24 DE MARÇO DE 1960 493
a sua importância política impõe-nos que, embora correndo qualquer risco aqui com a atenção que costumamos dar a qualquer outro problema.
Da minha parte procurarei fazê-lo com a maior das isenções, num assunto de que dificilmente a paixão pode ser arrancada. Aos que duvidarem da pureza das minhas intenções talvez valha de alguma coisa a informação de que não sou sócio de qualquer clube desportivo, embora venha a correr o risco de com este esclarecimento ser taxado de ignorante na matéria.
Não me importo, pois ignorante pode significar, neste caso, desapaixonado, quer dizer, um homem que vem para aqui desprendido das «coisas» da bola. E com isto, vamos adiante.
Sr. Presidente: o fenómeno do profissionalismo em desporto não é, como todos sabem, novidade da época. Profissionais foram, por exemplo, os antigos gladiadores romanos, que, frequentando escolas apropriados, adquiriam a técnica do combate e a exibiam depois, mediante remuneração, para diversão do povo. De entre eles, o povo escolhia as suas vedetas e à volta delas, tal qual hoje, forjava as suas disputas. Havia, pois, o partido deste ou daquele, sem que se negue a preferência por esta ou aquela escola de formação. Outros exemplos se poderiam aqui trazer, mas parecem desnecessários ante a sua evidência histórica.
Quando, já nos nossos tempos, surgiram novas modalidades desportivas de association, formaram-se os pequenos grupos, constituídos por indivíduos que, interessados na prática desportiva, tinham de juntar-se a outros para a poderem exercer. Cada um tinha o seu equipamento, cada um pagava as suas despesas, e o único proveito que da sua- actividade tirava era a satisfação do desejo lúdico e os benefícios da ginástica.
A pouco e pouco, à volta destes grupos de praticantes foram-se juntando outros que queriam também jogar e os que gostavam de ver jogar, começando assim a fortalecer-se o espírito do clube, de que os praticantes faziam parte como sócios e onde permaneciam para sempre, ligados de alma e coração. Foram os de Fora, os que não jogavam, mas pertenciam ao clube, que, acicatados pelo despique, passaram a interferir na formação das equipas e a convidar indivíduos para compor as equipas dos seus clubes.
E assim se deu uma inversão de valores, cujas consequências estão patentes: um clube desportivo tende hoje, cada vez mais, a ser um grande agrupamento de indivíduos que se quotizam para manter um outro agrupamento mais pequeno que tem a obrigação de os distrair.
Em termos comerciais: um clube desportivo é uma sociedade por quotas com um grupo de operários especializados para satisfação do interesse comum dos sócios. Posta a questão nestes termos, que me parece traduzirem com fidelidade a situação actual, estamos em pleno profissionalismo, recebam os jogadores o pagamento que receberem.
Sendo, pois, o profissionalismo desportivo um facto social, tinha, necessariamente, de suscitar a atenção do Governo e a apreciação desta Câmara.
E com isto abrimos novo capítulo.
Sr. Presidente: em todos os métodos educativos o desporto ocupa posição de relevo, pois através dele se promove não apenas o aperfeiçoamento físico do homem, base da saúde do corpo, mas se educa a vontade e se fortalece o carácter-bases da saúde moral. Assim sendo, é do interesse da Nação que todos sejam praticantes desportivos, e com essa finalidade, gasta o Estado avultadas verbas anuais, em iniciativas próprias nu subsidiando iniciativas alheias.
A tendência de hoje é, porém, para o desporto-espectáculo em que a grande maioria assiste, tantas vezes arriscando a saúde e educando-se apenas na medida em que dá provas do melhor espírito de sacrifício, na compra dos bilhetes, na espera dos transportes, na procura voluntária de sofrimento.
Esta é a realidade, que não pode ser esquecida, ao encontro da qual se tem de ir, mas porque os princípios, desde a velha Grécia, não estão errados, têm de ser feitos esforços - o maior esforço - no sentido de manter a pureza do desporto, isto é, a prática desportiva, como actividade lúdica dos praticantes, com vistas à defesa da saúde da raça. Ao lado do profissionalismo tem de manter-se e alargar-se o amadorismo.
E aqui é que a coisa começa a complicar-se.
Sr. Presidente: a proposta de lei que o Governo submeteu à apreciação desta Assembleia, e sobre a qual a Câmara Corporativa deu já o seu parecer, é muito cautelosa naquilo que julga ser interferência nas atribuições das federações desportivas, deixando a estas a possibilidade de regulamentar, como lhes parecer de mais interesse para a sua actividade, os vários aspectos da vida desportiva dos praticantes e reservando para a Administrarão apenas a faculdade de determinar as normas regulamentares necessárias à execução do diploma, embora actuando supletivamente e só na medida em que a ordem desportiva se mostra incapaz de resolver os seus próprios problemas. Daí a falta de certa pormenorizarão de algumas das directrizes e o alheamento a certas afinidades.
Apesar do nosso espírito individualista, mas talvez por um clima da época, talvez mesmo por uma confiança nas possibilidades do Governo, dele se espera agora muito: que construa os noteis, que monte as indústrias e, até, que meta o futebol na ordem.
A opinião de muitos, largamente vividos no palco desportivo, é a de que talvez fosse melhor evitar as vassouradas tardias. O Governo não entendeu assim, por não querer interferir na vida interna das colectividades, como ainda há pouco o demonstrou ao limitar a curto prazo uma importante e necessária comissão administrativa, e por isso honra lhe seja. Mas ...
Mas passemos adiante.
Ao tratar da base II, a Câmara Corporativa opina que na matéria em causa melhor será empregarem-se os termos mais adequados e que possam evitar quaisquer subterfúgios, que frustrariam afinal os objectivos do próprio diploma. Ora é à luz desse principio, honestamente posto e no qual se insiste, que me parece ser de substituir a expressão da proposta de poderem os amadores receber prémios instituídos em competições por outra que evite os tais subterfúgios, pois não se desconhece que prémio é, na gíria futebolísticas, aquela quantia antecipadamente estipulada ou depois atribuída aos jogadores pelo seu esforço em conquistar a vitória ou em obter o simples empate. Tornando-se este prémio normal, não seria difícil confundi-lo com. honorários, pagando-se assim a um profissional com prémios, em vez de se pagar com verba certa mensal, estabelecida em contrato.
Esta questão de prémio toma, todavia, outro aspecto quanto aos profissionais, pois, actuando as mais das vezes como estímulo, pressupõe não ser bastante ler o profissional o seu vencimento para que procure ganhá-lo com honestidade, pondo todo o seu esforço ao serviço do clube de que é empregado. Tem-se chegado ao extremo de exigirem os jogadores prémio maior do que o prometido para darem pleno rendimento. Melhor seria que tais prémios acabassem, substituindo-se, se disso fosse caso, por uma gratificação de fim de época, que as finanças do clube regulariam.
Propõe ainda a Câmara Corporativa que entre os benefícios a conceder aos atletas amadores, sem que per-