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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 204
ANO DE 1965 26 DE ABRIL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO IN.º 204 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 24 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmo Srs. {Fernando Cld Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - Foram publicados o 1.º e 2.º suplementos ao Diário das Sessões n.º 184, que inserem o parecer sobre as Contas Gerais do Estado, respectivamente, da metrópole e do ultramar.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 199.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foi recebido na Mesa o Diário do Governo n.º 88, 1.ª série, de 19 do corrente, que insere os Decretos-Leis n.01 46280, 46 282 c 46 283.
Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na especialidade da proposta de lei relativa ao regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Foram discutidas e aprovadas as bases XLIII a L, algumas com alterações e emendas propostas por diversos Srs. Deputados.
Usaram da palavra no decorrer do debate os Srs. Deputados Soares da Fonseca, Tito Arantes, Gonçalves Rapazote, António Santos da Cunha, Martins da Crua, Proença Duarte, Pinto de Mesquita, Alfredo Brito, Amaral Neto, Veiga de Macedo e Sousa Birne.
Concluída a votação, o Sr. Presidente propôs um voto de confiança à Comissão de Redacção, unanimemente aprovado, e dirigiu palavras de saudação e despedida aos Srs. Deputados, em nome dos quais agradeceu o Sr. Deputado Soares da Fonseca.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguinte» Srs. Deputados:
Angelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins, da Cruz.
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António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belkior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Lê Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Man lei Herculano Chorão de Carvalho.
Manjei Homem Albuquerque Ferreira.
Manjei João Correia.
Mamei João Cutileiro Ferreira.
Manjei Nunes Fernandes.
Manjei de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Alaria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Quir no dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Abrantes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 89 Srs. Deputado;.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 199, correspondente à sessão de 7 do corrente. Está em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 85, 1.ª série, de 19 do corrente, que insere os Decretos-Leis n.08 46280, que autoriza a Emissora Nacional de Radiodifusão a contrair na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência um empréstimo para prestação do apoio financeiro necessário ao serviço público de televisão em território português, iniciado com a publicação do Decreto-Lei n.º 43 775; 46 282, que torna extensivo à Guarda Fiscal, para o efeito de abastecimento de cantinas, o preceituado no Decreto-Lei n.º 46 200 (facilidades de aquisição de géneros e quaisquer produtos), e 46283, que permite ao Ministro da Marinha autorizar, em casos excepcionais, o desempenho cumulativamente de funções nas direcções e repartições provinciais dos serviços de marinha das províncias ultramarinas aos militares da Armada em serviço nos comandos navais e de defesa marítima das mesmas províncias que não pertençam aos quadros daquelas direcções e repartições.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na especialidade a proposta da lei relativa ao regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Vou pôr em discussão a base XLIII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de substituição e uma proposta de aditamento.
Vão ler-se.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XLIII
1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as entidades patronais são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação prevista nesta lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, salvo se lhes for reconhecida capacidade económica para, por conta própria, cobrir os respectivos riscos.
2. O seguro dos trabalhadores rurais ou equipara- dos, em relação aos quais as respectivas entidades patronais não efectuem a transferência da responsabilidade prevista no número anterior, ficará a cargo de instituições de previdência social obrigatória, conforme vier a ser estabelecido em regulamento.
3. A obrigatoriedade de transferência de responsabilidade estabelecida no n.º 1 abrangerá os riscos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, salvo, quanto a estas, no caso de a sua reparação estar a cargo da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
í. Cada entidade patronal efectuará a transferência referida no n.º l, em relação a todos os riscos, para a mesma instituição seguradora.
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5.º Nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 da base XVII a instituição seguradora será apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas nesta lei.
Proposta de substituição
BASE XLIII
Propomos que os n.ºs 3 e 4 sejam fundidos num único número com a seguinte redacção:
3. Sem prejuízo da validade do contrato de seguro, será nula qualquer cláusula da apólice que exclua o risco de silicose ou de outra doença profissional, salvo se esse risco estiver coberto pela Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - Tito Castelo Branco Arautos - Fernando Cid Oliveira Proença - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Martins da Cruz.
Proposta de aditamento
BASE XLIII
Propomos que à base XLIII seja aditado um número novo com a seguinte redacção:
6. Na regulamentação desta lei providenciar-se-á no sentido de evitar fraudes, omissões ou insuficiências nas declarações quanto a pessoal e a salários, para cumprimento do disposto no n.º 1 desta base.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Tito Castelo Branco Arantes - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - Fernando Cid Oliveira Proença - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Martins da Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: Acerca desta matéria há também uma proposta do Sr. Deputado Tito Arantes, denominada proposta de base nova, já publicada no Diário das Sessões, cujo conteúdo é idêntico à proposta de aditamento do n.º 6. Talvez valesse, por isso, a pena pô-la também à discussão.
O Sr. Presidente: - Como ela não se encontra aqui na Mesa, pedia que a mandassem, para ser lida e posta em discussão.
Enviada a proposta para a Mesa, foi lida. É a seguinte:
Proposta de base nova
No decreto que regulamentar a presente lei procurar-se-á assegurar por forma efectiva às entidades seguradoras o conhecimento exacto dos salários pagos pelos segurados.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Abril de 1965. - O Deputado, Tito Castelo Branco Arantes.
O Sr. Tito Arantes: - Peço a V. Ex.ª que me seja autorizado retirar a proposta acabada de ler, porquanto ela se encontra englobada numa outra a que dei a minha adesão e que também já foi lida na Mesa.
Consultada a Câmara sobre a autorização para a retirada da proposta, foi a mesma concedida.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: A base em discussão estabelece o sistema do seguro dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
O problema tem o maior interesse e parece conveniente fixar ideias sobre o sistema adoptado.
O projecto de proposta do Governo submetido ao parecer da Câmara Corporativa trazia no ventre a promessa de um outro regime.
Abria deste jeito - «enquanto outro regime não for estabelecido» - e, como solução transitória - ao menos nos desejos de alguns -, limitava-se a generalizar a obrigatoriedade da transferência das responsabilidades para entidades autorizadas a realizar o seguro, ressalvando tão-sòmente os patrões a quem fosse reconhecida capacidade económica para, por conta própria, cobrir os riscos.
Dentro da coerência dos nossos princípios, o único sistema que se podia adivinhar no futuro teria de ser, praticamente, o que veio a ficar estabelecido.
Na verdade, a previdência pode, através das caixas sindicais de previdência, com base no n.º 5 da base V da Lei n.º 2015, e através das caixas de seguros, também incluídas nas caixas sindicais - base XII, alínea c) da mesma lei -, prosseguir outros objectivos e cobrir riscos especiais. Poderá fazer progressivamente o seguro dos acidentes.
O que nunca o legislador concedeu foi o exclusivo do seguro contra acidentes de trabalho ou doenças profissionais à iniciativa privada ou à previdência social.
O caso especial da silicose apresenta-se como um risco específico, por via do seu constante crescimento e efectivação lenta, mostrando-se inadequado a um tipo de seguro susceptível de livre revogação.
Pode dizer-se um risco tecnicamente insegurável.
A dificuldade de imposição de medidas preventivas, o complexo dos problemas da recuperação e classificação profissional que levanta, conduziam a confiar a gestão deste seguro a um organismo de fins não lucrativos, integrado no regime das instituições de previdência social.
Fora deste caso muito particular, o seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais tanto pode realizar-se através de instituições de previdência como do seguro privado que se mostrem aptas a realizá-lo.
Nem o exclusivo da previdência, nem o exclusivo do seguro privado se encontram consagrados na lei.
A actual proposta do Governo mostrou-se permeável à crítica da Câmara Corporativa sobre as dificuldades da extensão da obrigação do seguro ao mundo dos trabalhadores rurais e seus equiparados e abandonou a declaração de transitoriedade do sistema para fixar as seguintes regras:
1.ª Todas as actividades patronais são, em princípio, obrigadas a transferir a responsabilidade ou garantir a cobertura do risco - é o princípio da generalização do seguro social obrigatório.
2.ª Todas as entidades, singulares ou colectivas, têm liberdade de transferir essa responsabilidade para as instituições seguradoras legalmente autorizadas a realizar o seguro.
3.ª A previdência tem obrigação de organizar o seguro dos trabalhadores rurais e equiparados -
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protecção especial às camadas de mais difícil cobertura.
4.ª As entidades patronais, ao menos quanto aos trabalhadores rurais e equiparados, só serão obrigatoriamente inscritas como contribuintes das instituições de previdência quando não realizem o seguro nas entidades privadas - confirmação do princípio da liberdade de escolha da seguradora.
Deste modo, a decretada generalização do seguro terá de ser regulamentada em ordem a cobrir o mais rapidamente possível todos os trabalhadores, mas com respeito pela liberdade de segurar tanto por parte das entidades patronais como por parte dos organismos corporativos que as representam, através do seguro individual ou do seguro colectivo.
O patrão ou o trabalhador independente devem poder escolher o tipo de seguro que mais lhes convém e creio até que as instituições privadas estarão sempre em condições de criar um maior leque de possibilidades, uma mais rica e variada cobertura, fugindo do fato feito, que mal se adapta às realidades da nossa economia, sujeita a grandes diferenças de temperatura.
Devendo atender a estes inevitáveis condicionamentos, a regulamentação desta lei torna-se particularmente delicada.
Delicada, porque tem de evitar o erro do legislador de 1919, preparando uma generalização progressiva do seguro social, generalização condicionada, segundo o nosso entendimento dos factos, à extensão da previdência social, para que possa integrar no seu sistema as entidades patronais que não estejam em condições de fazer a transferência do risco para o seguro privado.
Quando assim não fosse, teríamos uma imensidade de patrões, precisamente os mais pequenos e mais débeis, coimados e executados, sem lhes oferecer a alternativa da inscrição na previdência, como expressamente se consignou para o mundo rural.
Não teria justificação tal procedimento.
As dificuldades da regulamentação da lei são também evidentes quanto aos trabalhadores rurais, pois a extensão do seguro terá de subordinar-se ao prévio enquadramento geral e os trabalhadores agrícolas - desde o norte ao sul - na organização geral da previdência, como avisadamente preconizou a Câmara Corporativa no parecer n.º 38/VII, sobre a reforma da previdência - n.º 97 -, sob pena de se esquecer a ordem natural das necessidades e a ordem de preferência e valor dos investimentos.
Assim, antes de fazer novas e ilusórias promessas, é indispensável satisfazer o esquema mínimo de protecção - a doença, a invalidez, o abono de família - como fora previsto no n.º 2 da base citada da Lei n.º 2015, tarefa que, infelizmente, está longe de chegar ao fim, não só pelas dificuldades do caminho, como pela lentidão do passo que vem exercitando a nossa já consumida paciência.
E delicada e difícil toda a execução desta lei, pois terão ainda de ser medidos e avaliados com maior rigor os recursos disponíveis das diferentes actividades e reduzidos ao máximo os encargos do seguro para que não fiquemos aquém dos nossos generosos objectivos.
