da família, formando-lhes cuidadosamente a consciência, a vontade, o carácter, a sensibilidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Tem-se feito neste sentido o esforço sério que se impõe? Onde as escolas de preparação e formação para o matrimónio?
Onde e como se procura pôr na inteligência e no coração dos futuros esposos o sentido exacto da vida matrimonial, os seus deveres, os seus encargos, a grandeza da sua missão, a nobreza da sua fidelidade, os encantos da sua virtude e os méritos e alegrias da própria imolação?
Sr. Presidente: a sociedade de hoje é acentuadamente caracterizada pelo culto do mais desordenado individualismo.
É o individualismo na ordem das ideias, que se traduz no mais indomável orgulho do espírito ...
É o individualismo na ordem dos sentimentos, que, em nome dos chamados «direitos do homem», ou, melhor, em nome das mais estranhas exigências do egoísmo individualista, se recusa obstinada e altivamente a obedecer ...
É o individualismo na ordem das paixões, que procura gozar a vida o mais e melhor possível, em louca sofreguidão, a toda a velocidade e a todo o preço...
E não se quis ou não se soube evitar que este conceito egoísta da vida humana viesse a ter deplorável repercussão sobre a própria ideia da família, tal como a boa razão a compreende e Deus a instituiu.
Daí a desoladora decadência que assinala a vida familiar de hoje. Daí todo o sudário de desventuras que envolve a vida de grande número de famílias portuguesas que, perdido o rumo da sua alta missão, deixaram de ser o que em outros tempos foram - fonte inexaurível das melhores virtudes.
De quem a responsabilidade de não se ter prevenido o mal? De quem?
Sr. Presidente: eu não vou certamente isentar de culpa aqueles que, por imperativo da sua especial missão, têm o encargo de formar as consciências robustecer as vontades, iluminar os caminhos da vida que importa percorrer e fazer percorrer em espírito de generosa imolação.
Com profunda mágoa e preocupação tenho de reconhecer que a paz - esta paz bendita que, por graça de Deus e dedicado e inteligente esforço do Homem providencialmente constituído guardião da Casa Lusitana, temos usufruído - vem tornando menos vivas e menos vívidas as responsabilidades do apostolado, lançando-nos, talvez, num lamentável comodismo ou exagerada con-, fiança, cujas consequências desastrosas não somos capazes de medir nem na sua profundeza nem na sua extensão. Com humildade temos de dizer, e dizemos realmente, o nosso poenitet me peccati.
E o Estado? Poderá ele sentir-se de consciência tranquila em assunto que tão profundamente interessa à vida da Nação?
Em seu douto parecer diz o ilustre relator que «a família não se basta a si mesma e carece de protecção desvelada por parte do Estado».
De facto é assim. Por isso a Constituição Política da República Portuguesa afirma o dever dessa protecção e amparo; e fá-lo em termos expressivos de esplêndida doutrina.
Volto porém a perguntar: temos nós vivido, como é mister, essa doutrina magnificamente concebida e afirmada?
Têm-se prodigalizado à família, por forma eficiente, a protecção e a defesa de que ela carece?
Vejamos com o criterioso parecer da Câmara Corporativa. Asseguro a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara que não vou dramatizar. Procurarei apenas pôr-me e pôr a Câmara e o Governo ante estranhas realidades que a muitos talvez passem despercebidas e que, no entanto, pelas suas graves consequências, carecem de ser cuidadosamente encaradas, sentidas e urgentemente remediadas. Não podia ser outro o meu objectivo.
Como já tive oportunidade de dizer aqui, não é o problema económico o problema máximo da vida humana. Mas é sem dúvida um problema muito grave, que provoca e se entrelaça com outros graves e fundamentais problemas da vida.
Porque assim é na verdade, a Constituição, em seu artigo 14.°, estabelece como medidas indispensáveis de protecção à família, entre outras, a instituição do casal de família e o salário familiar.
São já consoladora realidade estas salutares providências?
Com verdadeiro pesar temos de verificar que, neste capítulo, continuamos a viver de esperanças apenas.
Em vez do desejado e justo salário familiar temos aí o chamado «abono de família», que, como já aqui se afirmou, quase não passa de um auxílio meramente simbólico, dadas as condições em que é atribuído, o quantitativo que o constitui e as estranhas restrições que o envolvem.
Ser-me-á permitido, Sr. Presidente, renovar e acentuar neste momento alguns dos reparos que, aquando da discussão da Lei de Meios, ousei fazer nesta Câmara? Suponho ser oportuno e útil.
Assim:
Um funcionário público casado com uma funcionária, vivendo na mesma localidade, não recebe abono de família senão quando Deus lhes der o quinto filho. Mas se o funcionário, em vez de casado legitimamente com uma funcionária, com ela se unir ilegitimamente, terá direito ao abono de família logo que tenha o primeiro filho!

