788 DIÁRIO DAS SESSÕES n.º 173
Devemos confiar em que assim vai acontecer, pois o contrário - acentuo de novo - seria duvidar da disciplina, do espírito de compreensão e de renúncia dos homens dignos que sejam atingidos pela lei em elaboração, aos quais a cobiça não cegue e a ganância não perturbe o raciocínio.
É mister que todos o compreendam, pois, como o Governo disse no relatório daquele decreto:
É doloroso que alguns se vejam constrangidos a perder o supérfluo; mais doloroso é, porém, que muitos não tenham o necessário. Somos uma comunidade de homens e de interesses; temos de viver.
Para isto impõe-se realmente como dogma social uma maior justiça distributiva dos rendimentos.
Portanto, tenhamos fé em que esta lei não ficará letra mor In. antes na sua execução o Governo irá até onde seja necessário e vai encontrar os melhores colaboradores precisamente nos indivíduos nela visados, que além de serem incapazes de ofendê-la ou sofismá-la, se; mostrem suficientemente desinteressados e animados de espírito de isenção e sacrifício - se sacrifício a renúncia ao que é demasiado.
E não impulsiona a esse imaginário sacrifício, em holocausto ao bem comum, o exemplo de um homem 0,116 por tudo e por todos se tem sacrificado, numa dação total, muna renúncia completa de si mesmo, e, por isso, direito a que todos e cada um abdiquemos um pouco e não lhe embaracemos a longa e tão dolorosa caminhada que vem empreendendo em beneficio de todos, sem exclusão de alguns poucos que, depois de bem amesendados na vida, se esquecem de que lhe devem a possibilidade da paz, do sossego e a ordem em que vivem?
(Assumiu a Presidência o Sr. Soares da Fonseca).
São muitos ou são poucos os atingidos pelo artigo 1.º do projecto?
Não é fácil determiná-lo, e seria de aspirar a que ele pudesse ser tornado extensivo aos corpos gerentes de todas as sociedades anónimas...
O Sr. Homem de Melo: - Não apoiado!
O Orador: - ... para sé completar quanto possível este saneamento de elevado alcance social e político, na medida em que determine uma melhor repartição dos rendimentos e reduza vultosos capitais congelados num aforro improdutivo e, portanto, sem projecção favorável na vida económica da Nação.
Os que discordam da limitação da percentagem dos corpos gerentes nos lucros das sociedades, por temerem o afastamento das competências necessárias, devem lembrar-se de que, em todo o caso, essa limitação, embora causasse algumas imprevistas deserções, por outro lado não deixa de ser compensadora para o capital investido e para a actividade inerente à função; e, por outro, sendo menores os encargos, maior será a atracção à afluência do capital accionista, animada pela expectativa de maior distribuição de lucros através de dividendos compensadores. Numa palavra: o que poucos recebem a mais irá recompensar o que muitos recebem a menos, e o valor potencial da empresa poderá também firmar-se mediante o aumento do volume das reservas legais e voluntárias.
Com isto todos lucravam. Todos incluindo os próprios membros dos corpos gerentes, pois são, muitas vezes, os detentores de boa parte das acções.
Mas repito a pergunta: são muitos ou são poucos os indivíduos abrangidos pelo artigo 1.º deste projecto?
Deve ser apreciável o seu número; e, mesmo que os dedos das mãos bastassem para contá-los, o resultado prático seria mais restrito, é certo, mas o efeito moral e social crescia na razão inversa desse número, pela simples razão de que se tornavam mais chocantes a excepção e o contraste oferecidos pela existência de uma casta de privilegiados em número limitado.
A propósito do âmbito do artigo 1.º, podia ainda perguntar-se se o projecto abrange os corpos gerentes de sociedades em cujos contratos com o Estado ou concessões esteja fixada a percentagem dos corpos gerentes nos lucros da gerência; mas a resposta não pode deixar de ser afirmativa, e é muito importante que assim suceda, conquanto seja pequeno o número de casos nestas condições.
O assunto foi objecto de larga controvérsia entre o Estado e uma companhia que se encontrava nestas condições e deu origem ao já referido douto despacho interpretativo do Conselho de Ministros de 23 de Junho de 1948, despacho este que, além de esclarecer o âmbito do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 116, determinou expressamente que ele era aplicável à companhia em referência. Despacho este revestido de força obrigatória, por ter sido proferido ao abrigo do artigo 40.º do aludido decreto, que tornou o Conselho de Ministros árbitro das dúvidas que surgissem.
No mesmo sentido se pronunciaram a Procuradoria-Geral da República e ainda o acórdão, com valor e força de sentença, proferido em 31 de Outubro de 1953, pelo tribunal arbitrai constituído, por mútuo acordo, entre o Estado e aquela companhia, precisamente para resolver os seus diferendos: acórdão este onde o juiz Dr. Arnaldo Bártolo e o Doutor Gomes da Silva, professor muito ilustre da Faculdade de Direito e membro da Câmara Corporativa, fizeram vencimento, decidindo definitivamente, com largos fundamentos de doutrina e jurisprudência, que a limitação de vencimentos estabelecida pelo artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115 era aplicável aos corpos gerentes da companhia, não obstante os contratos entre ela e o Estado terem fixado a taxa de participação deles nos lucros da gerência.
Da importante deliberação deste tribunal não foi interposto recurso, não obstante o termo de compromisso arbitrai, assinado pelo Ministro do Ultramar, Sr. Almirante Sarmento Rodrigues, ter rejeitado o julgamento ex aequo et bono.
E não se diga que teve relevância o facto de, posteriormente a esta deliberação contenciosa, ter sido celebrado um novo contrato onde igualmente foi fixada novamente a percentagem dos corpos gerentes nos lucros, aliás então mais reduzida.
Mesmo que assim não fosse, prevalecia então o artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115, com a decisão do Conselho de Ministros e a interpretação da Procuradoria-Geral da República, não obstante, note-se bem, não obstante entre a data daquele decreto e as daquelas deliberação e interpretação autêntica, ou seja em 1937, ter também sido celebrado um outro contrato 'onde fora mantida a antiga percentagem fixa.
Bradava aos Céus as companhias nestas condições poderem continuar a viver à margem da lei mesmo, depois de publicada aquela que estamos discutindo, apesar de a autonomia da vontade não poder ser absoluta, pois o Estado, embora contraente, não pode abdicar do poder público e do dever de defesa dos interesses gerais, expressos nas leis de interesse e ordem públicas.
Não seria ocioso citar, se o tempo para tanto permitisse, as opiniões autorizadas de Coelho da Rocha, dos Profs. José Tavares, no seu tratado sobre a capacidade civil, e José Gabriel Pinto Coelho, nas lições do seu curso, e de muitos outros.