Estamos convencidos de que só através de uma acção conjugada da organização corporativa, da previdência e do seguro privado será possível generalizar rapidamente o seguro.
Têm de ser revistos os processos de trabalho das seguradoras, actualizadas as apólices, interessados os grémios na redução dos encargos, estudadas formas mais práticas de seguro, aproveitados e melhorados os serviços existentes, refeitas e acrescentadas todas as potencialidades disponíveis.
Para fugir a tanta dificuldade poderia surgir a tentação, a terrível tentação, do seguro social planificado, estatal, obrigatório para todas as actividades e todos os patrões, modelo único, serviço único, que será possivelmente mais caro e sempre pior.
Daí ao palavrão da segurança social vai um passo.
O seguro social, o verdadeiro seguro social, nunca significou, necessariamente, seguro público, ou seja seguro administrado e dirigido pelo Estado através de instituições criadas para esse efeito.
A estrutura do seguro social também não impõe que o Estado seja o único empresário, bastando que seja seu ordenador e fiscalizador através do competente controle financeiro.
É evidente que se um ramo de seguro não repousar sobre bases financeiras, se não existir proporção entre os prémios e o risco com subordinação ao cálculo actuarial, então não podemos falar de seguro privado, mas também não podemos falar de seguro público, pois não estaremos perante um verdadeiro seguro.
Avistaremos uma instituição de assistência ou a tonitruante segurança social.
O risco tipicamente profissional, cuja cobertura seja declarada obrigatória para patrões, empresas e produtores, suportada pelas entidades patronais, como é o nosso caso, impõe prémios em função de riscos com base na técnica actuarial.
É isto e só isto que se chama seguro social obrigatório de acidentes de trabalho.
Este, tanto poderá concertar-se com empresas privadas como com instituições de direito público que o Estado crie ou organize para esse efeito - com as companhias de seguros ou com as caixas.
Dentro daquele condicionamento indispensável do seguro social - privado ou público -, têm escasso valor os elementos diferenciais que se queiram introduzir no sistema, podendo subsistir, em toda a sua riqueza formal, as mais variadas soluções. E isso que convém.
A lei, como dizem os fleumáticos britânicos, que nela acreditam, pode fazer tudo menos ressuscitar os mortos e há-de encontrar as fórmulas práticas de funcionamento do sistema sem esquecer as nossas realidades nacionais.
Por mim, sinto-me bem a votar uma lei na qual se afirma o princípio da obrigatoriedade deste seguro e se generaliza essa obrigatoriedade, mas desejo fazê-lo não só em homenagem ao princípio, ao seu conteúdo - o que seria retórica fácil de profundo mau gosto -, mas na convicção de que será posto de pé o sistema que cobrirá progressiva e realmente o risco de todos os trabalhadores.
Para esse efeito, entendo que quanto mais largos e vários forem os caminhos, mais fácil será atingir o objectivo desejado e melhor há-de ser o rendimento do sistema.
Tanto no seguro da previdência - caixas - como no seguro privado - companhias - teremos necessidade de estudar prémios e de fazer contas.
A segurança social que sempre temos anatematizado emergiu, como a O. N. U., das águas marinhas, parturejada nas famosas lucubrações anglo-saxónicas.
Não tendo os pés em terra, ali se decretaram insuficientes todas as anteriores instituições da política social e se processou mais um capítulo da incrível aliança do estado soviético-comunista euro-asiático - U. B. S. S. - com os Estados Unidos da América.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
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O Orador: - O n.º V da Carta do Atlântico consagra a dita segurança.
E certo que a aspiração tem precedentes no movimento doutrinário da própria Igreja Católica, mas a sua expressão anglo-saxónica nunca poderá seduzir-nos.
A segurança social concebida como amplo programa político-económico é um cartaz de propaganda muito usado, mas já envelhecido.
Definida, como foi, de «técnica especial de organizar colectivamente, sob a autoridade do Estado, medidas para promover o bem-estar social e económico das pessoas que, com os seus próprios recursos, não podem manter justos níveis de vida», ainda poderíamos aceitá-la, mas fora deste limitado conceito, quando se confunde com o tal cartaz de propaganda e toca a raiz do próprio Estado, programando, conjuntamente, o bem-estar material, a elevação espiritual, a liberdade e a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos do País, o problema tem muito que pôr ao lume, pois tanto tem de ambicioso como de irrealizável.
Desejaria caminhar a passo agigantado com aqueles que guardam outro conceito das verdadeiras seguranças, o qual não se pode confundir com a tal segurança anglo-saxónica, que, no meu modesto entendimento, só contribui para enfraquecer no homem os vínculos naturais da família, da empresa, da região e, em lugar de lhe servir as seguranças reais de que precisa, favorece a insegurança geral.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - A mim deixa-me sozinho e triste diante do monstro do Estado. Monstro que, em lugar de me meter medo para ao menos me intimidar, me quer estender o seu braço protector.
Estamos então no capítulo das superstições, como avisadamente nos advertiu o Santo Padre Pio XII, de gloriosa memória, dirigido pelo demónio da organização.
Quando a tecnocracia inexorável calcula, prevê e rege, acabamos por ver mecanizadas as consciências sob o aparelho administrativo baptizado de segurança social.
O demónio da organização afastará o patrão do sinistrado e o doente do médico, despachando o sinistrado para o funcionário e absorvendo o médico no serviço.
Em lugar de exercitar as virtudes que conduzem a uma maior solidariedade entre os homens e os grupos sociais, revigorando-os, o que se faz por esse caminho, sob a bandeira aliciante da segurança, é desvincular, desintegrar, atomizar, destruir o cimento com que foi construída a nossa civilização.
Quem andar, dentro das horas regulamentares, pelas salas de espera dos postos ou dos hospitais ou pelos guichets dos serviços topa, dia a dia, com as redes do aparelho burocrático atascadas em papéis ou faltosas de verba, patinando e gemendo a sua incapacidade de produzir mais e melhor.
Os funcionários mais zelosos acabam por se adaptar, não têm outro remédio, mas o povo, bondoso, inteligente, começa a sofrer, agradece o incómodo, mas nos dias mais pesados pragueja e acaba por desistir, quando ainda tem pernas para buscar outros caminhos.
Desculpem V. Ex.ª, Sr. Presidente, e VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, esta viagem pela generalidade, mas eu queria ver se afastava a tentação de escorregar para o Inferno, para o Inferno do qual os mais evoluídos e esclarecidos doutrinadores do próprio socialismo já se aperceberam e tentam fugir.
Eles também têm medo das penas eternas, porque, com o andar do tempo, retomam a figura humana, de corpo e alma.
A minha posição não é nova nem velha, é a do homem adulto de sempre, emancipado, livre de todas as miragens, embora temente das tentações.
Enquanto as experiências se sucedem e as desilusões se vão encostando umas às outras, há quem se conserve fiel às raízes e aguarde que venham ter consigo, naufragados, esgotados, os que esqueceram aquela meia dúzia de verdades que os séculos nunca desmentiram.
E assim que recebemos as novas teses socialistas.
São elas que nos vêm agora segredar como não é possível suportar mais o monstruoso estado que criaram, reconhecendo que nunca passou até aqui de um gigantesco e sistemático esforço de acumulação pública, de uma infra-estrutura que muitas vezes funciona mal e em que são inevitáveis a rigidez e a esclerose burocrática.
E confessam que são muito menos raros do que se poderia crer - e eu desejo sublinhar mais esta consagração do homem de sempre -, muito menos raros do que se poderia crer, os casos em que a necessidade de uma actividade autónoma de criação e comunicação tomam um carácter lancinante.
O homem tem de modelar, através das suas instituições, das sociedades menores, a sua vida, precisa de se libertar dos esquemas, das planificações, da segurança social, e criar a sua própria segurança e estabilidade.
Ou enriquecemos e damos conteúdo à organização corporativa e ao sistema de previdência institucional, fugindo das tentações e conservando no mais alto grau de liberdade a iniciativa privada, ou escorregamos para o Inferno levados pelo demónio da organização.
Quero concluir na esperança de que o regulamento desta lei vai repousar nos princípios que encontro na base em discussão, que o seguro privado se vai revitalizar, que a previdência estenderá o seu esquema mínimo a toda a população ainda não coberta contra o risco de acidentes, que as entidades patronais obrigadas ao seguro e os organismos corporativos responsáveis hão-de encontrar o melhor caminho - as caixas, as companhias, as próprias mútuas - sem que nunca seja imposta a inscrição obrigatória, o serviço obrigatório, o médico obrigatório, através da suprema sabedoria das circulares habituais. A liberdade do seguro.
Um novo serviço nacional com as bênçãos particulares de mais um alto funcionário, o batalhão das dactilógrafas e dos escriturários seria um gosto muito caro.
Às vezes fica-se na fachada, na tabuleta, na mobília, no pessoal, porque pouco depois não há verba para funcionar ou funciona mal.
Devemos prosseguir no caminho traçado, alargando progressivamente o seguro, tendo em conta as possibilidades presentes e melhorando o funcionamento do seguro privado, que também precisa de ser estimulado para fazer um esforço real que justifique a função que lhe fica atribuída.
O Ministério das Corporações e Previdência Social tem as maiores responsabilidades, especialmente a de mostrar o abismo que o separa de qualquer ministério do trabalho e da segurança social.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: E pena que eu tenha de levantar neste momento a minha voz para, até certo ponto, contradizer afirmações saídas da boca de alguém que me merece o maior respeito, a maior estima e com quem cimentei nestas bancadas uma amizade que há-de perdurar por toda a vida. A verdade é que estou habituado a que sempre que se procura dar um passo em frente em matéria social ver surgir o pendão do espantalho do socialismo.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - E isto porque deixei embranquecer os cabelos ao serviço da ideia corporativa, quero dizer: se me assista o socialismo, por igual me assusta o espantalho do capitalismo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De resto, já a Igreja, e foi aqui invocado o grande Pontífice que foi Pio XI e que definiu o que era socialismo e socialização.
Ora, pelas considerações feitas, com o brilho a que já estamos habituados, pelo Sr. Deputado Gonçalves Rapazote, parece que chegamos à conclusão de que a carne fica para um lado e os ossos para outro.
O Sr. Martins da Cruz: - Muito bem!
O Orador: - Se se admite o seguro de determinada rentabilidade, temos o Capitalismo.
Se lhes damos os ossos que não têm nada que tirar, então já as doutrinas não têm aquele valimento que devem ter e se podem entregar ao tal socialismo, que não é o que está em causa.
E a propósito, e porque falei na Igreja - ela sempre avisada -, ainda há dois dias, por um dos mais vigorosos Deputados, o Sr. Dr. Armando Cândido, foi feita referência nos peixinhos vermelhos que dentro da taça de água benta procuram levar a sua vida. Temos de denunciar essas manobras e só foi pena que o ilustre Deputado não tivesse referido também que a Igreja, mestra incomparável, está sempre atenta e nunca adormecida. Para o ilustrar basta referir o que se passou com determinado sector da Acção Católica Francesa, onde logo o Episcopado veio esvaziar a taça, deixando os peixinhos em seco.
