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3602 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 143

ricano Kurt Schindler conduzido pelo meu velho amigo P.e Firmino Martins, que surpreendeu embevecido «o ouro puro» dos seus cantares. E o tesouro de um povo que soube conservar os traços fisionómicos e a sua alma inteira, sem compromissos com o inundo exterior.
As aldeias de Trás-os-Montes são verdadeiros centros de cultura, jóias únicas que importa preservar de toda a planificação.
Os seus costumes e organização social constituem na sua integridade verdadeiras relíquias dos séculos passados, fazendo o encanto dos mais exigentes e agudos espíritos.
Quem pudera defender da acção desagregadora de novas culturas o património que essas aldeias conservaram.
As chácaras, os cantos, os costumes, as casas, a vida da gente, colhe-se sem postiços, nem perfumes, ao natural, entre a bosta do boi e a sujidade da pita. bichos também têm personalidade e quase fazem parte da família.
Quando perguntaram a uma camponesa q«e vendia em Bragança um saco de carvão donde era, respondeu cheia de segurança: «sou da Aveleda e a burra também».
Risos.
A burra também tinha direito de cidadania.
Sente-se ali a presença do comunitarismo medieval, florescendo sob as bênçãos do Convento de Castro de Avelas.
Aquelas nossas aldeias dão fé de como as execrandas trevas medievais eram, afinal, servidas por uma iluminação delicada e doce.
A cartilha do tempo inscrevia um oitavo pecado - o pecado capital da tristeza -, assegurando ao mundo medievo aquele «sólido optimismo» que Jean Tinaille nos documenta rigorosamente.
Já Dante reservara um círculo do inferno para aqueles que choram quando podem estar alegres.
Que grande colheita tem o Diabo nos tempos de hoje, em que se faz gosto em pintar de negro a vida própria e a vida alheia.
São os pintores e os poetas a espalhar o pecado da tristeza e os políticos o sentimento «construtivo» da desgraça nacional ...
Eu creio que o turismo quer alegria e paz.
Sr. Presidente: a defesa de Trás-os-Montes e da sua paisagem humana merece a protecção de V. Ex.ª, da Junta Nacional da Educação e do Instituto de Alta Cultura, antes que a inconsciência dos homens cometa o sacrilégio de sacrificar valores inestimáveis a qualquer arranjo urbanístico ou folclórico.
Primeiro precisamos do turismo dos especialistas, dos homens de letras, dos sociólogos, dos músicos, dos arquitectos, dos pintores, dos cineastas, dos artistas, para recolher, amorosamente, os traços da nossa cultura e aprender alguma coisa.
Diz o etnólogo Jorge Dias, que- ainda foi a pé - e eu lhes digo que teve de andar - de Bragança a Rio de Onor, que cultura não é só economia, e demonstrou como se pode fazer cultura pelo processo do abade de Baçal pedibus calcantibus.
Mas, tendo ido a pé, confessa que assistiu ali, em Rio de Onor, «à mais extraordinária festa da sua vida - o S. João de 1944».
Isto aconteceu uma vez porque não é bem a hipótese do S. João de Braga, que se repete todos os anos e decerto com o subsídio substancial do Secretariado Nacional da Informação ou da Câmara Municipal de Braga.
As nossas festas de aldeia ficam reservadas aos turistas que andam a pé porque são peregrinos da beleza.
Estudou o etnólogo Jorge Dias, para o Instituto de Alta Cultura - Centro de Estudos de Etnologia Peninsular -, Rio de Onor, e ali viu funcionar o «conselho» e pôde seguir a vida de um velhíssimo povo serrano, sentindo ainda - ele o diz - «o pulsar vigoroso de uma exuberância irreprimível, de uma alegria franca e de uma cordialidade profunda e generosa».
É o viver daqueles povos, são os gestos quotidianos e milenários que se repetem em quase todas as aldeias por onde se estendem as sombras das serras de Nogueira, de Montezinho e da Coroa ou por terras de Miranda, para só falar dos lugares que conheço com maior intimidade.
É a riqueza e a saúde.
Encerrados entre a cortina do Marão e a fronteira leonesa, os portugueses de Trás-os-Montes viveram séculos construindo e conservando a sua própria organização social, em volta do adro da igreja.
Está a cair essa espécie de muralha da China, e agora é preciso abrir o caminho para a nova era, que nos permita comparticipar na tarefa de engrandecimento nacional com todas as nossas potencialidades.
Miguel Torga, o cronista-mor, figurou-nos assim:

De Sabrosa ao Pinhão, do Tua a Bragança, da Régua a Chaves, de Freixo à Barca do Alva, ou de Boticas a Montalegre ... sempre o mesmo lençol de. fragas e a mesma gente a nascer nele! À força cósmica dos relevos, à, máscara vincada das penedias e à largura estimulante dos descampados corresponde, no humano, uma fisionomia igual, recortada em granito, máscula, austera, contida, e ao mesmo tempo animada de uma vitalidade fremente e generosa.

Não devo continuar ... Sinto um certo pudor.
O turismo analisado em termos de indústria ou em dimensões económicas supõe uma técnica muito acabada a que sou avesso.
Não conheço as regras gramaticais das estatísticas, nem dos planos, e oiço falar de correntes turísticas, de fluxos. de massas, de turismo social, tudo quanto eu não quero entender, porque lhe resisto muito mal.
E quando, constrangidamente, faço um esforço de compreensão e busco na exaustiva documentação das 126 páginas do aviso a presença de Bragança, encontro-me isolado e só, como é costume, na última linha, no fim de todas as escalas gráficas.

isos.
Concluo então, mais uma vez, que a linguagem dos números não pode oferecer um pálida imagem da nossa, personalidade e da nossa vida.
Acontecendo com Trás-os-Montes na paisagem nacional o mesmo que acontece com o País inteiro na paisagem internacional, fico a pensar que quanto mais nos medem e nos contam mais se enganam nos cálculos.
Risos.
Exorbitamos sempre das medidas comuns desta humanidade classificada, catalogada, desenvolvida.
Compreendo, porém, o interesse deste aviso prévio do ponto de vista da economia nacional e vou fazer um esforço generoso para colocar a pedra que corresponde aos interesses da economia da região que represento.
Mas vou colocá-la com as reservas apontadas, que me dizem directamente respeito, para me desculpar de a deixar empenada, descomposta ou mal segura, na majestade do edifício.
A Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste promoveu, o ano passado, uma semana de estudos regionais.
Andei por lá, por essas jornadas, e ouvi falar das coisas de Trás-os-Montes e do Alto Douro com um espírito novo, com uma alma nova, com palavras e ideias claras.