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Será isto promover e assegurar a constituição da família e proteger o seu desenvolvimento e a indispensável estabilidade?
Uma funcionária pública contraiu matrimónio com um homem que não é empregado nem possui rendimentos próprios. É ela portanto quem tem de sustentar o casal com os seus vencimentos. Pois não lhe é atribuído o abono de família!
Motivo desta exclusão: o chefe da família é o homem, e não a mulher...
Ocorre então perguntar: mas a afirmada protecção destina-se à família em si ou
à pessoa do seu chefe legal?
Continuemos:
As pensionistas do Montepio Geral do Estado tem direito à pensão que lhes haja sido atribuída enquanto se mantiverem no estado de viúvas ou solteiras. Se contraírem casamento legítimo perdem -e parece que com justiça- esse direito.
Mas se, em lugar de uma união legítima, só lançarem em concubinato mesmo público, é-lhes mantida a pensão sem qualquer incómodo!
Não há aqui uma anomalia desconcertante?
É isto proteger e assegurar a constituição da família?
Eu não sei, Sr. Presidente, se me torno demasiado impertinente com estes reparos, que só por forte imperativo da consciência ouso fazer nesta oportunidade. Seja-me no entanto lícito continuar:
Às enfermeiras dos Hospitais Civis é lamentavelmente vedado o casamento, que, uma vez contraído, importa a imediata e irremissível demissão do lugar. Mas se, em vez de casamento legítimo, uma enfermeira preferir qualquer união ilícita, ninguém a incomodará na sua situação ...
É isto favorecer e proteger a vida da família?
E que dizer do trabalho nocturno das mulheres em estabelecimentos fabris?
E que pensar da ousada persistência de espectáculos imorais ou pervertedores da inteligência e do coração?
E como considerar a continuação de livre entrada de menores em teatros e cinemas de qualquer natureza e qualidade?
E a larga e desmarcada profusão de livros, jornais e revistas pornográficos?
Positivamente «nós estamos assistindo - como diz o magnífico parecer da Câmara Corporativa- à mais intensa campanha de dissolução de costumes que jamais se viu em Portugal e que, em grande parte, é deliberadamente desenvolvida por elementos comunizantes».
Na verdade, Sr. Presidente, é assim. O plano de perversão, habilmente organizado, continua a executar-se sem hesitações e sem desfalecimentos, porque o caminho é seguro e leva direito ao fim que eles querem atingir. Corrompido o coração, o resto virá natural e logicamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-E que esforço de reacção despendemos nós?
Como actua e se defende o Estado em assunto que se prende com a sua própria segurança?
Sr. Presidente: seja-me permitido que pela quarta vez eu lamente aqui, e com mágoa verdadeira, tudo quanto continua a passar-se com a livre entrada de menores em espectáculos públicos
A minha insistência poderá talvez parecer a muitos impertinência ou demasiada teimosia.
Não é, Sr. Presidente. Positivamente, não é. É apenas o grito aflitivo de uma alma que, em desempenho de uma missão verdadeiramente divina e rigorosamente humana, tem consumido a sua vida toda a auscultar atenta e interassadamente os anseios e inquietações de tantos corações juvenis que têm sede de Verdade, de Beleza, de Bem, de Justiça, e aos quais, em vez de luz que lhes ilumine os duros caminhos da vida e de forte bordão a que possam apoiar-se, se prodigalizam imprudentemente os piores incitamentos a uma vida de sensualidade e egoísmo, que fará a sua ruína, e a própria ruína da Pátria.
È um grito de angústia e de alarme este que mais uma vez me salta do coração dolorosamente inquieto, do peito a trasbordar devoção patriótica.
Estão a fechar-se treze anos depois que nesta Assembleia foi votada, e pelo Poder Executivo promulgada, uma lei que estabelece as normas a que deve obedecer a entrada de menores em teatros e cinemas.
Treze anos vão passados, e essa lei, tão salutar e votada com tão alto espírito, não foi ainda regulamentada, continuando portanto sem execução!
Que razões poderá haver que justifiquem tão estranha e perigosa demora em resolver um problema que tão larga e profunda projecção tem na própria vida nacional?
Não sei. Apenas sei - e quero aqui afirmá-lo gritantemente- que nenhuns interesses, de qualquer natureza que sejam, podem sobrepor-se aos sagrados interesses da alma da nossa juventude, que é toda a nossa esperança, que é todo o futuro da Nação!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: do alto desta tribuna, cujas responsabilidades eu sei medir em toda a sua extensão, ouso mais uma vez clamar, com toda a veemência do meu coração de português, que a alma da nossa juventude vale infinitamente mais que todos os problemas que no Mundo possam surgir e agitar-se, porque ela é -repito- toda a vida, toda a segurança da própria Pátria.
Que o Governo oiça a minha pobre e humilde voz, que, neste caso, é a voz mesma da Igreja em sobressalto e da Pátria Portuguesa, que não quer perder-se afogada em ondas de perversão moral.
Sr. Presidente: neste organismo vivo que ó a Humanidade em marcha para o progresso a família é a célula social por excelência. E a família tem de ser tal como Deus a instituiu e os interesses humanos exigem que seja.
Consentir na sua corrupção é minar os próprios alicerces da vida social. Com vivo prazer dou, pois, o meu apoio decidido a todas as iniciativas que tenham por objectivo proteger, defender, dignificar e salvar o santuário de amor e de esperanças que a família tem de ser.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: permite o artigo 47.° do Regimento e é praxe os autores dos projectos encerrarem o debate; o debate na generalidade, bem entendido. E, na realidade, sobre o assunto em discussão eu ainda tinha muito que dizer. O problema é vasto e interessante, o assunto é inesgotável e tão transcendente que não cabia nos limites de uma hora que ocupei.
Mas nada se perdeu com isto, porque mais não era necessário dizer; e V. Ex.ª e a Assembleia lucram em serem poupados a divagações já desnecessárias.
Por isso, Sr. Presidente, se subi de novo à tribuna, foi especialmente para cumprir um dever, um duplo dever de gratidão.
É o primeiro o de agradecimento pessoal a todos os ilustres Deputados que intervieram no debate pelas referências amáveis que a amizade de alguns e a boa cama-