Risos.
Sr. Presidente: Seja de que maneira for, o que se torna necessário - e é por isso que eu não dou o meu voto a esta base - é que se faça uma cobertura a sério de todas as necessidades do mundo rural.
O Sr. Martins da Cruz: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Gonçalves Rapazote, com a seriedade que o caracteriza, já denunciou a inoperância desta base. Vamos atirar mais uma vez com um cartaz que na 3 denuncia um propósito de efectivar alguma coisa de útil
Todos nós queremos arrancar das mãos desses peixinhos vermelhos o estandarte das legítimas reivindicações humanas que a hora que passa nos impõe a todos. E é por isso que eu, se tenho medo das retaliações dos homens, muito mais medo tenho do juízo de Deus, que é inexorável, decidido e preciso, e que nos há-de atingir a todos. E não podemos esquecer, Srs. Deputados, que Deus encarnou e fez-se homem para derrubar os poderosos e exaltar os humildes. E em nome desses humildes, que eu gostaria de ver protegidos por um serviço amplo e não inoperante, como aquele que se adivinha, que eu ponho o problema à consciência desta Câmara, não estando autorizado a duvidar da rectidão de intenções de cada um de VV. Ex.ªs
Tento dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: Eu queria apenas agradecer a amabilidade das palavras do Sr. Deputado António Santos da Cunha no que respeita à minha pessoa e responder muito sumariamente às observações que fez à minha análise da base em discussão.
Há uma coisa que é certa: é que eu defendi os termos da base tal como ela está na proposta do Governo. O Sr. Deputado Santos da Cunha contrariou a base, mas não nos deu - e podia dar-nos - a solução, que efectivamente ele tem no bolso, para resolver mais rapidamente o problema social.
Aquilo que eu quis fazer, sobretudo, foi denunciar a dificuldade de fazer trabalho sério, mas denunciá-lo para não criar miragens perigosas, e chamar a atenção do Governo para a delicadeza da regulamentação desta matéria, em ordem a servir realmente os objectivos que todos nos propomos - a generalização do seguro obrigatório - mas pelos caminhos que julgo melhores.
O Sr. António Santos da Ganha: - Eu quero dizer ao Sr. Deputado Gonçalves Rapazote que não tenho qualquer elixir para resolver os problemas sociais. Mas, como S. Exa., sei que há necessidade de agarrar o homem, sobretudo o homem rural, à terra. E não creio que seja preciso fazer muito mais do que aquilo que porventura se terá feito.
Por aqui se pode ver que estou a ser realista no campo económico, e acima de tudo o que temos de fazer a favor da lavoura são medidas de ordem social que possam proteger o trabalhador. E por isso me insurgi contra teorias que são gratas ao meu coração. Quem está aí que não ame a liberdade, que é um dom de Deus cuja preciosidade temos de estimar? Quem? Mas acima de tudo, e como disse durante a generalidade, o que desejo é que acabe ide uma vez para sempre o espectáculo de se ver estender a mão à caridade pensionistas das companhias de seguros.
A propósito, porque o Sr. Deputado Gonçalves Rapazote se referiu à ligação de indivíduos dos hospitais, das salas, dos serviços médico-sociais, que são uma grande e palpável realidade de que nos podemos orgulhar, quereria dizer que também estou cansado de ver nos tribunais as companhias protelarem os processos, até que muitas vezes terminam por morrer os sinistrados antes que justiça lhes seja feita.
O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: Escutei com toda a atenção a intervenção do Sr. Deputado Gonçalves Rapazote.
Escutei-a com toda a atenção, e a certa altura dobrei-me sobre mim mesmo, analisei-me na minha consciência e perguntei se não estaria desde já condenado ao Inferno e às penas eternas que S. Ex.ª condenou o seguro social e em cujo caminho pôs quantos o defendem. E, feito rápido exame de consciência, rememorando um conceito do Evangelho, cheguei à conclusão alegre e optimista de que, embora defenda o seguro social, não serei eu que estarei por aí na direcção do Inferno, na iminência das penas eternas.
O Sr. Colares Pereira: - Mas talvez passe pelo Purgatório!
O Sr. Martins da Cruz: - Mas o Purgatório é um lugar de esperança e eu sou um homem de esperança.
Na medida em que o seguro social é um seguro que alinha ao lado de todos os desgraçados que têm fome e sede de justiça, de todos que pretendem por este direito fundamental uma vida mais tranquila, é uma forma de protecção social, é um direito que pede quando precisa.
Parece-me que a ele se aplica um preceito em relação à dificuldade de entrar no reino dos céus: é mais difícil
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a um rico entrar no reino dos céus do que fazer um camelo passar pelo fundo de uma agulha.
O Sr. Deputado Gonçalves Rapazote afirmou que a segurança social data da era anglo-saxónica. Que nasceu da Carta do Atlântico, o que não disse foi o que era essa segurança social. E isso é que não vem na Carta do Atlântico. Esta não cria nenhuma segurança social, apenas postula a segurança para quantos dela precisam.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Eu não posso falar mais vezes, mas, no entanto, gostaria de saber qual a segurança social que V. Ex.ª defende.
O Sr. Martins da Cruz: - Já vai ver, senhor doutor, a segurança social, pelo menos aquela que nesta Câmara é possível defender e que respeita a um conceito heterodoxo, que simplesmente postula a doutrina corporativa. Não é aquela que postula o capitalismo e que o Sr. Deputado Gonçalves Rapazote defende. Também não é a anglo-saxónica, que eu, ao fim e ao cabo, não sei como será a segurança específica nessa segurança. Na medida em que a conheço, é à segurança social que se deve todo o risco. Se há outra além desta, eu não a conheço.
A modalidade para esta segurança é universal.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Sr. Martins da Cruz: - Se vamos a adoptar essa solução, que vimos defendida, então, nesse capítulo, vamos alinhar na posição internacional e nas publicações estatísticas ao lado do Ghana, Nigéria e Camboja, e infelizmente não teremos ao nosso lado nenhum país da Europa.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Estou convencido de que iríamos alinhar ao lado dos países mais avançados.
O Sr. Martins da Cruz: - É um mal, na medida em que esta modalidade não é aquela que é seguida por qualquer país da Europa.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Isso é outro problema.
O Sr. Martins da Cruz: - Esse é que é o problema; não há outro. É aí que nós vamos alinhar ao lado do Ghana, da Nigéria e do Camboja, enquanto a Espanha vai muito mais avançada.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Nós podemos apresentar uma fórmula, que é a nossa, que efectivamente realize o seguro e faça a cobertura, que é o que é preciso. V. Ex.ª continua seduzido por essas ideias que não concretiza; são emanações que têm pouca consistência.
O Sr. Martins da Cruz: - Mas não é preciso voltar a definir o que é segurança social, porque já há muito tempo está assente tal conceito. Posso, portanto, continuar a utilizar a expressão sem necessidade de a definir.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - O que V. Ex.ª não tem é o direito de dizer que eu sou contra a segurança social. Eu defendo as seguranças sociais com toda a energia, porque quero uma segurança social palpável e concreta.
O Sr. Martins da Cruz: - É isso mesmo; todos queremos uma segurança social palpável e real para todos os portugueses. E esse modelo que V. Ex.ª defende tem sido incapaz de fazer uma segurança social concreta.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Eu estou a defender a base da proposta do Governo, enquanto V. Ex.ª parece que ataca essa base.
O Sr. Martins da Cruz: - Pois ataco. E V. Ex.ª começou por dizer que no projecto inicial o Governo tinha inserido nessa base umas expressões que, parece, assustaram V. Ex.ª É aí que eu discordo de V. Ex.ª e do Governo, na medida em que este transigiu com a Câmara Corporativa.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - O que eu disse é que o Governo aceitou a única fórmula que era possível.
O Sr. Martins da Cruz: - Mas o projecto inicial do Governo inseria-se numa linha de orientação já definida por esta Câmara quando legislou nesta legislatura sobre a reforma da previdência. Nessa altura, em matéria de segurança social, esta Câmara definiu a integração dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais no sistema da previdência. O projecto inicial do Governo ia nesse sentido e depois abandonou-o lamentavelmente.
O Sr. António Santos da Cunha: - O que V. Ex.ª quer é o que se passa nos países do Mercado Comum.
O Sr. Martins da Cruz: - E nos países da E. F. T. A.
Reparem VV. Ex.ªs que é o mesmo departamento do Governo que na mesma legislatura manda para esta Assembleia duas propostas de lei de orientações diferentes. E põe esta Câmara perante a situação de ter de legislar sobre segurança social em dois sentidos diferentes.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - É a opinião de V. Ex.ª
O Sr. Martins da Cruz: - Não é só minha. Quando nos ocupámos da reforma da previdência e discutimos a base V, eu mesmo levantei este problema. E foi-me dito que essa base abrangia os acidentes de trabalho e as doenças profissionais.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Eu também entendo que abrange.
O Sr. Martins da Cruz: - Eu também voto a base em discussão, porque o que nela está merece a minha anuência. O que não compreendo é que ela tenha ficado aquém daquilo que devia ser.
Chegados a esta altura, em 1965, quando o Mundo e a Europa têm sobre estes problemas ideias assentes, bem definidas e esclarecidas, e um sistema de segurança social a funcionar perfeitamente, com cobertura integral da população, como, por exemplo, a Alemanha, com 97 por cento, e a Espanha, que nos ultrapassou nesse capítulo, é estranho que venhamos agora a tomar uma posição que talvez ficasse bem há 30 anos, mas que hoje já não serve.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Desculpe mais uma interrupção, mas não posso concordar com o seu entendimento do nosso esquema do seguro social.
O Sr. Martins da Cruz: - Também não pretendo impor-lho. Quero afirmar, prosseguindo nas minhas considerações, que não nos encontramos à frente da Europa em problemas comuns. A segurança social não é um problema especificamente português, mas de toda a huma-
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nidade. Não nos fica, portanto, mal trilhar caminhos que outros já trilharam, se estes se revelarem melhores.
Há, 30 anos, um responsável, a quem Deus terá perdoado, mas a quem certamente a história não perdoará, entendeu que bastava saber ler, escrever e contar, quando já então a Europa se batia pela instrução. O resultado de tal opinião está à vista.
O Sr. Proença Duarte: - Eu também estava aqui há 30 anos. Quero dizer e significar a V. Ex.ª que os Deputados dessa época não tinham menos convicções corporativistas e nacionalistas nem defendiam menos o progresso social, do que V. Ex.ª
O Sr. Martins da Cruz: - Mas não é nada disso que está um causa.
O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª está a pôr em causa as opiniões dos Deputados de há 30 anos, aqui manifestadas, considerando-as como retrógradas ou, pelo menos, retardadoras do desenvolvimento da instrução. E serviu-se desse argumento para apoio da sua tese sobre segurança social.
