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6 DE JUNHO DE 1956 1019

totalitarista do Estado, a discussão do primeiro problema seria simplesmente ociosa: no primeiro caso, porque a legitimidade da proposta derivaria, tão-sómente, da sua virtualidade para se transformar em lei, através do jogo mecânico e formal da sua aprovação pela maioria parlamentar; no segundo, porque a omnipotência do Estado bastaria, só por si, para legitimar uma iniciativa tomada em nome do interesse nacional, independentemente de quaisquer limitações impostas pela moral, pelo direito natural ou por considerações de outra espécie 1.
Já não sucede outro tanto, porém, num ordenamento político e jurídico que declaradamente se manifesta anti-individualista e antitotalitário. E que esse é o caso do ordenamento português é por demais sabido para que se torne necessário explicá-lo em detalhe. Anti-individualista no domínio dos princípios - ao afirmar-se uma «República unitária e corporativa» 2 e ao declarar-se e uma unidade moral, política e económica, cujos fins e interesses dominam os dos indivíduos e grupos que a compõem» 3 -, a Nação Portuguesa é-o mais ainda no domínio das realizações práticas, pois toda a legislação dos últimos trinta anos tem sido marcada do selo do interesse colectivo e do bem comum, como realidades diferentes do somatório dos interesses individuais que devem sobrepor-se a esses mesmos interesses 4.
E, se este anti-individualismo é uma das características dominantes da nossa estrutura política e da nossa ordem jurídica, económica e social, não o é menos a sua feição marcadamente antitotalitárias 5. É nessa ordem de ideias que a Constituição declara a soberania

1 Seria descabido, num trabalho deste género - que não é nem pretende ser uma exposição de filosofia política e jurídica - , entrar em largas considerações para justificar as afirmações acabadas de fazer. Remeteremos o leitor para os trabalhos da especialidade, principalmente Jacques Leclercq, Leçons de Droit Naturel, vol. II: L'Etat ou la Politique, 8.ª ed., Namur, 1948, pp. 34 e segs. e 108 e eegs. ; Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Eitado, vol. J, Parte Histórica, Coimbra, 1947, pp. 806 e segs. e 880 e segs; Marcelo Caetano, Lições de Direito Constitucional e de Ciência, Política (1951-1952), Coimbra, 1952, pp. 61 e segs. e 93 e segs.; e Adolf Süsterhenn, «L'étatisme vaincu. L'avenement du droit supra-positif dans 1'évolntion du droit oonstitutionnel allemand», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXXI (1955). pp. 168 e segs. (no prelo). Concretamente sobre o Estado totalitário, vide a bibliografia citada por Teixeira Ribeiro, em «Principio e Fins do Sistema Corporativo Português», in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XVI, 1939-1940, p. 24, nota 2.

[...] Artigo 5.º da Constituição Política, aprovada pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1938.

[...] Artigo 1.º do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei n.º 28 048, de 23 de Setembro de 1938).

[...] Na verdade, desde a estruturação e funcionamento dos órgãos da soberania à hierarquização de toda a engrenagem administrativa, desde a administração financeira ao jogo dos interesses económicos, desde a solução dos grandes problemas da saúde e da assistência pública à dos problemas sociais da cooperação entre o capital, a propriedade e o trabalho, e desde a regulamentação dos direitos e garantias individuais dos cidadãos ao próprio domínio do direito privado, toda a nova ordem jurídica portuguesa tem sido inspirada por aquela subordinação dos interesses dos indivíduos e dos grupos ao interesse da unidade moral, política e económica da Nação, de que fala o Estatuto do Trabalho Nacional. Exemplificá-lo seria supérfluo.