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radagem e a benevolência de todos ditaram ao seu coração generoso.
O segundo consiste em agradecer-lhes, como autor do projecto, o entusiasmo, o calor, a elevação e o brilhantismo da sua colaboração, a todos os títulos assinalável, e que fica honrando e enriquecendo a nossa bibliografia parlamentar, não como simples repositório de biblioteca ou arquivo, mas sim como mais um testemunho do aprumo, da dignidade e da independência como aqui são tratados os problemas da Nação.
A todos envolvo numa grata saudação; mas peço licença para especializar uma ilustre senhora e um digno sacerdote, pela particular autoridade que lhes confere a nobre e elevada missão cristã de que estão investidos na terra.
Depois, a Sr.ª D. Maria Leonor Correia Botelho, num discurso brilhante, como todos os que tem proferido nesta Assembleia e em conferências públicas, prestou um depoimento precioso e de raro merecimento, documentado com o seu saber de experiência feito no exercício das suas beneméritas atribuições de assistente social.
E fê-lo de tal modo, com tanta sinceridade e poder de convicção que a todos deixou impressionados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Bela oportunidade se ofereceu para mais uma vez ficar demonstrado que a mulher e o lar cristãos estão bem e dignamente representados na Assembleia Nacional pelas duas distintíssimas e beneméritas senhoras que nos honramos de ter por colegas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mons. Santos Carreto pôs nas suas brilhantes e nobres palavras a autoridade, o escrúpulo e os conhecimentos que são usuais nos assuntos em que intervém; e a sua simples presença nesta tribuna imprime ao debate valor e prestígio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cumpridos estes deveres, não quero terminar sem fazer um pequeno aditamento às minhas considerações de ontem no ponto em que me referi ao que, depois de promulgada a actual Constituição, se fez em defesa do património familiar, tendo indicado a propósito a notável Lei n.° 2:022, de 22 de Maio de 1947. Era justo salientar também a criação do abono de família, e só por lapso não o fiz.
Adiro, porém, inteiramente aos comentários feitos sobre este assunto pela Sr.ª D. Maria Leonor Correia Botelho, por Mons. Santos Carreto e Dr. Miguel Bastos.
Junto à sua a minha mágoa por o abono de família não ter sido aumentado quando recentemente o foi a subvenção ao funcionalismo público, aliás em quantia que, além de exígua, teve o inconveniente de ser precedida de um prévio anúncio, cuja publicidade espectaculosa levou os beneficiários a embalar-se em sedutoras esperanças.
Sem querer de modo algum condenar o aumento concedido, não posso todavia privar-me de sentir que ele não tivesse sido mais avultado e sobretudo - porque era o essencial e mais eficaz - que o abono de família não tivesse um aumento substancial, especialmente para os funcionários que auferem vencimentos mais modestos.
Temos, porém, fé em que o Governo o fará sem demora, tendo em vista a situação de carência em que se encontram muitos lares.
Sr. Presidente: como o Regimento me permite, durante o debate na especialidade enviarei para a Mesa uma proposta de alteração e um artigo novo.
Termino declarando que julgo indiferente a discussão na especialidade ter como base o projecto, ou o texto da Câmara Corporativa ou outro que seja apresentado. Da Assembleia sairá a última palavra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por dez minutos.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 46 minutos.

O Sr. Presidente: - Durante a discussão na generalidade do projecto de lei do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu não apareceu na Mesa qualquer proposta que obste à sua aprovação. Considero-o, por isso, aprovado na generalidade.
Vai passar-se à discussão na especialidade.

O Sr. João das Neves: - Sr. Presidente: requeiro que a votação incida sobre o texto da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sobre se aceita que a votação incida sobre o texto da Câmara Corporativa ou não.
Foi aceite.

O Sr. Presidente: - A discussão na especialidade decorrerá, portanto, sobre o texto da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 1.° sugerido pela Câmara Corporativa, sobre o qual há na Mesa uma proposta dos Srs. Deputados Santos Carreto, Lopes da Fonseca, João das Neves, Sá Carneiro e Pinto Meneres, que vai ler-se.

Foi lida. É a seguinte:

Artigo 1.° Incorrem na pena de prisão correccional até seis meses, não remível:
1.° As pessoas obrigadas judicialmente a prestar alimentos a algum menor que, podendo cumprir essa obrigação, deixarem de fazê-lo por tempo superior a sessenta dias;
2.° Aquele que, obrigado judicialmente a prestar alimentos ao seu cônjuge e podendo prestá-los, deixar de cumprir essa obrigação por mais de sessenta dias;
3.° Os que, por alienação ou ocultação, de bens ou de rendimentos, ou por qualquer outro meio, se colocarem intencionalmente em condições de não poderem ter realização efectiva as obrigações referidas nos números anteriores.
§ 1.° O exercício da acção penal pelos crimes previstos neste artigo depende apenas de denúncia ao Ministério Público por parte de quem tenha legitimidade para exigir o cumprimento da obrigação.
§ 2.° Ficam extintos o procedimento criminal e a pena quando se prove estarem pagos os alimentos em dívida ou quando estes forem pagos dentro de prazo não superior a sessenta dias, fixado na sentença condenatória, ficando neste último caso a pena suspensa pelo tempo estabelecido para esse pagamento.
§ 3.° A gravidez da mulher, conhecida do marido, é circunstância agravante na fixação da pena.