Como Deputado, que já o era nessa época, não posso nem quero deixar de contrariar a afirmação de V. Ex.ª, por e a não corresponder à realidade do espírito dos Deputados de então, aberto a todas as ideias de progresso e desenvolvimento da vida portuguesa em todos os campos e aspectos.
O Sr. Martins da Cruz: - Mas eu não pus em causa a atenção dos Deputados de há 30 anos posta no problema da segurança social.
O Sr. Proença Duarte: - Pôs em causa o espírito progressivo dos Deputados dessa época em matéria de instrução.
O Sr. Martins da Cruz: - Até certo ponto, pela opinião que já aqui citei, esse espírito progressivo não me pareceu muito acentuado.
O Sr. Proença Duarte: - Mas todos quantos aqui estavam nessa altura eram estruturalmente nacionalistas.
O Sr. Martins da Cruz: - Não confunda V. Ex.ª nacionalismo com o que estou a referir. Eu apenas afirmei, e afirmo, que quem escreveu que para o povo português bastava saber ler, escrever e contar não tinha com certeza razão. E o facto é que, 30 anos passados, todos nos , lamentamos da situação em que se encontra o sector da instrução.
E possível que daqui a 30 anos também nós tenhamos de rever este sistema de segurança social que agora vamos votar e nos deixa aquém da Europa, e ao mesmo tempo é bom que daqui a 30 anos se saiba que já havia alguém que quisesse, também neste sector, que Portugal alinhasse ao lado da Europa.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Permita-me V. Ex.ª que eu use da palavra, enfim, segundo o que suponho inclinação do meu temperamento, em termos suficientemente calmos, nesta espécie de tempestade, que está longe de ser ideológica, que poderemos dizer, embora o recinto seja grande, passar-se num copo de água.
E dizemos isto porque verificamos o seguinte: ao fim e ao cabo, o Sr. Deputado Gonçalves Rapazote e o Sr. Deputado Martins da Cruz estão de acordo em votar a proposta, ou, pelo menos, da maneira como se têm manifestado SS. Exas., estão dispostos a votar a proposta. Podemos dizer que o Sr. Deputado Gonçalves Rapazote, na excelente e bem elaborada exposição com que nos deliciou, está no mesmo carro do Sr. Deputado Martins da Cruz, mas fazendo aquele mais o uso do travão e este mais o do acelerador.
Risos.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - O pior são as derrapagens.
Risos.
O Orador: - Estas tanto se podem dar com o uso desproporcionado de um como do outro.
Nestas condições, eu queria apenas formular, muito calmamente, algumas observações ao que de parte a parte aprendi. Ao Sr. Deputado Rapazote gostaria de dizer que os princípios de seguros sociais obrigatórios, antes da fórmula anglo-saxónica da última guerra, começaram no tempo do império alemão, por 1883, com Bismarck, o qual em matéria social estava então muito mais avançado do que a democrática República Francesa, por exemplo.
Em relação ao Sr: Deputado Martins da Cruz, cumpre-me recordar que a política de segurança social em grande se processa no pressuposto de uma infra-estrutura social suficientemente evoluída quanto à riqueza. As possibilidades desta política assentam num nível económico considerável que se tenha atingido.
Disto nós, infelizmente, estamos bastante longe e, portanto, sem perder de vista que se deve para aí tender, é preciso que essa política, por outro lado, não prejudique essencialmente os investimentos reprodutivos indispensáveis que a tornem viável. E este pressuposto indispensável da reclamada política. Não se pode pôr absolutamente em abstracto nem correr atrás de uma teoria, quer dizer, a recondução a uma visão mais realista das coisas.
Há um quarto aspecto que eu queria destacar, aspecto em que os Srs. Deputados Santos da Cunha e Gonçalves Rapazote estão de acordo, talvez sem o notar, e valorizá-lo, com vista a um futuro diploma regulamentar. Trata-se de considerar e valorizar os organismos corporativos, pelo que respeita à agricultura particularmente, que é a grande doente que todos sabemos. Trata-se de valorizar as organizações económicas, as organizações gremiais agrícolas e as respectivas associações a essas articuladas para realmente se atingir neste capítulo um progresso viável. Era isso que eu queria pôr em relevo, dado que, neste aspecto, os dois Srs. Deputados que nos apareceram aqui em pólos opostos estão afinal perfeitamente de acordo. E isto para as instâncias governativas é que nos parece seja o sumo a extrair da divergência a que acabamos de assistir e que não atinge este importantíssimo ponto.
E, nestas condições, aceito a base em discussão, que representa já uma viragem de perspectivas, isto sem deixar de admitir que em termos mais latos e no futuro o problema possa vir a ser encarado. A discussão havida, Sr. Presidente, foi assim sobre matéria que estava para além da base, e assim fora dela, pois de outra sorte os Srs. Deputados Gonçalves Rapazote e Martins da Cruz não se mostrariam inclinados a aprová-la.
D Sr. Alfredo Brito: - Sr. Presidente: Principio por afirmar que dou o meu voto à base em discussão, mas sinto a obrigação de previamente fazer a seguinte declaração:
Na base em apreciação estabelece-se a obrigatoriedade da transferência das entidades patronais para entidades
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legalmente autorizadas da responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho e doenças profissionais.
Actualmente são entidades legalmente autorizadas as companhias seguradoras.
No texto do projecto da proposta governamental prevê-se a instituição de um outro regime, o qual, julgo, só poderá resultar na ampliação dos serviços da previdência, para que a mesma venha a cobrir a reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho e das doenças profissionais.
(Considerando que o novo regime jurídico de acidentes de trabalho e das doenças profissionais, mesmo estabelecido dentro dos mais sãos princípios do direito social, virá onerar as reparações e com elas necessariamente as taxas de prémio de seguro;
Considerando que todos os encargos acrescentados ao produto, neste caso o aumento das taxas de prémio, levam por sua vez a um aumento de custos;
Considerando que as entidades seguradoras foram instituídas com fins rentáveis e, deste modo, como é lógico, sempre optam por sistema mais económico da reparação do sinistro e que, dada ã actual tabela, a indemnização é menos custosa que a recuperação;
(Considerando que a recuperação é dentro dos princípios humanos, morais, sociais, e mesmo em face da economia nacional a mais aconselhável;
Considerando que as companhias seguradoras pagam uma percentagem de 20 por cento ao angariador e que só esta economia permitirá a qualquer entidade que a ela não seja obrigada, neste caso, a previdência, poder manter as actuais taxas, com melhores benefícios para o sinistrado;
Considerando que a transferência para a previdência deste risco possibilita a melhoria da recuperação e que os preços do produto não serão .agravados, o que tem grande interesse para a economia nacional:
Formulo votos no sentido de que a cobertura dos riscos profissionais passe gradualmente para instituições de previdência existentes ou a criar.
Acresce que foi neste sentido que a Assembleia Nacional se pronunciou já quando do debate sobre a proposta de lei sobre a reforma da previdência social.
Julgo mesmo que haverá vantagem em estabelecer um regime de dualidade de modo a dar-se livre opção ao segurado para entregar a cobertura do risco de acidentes de trabalho às instituições de previdência ou a sociedades seguradoras.
Este sistema originaria certamente uma concorrência a todos os títulos salutares.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: O sistema fundamentalmente louvável de deixar apurar a formulação dos projectos no seio das comissões e apresentar as conclusões à Assembleia, às vezes com pouco tempo para apreciação, conduz-nos, quando encontramos nas emendas qualquer motivo de discordância, à necessidade de oferecer contra-sugestões que não tiveram bastante tempo de amadurecer.
Vem isto para explicar a minha intervenção, não a propósito do ponto da base em discussão, que creio ter mais acendido a eloquência de vários Srs. Deputados, mas a propósito do aditamento constituído pelo n.º 6 a acrescentar à base.
Este n.º 6 tem de relacionar-se com o n.º l, que torna obrigatória a entrega do seguro à entidade seguradora legalmente autorizada, e com ele pretende-se que o Estado, ao regulamentar, se arvore em fiscal, com toda a força das suas cominações, das omissões ou insuficiências dos contratos privados que possam haver entre cada segurado e a sua seguradora. Não me parece acertado que o Estado, obrigando as empresas privadas a confiar os seus seguros a outras empresas privadas, que são as companhias seguradoras, intervenha também para introduzir nos regulamentos quaisquer espécies de cominações no sentido de assegurar uma lisura de contratos que, sendo entre entidades privadas e não ofendendo a moral pública, deve ser ajustada entre elas.
Não me parece bom que o seguro seja entregue à organização estadual, porque, em regra, as organizações estaduais ainda servem pior que as privadas, assim como estou convencido de que será excessivo confiar o seguro a organizações privadas e ao Estado a polícia dos contratos, também privados, por consequência, entre segurados e seguradores, pela força de regulamento oficial.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: As considerações que tenho a fazer são pertinentes mais propriamente ao aspecto formal e jurídico da proposta de lei em discussão. Como acaba de dizer o Sr. Deputado Amaral Neto, quando nos propusemos estudar esta base não tínhamos connosco a proposta de substituição que a Comissão apresentou relativamente ao n.º 3 da base LXIII. Por isso, vou fazer algumas considerações que a base me sugerira e que me parece se harmonizam com a proposta de alteração.
Consigna-se nesta base o princípio da obrigatoriedade para as entidades patronais de transferirem a responsabilidade pela reparação prevista nesta lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, ou seja para as companhias de seguros.
Esta obrigatoriedade de transferência de responsabilidade abrange os riscos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, segundo o n.º 3 da base.
E no n.º 4 dispõe-se que a transferência da responsabilidade em relação a todos os riscos se fará pela mesma instituição seguradora, estabelecendo-se assim o princípio da unidade do seguro.
Em conformidade com este princípio da unidade do seguro, estabelece-se no n.º 1 da base seguinte o princípio da uniformidade das correspondentes apólices, determinando-se que o Grémio dos Seguradores submeterá à aprovação do Governo "os projectos de modelos de apólices de seguro de acidentes de trabalho ...".
De harmonia com o disposto na base I, como ficou aprovado, considero compreendida nesta expressão "apólices de seguro de acidentes do trabalho ..." as doenças profissionais.
Se estes dados estão certos, se correspondem à realidade objectiva do que está nos textos em referência, pergunto se ao referido princípio de obrigatoriedade que se impõe às entidades patronais corresponde igualmente a obrigatoriedade para as entidades seguradoras de realizar os correlativos contratos de seguros nos termos aqui estabelecidos.
Não me parece que esta questão se não possa pôr aqui com o fundamento de que é problema a resolver pela legislação geral e especial reguladora do contrato de seguro.
São conhecidas as divergências jurisprudenciais profundas e agora já resolvidas por "assento" sobre o entendimento de preceito legal similar contido no § único do artigo 40.º do Decreto n.º 27 649, que dispõe:
A transferência da responsabilidade patronal para efeito do disposto no artigo 38.º deve abranger todos os riscos que possam provir de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais.