[...] O carácter antitotalitário do Estado Novo Português tem sido justamente posto em relevo por vários autores, que se têm dedicado ao estudo filosófico dos seus princípios inspiradores. Cf., designadamente, Mário de Figueiredo, Princípios Essencias do Estado Novo Corporativo. Coimbra, 1936, pp. 21, 22 e 34; Texeira Ribeiro, ob. cit., pp. 23 a 25; Fezas Vital, Curso de Direito Corporativo, Lisboa. 1940, pp. 49 e segs.; Francisco Inácio Pereira dos Santos, Un Etat Corporatif. La Constitution Socials et Politique Portugaise, 2ª ed., Paris-Porto, 1940, pp. 79 e segs.; e Pires Cardoso, Uma Escola Corporativa Portuguesa, Lisboa, 1949, pp. 31 e 32 estadual limitada pela moral e pelo direito 1, e que atribui ao Estado a missão de «fazer respeitar os direitos e garantias impostos pela moral, pela justiça ou pela lei, em favor dos indivíduos, das famílias, das autarquias locais e das outras pessoas colectivas, públicas ou privadas»2; e é no mesmo sentido que o Estatuto do Trabalho Nacional afirma que «o Estado reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação» e declara e garantida a liberdade de trabalho e de escolha de profissão em qualquer ramo de actividade» 3.
Também aqui não nos ficámos na afirmação de princípios vagos ou na proclamação de fórmulas vazias de conteúdo. Na palavra de ordem dos nossos governantes como na redacção das leis e sua execução, se alguma preocupação tem dominado é a de dar realização prática àqueles princípios, sobretudo no sentido de evitar que - por excesso de zelo de alguns ou fácil imitação o modelo estrangeiro por parte de outros - o anti-individualismo inspirador da nossa ordem política, económica e jurídica, degenere facilmente em totalitarismo disfarçado.
Sem necessidade de mais exemplos - tantos e tão expressivos eles são -, releiam-se, ao menos, em reforço do que acabamos de dizer, os discursos proferidos pelo Chefe do Governo no momento em que se lançavam as bases doutrinárias do Estado Novo Corporativo, há já uns bons vinte e dois anos. Em várias passagens desses discursos - a que o tempo e os acontecimentos vieram dar sabor quase profético -, proclama-se bem alto a impossibilidade de «nos poderem servir de guia modelos estranhos, pela diversidade de algumas concepções fundamentais» 4, a repulsa por tudo o que possa levar cá omnipotência do Estado em face da massa humana, simples matéria-prima das grandes realizações políticas», a condenação do Estado como fonte da moral e da justiça, sem que às suas decisões e normas se sobreponham os ditames duma justiça superior», o repúdio da força como «mãe de todos os direitos, sem respeito pela consciência individual, pelas legítimas Liberdades dos cidadãos, pelos fins que se impõem à pessoa humana» 5.

1 Artigo 4.º da Constituição. Onde se diz soberania limitada pela moral», entenda-se doutrina e moral cristãs, tradicionais do Pais» (artigo 48.º, § 8.º); e onde se diz «soberania limitada pelo direito», entenda-se «direito natural», e não apenas «direito positivo», fabricado pelos órgãos daquela mesma soberania que tem no direito uma limitação.

[...] Artigo 6.º, n.º 1.º, da Constituição.
[...] Artigo 4.º do Estatuto do Trabalho Nacional. Poderíamos acrescentar numerosas outras citações de preceitos da Constituição e do Estatuto do Trabalho Nacional onde se proclamam princípios inconciliáveis com o totalitarismo político e com o totalitarismo económico. O artigo 8.º da Constituição, por exemplo, na sua longa enumeração das liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses, constitui, só por si, uma perfeita síntese doutrinal do antitotalitarismo.

[...] Cf. Oliveira Salazar, «Problemas da Organização Corporativa» (conferência realizada no Secretariado de Propoganda Nacional, em 18 de Janeiro de 1934), in Discursos, vol. I, 1928-1934, 4.º ed., revista e acrescida de novo prefacio do autor, Coimbra, 1948, p. 284.
[...] As passagens transcritas pertencem a um trecho da mesma conferência cujo teor completo á o seguinte: «Nenhum de nós afirmaria em Portugal a omnipotência do Estado em face da massa humana, simples matéria-prima das grandes realizações políticas. Nenhum de nós se lembraria de considerá-lo a fonte da moral e da justiça sem que às suas decisões e normas se sobreponham os ditames de uma justiça superior. Nenhum de nós ousaria proclamar a força mãe de todos os direitos sem respeito pela consciência individual, pelas legítimas liberdades dos cidadãos, pelos fins que se impõem à pessoa humana. Nenhum de nós - nacionalista e amante do seu pais - faz profissão de nacionalismo agressivo, exclusivo, odioso; antes, se se apega à noção de pátria, é que compreende, por instinto do coração e por imposição da inteligência, que o plano nacional é ainda o melhor