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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Pelo motivo que já indiquei, votei, sem constrangimento, o requerimento do ilustre Deputado João das Neves no sentido de a discussão na especialidade incidir sobre o parecer da Câmara Corporativa. É indiferente, repito.
Imperaram também no meu voto duas circunstâncias mais: primeira, o desejo de, quanto possível, obtermos uma solução que esteja no conceito unânime da Assembleia; segunda, a circunstância de existir na Mesa uma proposta dimanada das nossas comissões que substitui substancialmente o texto daquele parecer, nomeadamente em dois pontos essenciais em que este divergia do meu projecto, ou sejam: o primeiro, a eliminação dos artigos 4.° e 5.° do texto da Câmara Corporativa, referentes ao lenocínio e ao incesto, que, pelos motivos já expostos, reputo estranhos aos objectivos especiais desta lei (apoiados) ... e o segundo é ficar dependente de simples denúncia ao Ministério Público o exercício da acção penal.
Há, é certo, na proposta de substituição do artigo 1.° submetida à nossa apreciação uma diferença importante do meu projecto inicial. Refere-se ao facto de por essa proposta ser mister haver sempre uma decisão judicial condenando nos alimentos os infractores que incorrerem na sanção penal.
No projecto tive em vista estabelecer este princípio só em relação aos alimentos do cônjuge, porque partia do princípio de que geralmente, neste caso, a obrigação de prestar alimentos resulta de uma sentença judicial, é consequência do divórcio ou da separação de pessoas e bens e, por vezes, embora mais raramente, de simples acção de alimentos intentada pelo cônjuge abandonado, que não pode ou não quer divorciar-se ou separar-se judicialmente.
O mesmo já não penso em referência à obrigação de prestar alimentos a menores, e, por isso, o projecto não tornava necessário que eles estivessem estabelecidos por sentença judicial.
A obrigação de prestar alimentos aos menores é tão fundamental, está tão integrada no próprio exercício do pátrio poder e da tutela e vive tão independente do estado civil ou da conduta dos pais que se me afigurou desnecessária a prévia condenação judicial. Desnecessária e inconveniente "pelas demoras e trabalhos a que dá origem, não obstante a simplicidade processual vigente nos tribunais de menores. A fome é incompatível com delongas.
Há, todavia, quem entenda que a obrigação de alimentos aos menores está implícita no direito a assistência económica e moral que nesta lei se lhes confere; e para isto não é necessária sentença.
De acordo. O argumento convence-me se também ficar entendido que a falta de alimentos importa perigo moral para o menor, isto é, importa a existência do requisito de que fica a depender a acção penal.
Quero referir-me ainda a um aspecto ontem brilhantemente focado pela nossa ilustre colega 3r.a D. Maria Leonor Correia Botelho: é o que diz respeito à legitimidade para promover a acção penal.
Repudiada por todos a necessidade de a acção criminal depender da constituição da parte acusadora (hoje assistente), estabelece-se na lei em discussão que ela depende unicamente da denúncia ao Ministério Público e indicam-se as pessoas que têm legitimidade para fazê-lo.
Mas a Sr.ª D. Maria Leonor Correia Botelho deseja, e muito bem, que se vá mais longe. Como, em geral, as mulheres, por temperamento, educação, receio ou acanhamento, não querem tomar a iniciativa de proceder contra o marido, deseja S. Ex.ª que a atribuição da denúncia fosse extensiva às entidades ou instituições a cuja guarda ou amparo as famílias ou as mulheres estão confiadas.
Ora, quanto aos filhos, eu suponho que o justificado desejo da ilustre senhora está satisfeito na lei geral.
O artigo 1462.° do Código de Processo Civil diz o seguinte:
Leu.
A lacuna existe, pois, apenas no que se refere propriamente à denúncia contra o marido por falta de prestação de alimentos à mulher.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Sá Carneiro: - Pouco acrescentarei ao que foi dito pelo ilustre Deputado Dr. Paulo Cancela de Abreu. A emenda que, com outros colegas, subscrevi mantém, quanto aos n.ºs 1.°, 2.° e 3.°, o texto sugerido pela Câmara Corporativa.
O projecto estabelecia a pena de prisão correccional de um mês a dois anos e multa até 10 contos para infracções variadas, que o artigo 1.° enumerava.
A Câmara Corporativa separou os casos da falta de prestação de alimentos a menores ou ao cônjuge e actos fraudulentos, praticados com o fim de a pessoa que tem obrigação de dar os alimentos se colocar na impossibilidade, pelo menos aparente, de cumprir esse dever, de outras hipóteses de falta de assistência material.
Neste momento apenas interessam os casos do artigo 1.° da Câmara Corporativa.
O autor do projecto apenas exigia a decisão judicial obrigando à prestação alimentícia relativamente ao cônjuge ou ex-cônjuge.
A Câmara Corporativa amplia esse requisito da figura criminal aos alimentos devidos aos próprios menores.
Não obstante as doutas considerações ontem feitas aqui, penso que a exigência deve abranger os dois casos.
Quando a falta de assistência económica e moral possa pôr em perigo o menor, o caso integra-se no artigo 2.°.
Nas outras hipóteses a acção cível - que pode ser antecedida do preparatório dos alimentos provisórios - tem de preceder o processo criminal.
É essa a tradição do nosso direito - artigo 16.° do Decreto n.° 20:431, de 24 de Outubro de 1931, e alínea c) do artigo 1405.° do Código de Processo Civil.
As penalidades do projecto eram talvez excessivas - e todos sabem que as penas demasiadamente violentas conduzem à impunidade.
As propostas pela Câmara Corporativa seriam muito brandas.
A prisão não remível por seis meses é pena séria e que deverá intimidar aqueles que não procedam em obediência a imperativos de consciência.
Uma das novidades do projecto é a de se punirem criminalmente aqueles que não cumpram as decisões judiciais que os obrigam a prestar alimentos aos seus cônjuges ou ex-cônjuges, não obstante poderem dá-los. Era justo que tal sanção não fosse aplicada apenas aos que tinham de dar alimentos a menores.
No projecto do Código da Infância, existente no Ministério da Justiça, punia-se com prisão até dois anos ou com multa aquele que, intencionalmente, faltasse ao cumprimento dos deveres de assistência moral ou económica inerentes ao poder paternal ou tutelar ou à qualidade de cônjuge, de forma a conduzir a família à sua desorganização ou a provocar privações graves, a miséria ou a corrupção das pessoas que constituem a família.

O Sr. José Meneres: - Sr. Presidente: a proposta de substituição do artigo 1.°, que tive a honra de subscrever com outros Srs. Deputados, assenta, como já disseram

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os Srs. Deputados Paulo Cancela de Abreu e Sá Carneiro, sobre o texto proposto pela Câmara Corporativa, com ligeiras alterações.
O Sr. Deputado Sá Carneiro fez referência a uma destas alterações, mas há outra a que ele não se referiu o que é importante pôr à consideração da Assembleia. É a que consta do § 2.°, agora modificado.
Por ele fica extinto o procedimento criminal e a pena quando se prove terem sido pagos os alimentos ou venham a sê-lo dentro do prazo máximo de sessenta dias concedido para esse fim, ficando entretanto suspensa a pena.
Pretende-se com esta alteração dar ao infractor a possibilidade do regularizar a sua situação sem qualquer penalidade.
O juiz fica com a possibilidade de, consoante as circunstâncias, lho dar um prazo para ele pagar, e só no caso de ele não o fazer é que vai para a cadeia.
A lei passa assim a ter um carácter mais preventivo do que punitivo, permitindo ao infractor reconsiderar sobre o seu procedimento, de forma a obter-se para as pessoas que esta lei pretende proteger um resultado útil mais pronto e eficaz, libertando da punição aqueles que, desta forma avisados, ainda poderão vir a ser bons pais ou bons maridos.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à votação.

Em primeiro lugar vou pôr à votação o corpo do artigo 1.° tal como consta da proposta do Sr. Deputado Santos Carreto e outros Srs. Deputados. Segundo esta proposta, o corpo do artigo 1.°, em vez de ficar como se encontra no parecer da Câmara Corporativa, ficará assim: «incorrem na pena de seis meses de prisão correccional não remíveis».