Entendo que deve ficar esclarecido, em concordância com a doutrina do assento, que as disposições contidas nas
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bases referidas são de interesse e ordem pública, pelo que contra elas não pode ser invocado pelas entidades seguradoras, que, de mais a mais, carecem de autorização legal para realizar este seguro, o princípio da autonomia da vontade que domina a matéria dos contratos.
Entendi, Sr. Presidente, que para servir de elemento histórico de interpretação da lei devia ficar aqui perfeitamente esclarecido que estava implícita na base em discussão a doutrina que foi consagrada por assento recente que decidiu o diferendo que havia no Tribunal Superior a este propósito.
Portanto, Sr. Presidente, regozijo-me e dou o meu pleno apoio e voto à proposta de substituição apresentada pelos Srs. Deputados e que diz assim:
Sem prejuízo da validade do contrato do seguro, será nula qualquer cláusula da apólice que exclua o risco de silicose ou de outra doença profissional, salvo se esse risco estiver coberto pela Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
Era este, Sr. Presidente, o ponto de vista que eu tinha a respeito desta base e que vejo consagrado na proposta de substituição a que acabo de fazer referência.
E porque possivelmente, ou quase com certeza, aqui acabarão as minhas intervenções a propósito da proposta de lei em discussão, quero pedir desculpa a V. Ex.ª e à Gamara das minhas intervenções, que foram talvez mais que s s razoáveis e até pouco ajustadas, ou pouco pertinente, ao assunto em discussão.
Não foi o desejo de ver figurar o meu nome no Diário dias Sessões; fui, talvez, determinado por uma vida profissional de contacto (permanente com os casos que surgem nos tribunais portugueses, vida profissional que, ai de nós, Sr. Presidente, já se aproxima do meio século e em que tantas vezes torturadamente, por falta de elementos de interpretação das leis, tivemos de queimar o melhor da nossa inteligência no esforço de corrigir interpretações que considerávamos erradas. Foi nessa ansiedade de ver completamente esclarecido o espírito da lei que me permiti todas estas intervenções, talvez nem sempre pertinentes. -
Eçá que estou rio uso da palavra e que disse que naturalmente não intervirei mais em discussão desta lei, queria pedir a V. Ex.ª licença, e à Câmara benevolência, para me permitir que, depois de 30 anos de vida nesta Assembleia Nacional, vividos permanentemente ao lado de V Ex.ª, grande parte deles sob sua orientação, quer como lutador, quer como presidente, lhe diga quanto me sinto orgulhoso de ver a maneira como o condiscípulo, o amigo de sempre, ergueu aqui o seu prestígio como Deputado à, mesma altura a que o erguera na Universidade de Coimbra, nessa saudosa e gloriosa Universidade de Coimbra, como aluno e depois como seu digno mestre e professor universitário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E se aqui se interromper, Sr. Presidente, o nosso lado a lado nesta posição de defesa dos princípios em que tanto nos empenhámos desde sempre e que tão profundamente vivemos desde a primeira hora desta Situação, quero dizer a V. Ex.ª que continuarei sempre ao lado um espírito e em comunhão de ideias com V. Ex.ª e com os princípios pelos quais todos nos ternos batido.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Ao sairmos daqui, neste fecho de legislatura, conduzidos por V. Ex.ª é sob a sua presidência, todos podemos afirmar que saímos tão dignificados como entrámos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque nunca V. Ex.ª deixou que o prestígio dos Deputados, dos elementos desta Câmara a que dignamente preside, fosse diminuído por quaisquer interferências, fossem, de que natureza fossem. E isto nos dá consolo, conforto, e me leva a agradecer a V. Ex.ª a generosidade com que nos dirigiu, a alta .competência com que fez funcionar estia Assembleia Nacional, de que resultou prestígio para a Nação. Os meus agradecimentos e as minhas homenagens respeitosas a V. Ex.ª
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente: Não quero agora referir-me ao debate que com tanto interesse e entusiasmo foi travado entre vários Srs. Deputados. Sobre o debate já me pronunciei durante a discussão na generalidade, estando o meu pensamento suficientemente manifestado. Mantenho o que pensava então.
Gomo já disse o Sr. Deputado Pinto de Mesquita, não vejo que haja uma grande necessidade de prolongar o debate sobre esse aspecto, visto que os Srs. Deputados que intervieram na discussão desta base disseram que a votariam, e portanto tudo o mais são considerações de muito interesse, mas que não irão influir na votação.
Refiro-me à intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto no tocante ao n.º 6 que se propõe aditar à base LXIII.
Disse S. Ex.ª, e com isso estou de acordo, que é lamentável que às vezes nem sempre os resultados dos estudos das Comissões encarregadas de apreciar uma determinada proposta de lei possam chegar ao conhecimento doe Deputados com maior antecedência, de forma que cada um possa mais conscienciosamente tomar posição perante esse estudo das comissões.
Neste caso particular, porém, não terá S. Ex.ª inteira razão, porque, em primeiro lugar, na minha intervenção na generalidade eu já tinha abordado o assunto e já tinha apresentado na Mesa uma proposta neste mesmo sentido.
O próprio Ministro das Corporações, na conferência que produziu nesta Assembleia Nacional, já focou o mesmo problema. Creio que a este respeito, o caso particular do n.º 6 da base LXIII, já haveria tempo pana que cada um dos Srs. Deputados possa ter uma noção exacta do problema.
Quando disse que o Sr. Ministro das Corporações, na sua conferência realizada mesta Assembleia, já tinha focado o problema, podia ter acrescentado que na conferência à Imprensa que realizou em Fevereiro deste ano também já focara o assunto.
E leio, se V. Ex.ª me permite. Diz assim:
Leu.
Posta esta questão prévia de interesse, quero dizer que não me repugna em princípio qualquer intervenção do Estado para assegurar o cumprimento sério do contrato mesmo estabelecido entre duas entidades particulares. Portanto, mesmo que no caso estivesse apenas em jogo o interesse da companhia seguradora e o interesse do segurado, a mim não me repugna o princípio que está exposto.
Acho inteiramente justo que o Estado faculte os meios de impedir que se cometam fraudes. Mas no caso particular que estamos a discutir não está apenas em jogo o
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problema da companhia seguradora, mais também pode estar em jogo o interesse da Caixa Nacional de Seguros. E também interessa ao sinistrado, porque se foi feita à companhia uma declaração falseada do montante do salário, o patrão pode não poder responder pelo restante do salário.
Esta disposição não se destina apenas a favorecer as companhias, favorece inteiramente também ia Caixa Nacional de Seguros e igualmente os próprios sinistrados; por outro lado, quero crer que não se trata, com certeza, de criar um serviço novo do Estado para exercer uma fiscalização em nome das companhias de seguros privadas. Isso virá a ser regulado no diploma regulamentar desta lei.
Eu avento que uma das possibilidades em que todos pensam é facultar às companhias de seguros o serviço de declarações que as empresas têm de enviar (para a caixa de previdência, e visto que as companhias de seguros não tinham esse serviço ao seu alcance para que pudessem defender-se das tais fraudes e má fé. Não se trata, pois, de criar um serviço novo, mas sim recorrer aos serviços destas entidades.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: Nem o comentário do Sr. Deputado Tito Arantes, nem o brilho da sua argumentação, nem sequer a veemência que pôs nas suas palavras, eram para mim inesperados.
E sinto-me na maior das dificuldades, quer para responder a S. Ex.ª, quer para tentar esclarecer das minhas razões os numerosos colegas que apoiaram S. Ex.ª com sinais de concordância.
Eu não posso, nem em questões de direito, nem em questões de prática de tribunais como de técnica de seguros, estar em igualdade de experiência ou de informação com S. Ex.ª Reconheço que sou um fraquíssimo argumentador contra a sua posição. Mas no que reparo com particular interesse é no empenho posto pelo Sr. Deputado Tito Arantes em assegurar a posição do segurado, na antipatia com que olha a hipótese de ele ficar insuficientemente coberto pela declaração da entidade seguraste.
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me releve qualquer falha de vocabulário, visto que eu tenho muita dificuldade em distinguir por terminologia correcta entre a entidade segurante e a empresa seguradora. Quando digo entidade segurante, quero referir-me à entidade que é obrigada a contratar o seguro com a empresa seguradora.
Há só uma coisa que me preocupa e impressiona: é que esta proposta de lei foi objecto de um projecto estudado no Ministério das Corporações, creio que com interesse e profundidade, foi discutida na Câmara Corporativa por entidades com o melhor conhecimento da prática dos seguros e da vida dos segurados, foi revista no Ministério das Corporações para se transformar na redacção ora presente, e nunca alguém se impressionou tanto com as contingências do sinistrado, por salários insuficientemente declarados, como se está impressionando o Sr. Deputado Tito Arantes. Quero crer que isto resulta particularmente da boa preparação que S. Ex.ª tem em problemas de seguros.
Mas farei apenas este reparo: muita gente, nesta Casa e lá fora, desejaria que os seguros deixassem de ser obrigatoriamente confiados a empresas privadas, preferindo que eles fossem transferidos para organismos de interesses não privados. Tendencialmente, não estou nessa posição. Prefiro a empresa privada, contra a qual posso defender-me procurando um concorrente, cujos serviços posso dispensar se não me agradarem. Mas o que não posso aceitar é que a empresa privada em geral, a cuja clientela eu ficarei amarrado de pés e mãos, possa exercer sanções no caso de eu me ter esquecido ou haver uma desactualização de declarações.
Há actividades em que é realmente muito difícil ter as declarações sempre prontas. Há actividades em que não é possível elevar os preços dos produtos de modo a poder cobrir a elevação dos prémios dos seguros. Há, com efeito, actividades económicas do nosso país que não podem automaticamente acrescentar aos preços dos produtos o que lhes tenha sido acrescentado em prémios de seguro.
Não estou a defender a possibilidade de se fazerem voluntariamente declarações incompletas, mas a possibilidade de involuntariamente as declarações não estarem a todo o momento actualizadas.
E sobretudo, Sr. Presidente, estou a repelir que à inscrição obrigatória do segurado se junte ainda a presença da autoridade para assegurar o cumprimento de um contrato. Não pode repugnar a ninguém a intervenção do Estado para assegurar o cumprimento de um contrato. Mas para tanto basta a lei geral. Não é preciso criar princípios novos. Abertamente pondero que, se desta lei vão provavelmente resultar para as entidades segurantes encargos muito maiores do que supõe o Ministro das Corporações, e se a esse acréscimo se vier somar a excessiva rigidez dá política das entidades para quem revertem as receitas, tudo isso pode criar à volta da lei maiores resistências e pode trazer mais depressa o momento em que essas entidades sejam definitivamente arredadas da intervenção seguradora de acidentes no trabalho.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Durante o estudo deste problema nas comissões eu tomei uma posição bastante paralela àquela que V. Ex.ª acaba de tomar. Portanto, a coisa foi efectivamente tratada com o cuidado que merecia assunto de tal magnitude.
O Sr. Amaral Neto: - Não duvido de que o assunto tenha sido tratado com todo o cuidado.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Podia não ser assim. A propósito da observação que V. Ex.ª acabou de fazer, lembro-me de ter tomado, repito, uma posição paralela à de V. Ex.ª Simplesmente, pareceu - e daí que eu tivesse subscrito a proposta que devíamos confiar que a regulamentação da lei cuidaria, de um modo particular, desta delicada matéria. Sou permeável à ideia de que não pode ser dada uma arma de que as companhias se vão servir contra um segurado que foi apenas negligente. Isso acontece todos os dias. Não creio que a regulamentação da lei vá fazer uma fórmula que venha efectivamente criar situações que possam de qualquer modo tocar os limites que V. Ex.ª referiu. A intervenção do Estado devia limitar-se à defesa dos interesses gerais.
O Sr. Amaral Neto: - Basta-me que uma pessoa com a formação jurídica, moral, política e intelectual do Sr. Deputado Gonçalves Rapazote tenha tratado destes problemas de seguros e tenha sentido a certo momento que ia ao encontro das apreciações que eu manifestei para me sentir satisfeito e justificado.
Não obstante o meu individualismo, não voto a solução proposta.
O Sr. Tito Arantes: - Apenas duas, muito leves, considerações. O Sr. Deputado Amaral Neto creio que frisou insistentemente que eu, nesta matéria de seguros, tenho um particular conhecimento. Quando da minha interven-
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ção na generalidade, eu disse que, como advogado, defendia as companhias de seguros, mas muitas vezes defendia questões contra aquelas mesmas companhias. Portanto, estou aqui com absoluta isenção e independência.
Nunca estranhei que o Sr. Deputado Amaral Neto frisasse com muita insistência problemas da agricultura, matéria que ele muito bem conhece. Acho muito interessante e natural que aqui ponha o sou ponto de vista.
Por outro lado, a estranheza do Sr. Deputado Amaral Neto por eu ter vindo propor uma disposição que não foi antevista nem pelo Ministério das Corporações nem pela Camara Corporativa, conduziria, se fosse justificada, à completa inutilidade da intervenção da Assembleia Nacional, pois nenhum Deputado poderia sugerir qualquer solução diferente para as propostas que lhe são presentes, sem que lhe fosse oposta igual estranheza.
Creio que ninguém está de acordo com este ponto de vista.
Esta proposta de lei foi elaborada na sua parte técnica per um altíssimo funcionário do Ministério das Corporações e quando lhe pus esta dúvida ele concordou inteirai lente com ela, e concordou exactamente porque este pieceito tanto favorece o segurador como o sinistrado; só não favorece realmente as empresas que cometam fraudes e usem de má fé na elaboração dos contratas.
O n.º 6 desta base encontra-se redigido não apenas pelas omissões, mas também com o total conhecimento desse alto funcionário do Ministério das Corporações que está inteiramente de acordo com o seu conteúdo.
O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: As declarações agora produzidas por alguns ilustres Deputados incidiram sobre um problema central, que, quanto a mim, bem merece ser enfrentado com espírito decidido pelos responsáveis, pois da solução encontrada depende, em grande parte, o êxito da própria política de protecção dos trabalhadores no domínio dos riscos profissionais. Refiro-me à questão relativa à forma de cobertura dos riscos de acidentes de trabalho e doenças profissionais, que entre nós é colocada por de mais em planos pouco propício a uma ponderação puramente objectiva. Congratulemo-nos, pois, por tão alto problema estar a prendei a atenção desta Câmara. De resto, a Assembleia Nacional debateu-o já com nítido sentido das realidades sociais; quando em 1962 apreciou a proposta de lei sobre a reforma da previdência, proposta esta que, seja-me lícito recordá-lo, tive a honra de subscrever tempos antes na qualidade de Ministro das Corporações.
Foi-me dado então salientar a importância de que se revestia a publicação do diploma sobre a Caixa Nacional de Seguros de Doenças1 Profissionais, cujo projecto, transformado em decreto-lei em Abril de 1962, me orgulho de ter elaborado, em conclusão de longos estudos sobre a matéria, quando exerci aquelas funções.
A orientação consagrada por este diploma integrou-se, aliás, a moderna linha de rumo da segurança social, que ter de a alargar o campo de aplicação dos esquemas de projecção e das eventualidades a proteger e, bem assim, coordenar racionalmente a definição e concessão das prestações.
Pela primeira vez em Portugal, ò seguro de doenças profissionais deixou de ser realizado por entidades particulares, passando a efectivar-se através de uma instituição de previdência de raiz e de funcionamento essencialmente corporativos.
Vozes: - Muito bem I
O Orador: - O facto tem de ser saudado como uma viragem de alto significado social, se os princípios consagrados com a criação da nova instituição forem firme e progressivamente aplicados, como se impõe, a todo o vasto campo da cobertura dos riscos profissionais.
O Sr. Martins da Cruz: -Muito bem!
O Orador:- - Apraz-me frisar que a criação da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais constitui, na verdade, o primeiro passo para eliminar a contradição apontada pela generalidade dos estudiosos da matéria, que resulta de um seguro social obrigatório ser realizado por sociedades comerciais. Por toda a parte se vai reconhecendo cada vez mais que a efectivação da obrigatoriedade do seguro cabe naturalmente a instituições sem quaisquer fins lucrativos.
O Sr. Martins da Cruz: -Muito bem!
O Orador: -Tive ensejo de acentuar nesta tribuna não se conceber que o Estado imponha às entidades- particulares encargos de carácter social de que derivem lucros directos para empresas privadas, ao mesmo tempo que chamei a atenção para a vantagem de os interessados as entidades patronais e os trabalhadores participarem na administração do próprio seguro, o que só se conseguirá através de instituições de índole corporativa, que não positivamente através de sociedades comerciais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Q Orador: - E será ainda necessário esclarecer que as modernas teorias da responsabilidade por acidentes de trabalho implicam a integração da cobertura deste risco no plano geral dos seguros sociais?
Atente-se, de modo particular, em que o seguro mercantil não é susceptível de garantir nem a prevenção, nem a recuperação e reocupação, as quais, como se salientou já no IV Congresso da União Nacional, superam em importância a própria reparação.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Por isso, a Câmara Corporativa, ao apreciar a proposta de lei sobre a reforma da previdência social, defendeu, em douto parecer de que foi relator o Doutor Mota Veiga, a integração da cobertura dos acidentes e doenças profissionais no regime da previdência. A mesma Câmara, ao estudar, em 1944, a proposta de lei sobre o Estatuto da Assistência Social, pronunciou-se no mesmo sentido, em notável parecer de que foi relator o Doutor Marcelo Caetano.
Mas o que importa agora evidenciar é que a Assembleia, na actual legislatura, assumiu já sobre o assunto uma posição inequívoca, inspirada no melhor espírito de compreensão social.
Com efeito, esta Câmara, ao discutir a proposta de lei sobre a previdência, aprovou o aditamento de uma nova base (base XII da Lei n.º 2115), de que resultou a classificação das caixas sindicais de previdência em três espécies, uma das quais é precisamente a de «caixas de seguros destinadas à cobertura de riscos especiais sempre que se não torne aconselhável a inclusão de tais eventualidades entre os esquemas de outras caixas sindicais».
Na justificação que então fiz deste importante aditamento, em nome da Comissão do Trabalho, Previdência
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e Assistência e da Comissão de Política e Administração Geral e Local, afirmei:
Considerando ainda que pode tornar-se mister a criação de caixas de seguros para a cobertura de riscos especiais, se não for julgada aconselhável a inclusão de tais eventualidades entre os esquemas de outras caixas sindicais, propõe-se, também com a concordância das comissões, que a base seja acrescida de mais uma alínea com esse conteúdo.
A proposta obedece, sobretudo, à necessidade da criação de caixas especiais destinadas à cobertura dos riscos do desemprego involuntário e dos riscos inerentes ao exercício da profissão. A projectada Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, a que me aprouve aludir em recente intervenção parlamentar, poderá já ser criada ao abrigo da lei que vai agora ser votada por esta Assembleia.
Também obedeceu ao mesmo propósito a aprovação pela Assembleia do n.º 5 da base V da mesma lei, cujo teor é o seguinte:
Poderão ainda estas caixas prosseguir outros objectivos de previdência, designadamente em matéria de doenças profissionais, quando autorizadas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica e estabelecidas as condições gerais referidas na base X.
Ora, ao referir-me, em nome das comissões mencionadas, a esse n.º 5, declarei então:
O n.º 5 é idêntico ao n.º 4 da base V proposta pela Câmara Corporativa. Há, porém, duas diferenças a assinalar. A primeira refere-se ao estabelecimento do princípio de que a previdência não poderá prosseguir fins diferentes dos que já estão aprovados, sem que o Ministro respectivo ouça o Conselho Coordenador ora criado.
A outra assume maior relevância, porque, entre os fins da previdência a que se alude no preceito, inclui-se o da protecção nas doenças profissionais, e numa fórmula que não afasta a futura integração de outro risco.
Sendo assim, parece-me legítimo e necessário concluir que qualquer votação, agora, nesta Assembleia, com espírito e alcance diversos, seria verdadeiramente chocante, inaceitável e incompreensível.
Nem se diga que a cobertura dos riscos profissionais por instituições de previdência constitui uma solução de base ou sentido socializante. Pelo contrário, trata-se de solução que se insere nas melhores tendências cristãs de promoção humana, desde que a fórmula institucional encontrada para se atingir tão alto objectivo não afaste a participação dos interessados na administração do seguro.
Muito bem !
O Orador: - De resto, se esta orientação não pudesse ser considerada ortodoxa no domínio dos princípios, teríamos então de concluir que a cobertura dos riscos sociais, já integrados na nossa previdência, está a efectivar-se através de estruturas e esquemas socialistas, o que, Decididamente, ninguém poderá afirmar com razão.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Peço não estranhem a vivacidade que pus neste breve apontamento, mas, já aqui o disse há dois anos, não quero esquecer que no meu espírito, ao aceitar a candidatura a Deputado, pesou fortemente a ideia de que nesta Câmara bem poderia contribuir para dar continuidade e para reforçar diligências e trabalhos realizados no exercício de outras funções públicas.
Não obedeceu a outro propósito esta breve intervenção na especialidade - a única que, por motivos ponderosos, entendi dever fazer na matéria em debate, apesar de presidente da Comissão do Trabalho, Previdência e Assistência. Na sua modéstia, estas palavras terão, ao menos para mim, o mérito de me tranquilizarem, na certeza em que fico, dizendo-as, de me manter fiel aos princípios de uma política social por que me bato desde há muito e cuja execução não pode, de forma alguma, ser retardada ou perturbada, quaisquer que sejam os interesses de ordem pessoal ou sectorial que tentem opor-se-lhe.