Submetida à votação, foi aprovada a substituição do corpo do artigo 1.° do parecer da Câmara Corporativa pela proposta do Sr. Deputado Santos Carreto e outros Srs. Deputados.

O Sr. Presidente:-Vou pôr agora à votação os n.ºs 1.°, 2.° e 3.° desse mesmo artigo segundo o parecer da Câmara Corporativa, visto que na proposta daqueles Srs. Deputados se concorda com o texto destes números da Câmara Corporativa.

Submetidos à votação, foram aprovados os n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do artigo 1.° do parecer da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Os mesmos Srs. Deputados propõem a substituição da redacção dos §§ 1.° e 2.° deste artigo 1.°, tal como consta do parecer da Câmara Corporativa, pelo que está na proposta anteriormente lida.
Vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada esta proposta de substituição.

O Sr. Presidente: - Os mesmos Srs. Deputados propõem também a adição de um § 3.° neste artigo 1.°, conforme foi lido.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado o § 3.°

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.°.
Sobre este artigo há também na Mesa uma proposta de alteração, subscrita pelos Srs. Deputados Santos Carreto, Lopes da Fonseca, João das Neves, Sá Carneiro e Pinto Meneres, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:

Art. 2.° Incorrem na pena de prisão correccional até um ano, não remível:
1.° Os pais, tutores ou outras pessoas incumbidas da guarda de menores que habitualmente não prestarem a estes a assistência económica e moral que possam dar-lhes, quando daí resulte perigo moral para os mesmos menores;
2.° O marido que, faltando habitualmente para com sua mulher à assistência económica ou moral que possa dar-lhe, sem intenção causar a corrupção dela.
§ 1.° O exercício da acção penal pelo crime previsto no n.° 1.° deste artigo depende apenas de denúncia ao Ministério Público por parte de quem legalmente haveria de substituir o infractor se ele faltasse e no caso do n.° 2.° por parte da própria mulher ou de qualquer dos seus ascendentes ou descendentes.
§ 2.° É aplicável ao caso do n.° 2.° o disposto no § 3.° do artigo anterior.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: quando procurei justificar o projecto, referi-me ao caso especial da obrigação de os pais prestarem alimentos aos filhos e já agora, na especialidade, tive ocasião de voltar ao assunto.
Como VV. Ex.ªs sabem, os alimentos compreendem sustento, educação e vestuário; e esta latitude amarra de tal modo o infractor à obrigação legal que, disse eu, para punir a falta não devia ser necessário prévia sentença civil condenatória.
Trata-se, afinal, de punir um atentado contra a própria existência do menor, e o direito de existência é um direito originário.
Em todo o caso, e com a reserva de, como disse, se entender que a falta de prestação de alimentos contém implícito o perigo moral que nesta lei pretendemos prevenir, não tenho dúvida em concordar com a restrição posta.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Pinto Meneres: - Desejo apenas chamar a atenção da Câmara para a circunstância de na, proposta apresentada se ter suprimido o n.° 1.° deste artigo. É que este n.° 1.° passa a ser objecto de um artigo novo, que será discutido a seguir, sendo essa a razão por que não o aprecio nesta altura, o que farei mais adiante.
Quanto ao n.° 3.° do mesmo artigo da proposta da Câmara Corporativa, que, segundo a proposta apresentada, toma o n.° 2.°, eu preferiria que as penas estabelecidas aí fossem aplicadas a todos os casos em que o marido faltasse com a assistência devida a sua mulher.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se em primeiro lugar o corpo do artigo 2.° conforme a proposta dos Srs. Deputados Santos Carreto, Lopes da Fonseca e outros Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Depois da aprovação da proposta dos Srs. Deputados Santos Carreto, Lopes da Fonseca e outros Srs. Deputados, deve eliminar-se o n.° 1.° do

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artigo 2.°, eliminação de ordem técnica apenas, visto a matéria nele contida passar para o artigo 3.°. Trata-se pois, e apenas, de uma certa ordem no arranjo das matérias.
Consulto a Câmara sobre se autoriza a eliminação do referido número.

Consultada a Câmara, foi autorizada a eliminação.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação os n.ºs 2.º e 3.° do mesmo artigo segundo o parecer da Câmara Corporativa, os quais passarão a constituir, portanto, respectivamente os n.ºs 1.° e 2.° do mesmo artigo.

Submetidos à votação foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Segue-se a votação dos §§ 1.º e 2.° do artigo 2.°. Os Srs. Deputados Santos Carreto e Lopes da Fonseca propõem a sua substituição. Como a respectiva proposta já foi lida, ponho-a a votação.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Deduzo, da maneira como está redigida essa proposta, que é intenção dos seus proponentes eliminarem os §§ 3.º, 4.° e 5.° deste artigo, que passariam a constituir matéria de outra proposta que SS. Ex.ªs apresentaram.

Submetida à votação, foi aprovada a eliminação dos §§ 3.°. 4.° e 5.°.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.°, sobre o qual há na Mesa uma proposta dos Srs. Deputados Santos Carreto e Lopes da Fonseca.
Foi lida. É a seguinte:

Art. 3.° Incorre na pena de prisão correccional até dois anos, não remível, o cônjuge que abandonar o domicílio conjugal por tempo superior a seis meses e cumulativamente infringir gravemente o dever de socorrer e ajudar o outro cônjuge ou os deveres inerentes ao dever paternal.
§ 1.° Quando o facto previsto neste artigo se verificar repetidamente, mas por menos de seis meses em cada vez, somar-se-ão para a contagem deste prazo os lapsos de tempo cor que houverem perdurado, sempre que, por falta de intenção de restabelecer a vida em comum, esses factos devam considerar-se cometidos em continuação uns dos outros.
§ 2.° Não haverá crime quando o abandono for devido a razões sérias, perante as quais não seja equitativo exigir-se comportamento diverso do do agente, e, em especial, quando for determinado por alguma das seguintes circunstâncias:
1.ª Provocação grave por parte do cônjuge abandonado;
2.ª Necessidade de subtrair os filhos menores a algum perigo grave, físico ou moral;
3.ª Necessidade de evitar um mal grave e iminente para o próprio agente, quando esse mal não resultar de circunstâncias que especialmente imponham o dever de socorrer e ajudar o cônjuge abandonado.
§ 3.° O exercício de acção penal pelo crime previsto neste artigo depende apenas de denúncia ao Ministério Público por parte do cônjuge abandonado.
§ 4.° Ficam extintos o procedimento judicial e a pena pelo crime previsto neste artigo se o agente regressar ao lar com intenção de restabelecer a vida em comum e não cometer qualquer dos crimes previstos nesta lei nos doze meses seguintes a este regresso.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Para elucidação da Assembleia, interessa fazer o confronto deste artigo - que é uma das principais inovações da lei- conforme o texto do projecto e os outros apresentados.
Por um lado, o artigo do projecto é mais restritivo do que o do texto da Câmara Corporativa; mas, por outro lado, é mais amplo.
Pelo projecto é punido o abandono do lar pelos pais quando haja filhos legítimos menores, ao passo que pela Câmara Corporativa e pela proposta enviada para a Mesa é punido sempre o abandono dos cônjuges, haja ou não filhos.
Mas, por outro lado, o projecto considera o simples abandono como única razão e fundamento da penalidade, enquanto que a Câmara Corporativa e aquela proposta, exigem que, cumulativamente com o abandono, o infractor não cumpra os seus deveres de assistência económica e moral e os mais relativos ao poder paternal.
Parece-me que a exigência cumulativa da falta de cumprimento das obrigações para com a mulher e para com os filhos torna quase irrelevante para o fim em vista a disposição do artigo que vai ser votado. Quer dizer: em geral, o abandono, que é empregado aqui no sentido de deserção do lar, é por si só a origem principal da infracção. E o ponto de partida, a origem de todos os males subsequentes.
É certo que, com a sua autoridade, o Sr. Deputado Santos Carreto sustentou que a origem do mal ainda era mais profunda, porque era de ordem moral. Sem dúvida; mas, objectivamente, a deserção do lar é o pecado original.
Por isso entendi que devia ser punido o simples abandono, sendo a falta de cumprimento das restantes obrigações uma circunstância agravante da pena.
Dados estes esclarecimentos, não tenho dúvida em aceitar a alteração.

O Sr. José Meneres: - Sr. Presidente: o n.º 1 do artigo 2.° do parecer da Câmara Corporativa, que na proposta por nós apresentada fica a constituir o artigo 3.° é, sem sombra de dúvida, a parte mais melindrosa do projecto ou, pelo menos, a que maior número de dúvidas pode oferecer. Trata-se do abandono do domicílio conjugal, e o problema assim posto, sem outras considerações, é gravíssimo, pelas consequências gerais a que pode dar lugar.
Segundo o critério do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, o cônjuge que deixasse o domicílio comum por período superior a sessenta dias, embora continuasse a cumprir os seus deveres de assistência à família, seria punido.
Se há casos em que esta sanção seria absolutamente justificada, estes são a excepção, e nós não podemos, através de uma excepção, criar uma situação que pode transformar-se em angustiosa, dando margem a injustiças flagrantes. A lei, tendo um objectivo moral, poderia vir a ser uma fonte de imoralidades.
A Câmara Corporativa no seu parecer e projecto de lei propôs uma solução diferente. O prazo de abandono do domicílio foi elevado de dois para seis meses e este só será punido quando acompanhado do abandono moral ou material da família.
Esta forma satisfaz mais, porque não visa o mero abandono material do lar ou a simples saída de casa, ocasionada muitas vezes por motivos que não se podem justificar, mas que em todo o caso não revelam a intenção de abandonar a família, e pode ser até razão para resolver, e não agravar, conflitos domésticos.
Assim, e para que não possam surgir dúvidas de que este abandono é um abandono total, na proposta inclui-se a palavra «cumulativamente», para ficar bem expresso que só é punido o abandono do lar conjugal quando o

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cônjuge que sai deixa de prestar ao outro a assistência de que ele necessita, ou deixa de cumprir os seus deveres para com os filhos.
As palavras empregadas «socorrer e ajudar» o outro cônjuge devem entender-se no sentido de que aquela assistência não é apenas de natureza económica, ficando ao cuidado dos tribunais fixar a sua extensão, consoante as circunstâncias em que o abandono se dê e a condição social dos cônjuges.
Esta explicação torna-se necessária, porque, se assim não fosse, como a mulher só raras vezes pode estar obrigada a prestar assistência económica ao seu marido, resultaria que ela só seria punida quando abandonasse o lar e, ao mesmo tempo, os filhos menores.
Em todo o caso, estabelece-se na proposta que é necessário que a falta de «ajuda e protecção» seja grave para ser punida.
Creio que com esta explicação à proposta de substituição que foi apresentada V. Ex.ªs podem votar com inteira consciência, porque, se não vamos para o rigor do projecto do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, aliás apresentado com as mais nobres intenções, vamos para uma solução intermédia, em que se pune, não o mero abandono do lar, cujas consequências estão encaradas em outras leis, mas mais propriamente o abandono da família; e é a protecção desta que se tem em vista.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu pôs, como sempre, o problema com muita isenção. Mostrou preferência pelo seu projecto, mas aceitou a solução que nós adoptámos.
O Sr. Deputado Pinto Meneres já explicou cabalmente o texto por nós proposto.
Por minha parte, apenas desejo fazer breves considerações à margem dele.
De modo algum eu votaria preceitos que considerassem criminoso o simples abandono do lar, quando o cônjuge que sai de casa continue a cumprir os restantes deveres conjugais.
Nas questões entre cônjuges por vezes a terapêutica da separação é mais proveitosa do que a convivência que gere conflitos.
Pelo Decreto n.° l de 25 de Dezembro de 1910 a mulher podia obrigar o marido a recebê-la, mas a ele não lhe era lícito exigir que a mulher lhe fosse entregue.
O Código de Processo Civil estabeleceu igualdade de situações, dando ao marido processo para pedir a entrega da mulher, que, por sua vez, pode obrigar o marido a recebê-la.
Na prática estes processos têm-se mostrado inconvenientes, visto que precipitam acções de separação ou divórcio que, se não fora tal lei, porventura nunca seriam propostas.
Não é este o momento para corrigir tais preceitos. Mas eu não quis deixar de aludir a essas verdadeiras fontes do desorganização da família.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a substituição da redacção do artigo 3.° da Câmara Corporativa pela que foi proposta pelos Srs. Deputados Santos Carreto, Lopes da Fonseca, Sá Carneiro, João das Neves e Pinto Meneres.

Submetida à votação, foi aprovada esta proposta.

O Sr. Presidente: - Estão agora em discussão os artigos 4.° e 5.° do parecer da Câmara Corporativa.

Quanto a estes artigos 4.° e 5.°, foi apresentada uma proposta de substituição, de nova redacção, pelos Srs. Deputados Santos Carreto, Lopes da Fonseca, Sá Carneiro, João das Neves e Pinto Meneres, que vai ser lida à Assembleia.

Foi lida. É a seguinte:

Propomos a eliminação dos artigos 4.° e 5.° do parecer da Câmara Corporativa, e em sua substituição os seguintes:
Art. 4.° Os condenados por mais de uma vez por algum dos crimes previstos nesta lei não podem suceder, ab intestato, à pessoa ofendida quando sejam herdeiros legítimos e podem por ela ser privados da legítima quando legitimários, não sendo, porém, aplicável o disposto neste artigo se até doze meses antes do falecimento do autor da herança se verificar o disposto no § 4.° do artigo anterior.
Art. 5.° A instrução e o julgamento dos crimes previstos nesta lei é da competência exclusiva dos tribunais de menores, quando forem cometidos por algum menor ou algum dos ofendidos for menor.
Art. 6.° Não se aplicam os preceitos desta lei se os factos neles previstos constituírem crime mais grave punido por outra disposição legal.
Art. 7.° (Corresponde ao artigo 8.° da Câmara Corporativa). Ficam revogados o artigo 16.° do Decreto n.° 20:431, de 24 de Outubro de 1931, e a alínea c) do artigo 1465.° do Código de Processo Civil.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: há na proposta enviada para a Mesa duas disposições fundamentais. Uma destina-se a eliminar pura e simplesmente os artigos 4.° e 5.° do texto da Câmara Corporativa, que, por seu turno, substituíam os artigos 405.° e 406.° do Código Penal.
Pêlos motivos que já expus, concordo inteiramente com esta eliminação.
A outra disposição reproduz a doutrina da Câmara Corporativa sobre a perda do direito à herança. Pretende-se ir mais longe do que no projecto, pois permite a própria privação da quota legitimária.
E à primeira vista pode parecer demasiadamente rigorosa, principalmente quando se trata de reincidência simplesmente da falta de pagamento dos alimentos, mas a verdade é que já pelo Código Civil um dos fundamentos de deserdação é precisamente a falta do pagamento de alimentos aos filhos pelos pais ou aos pais pelos filhos.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a eliminação dos artigos 4.° e 5.° da Câmara Corporativa, proposta pelo Sr. Deputado Santos Carreto e outros Srs. Deputados, cuja matéria é diferente da que constitui a proposta dos mesmos Srs. Deputados para novos artigos 4.° e 5.°

Submetida à votação, foi aprovada a eliminação dos artigos 4.° e 5.° tais como constam do parecer da Câmara Corporativa.

Pausa.

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1 DE FEVEREIRO DE 1952 353

O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação os artigos 4.° e 5.° propostos pelo Sr. Deputado Santos Carreto e outros Srs. Deputados.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Visto o artigo 6.° da Câmara Corporativa ter sido prejudicado pela aprovação do artigo 5.°, ponho à discussão o artigo 7.° tal como consta do parecer da Câmara Corporativa.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado desejar fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: desejo apresentar, quando V. Ex.ª entender, um artigo novo, para ficar a seguir ao agora aprovado.

O Sr. Presidente: - O artigo 7.° parece corresponder ao artigo 8.° da Câmara Corporativa, onde se dispõe o seguinte:
Art. 8.° Ficam revogados os artigos 16.°, 18.° e 25.° do Decreto n.° 20:431, de 24 de Outubro de 1931.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Chamo a atenção de V. Ex.ª e da Assembleia para esta disposição. No projecto, seguindo a toada, tinha-se posto a fórmula sacramental de «Fica revogada a legislação em contrário», que dava ao intérprete a faculdade de verificar quais eram as disposições revogadas ou alteradas.
É realmente verdade que nos tribunais surgiam com muita frequência dúvidas a esse respeito, e recordo-me de que, quando há anos foram introduzidas importantes alterações ao Código Civil, foi necessário que viesse uma declaração oficial esclarecer quais eram os artigos meramente interpretativos, e, portanto, aplicáveis retroactivamente, e quais eram os que revogavam ou alteravam os anteriores, e, portanto, estavam sujeitos ao princípio da não retroactividade.
Depois surgiu o Decreto-Lei n.° 22:470, de 11 de Abril de 1933, que pretendeu remediar as dúvidas que surgiam, estabelecendo que só eram admissíveis as revogações expressas.
Não sei se este decreto, de constitucionalidade duvidosa, veio resolver o problema, ou se, pelo contrário, veio agravá-lo, pois há sempre o risco de num pais como o nosso, onde existe muita legislação dispersa, não se fazer a revogação expressa de toda a legislação em contrário, diploma por diploma, artigo por artigo.
Se VV. Ex.ªs tiveram o incómodo de ler o relatório do meu projecto, encontraram referidos aí inúmeros decretos respeitantes à matéria hoje em discussão; e no entanto, apesar das cautelas e dos subsídios que consegui obter, não posso assegurar se referi tudo o que podia interessar.
Perante isto, pergunto: vamos obedecer servilmente àquele Decreto n.° 22:470?
Por isso lembrei-me de sugerir uma solução intermédia pela substituição do artigo 7.° da proposta que se encontra na Mesa pelo seguinte:
Art. 7.° Ficam revogados a alínea c) do artigo 1465.° do Código de Processo Civil, o artigo 16.° do Decreto n.° 20:431, de 24 de Outubro de 1931, e a mais legislação em contrário que expressamente esteja alterada por esta lei.
Porque não se revogam os artigos 18.° e 25.° do Decreto n.° 20:431 conforme sugere a Câmara Corporativa?
Porque o artigo 25.° se relacionava com os artigos 4.° e 5.° do seu texto, que foram eliminados, e o artigo 18.° diz respeito a um modo de cumprimento da pena por aqueles que forem condenados por falta de pagamento dos alimentos aos menores e permite ao pai sem recursos para pagar os alimentos alcançá-los com os meios adquiridos através do trabalho na prisão.

O Sr. Presidente:-Vai ser lida à Assembleia a proposta que o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu mandou para a Mesa.

Foi lida.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: a minha proposta de substituição destina-se a remediar os graves inconvenientes que apontei.
Mas, se origina dúvidas, julgo preferível nada se pôr, nada se votar, a revogarem-se dois artigos de lei quando há outros nas mesmas condições.
Se me disserem que está implícita na votação desta lei a revogação de toda a legislação anterior que a contrarie, está bem porque é certo; mas, nestas condições, além de inconveniente, é inútil o que se pretende votar.
Em qualquer caso, firmado, como está, aquele pensamento, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que consulte a Assembleia sobre se permite que eu retire a minha proposta.

Consultada a Assembleia, foi o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu autorizado a retirar a sua proposta.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação a proposta do Sr. Deputado Santos Carreto e de outros Srs. Deputados de substituição do artigo 8.° do parecer da Câmara Corporativa.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar agora para a Mesa a proposta de um artigo novo.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Este artigo destina-se a afastar desta lei toda a aparência de lei de circunstância que os mal-intencionados pretendam atribuir-lhe e a resolver dúvidas que amanhã possam surgir nos tribunais.
A proposta é a seguinte:

Artigo novo

Os prazos estabelecidos nesta lei contam-se a partir da data do início da sua vigência e as restantes disposições e as penas correspondentes aplicam-se aos factos ocorridos posteriormente à referida data naquilo que ainda não estava previsto e punido na legislação anterior.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu acaba de mandar para a Mesa a proposta de um artigo novo, que VV. Ex.ªs acabaram de ouvir ler.
Está em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Não é preceito constitucional a «retroactividade da lei penal?

O Sr. Presidente: - É, sim senhor, e V. Ex.ª sabe-o muito bem. Mas o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu pretende, segundo creio, afastar quaisquer dúvidas de interpretações.

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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Conheço muito bem o preceito constitucional a que se referiu o Sr. Deputado Mário de Figueiredo. Simplesmente, vemos frequentemente infringir o consagrado princípio da não retroactividade das leis, incluindo as leis penais.
Bem frequente foi este abuso antes do 28 de Maio, com leis e decretos de emergência, mandados aplicar a factos anteriores à sua promulgação.
E dúvidas se levantam, por vezes, a este respeito nos tribunais em alguns casos.
Por isto, julgo preferível a lei conter disposições redundantes ou dispensáveis do que prestar-se a dúvidas sobre a sua aplicação no tempo.
Acresce, Sr. Presidente, que o artigo novo que propus foi especialmente inspirado no desejo de deixar bem expresso que os prazos nela estabelecidos para que os infractores caiam na alçada criminal se contam desde a data da vigência da lei, seja qual for o tempo decorrido desde o início da infracção.
Fica assim esclarecido o meu pensamento, e em termos que bem mostram a V. Ex.ª e à Assembleia que foi por mera precaução que propus este artigo novo. É isto o que importa, independentemente da votação.
Aqui, antes pecar por de mais do que por de menos.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Vai votar-se a proposta do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão e votação do projecto de lei sobre abandono de família.

Pausa.

O Sr. Presidente: - A última parte da ordem do dia é constituída pela apreciação do texto da última redacção da proposta do resolução que esta Câmara votou quanto ao Protocolo Adicional ao Tratado do Atlântico Norte, relativo à adesão da Grécia e da Turquia ao mesmo.
Ponho à votação o texto redigido pela Comissão de Legislação e Redacção.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Comunico aos Srs. Deputados que os trabalhos da Assembleia Nacional vão ser interrompidos, conforme permite o § único do artigo 94.° da Constituição.
Sabem VV. Ex.ªs que pendem da Câmara Corporativa alguns diplomas enviados pela Assembleia e que naquela Câmara deram entrada ultimamente; diplomas complexos e importantes, que carecem de largo estudo. Faltam já apenas alguns dias do mês de Fevereiro para o termo da duração normal do funcionamento da Assembleia, o que quer dizer que, sem uma interrupção que permita aproveitar, ulteriormente, o tempo útil, e talvez sem uma prorrogarão do funcionamento da Câmara, não seria possível discutir e votar esses diplomas. Assim, com a interrupção efectiva dos trabalhos desta Câmara, criar-se-á a possibilidade de ela trabalhar com melhor rendimento posteriormente a elaboração dos referidos pareceres.
Antes, porém, de declarar a interrupção, lembro à Câmara que há diplomas aqui votados que aguardam a última redacção. Será, por isso, conveniente que a Assembleia, conforme invariável tradição, conceda à sua Comissão de Legislação e Redacção o bill de confiança, indispensável para ela elaborar a redacção definitiva dos mesmos diplomas.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Interpreto o silêncio da Assembleia como de aprovação da minha sugestão e considero concedido o voto de confiança para o indicado fim.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Usando, portanto, dos poderes que me são conferidos pelo § único do artigo 94.° da Constituição, declaro para todos os efeitos interrompido o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, sem prejuízo da sua duração normal, desde o dia l de Fevereiro próximo, inclusive, até ao dia 29 do mesmo mês, inclusive.
A próxima sessão realizar-se-á no dia 3 de Março próximo e terá por ordem do dia a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Armando Cândido acerca do excesso demográfico português, relacionado com a colonização e a emigração.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Calheiros Lopes.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Délio Nobre Santos.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Herculano Amorim Ferreira.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José dos Santos Bessa.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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