O Sr. Soares da Fonseca: -Sr. Presidente: Não quero meter-me na agitação levantada em torno desta base, tanto mais que a (proposta do Governo não contém princípios doutrinários cujos desenvolvimentos naturais briguem com o que suponho ser a melhor orientação. É outro agora o meu objectivo.
Esta base em discussão é das mais importantes e das mais inovadoras da proposta, pelo que se contém no n.º 2, que em princípio .torna obrigatório o seguro contra acidentes de trabalho nos meios rurais.
Devo dizer francamente que me causa alguma apreensão esta obrigatoriedade, sobretudo se ela for aplicada indiscriminadamente, sem uma certa lenta progressividade, pelos encargos que desnecessariamente pode acarretar para as economias modestas dos nossos campos.
Lá fora há países {progressivos, com a agricultura evoluída, em que não existe esta obrigatoriedade ou não existe generalizada de modo indiscriminado, limitando-se aos casos de emprego saliente de maquinaria.
E que o acidente de trabalho rural, fora do caso da utilização habitual de máquinas, é muito raro. Por isso, e ainda bem que é assim, a massa das nossas populações rurais não sente a necessidade da obrigatoriedade consignada no n.º 2 desta base.
O que ela sente com intensidade diariamente é a falta de assistência na doença, na invalidez, na velhice, e seria a estas carências, em meu modo de ver, que devia atender-se em primeiro lugar.
Creio ter já ouvido dizer que o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho nos meios rurais é o caminho mais seguro para se criar o condicionalismo capaz de levar a suprir as carências acabadas de apontar, isto é, que a previdência sucederá quase naturalmente ao seguro obrigatório contra acidentes.
Mal nos irá se se entender realmente assim, porque a obrigatoriedade do seguro contra acidentes há-de caminhar, sem dúvida, lentamente na sua efectivação prática, e assim demorar-se-ia demasiado a estatuir a protecção social aos rurais nos domínios em que ela é mais necessária.
Dito isto, Sr. Presidente, confio na prudência do Governo relativamente à execução da obrigatoriedade pré vista no n.º 2 da base em discussão,
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão. Pauso.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado desejo fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
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Vão votar-se em primeiro lugar os n.ºs l, 2 e 5 da proposta de lei.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O ar. Presidente: -Vai agora votar-se a proposta de substituição dos n.ºs 3 e 4 e que foi lida.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de aditamento conhecida e que foi lida.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou pôr agora em discussão as bases XLIV, XLV, XLVI e XLVII, sobre as quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração. Vão ser lidas essas bases.
F o iam lidas. São as seguintes: .
BASE XLIV
1. O Grémio dos Seguradores submeterá a aprovação do Governo, no prazo que lhe for indicado, os projectos de modelos de apólices uniformes do seguro de acidentes de trabalho, adequadas às diferentes profissões e actividades, de harmonia com os princípios estabelecidos nesta lei e em regulamento. O Governo, pelos Ministérios das Finanças, das Corporações e previdência Social e da Saúde e Assistência, elaborará e mandará publicar os modelos aprovados, e poderá fazê-lo por sua iniciativa se o Grémio não apresentar 0.5 projectos no prazo acima referido.
2. Serão previstas nas apólices uniformes a cobrança de um prémio suplementar de seguro quando oficialmente se averiguar que as entidades patronais não observam as normas de segurança do trabalho e a redução dos prémios devidos quando, em consequência d is medidas de prevenção tomadas, o número de acidentes seja inferior ao da média segundo as várias actividades.
3. São nulas as cláusulas adicionais que contrariem os direitos ou as garantias estabelecidos nas apólices uniformes pré visitas nesta base.
BASE XLV
1. Para assegurar o pagamento das prestações por ir capacidade permanente ou monte, da responsabilidade de entidades insolventes, é constituído na Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais um findo, gerido em conta especial, e denominado «Fundo de garantia e actualização de pensões».
2.º Constituem receitas deste Fundo:
a) As importâncias provenientes do reembolso de prestações por ele pagas;
b) As importâncias referidas no n.º 5 da base XIX;
c) As importâncias arrecadadas por força do n.º 4 da base XXII;
d) As multas impostas por infracção aos preceitos desta lei e seu regulamento; e) Quaisquer outras importâncias que venham a ser-lhe igualmente atribuídas.
3. O Fundo de garantia e actualização de pensões fica sub-rogado em todos os direitos das vítimas de acidentes e seus familiares para reembolso do montante das prestações que haja pago.
4. Na medida em que as possibilidades do Fundo permitirem, poderá o Ministro das Corporações e Previdência Social autorizar que, complementarmente, sejam por ele integradas pensões reconhecidamente desactualizadas.
BASE XLVI
1. Ao Governo incumbe decretar as medidas de segurança, higiene e profilaxia, necessárias a protecção da saúde, integridade física e vida dos trabalhadores, e fiscalizar o seu cumprimento.
2. O Governo promoverá a criação de um organismo adequado à direcção e coordenação de todas as entidades e serviços, oficiais e privados, interessados na prevenção, à centralização dos elementos estatísticos e investigação das causas dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, e ao estudo das providências a adoptar em matéria de prevenção.
BASE XLVII
As entidades patronais devem constituir, conforme a sua capacidade económica e a gravidade ou frequência dos riscos da respectiva actividade, serviços e comissões de segurança de que façam parte representantes do pessoal, com o objectivo de vigiar o cumprimento das normas de segurança e higiene no trabalho, investigar as causas dos acidentes e, em colaboração com os serviços técnicos e sociais das empresas, organizar a prevenção e assegurar a higiene nos locais de trabalho.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão. Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se as bases XLIV, XLV, XLVI e XLVII.
Submetida à votação, foram aprovada».
O Sr. Presidente:-Vou pôr em discussão a base XLVIII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.
Fortim lidas São as seguintes:
BASE XLVIII
1. Aos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho, em consequência de acidentes de trabalho, será facultada, quando as circunstâncias o justifiquem e permitam, a utilização de serviços de adaptação ou readaptação profissionais e de colocação.
2. O Governo criará os serviços dê adaptação ou readaptação profissionais e de colocação, utilizando, tanto quanto possível, os serviços e instituições já existentes, por forma a garantir a máxima coordenação e a mais estreita colaboração, não só entre aqueles serviços e instituições, como entre eles e os serviços das empresas patronais e seguradoras.
Proposta de eliminação
BASE XLVIII
Propomos que no n.º 2 da base XLVIII se eliminem as expressões «máxima» e «e a mais estreita colaboração».
Sala das Sessões da Assembleia- Nacional, 24 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fon-
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seca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - Tito Castelo Branco Arantes - Fernando Cid Oliveira Proença - António Manuel Gonçalves Rapazote - (António Martins da Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se em primeiro lugar o n.º 1.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o n.º 2, juntamente com as alterações propostas e que foram lidas.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XLIX, sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE XLIX
Às empresas de reconhecida capacidade económica organizarão para a admissão do seu pessoal um sistema de prioridades de modo a, em primeiro lugar, admitirem em actividades compatíveis com a lesão ou doença de que estejam afectados os trabalhadores que tenham sido vítimas de acidente de trabalho ao seu serviço.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-»se a base XLIX.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Temos agora duas propostas de aditamento de uma base nova, que vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
Proposta de aditamento
BASE XLIX-A
Propomos que ao texto da proposta seja adicionada uma base nova, base XLIX-A, com a seguinte redacção:
Quando o salário declarado, para efeito do prémio de seguro, for inferior ao real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquele salário, respondendo a entidade patronal pela diferença e pelas despesas efectuadas com & hospitalização, assistência clínica e transportes, na respectiva proporção.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - Fernando Cid Oliveira Proença - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Martins da Cruz.
Proposta de base nova
Quando o salário declarado, para o efeito do prémio, for inferior ao real, a entidade seguradora só é responsável até esse limite, respondendo a entidade patronal pela respectiva diferença e pela totalidade das despesas efectuadas com hospitalização, assistência clínica e transportes.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Abril de 1965. - O Deputado, Tito Castelo Branco Arantes.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Tito Arantes: - Peço apenas licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para retirar a proposta que tinha apresentado, visto eu dar o meu voto à proposta que foi apresentada pela Comissão.
O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sobre se autoriza que seja retirada a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Tito Arantes.
Consultada a Assembleia, foi autorizada a retirada da proposta.
O Sr. Presidente: - Continua, portanto, em discussão a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca e outros Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se a proposta de aditamento de uma base nova, apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca e outros Srs. Deputados.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base L, sobre a qual há na Mesa duas propostas de alteração. Vão ser lidas a base e as propostas de alteração.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE L
Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar, ficando revogada a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, o Decreto n.º 27 649, de 12 de Abril de 1937, e o Decreto-Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951.
Proposta de substituição
BASE L
Propomos que a base L passe a ter a seguinte redacção:
1. Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar e será aplicável:
a) Quanto aos acidentes de trabalho, aos que ocorrerem após aquela entrada em vigor;
b) Quanto às doenças profissionais, àquelas cujo diagnóstico inequívoco se faça após a data referida na alínea anterior.
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2. Ficam revogados a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, o Decreto n.º 27 649, de 12 de Abril de 1937, e o Decreto-Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1965. - Os Deputados: José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - fito Castelo Branco Arantes - Fernando Cid Oliveira Proença - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Martins da Cruz.
Proposta de alteração da base L
1. Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar, e será aplicável:
a) Quanto aos acidentes, aos que ocorrerem após essa data;
b) Quanto às doenças profissionais, àquelas que depois dessa data se manifestarem.
2. Ficam revogados a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, o Decreto n.º 27 649, de 12 de Abril de 1937, e o Decreto-Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 20 de Abril de 1965. - O Deputado, Tito Carteio Branco Arantes.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Tito Arantes: - Peço autorização para retirar a minha proposta, visto ela estar de acordo com a redacção da proposta apresentada pela Comissão.
Consultada a Câmara sobre a autorização para retirada da proposta, foi a mesma concedida.
O Sr. Presidente: - Estão, pois, em discussão a base ... e a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca e outros Srs. Deputados.
O Sr. Sousa Birne: - Peço a palavra, Sr. Presidente, apenas para um breve apontamento final, da minha parte, sobre a base L.
A regulamentação desta lei assume, muito especialmente, pelo que diz respeito à aplicação da doutrina de algumas bases, aspectos de especialização e dê profundidade, na medicina e na técnica, que não é de mais encarecer, para que essa doutrina não accione com um gume que e possa desvirtuar.
Confio inteiramente na acção criteriosa e elevadamente ponderada que vai presidir a essa regulamentação e na inteira colaboração que à mesma vai ser requerida e terá de ser prestada por outros Ministérios, nomeadamente o Ministério da Saúde e o Ministério da Economia.
E faço sinceros votos para que essa regulamentação afirme à lei - e aguardo sinceramente que afirmará - toda aquela dignidade reparadora que todos, o Ministério das Corporações ao subscrevê-la, a Câmara Corporativa ao elucidá-la e, por fim, a Assembleia Nacional ao discuti-la e aprová-la na sua forma terminante e imperativa, se esforçai em por imprimir-lhe, com os olhos postos na pureza da dignificação do trabalho e do trabalhador.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca e outros Srs. Deputados.
Submetido, à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação da proposta de lei e com ela terminaram os trabalhos da Assembleia durante esta última sessão legislativa da VIII Legislatura.
Quero pedir aos Srs. Deputados um voto de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para fazer a redacção definitiva da proposta de lei que acaba de ser votada.
Consultada a Câmara, foi concedido o voto de confiança.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Chegámos ao fim dos nossos trabalhos na última sessão ordinária da legislatura.
Não farei o relato da nossa actividade. Ela está contida no Diário das Sessões e VV. Ex.ªs conhecem-na tão bem como eu.
Não deixarei, no entanto, de dizer que todos a exerceram em plena liberdade, sem quaisquer restrições que não fossem as que cada um impôs a si próprio. Acrescentarei mesmo que em nenhuma assembleia política do género da nossa aquela liberdade foi maior.
Não há grupos constituídos fora da Assembleia que imponham aos Deputados uma disciplina; podem - e isso sucedeu em poucos casos - ter-se formado dentro da Assembleia em volta de questões que se discutiam e que admitiam vários sentidos de solução. Sobre este sentido de solução marcaram-se opiniões diferentes, cada uma das quais pretendia traduzir o que mais convinha ao interesse nacional. Estes grupos constituídos dentro da Assembleia em volta de questões determinadas desfaziam-se com a votação. Formaram-se em volta de ideias, e não em volta de homens. Assim, acontecia que não ligavam os homens que podiam estar em grupos diferentes de acordo com as ideias que tinham em relação às questões que se debatiam. Os grupos não eram permanentes. Os homens que estavam ligados a propósito de uma questão podiam estar desligados a propósito de outra questão. As correntes de opinião variavam, pois, conforme as questões, e -não conforme os homens que as representavam.
No período antes da ordem do dia cada Deputado disse o que quis e como quis ...
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente: - ... com ou sem aprovação dos outros. Considerei sempre esse período como muito importante. Nunca lhes opus qualquer restrição. E sempre o julguei, com os avisos prévios, uma das manifestações mais importantes da actividade dos Deputados. Estes podem estar habilitados, e devem mesmo procurar estar habilitados, a pronunciar-se sobre os princípios fundamentais da orientação política; podem formular reclamações sobre problemas concretos e sobre o que crêem ser soluções injustas ou desigualdade injustificável no tratamento de interesses.
Dificilmente poderão estar habilitados a organizar o regime de defesa desses interesses. Só o Governo tem o apetrechamento necessário ao estabelecimento desse regime. Quero dizer: hoje as assembleias como a nossa podem discutir a lei, mas dificilmente podem prepará-la, por não disporem dos elementos indispensáveis a essa preparação. Têm competência constitucional para fazer a lei, votando-a, e não podem deixar de tê-la; mas creio
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não lhes fazer injúria dizendo que não têm competência de facto, senão em casos muito circunscritos, para a preparar ou organizar. Podem discuti-la e alterá-la ou mesmo não aceitar a proposta que lhes é submetida, podem criticá-la e pedir a modificação da que já está feita; dificilmente podem organizar o respectivo projecto. Nas intervenções antes da ordem do dia pode ter acontecido que alguns Srs. Deputados tenham levado longe de mais as suas críticas; pode ter acontecido que tenham reclamado coisas que sabem que constituem tanto a sua ansiedade como a do Governo; e que, se este as não faz, é porque não dispõe dos meios suficientes para isso.
Hão-de certamente ter procedido assim para ver realizadas aspirações que são de todos. Isto só quer dizer que se não conformam com a falta de meios; mas só o Governo sabe daqueles de que pode dispor.
A ânsia de os conseguir é que os há-de ter determinado. E eu creio que foi sempre com espírito construtivo que fizeram as suas intervenções e as suas críticas.
Trabalhámos. Trabalhámos com boa intenção e boa fé.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tenho gosto em o afirmar.
Srs. Deputados: Feitas estas notas rápidas, quero dizer-lhes que, depois de uma convivência de quatro anos e de permanência no cargo para que me fizeram a honra de eleger-me, não guardo de nenhum qualquer ressentimento nem me foi dada ocasião- de, em qualquer emergência, o criar; quero agradecer-lhes a maneira como sempre me trataram e a colaboração que sempre me prestaram; e quero pedir-lhes desculpa se alguma vez me aconteceu ser menos correcto ou fiz algum apontamento mais vivo ou menos harmónico com as exigências da função a qualquer.
Vozes: - Não apoiado!
O Sr. Presidente: - Quero ainda pedir-lhes que continuem a pleitear pela defesa do interesse nacional e pelos grandes princípios que dominam o Regime, procurando que estes se realizem com a rapidez possível e com a eficiência necessária, de olhos postos na unidade deste Portugal pluricontinental e plurirracial.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Cabe juntar a este pedido uma saudação quente aos que se batem por aquela unidade e recebem com alegria os sacrifícios que lhes são impostos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Com alegria e com honra!
Quero também agradecer à imprensa, à rádio e à televisão a colaboração que prestaram à Assembleia, projectando para o País a sua actividade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Quero, por fim, agradecer aos funcionários os bons serviços que nos prestaram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - À Câmara Corporativa não me atrevo a agradecer. Creio, porém, que me será permitido, sem a impertinência de quem faz um julgamento, exaltar a maneira como se desempenhou das suas funções constitucionais e os altos serviços que prestou a esta Assembleia e ao País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - E com os votos das maiores prosperidades para todos, me despeço e termino.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: Como V. Ex.ª acaba de apontar, dobramos hoje a página final da agenda de trabalhos da VIII Legislatura.
Ainda voltaremos a encontrar-nos juntos para tomar parte no colégio eleitoral, por cujo intermédio a Nação elegerá o Chefe do Estado para o novo septénio. Voltaremos depois, propriamente como Assembleia Nacional, mas em sessão conjunta com a Câmara Corporativa, para efeitos da posse do Chefe do Estado assim eleito.
Em boa verdade, porém, salvo evento não previsto, dobramos hoje a última página do calendário de actividades da actual legislatura.
A muitos parecerá, talvez, que seria esta uma oportunidade não despicienda para se fazer a anatomia de toda a legislatura, de modo a poderem inscrever-se no preto de uma ardósia as nossas eventuais carências ou deficiências e a fazer perpassar na brancura de um écran os numerosos acertos do nosso procedimento.
Não serei eu, porém, que me meta no túnel destas delicadas dificuldades.
Não vou averiguar, portanto, se alguma vez deixámos sobrepor a preocupação excessiva da originalidade aos imperativos da realidade objectiva, ou se deixámos misturar em pouco do joio da agitação com o puro trigo da verdadeira acção, ou se deixámos que nos tentasse o absurdo de se pretender estar no forno e no moinho ao mesmo tempo, ou se deixámos até que as aparências fizessem supor qualquer fenómeno de erosão intelectual.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Do mesmo modo não vou alinhar aqui a série abundante dos nossos procedimentos exemplares na defesa do bem comum - quer pela serena independência e perfeita objectividade de muitas críticas construtivas, quer pelo estudo aturado dos vários problemas postos ao nosso exame e apreciação, quer pela autêntica inquietação de espírito em busca das melhores soluções para a garantia e salvaguarda do interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Direi apenas, Sr. Presidente, que subscrevo de bom grado o juízo prático acabado de esboçar por V. Ex.ª a este propósito: a linha geral da nossa actuação parlamentar foi, sem dúvida, séria, imparcial, objectiva, prestigiosa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma ou outra vez não se terá actuado bem; mas sempre e em tudo se actuou por bem - embora a lisura mental das intenções não possa, de si mesma, avalizar a bondade de todas as consequências naturais da actuação humana.
Aludiu também V. Ex.ª ao facto de os Deputados exercerem a sua actividade parlamentar sem outra disciplina real que não seja a imposta a cada um por si próprio.
Já no início da legislatura V. Ex.ª tinha sublinhado esta faceta verdadeiramente típica da Assembleia Nacio-
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nal, ao mesmo tempo que se mostrou confiado em que todos nós saberíamos fazer legítimo uso desta plena liberdade, submetendo-a ao controle da disciplina de consciência de cada um.
Todos terão podido verificar que, na realidade, mão se exerceu aqui outro constrangimento político que não fosse o do sentido, mais ou menos perfeito, mais ou menos apurado, dessa disciplina interior.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Feito este breve apontamento, de algum modo :sugerido ao meu espírito pela consideração da posição especial com que fui honrado nesta Casa, rogo vénia, Sr. Presidente, para, interpretando seguramente os sentimentos de toda a Câmara, agradecer a gentileza das saudações com que V. Ex.ª acaba de penhorar-nos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem dúvida, sou igualmente fiel intérprete «Io sentir unânime dos Deputados ao retribuí-las com devotado fervor.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Endereço-lhe, ao mesmo tempo, o vivo testemunho do nosso muito respeito, da nossa profunda admiração e da nossa maior estima pela figura prestigiosa do homem invulgar e do proeminente político que, com tanta dignidade, ocupou a alta presidência da Assembleia Nacional durante a legislatura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Se me é lícito empregar um termo com sabor Ia discussão da proposta de lei acabada de votar, direi a V. Ex.ª que só para não traumatizar a sua consabida modéstia de espírito me abstenho de enaltecer aqui, como bem desejaria, os elevados méritos intelectuais 9 morais que exuberantemente justificam estes nossos sentimentos para com V. Ex.ª
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Traduzirei, em todo o caso, a forte intensidade de tais sentimentos pela seguinte fórmula: alguns de nós, talvez muitos de nós, pelas próprias exigências naturais da vida pública, teremos de dar agora por finda a agra lavei convivência pessoal e a excelente camaradagem política vividas nesta Casa ao longo de quatro anos.
Auguro desde já que todos os que nos vierem a suceder hão-de nutrir por V. Ex.ª sentimentos idênticos aos que deixo manifestados. A nenhum deles, porém, reconheceremos o direito de «nos sucederem» neste domínio.
Quero dizer na minha, Sr. Presidente, que os apontados sentimentos de muito respeito, de profunda admiração e de maior estima, mesmo tendo nós de partir, ficarão connosco, guardados para sempre nos escaninhos do nosso coração.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão, e com a declaração de encerramento renovo as minhas saudações e cumprimentos a VV. Ex.ª E agradeço as palavras que ouvi do Sr. Deputado Soares da Fonseca como do Sr. Deputado Proença Duarte.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António Marques Fernandes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Buli.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Paulo Cancella de Abreu.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Marques Lobato.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Lopes de Almeida.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.
Urgel Abulo Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avilles.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA