O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1217

REPÚBLICA PORTUGUÊSA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

ANO DE 1970 19 DE DEZEMBRO

X LEGISLATURA

SESSÃO N.º 59 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 18 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

SECRETÁRIOS: Exmos. Srs. João Nuno Pimenta Serras e Silva pereira
João Bosco Soares Mota Amaral

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 56 e 57 do Diário das Sessões, com rectificações, quanto ao n.º 57, dos Srs. Deputados Themudo Barata e Serras Pereira, e outras do Sr. Deputado Gouveia das Neves, quanto ao n.º 56.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa um suplemento ao n.º 58 do Diário das Sessões, contendo o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre autorização das receitas e despesas para 1971.
O Sr. Presidente deu conhecimento de que, ao abrigo do disposto no Regimento, alínea b) do artigo 24.º, a apresentação de quaisquer reclamações sobre essa redacção constituirá matéria da primeira parte da ordem do dia da sessão de hoje.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente deu conhecimento de estar na Mesa um projecto de lei de alteração de alguns artigos da Constituição, subscrito pelo Sr. Deputado Duarte do Amaral e outros Srs. Deputados, que vai ser enviado à Câmara Corporativa para os efeitos devidos.
Também foi recebido na Mesa um outro projecto de lei de alteração a artigos da Constituição, assinado pelo Sr. Deputado Sá Carneiro e outros Srs. Deputados, o qual será igualmente enviado à Câmara Corporativa, sendo ambos insertos no Diário das Sessões.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o suplemento ao n.º 289, 1.ª série, do Diário do Governo, inserindo diversos decretos-leis.
Foi recebida na Mesa a resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Valadão dos Santos; foram lidas a nota de perguntas e a resposta, que virão insertas no Diário das Sessões.
Também se leram na Mesa duas notas de perguntas do Sr. Deputado Sá Carneiro e as respostas recebidas da Presidência do Conselho, que foram lidas juntamente com as perguntas de umas e outras, insertas no Diário das Sessões.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Per es Claro, para um requerimento; Pontífice Sousa, também para um requerimento; Pedro Baessa, sobre urbanização em Moçambique; Costa Oliveira, sobre relações económicas com o ultramar; Martins da Cruz, para um requerimento; Júlio Evangelista, para agradecer ao Governo as providências quanto à bacia hidrográfica do rio Lima; Prabacor Rau, sobre o Dia de Goa; Oliveira Dias, acerca do problema dos inquilinos do Estado; Nogueira Rodrigues, sobre a visita ministerial e de Deputados ao ultramar; Brás Gomes, que evocou Goa; Castro Salazar, sobre o 5.º centenário de S. Tomé e Príncipe; Sinclética Torres, que se referiu à ocupação de terrenos em Angola: Raquel Ribeiro, acerca do preço dos medicamentos; Sá Viana Rebelo, sobre problemas de Angola, e Malafaia Novais, acerca da exportação de vinho para o ultramar.

Ordem do dia. - Foi aprovado o texto proposto pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia. Nacional sobre a autorização de receitas e despesas para 1971, em cumprimento do disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regimento.
Em segunda parte, continuou a discussão na generalidade do projecto de lei sobre a designação, pelas respectivas corporações, dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Gonçalves de Proença e Amílcar Mesquita.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.

Página 1218

1218 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.
Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Amílcar da Costa Pereira Mesquita.
Amílcar Pereira de Magalhães.
António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.
António da Fonseca Leal de Oliveira.
António Júlio dos Santos Almeida.
António Lopes Quadrado.
António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Domingues Correia.
Augusto Salazar Leite.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Monteiro do Amaral Netto.
Delfim Linhares de Andrade.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Eleutério Gomes de Aguiar.
Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.
Fernando Augusto Santos e Castro.
Fernando David Laima.
Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.
Fernando dê Sá Viana Rebelo.
Filipe José Freire Themudo Barata.
Francisco António da Silva.
Francisco Correia das Neves.
Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.
Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
Francisco Manuel de Meneses Falcão.
Francisco de Moncada do Casal-Bibeiro de Carvalho.
Gabriel da Costa Gonçalves.
Henrique José Nogueira Rodrigues.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João António Teixeira Canedo.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.
João Duarte de Oliveira.
João José Ferreira Forte.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.
João Ruiz de Almeida Garrett.
Joaquim Carvalho Macedo Correia.
Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.
Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Coelho de Almeida Cotta.
José Coelho Jordão.
José da Costa Oliveira.
José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.
José João Gonçalves de Proença.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Vicente Cordeiro M ai ato Beliz.
José Vicente Pizarro Xavier Montai vão Machado.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.
Luís António de Oliveira Ramos.
Luís Maria Teixeira Pinto.
D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.
Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.
Manuel Elias Trigo Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Jesus Silva Mendes.
Manuel Joaquim Montanha Pinto.
Manuel Marques da Silva Soares.
Manuel Martins da Cruz.
Manuel Valente Sanches.
D. Maria Raquel Ribeiro.
Olímpio da Conceição Pereira.
Pedro Baessa.
Prabacor Baú.
Rafael Ávila de Azevedo.
Rafael Valadão dos Santos.
Bamiro Ferreira Marques de Queirós.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Ricardo Horta Júnior.
Rogério Noel Píeres Claro.
Rui de Moura Ramos.
Rui Pontífice Sousa.
D. Sinclética Soares dos Santos Torres.
Teodoro de Sousa Pedro.
Teófilo Lopes Frazão.
Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 91 Srs. Deputados.
Está aborta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 56, 57 e 58 do Diário das Sessões.

O Sr. Themudo Barata: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a bondade!

O Sr. Themudo Barata: - No n.º 57 do Diário das Sessões, p. 1185, na l. 4 da col. 2.ª, onde se lê: «orçamento», deve ler-se: «fomento». Na l. 25 dessa mesma coluna, onde se lê: «65», deve ler-se: «75». Na l. 31, também dessa coluna, onde se lê: «armamentos», deve ler-se: «armamento», e o mesmo se passa na l. 32. Na l. 36, col. 2.ª, onde se lê: «afinal», deve ler-se: «o Arsenal do ALfeite». Na p. 1186, col. 1.ª, l. 10, onde se lê: «de produção nacional», deve ler-se: «de materiais de produção nacional». Na l. 38, cal. 1.ª, deve substituir-se a palavra «também» por «como sejam as». Na p. 1193, col. 1.ª, l. 5, onde se lê: «a», deve ler-se: «em». E ma linha imediatamente a seguir, onde se lê: «aos», deve ler-se: «os».

O Sr. Serras Pereira: - Tenho uma rectificação a fazer ao n.º 57 do Diário das Sessões, de 15 de Dezembro: no local destinado aos secretários da Mesa, em que figura o nome do Sr. Deputado Luís António de Oliveira Ramos, deve figurar o meu, uma vez que estive presente à sessão.
Peço, por isso, a rectificação.

Página 1219

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1219

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão os n.ºs 56, 57 e 58 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: Como o n.º 58 do Diário das Sessões foi distribuído há pouco, não tive oportunidade de conferir a parte que me diz respeito. Se V. Ex.ª não visse inconveniente, pedia que este Diário das Sessões fosse posto à aprovação na próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Defiro o pedido do Sr. Deputado. As reclamações ao n.º 58 do Diário das Sessões serão apresentadas numa das próximas sessões. De modo que são os n.ºs 56 e 57 que ficam em reclamação.

O Sr. Correia das Neves: - Sr. Presidente: Desejava rectificar o texto da minha intervenção constante do n.º 56 do Diário das Sessões, nos seguintes termos: na p. 1162, col. 1.ª, l. 3, onde se lê: «da», deve ler-se: «de uma». E na p. 1163, col. 1.ª, l. 32, onde se lê: «assentarem», deve ler-se: «acertarem».

O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação os n.ºs 56 e 57 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra para apresentar quaisquer reclamações sobre a redacção e impressão dos n.ºs 56 e 57 do Diário das Sessões, considerá-los-ei aprovados, com as reclamações já apresentadas.
Está na Mesa um suplemento ao n.º 58 do Diário das Sessões, contendo o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre a autorização das receitas e despesas para 1971.
Ao abrigo do disposto no Regimento [alínea b) do artigo 24.º], a apresentação de quaisquer reclamações sobre esta redacção constituirá matéria da primeira parte da ordem do dia de hoje.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama de aplauso à intervenção do Sr. Deputado Fausto Montenegro;
Telegrama da Câmara Municipal do Funchal congratulando-se com a intervenção do Sr. Deputado Eleutério de Aguiar;
Telegrama da Câmara Municipal da Ribeira Brava, no mesmo sentido;
Carta felicitando o Sr. Deputado Martins da Cruz pela sua intervenção;
Ofício do presidente da assembleia geral do Sindicato Nacional dos Ferroviários dos Serviços Centrais a enviar cópia de uma moção aprovada em assembleia geral.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o suplemento ao Diário do Governo, 1.ª série, n.º 289, de 15 do corrente, e o n.º 392, de hoje, que inserem os seguintes Decretos-Leis:
N.º 619/70, que aprova, para ratificação, a Convenção entre Portugal e a Bélgica para Evitar a Dupla Tributação e Regular Algumas Outras Questões em (Matéria de Impostos sobre o Rendimento, assinada em Bruxelas em 16 de Julho de 1969;
N.º 621/70, que insere disposições relativas à constituição do Gabinete do Presidente do Conselho;
N.º 622/70, que determina a fusão do Secretariado da Reforma Administrativa com a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho e reorganiza os serviços deste último departamento e revoga os Decretos-Leis n.ºs 28 671 e 41 383;
N.º 623/70, que determina que a Comissão Técnica de Cooperação Económica Externa passe a denominar-se Comissão Interministerial de Cooperação Económica Externa e a funcionar junto do Gabinete do Presidente do Conselho e transfere para o Presidente do Conselho a competência atribuída ao Ministro da Economia pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 260.

Está também na Mesa uma resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Valadão dos Santos. vão ser lidas a nota de perguntas e a resposta.

Foram lidas. São as seguintes:

Nota de perguntas

Nos termos constitucionais e regimentais e com base no seguinte:

A política aérea dos Açores foi definida em discurso pronunciado pelo então Ministro das Comunicações brigadeiro Fernando de Oliveira e com base nas conclusões apresentadas pelo grupo aã hoc nomeado oportunamente por portaria ministerial de Setembro de 1968 e com representação de todos os distritos açorianos. Aquele discurso, pronunciado em Ponta Delgada em 24 de Agosto de 1969 e perante S. Ex.ª o Presidente da República e outros membros do Governo, indicava a abertura do Aeroporto das Lajes ao tráfego internacional e pela aviação comercial, a partir de 1 de Abril de 1971.

Pergunto ao Governo, e por intermédio do Ministro das Comunicações, se foram dados os passos necessários para tornar aquele Aeroporto operacional a partir daquela data junto de:

a) A concessionária nacional TAP;
b) Todos os outros elementos a isso ligados, Alfândega e Direcção-Geral de segurança;
c) Obras em perspectiva para esse efeito (caso da aerogare e outras).

O Deputado, Rafael Valadão dos Santos.

Resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Rafael Valadão dos Santos na sessão da Assembleia Nacional de 9 de Dezembro de 1970:

O Ministério das Comunicações tomou já deter: minadas providências e tem em curso outras para o efeito de se estabelecerem serviços internacionais com escala pelo Aeroporto das Lajes, a partir de 1 de Abril de 1971.

Ministério das Comunicações, 15 de Dezembro de 1970. - O Ministro das Comunicações, Rui Alves da Silva Sanches.

Página 1220

1220 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa duas notas de perguntas apresentadas pelo Sr. Deputado Sá Carneiro e as respostas recebidas da Presidência do Conselho, que vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes:

Nota de perguntas do Sr. Deputado Sá Carneiro

1. É intenção do Governo alterar a legislação referente a:

a) Instrução criminal, designadamente no que se refere à duração da prisão sem culpa formada?
b) Liberdade condicional?
c) Casos de aplicação de medidas de segurança?
d) Regime prisional?
e) Definição de crimes contra a segurança do Estado?
f) Forma de promoção dos juizes e sua nomeação em comissões?
g) Habeas corpus?

2. Em caso afirmativo, pode indicar-se quando o fará?
3. Ainda na hipótese afirmativa, tenciona o Governo, quanto às matérias referidas nas alíneas a), b), c), d), e) e f), fazê-lo por decreto-lei ou mediante proposta de lei a enviar à Assembleia Nacional?

Resposta enviada pela Presidência do Conselho

O Governo está constantemente atento aos problemas da vida nacional, mas reserva-se o direito de escolher, de acordo com as circunstâncias, a oportunidade de declarar as suas intenções e de as pôr em prática.

Nota de perguntas do Sr. Deputado Sá Carneiro

Tenciona o Governo, no caso de o inúmero de Deputados à Assembleia Nacional vir a ser elevado para 150, propor ao Sr. Presidente da República a dissolução da Assembleia Nacional, à semelhança do que aconteceu em 1945, ou apenas a designação de data para realização de eleições Suplementares?

Resposta enviada pela Presidência do conselho

Nomeadamente quanto à pergunta formulada no ofício n.º 454/X, considera o Governo que cometeria grave incorrecção se se pronunciasse sobre um acto que, nos (termos constitucionais, é dia competência do Sr. Presidente da República, depois de ouvido o Conselho de Estado.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um projecto de lei de alteração de alguns artigos da Constituição subscrito pelo Sr. Deputado Duarte do Amaral e outros Srs. Deputados.
Vai ser enviado à Câmara Corporativa para efeitos de parecer.
Está também na Mesa um outro projecto de alteração a artigos da Constituição subscrito pelo Sr. Deputado Sá Carneiro e outros Srs. Deputados.
Vai igualmente ser enviado à Câmara Corporativa para efeitos de parecer.
Ambos os projectos vão ser publicados no Diário das Sessões.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Peres Claro.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar à Mesa o seguinte

Requerimento

Desejando ocupar-me dos transportes entre as duas margens do Tejo, requeiro que, pelo Ministério das Comunicações, seja esclarecido sobre os seguintes pontos:

1) Se há ferry-boats, da ligação Cacilhas-Cais do Sodré, inactivos.
2) Em caso afirmativo, que razões levaram à sua inactividade?
3) Em caso afirmativo, que compensação é dada à empresa proprietária, a que título e desde quando?

O Sr. Pontífice Sousa: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar à mesa o seguinte

Requerimento

Ao abrigo do Regimento, requeiro que, por intermédio do Ministério das Finanças, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

1) Relação das sociedades actualmente autorizadas a exercer a actividade de seguros, e a de resseguros, em cada um dos territórios nacionais, com indicação das suas sedes e capitais sociais;
2) Montante dos resseguros feitos às empresas seguradoras estrangeiras, nos anos de 1965 a 1969, inclusive, mesmo às que tenham filiais em território nacional, por sociedades autorizadas a exercer a actividade de seguros em território nacional.

O Sr. Pedro Baessa: - Sr. Presidente: Permita V. Ex.ª que deste lugar o saúde, bem como aos Srs. Deputados.
Sr. Presidente: Nunca é de mais falar nos mortos, sejam eles de que raça forem, sempre que mereçam.
Refiro-me aos colegas que Deus impiedosamente soube retirar do nosso convívio. Procuro esquecê-los, mas é cedo de mais para que tal suceda, porque me parece surgir daqueles lugares, onde tantas vezes os vi, a sombra impávida daquelas vítimas do destino; colegas de valor e oradores distintos. Também sinto igual mágoa dos militares que tiveram o mesmo destino.
Sr. Presidente:
Um justificado acontecimento que, parecendo rotineiro na vida administrativa de um povo, assume, efectivamente, grande importância para uma extensa e rica zona de Moçambique. Refiro-me à criação de mais uma cidade na área do distrito de Moçambique: António Enes. Tenho, pois, de me congratular com a acertada decisão do Governo, que assim prestou justiça a uma terra que de ano para ano mais se afirma no contexto demográfico-económico de Moçambique, pelo seu progresso, pela sua riqueza, pela decisão e espírito de iniciativa dos seus habitantes.
Estou seguro de que a medida ora tomada vai ter amplos e agradáveis reflexos no desenvolvimento de António Enes e de toda a vasta área do concelho.

Página 1221

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1221

Ciente de que interpreto a vontade das populações de António Enes, aqui deixo um obrigado sincero ao Ministério do Ultramar e Governo-Geral de Moçambique.
Sr. Presidente: Na anterior exposição que fiz a esta Assembleia, ocupei-me de múltiplos aspectos da vida moçambicana, referindo com particular interesse e veemência a necessidade urgente de se transferir a capital da província, actualmente deslocada na conjuntura económica, política e administrativa de Moçambique. Passados meses sobre as minhas palavras de então, mantenho integralmente o ponto de vista aqui defendido. Efectivamente, os contactos que tive oportunidade de travar com as gentes da minha terra levaram-me a concluir que não podia nem devia deixar cair o assunto no olvido. A própria imprensa, tanto metropolitana como ultramarina, abordou a questão e não há dúvida alguma de que do muito que se escreveu temos de concluir que urge transferir a capital bastante mais para o Norte da província. O pomo da discórdia residirá na futura localização da mesma e no processo de se proceder a tal mudança.
Pessoalmente mantenho a ideia de que Nampula, situada no centro de um distrito vasto e populoso, que serve de tampão ao alargamento do terrorismo, que as hordas de criminosos treinados e municiados além-fronteiras procuram, baldadamente e a todo o transe, estender à província inteira, è a cidade ideal para instalar a capital de Moçambique.
Cidade moderna, colocada no coração do distrito a que pertence, ligada por estrada e caminho de ferro ao excelente porto de Nacala, servida por moderno aeroporto, que pode ser melhorado e alargado sem despesas incomportáveis, Nampula possui já muitas das condições requeridas para capital político-administrativa de Moçambique. O que lhe falta não constitui problema de difícil solução.
Nampula, a que Neutel de Abreu abriu os caboucos em 1907, necessita de um impulso decisivo para que não estacione o seu impressionante desenvolvimento. Ela é o símbolo da grande luta pela conquista do interior moçambicano, e essa luta mão terminou.
De que vive Nampula, sem indústrias? Apenas do comércio, baseado numa população flutuante de funcionários públicos civis e militares. Tal situação parece-nos bem precária, se nada se fizer no sentido de arreigar as populações, quer através da criação de um bom parque industrial, quer pelo desenvolvimento de uma agricultura moderna e rentável, de todo alheia aos processos obsoletos que ainda dominam a zona.
Estamos certos de que a instalação da capital da província seria a arrancada definitiva para o progresso de Nampula e para a vitória da paz, que a todo o custo temos de conquistar.
Sr. Presidente: Quero aqui frisar devidamente, num brado de alarme, dirigido a quantos queiram compreender a guerra que estòicamente suportamos, que a chave do êxito está na conquista do interior das matas, hirsutas e ásperas, prenhes de riqueza, mas vazias de trabalho humano.
A propósito do trabalho humano, ouvi há dias o ilustre Deputado Correia da Cunha, na sua brilhante intervenção, dizer:

Para ganhar esta guerra são precisos mais tractores do que tanques, mais estradas do que auto-metralhadoras, mais navios mercantes e arrastões de pesca do que submarinos e corvetas.

Reporto-me inteiramente a estas palavras do meu ilustre colega e a todas outras da sua corajosa e brilhante intervenção, e permito-me acrescentar: com tractores, sim, rasgando a selva, com escolas e professores em número suficiente, com estradas transitáveis e, vamos lá, em abono da verdade, o branco chamando o negro ao seu convívio, como igual, não o afugentando com palavras obscenas que o diminuam na sua condição de ser humano, como era frequente, mas castigando-o quando haja razões para tal.
O negro sabe receber o castigo sempre que prevarique, mas também se insurge intimamente quando injustamente punido, aliás, como qualquer ser humano.
Julgo que não me afastei muito da verdade fazendo estas afirmações, pois não é na cor da epiderme que o talento ou o valor reside.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Saibamos agora, fugindo à tradição de séculos, volver os olhos para o interior e para o Norte, porque assim venceremos a guerra com menos sangue e menos lágrimas.
Porque é uma guerra de ocupação a que suportamos, leve-se a capital de Moçambique para Nampula, desafiando as imaginosas criações da Frelimo, e teremos dado ao mesmo tempo um golpe profundo nas fanfarronadas dos dirigentes terroristas e um passo larguíssimo na conquista do desprezado interior de Moçambique.
Ao Governo da Nação aqui fica mais uma vez o apelo veemente de um moçambicano que se orgulha de ser português.
Para além do que ficou dito, é minha intenção abordar na sessão de hoje quatro aspectos fundamentais da vida de Moçambique, particularmente da zona norte, a saber: turismo, ensino, regime de trabalho e assistência médica.
Quando em Moçambique se fala de turismo - como, de resto, de quando seja actividade progressiva e rentável -, imediatamente se volvem os pensamentos para Lourenço Marques, Beira e respectivas regiões circundantes. E isto, parece-me, tem sido a maior desgraça de Moçambique. Ao interior e ao Norte dá-se, regra geral, a qualificação de mato.
Porém, e por estranha ironia, são precisamente as zonas assim abandonadas que oferecem melhores condições naturais para o incremento seguro do turismo, hoje em dia actividade altamente portadora de progresso e de riquezas, que os povos de todo o Mundo procuram atrair e explorar.
Sem que seja necessário sair do distrito de Moçambique, não é difícil encontrar praias excepcionalmente dotadas de características naturais que fazem inveja às melhores de qualquer parte do Mundo, nomeadamente as de António Enes, Quinga e Chocas, em especial as duas primeiras, que são também as mais abandonadas.
A iniciativa privada tem procurado, em esforços dignos de realce, fazer sair a de António Enes do ostracismo a que oficialmente vem sendo votada. Mas as melhores intenções esbarram, em todos os lados, com dificuldades intransponíveis, desde a carência de estradas transitáveis à falta de um plano de urbanização e ao complicado espectro da burocracia enervante e dispendiosa.
E é pena que assim seja, pois tanto António Enes como Quinga reúnem condições extraordinárias para encantar o turista interno e externo, por mais exigente que seja. As suas águas tépidas, seguras e de impressionante limpidez, as dezenas de quilómetros de areias finas e alvíssimas, a paz idílica que nas zonas se respira, são algumas das características que tornam estas praias magníficas entre as melhores. Todavia, a falta de acessos e do indispensável plano de urbanização, bem como a míngua de incentivos fiscais, fazem que elas continuem enervantemente vazias. Que fizeram até hoje

Página 1222

1222 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

as entidades competentes no sentido de alterar tão triste situação? A pergunta fica à consideração de quem possa e queira responder.
Mas para que haja turismo, necessita-se de propaganda e de uma rede de comunicações rodoviárias que garantam deslocações com rapidez e segurança. E isso não acontece no Norte moçambicano. Além disso - e chamo a atenção especial do Governo para este facto importantíssimo -, o preço dos combustíveis no imenso distrito de Moçambique é bastante mais elevado do que em Lourenço Marques e na Beira, chegando, em alguns casos, a cifrar-se em 1$ por litro. Onde estão as medidas de protecção aos que, corajosamente, se mantêm no Norte, como baluarte firme de uma posição que, além de patriótica, é justa?
O segundo ponto que me propus abordar está na ordem do dia em todo o Mundo. Efectivamente, os povos caracterizam-se pelo seu grau de cultura, pela sua capacidade de progresso no domínio das ciências, das letras, das artes e da tecnologia. Em Moçambique, e particularmente no distrito que tem o mesmo nome da bela província do Indico, estamos longe, muito longe mesmo, do ponto ideal a que nos é permitido aspirar.
Assim, começo por sugerir ao Governo a imediata criação em Nampula de uma escola do magistério primário, e bem assim - seguindo, aliás, as pisadas de Angola - de uma ou mais secções da Universidade de Lourenço Marques. É ousado pedir tal? Creio bem que não, pois não pode ter tal denominação o que é justo, necessário, imperioso mesmo.
As populações do vasto distrito de Moçambique, com quem pude contactar no seu trabalho quotidiano, mostram-se firmes na sua determinação de permanecerem portuguesas, mesmo correndo riscos que facilmente se imaginam. É preciso que a essa confiança total saibamos corresponder com obras e instituições que valorizem as terras e as gentes. Para que tal aconteça há que criar escolas de todos os níveis e dotá-las com material didáctico funcional e suficiente e com pessoal docente capazmente preparado para a espinhosa missão de educarem. Custe o que custar, não podemos, repito, não podemos, desiludir essa heróica e enorme massa populacional.
Quero igualmente fazer-me o porta-voz das aspirações da imensa população de funcionários e empregados do comércio e da indústria moçambicana. Para todos, eu peço daqui a regadia da chamada «semana americana», que algumas empresas, de seu livre arbítrio, já praticam. Tornar este sistema extensivo e obrigatório em toda a província é uma medida de largo alcance social. Além do mais, há que levar em consideração o clima, que provoca grande desgaste físico e nervoso, requerendo, portanto, maior período de descanso.
O próprio turismo interno beneficiaria em larga escala do sistema que proponho, interpretando a vontade do povo de Moçambique.
Por último, abordarei um dos mais graves problemas que afligem Nampula e todo o Norte de Moçambique; pese embora a excelente colaboração dos serviços militares competentes: refiro-me à carência de médicos e de pessoal de enfermagem.
Nampula - para mencionar apenas o centro urbano mais favorecido depois de Lourenço Marques e da Beira - possui hoje três bons estabelecimentos hospitalares: o magnífico Hospital Central de Egas Moniz, o Hospital Militar e a Casa de Saúde do Marrère, esta propriedade da Diocese. Dentro em breve contará com o hospital para doentes mentais, que às portas da cidade estão a construir os beneméritos irmãos da Ordem de S. João de Deus.
Porém, os hospitais e casas de saúde, mesmo quando bem instalados e petrechados, de pouco servem se lhes faltarem médicos, enfermeiros, técnicos e funcionários administrativos. E Nampula, como todo o Norte de Moçambique, vive hoje o angustiante problema constituído pela escassez desse pessoal.
Por razões pessoais, ou atraídos por melhores proventos ou por mais comodidades, tem-se assistido à debandada dos médicos para o Sul da província, enquanto os que deveriam substituí-los se negam, regra geral, a deslocarem-se de Lourenço Marques ou da Beira.
Esta situação, que cada vez se agrava mais, requer a pronta promulgação de medidas, para que não continuemos a assistir à deslocação dos doentes para os países limítrofes, nomeadamente para a África do Sul e Rodésia.
Para ilustrar as minhas palavras, apresento apenas o caso do oftalmologista, que, sozinho, serve todo o Norte de Moçambique, num trabalho forçosamente esgotante e improfícuo.
As «bichas» parca a marcação das consultas iniciam-se, por vezes, às 4 horas da manhã. Quem se atrase um pouco vê-se e deseja-se para ser atendido. Esta carência de médicos desgosta profundamente as populações do Norte.
Quem quer resolver tão grave situação?
E apetece-me perguntar ainda: se a capital de Moçambique fosse lá mais ao norte, a situação deplorável dos serviços de saúde seria a mesma?
Sr. Presidente: A solução de emergia eléctrica para Nampula, Ponto Amélia, Namapa, Namialo, Nacala e Moçambique é fácil de solucionar, uma vez que o Governo se queira aproveitar das quedas do rio Lúrio. Há, indiscutivelmente, necessidade absoluta de se iniciar a construção de uma barragem no rio Lúrio, evitando assim as aquisições constantes de motores para que Nampula e outras cidades não se privem da energia eléctrica. Ora, segundo informações que obtive no Ministério, existe já um estudo feito nos Serviços de Obras Públicas em Lourenço Marques, há aproximadamente seis anos, para uma barragem que satisfará as necessidades dessas cidades a que me reporto. A Câmara Municipal de Nampula aguarda dentro de poucos meses dois motores adquiridos ma Alemanha, para garantirem emergia eléctrica à cidade que dia a dia cresce. O rio Lúrio tem um caudal suficiente para o fim a que se pretende, segundo dizem os técnicos. Assim, teríamos o problema, que muito aflige as câmaras, especialmente a de Nampula, resolvido uma vez para sempre.
E, chegado a este ponto, apenas me resta quedar-me na expectativa de que os minhas palavras sejam ouvidas por quem tem o indeclinável dever de as meditar, para assim poder solucionar as graves questões que, ao de leve, abordei.
Mas, se acaso caírem mo olvido, não me cansarei de repeti-las as vezes que for necessário. Para isso fui eleito pelos que em mim confiaram.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Costa Oliveira: - Sr. Presidente: Somente por imperiosa e inadiável oportunidade, conhecedor da saturada agenda de trabalhos, ouso roubar-lhes escassos minutos, trazendo a esta Câmara um transcendente e preocupante problema, cuja solução não pode ser adiada, uma vez que envolve e compromete seriamente a nossa vida económico-social no continente e ultramar. Quando há tempos S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho falou ao País, de entre outros assuntos, referiu-se ao delicado problema das transferências do ultramar, salientando a sua preocupação pelas consequências que

Página 1223

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1223

tal situação estava a criar ao País, e daí a exigibilidade de se adoptarem medidas urgentes que favoravelmente solucionassem tão delicada posição.
Posteriormente, outros membros do Governo sobre o assunto se pronunciaram, e tudo levava a crer que estaríamos no melhor caminho para a tão almejada e imprescindível solução.
Tal não aconteceu, e ao contrário do que era de prever, foram os industriais e comerciantes metropolitanos e ultramarinos surpreendidos com as notícias, vindas a público através da imprensa angolana do dia 14 de Novembro ando, em que, por despacho conjunto de SS. Exas. os Ministros do Ultramar e da Economia, se anunciavam novas medidas, e estas de restrições na importação de variadíssimos produtos de origem nacional, com alusão de que tais medidas se impunham, com o fim de impedir o agravamento da situação cambial de Angola e consequente protecção à indústria da referida província.
Não pretendo discutir se tais medidas estarão certas ou não; simplesmente, atrevo-me a perguntar se as consequências resultantes de semelhantes decisões mereceram a devida ponderação quanto aos seus reflexos na indústria e comércio da metrópole.
Afigura-se-me, e até prova em contrário fico desorientado por não compreender que para solução de um mal venha um mal pior.
Falando-se em protecção à província, não sei em que medida a restrição de certos artigos que nela se não produzem a podem favorecer, e o desvio das importações da metrópole em favor do estrangeiro reverterá em melhor aproveitamento da riqueza nacional, quando em prejuízo desta se gastam divisas para favorecer terceiros. Isto já vinha a acontecer com a prioridade de pagamentos.
Posto isto, e porque no espírito da maioria dos atingidos reina a maior confusão, a pedido de qualificado e representativo grupo de industriais e comerciantes do sector têxtil permito-me, na qualidade de seu directo intérprete, solicitar ao Governo que, perante tão delicada situação, possa, no mais curto espaço de tempo possível, esclarecer e orientar as diferentes actividades atingidas, por medidas que se coadunem com os bons propósitos já por várias vezes manifestados, de modo que a desorientação provocada seja sustida e as empresas possam com dignidade e bom senso encontrar a serenidade que se lhes impõe.
Não é encorajador fomentar-se o desenvolvimento e a instalação de indústrias quando não se lhes assegura o que considero primário, a planificação de produções e seus mercados, pois, como é bom de ver, o problema não se situa na produção, mas sim na sua colocação, e neste capítulo se o mesmo já era delicado, perante estas e outras restrições sou levado a crer que horas mais difíceis estarão para vir.
Sem me alongar, quero aqui referir que, se entretanto novas medidas de orientação não forem adoptadas no dimensionamento das unidades produtoras e consequente equilíbrio das suas produções com circuitos comerciais acessíveis, trágicas e irreparáveis consequências teremos de encarar, estando em crer que não se evitarão inovas falências, para já no número das menos válidas, seguidas por outras que nestas condições dificilmente poderão situar-se em mercados com características de competência internacional.
Há, portanto, que, em conjunto - Governo e empresas -, encetar uma rápida e enérgica acção para que não só se recrutem novos mercados, mas, fundamentalmente, se assegurem os já existentes, pois a perda destes, quer por restrições, quer por contingentes ou elevadas taxas de importação - o caso dos Estados Unidos da América, da Rodésia, da Espanha ou do Mercado Comum -, implicitamente porão termo ao nosso desenvolvimento industrial, para não falar mesmo à nossa existência. Há mercados que por razões várias ainda não prospectámos; não valerá a pena pormos de parte certos preconceitos e encará-los objectivamente?
Oportunamente me ocupei deste transcendente aspecto da nossa vida económica, pois considero fundamental que encetemos corajosamente nova campanha de promoção comercial, sem a qual, como já referi, muito teremos que nos lamentar.
Finalizando, apelo com elevado espírito de optimismo e segura confiança para que o Governo encontre prontamente a melhor forma de resolver, para já, este gravíssimo problema do ultramar e, logo que possível, todos aqueles de que o progresso do País não pode alhear-se.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar à Mesa o seguinte

Requerimento

Nos termos regimentais, e a fim de me habilitar a prestar os esclarecimentos que me têm sido solicitados, requeiro que, pelo Ministério da Economia, Secretaria de Estado do Comércio, me sejam fornecidos, com a possível brevidade, com relação aos organismos de coordenação económica, os seguintes elementos, referidos ao período de 1965 a 1970:

1) Composição dos seus órgãos colegiais;
2) Subsídios e outras imposições liquidadas às corporações, organismos corporativos e a departamentos do Estado;
3) Subsídios, empréstimos e outros auxílios financeiros concedidos a empreendimentos agrícolas, comerciais e industriais, discriminadamente;
4) Estudos, processos e outros trabalhos que serviram de base a intervenções de carácter económico e social por parte do Governo;
5) Discriminação pormenorizada das intervenções directas de que resultaram benefícios para a economia do País;
6) Estudos, pareceres e outros trabalhos apresentados superiormente com vista à alteração de estruturas das suas actividades e funcionamento, com indicação dos anos de tais apresentações.

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: Duas palavras apenas. Por despacho conjunto do Ministro das Obras Públicas e do Secretário de Estado da Indústria, datado de 9 do corrente, foi cometida à Companhia Portuguesa de Electricidade a incumbência de completar e actualizar o inventário dos recursos hidroeléctricos do rio Lima e seus afluentes, tendo em conta as várias finalidades dos aproveitamentos hidráulicos a considerar e a interessada «tenção do Governo pela bacia hidrográfica do rio Lima, prevendo-se para breve prazo a conclusão do plano geral de aproveitamento hidráulico da referida bacia hidrográfica.
Este despacho reveste-se de particular significado para toda a região da Ribeira Lima, nele se inserindo o problema do porto de mar de Viana do Castelo.
Porque, aquando da discussão do III Plano de Fomento na Assembleia Nacional, debati largamente esta questão,

Página 1224

1224 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

em «cujo estudo tive o privilégio de dispor do competentíssimo conselho e particular interesse do engenheiro Rui Sanches, então Subsecretário de Estado das Obras Públicas; e porque, desde que S. Ex.ª ocupa o auto cargo de titular da respectiva pasta, sempre me foi dado aperceber de perto a atenção cuidadosa persistente que tem dispensado aos problemas do rio Liana e do ponto de Viana, onde ainda há meses propositadamente se deslocou, apreciando localmente aspectos carecidos de apreciação, compraz-me deixar hoje exorado no Diário das Sessões, em nome do povo do meu distrito, em nome da gente de Viana e da Ribeira Lima - no que sou acompanhado por todos os Deputados eleitos por aquele círculo, que inseriram esta questão no seu programa eleitoral -, os mais vivos agradecimentos ao Sr. Ministro das Obras Públicas, extensivas ao Sr. Secretário de Estado da Indústria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Prabacor Rau: - Sr. Presidente: A propósito do recenseamento da população portuguesa, gostaria de chamar a atenção desta Câmara para determinada circunstância que me foi dado observar e que tão desgostosamente tocou a minha consciência de português, amante 4a sua pátria una e indivisível.
Refiro-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aos cartazes que o Instituto Nacional de Estatística mandou afixar nas ruas de Lisboa, e onde se chama a nossa atenção para a necessidade de sabermos quantos somos, não só na metrópole, como, ainda, nos Açores, na Madeira, em Cabo Verde, em S. Tomé e Príncipe, na Guiné, em Angola, em Moçambique, em Macau e em Timor.
Isto é verdade. São realmente estas as parcelas de território pátrio onde vamos, na verdade, saber quantos por aí vivemos.
Mas, na minha opinião, estaria mais de harmonia com a nossa política - com a opinião do povo e com a opinião governamental -, se esses cartazes se referissem pura e simplesmente ao recenseamento da população do continente, das ilhas adjacentes e do ultramar. Omitir-se-ia assim a discriminação dos territórios que constituem a Nação Portuguesa e evitar-se-ia a omissão do Estado Português da índia.
É certo que tecnicamente não podemos proceder ao recenseamento desse território, na medida em que essa parcela da Pátria se encontra ocupada pelo invasor. Mas nós, Portugueses, não prescindimos dela. Ela vive nos nossos corações, nos nossos sentimentos, no dia a dia das nossas ocupações. Mantemos na capital da Nação um Comissariado para a Índia Portuguesa, vivem e mourejam por aqui e pelo ultramar tantos goeses, tão patriotas como qualquer outro patriota português, e o cartaz do Instituto Nacional de Estatística riscou do mundo nacional o Estado Português da índia.
Fazê-lo é, até certo ponto, admitir que o mesmo já não nos pertence.
Sei, perfeitamente, que não foi essa a intensão desse Instituto, mas temos de ter sempre presente que o inimigo nos espreita a todo o momento, tudo lhe serve para denegrir a nossa justa causa, tudo lhe serve de pretexto para desencadear ataques sub-reptícios, tudo lhe serve para nos vilipendiar, nos atraiçoar no que temos de mais são. de mais humano, de mais puro.
E isso temos obrigação de evitar. Dita-no-lo a nossa consciência de portugueses, as normas de direito e a opinião das gentes. Por isso, aqui no lugar próprio da representação nacional e no momento adequado, pois faz hoje nove anos que as nossas queridas Goa, Damão e Diu, foram temporariamente subtraídas a Portugal pela União Indiana - e julgando interpretar os sentimentos da maioria da população nacional -, manifesto a minha mágoa pelo sucedido e continuo a afirmar que os cartazes mandados afixar pelo Instituto Nacional de Estatística se deveriam referir sómente ao recenseamento da população da metrópole, das ilhas adjacentes e do ultramar.
Tenho dito.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Oliveira Dias: - Sr. Presidente: O Decreto-Lei n.º 23 465, de 18 de Janeiro de 1934, permite ao Estado despedir os arrendatários dos seus prédios, mesmo antes de o arrendamento acabar e quando isso lhe convier.
Os arrendatários nestas circunstâncias têm noventa dias para desocupar os prédios respectivos a contar da notificação que lhes for feita pela repartição competente, não lhes assistindo, porém, o direito a qualquer indemnização, salvo quanto aos locais utilizados para estabelecimento comercial ou industrial.
Neste caso, o decreto confere aos inquilinos o direito a uma indemnização a acordar, nunca superior a dez vezes o preço da renda anual e, não havendo acordo, a indemnização será fixada pelo Estado, não podendo ir além de cinco vezes a renda anual.
Tratando-se de prédios rústicos, a indemnização será proporcionada às despesas de granjeio respeitantes ao último ano.
Quanto aos inquilinos que destinam os locais a habitação, não têm direito a qualquer indemnização ou benefício.
As disposições manifestamente excepcionais deste decreto fundam-se em razões de interesse público, que não discuto, acento o seu entendimento razoável no sentido de que o Estado só delas se poderá socorrer quando necessite dos prédios para instalar serviços e não para melhorar o seu rendimento. Não julgo, porém, justificável, por um lado, que os inquilinos de habitação sejam despedidos sem usufruir de algum benefício que os compense dos prejuízos sofridos e, por outro, que o Estado possa fixar, arbitrariamente, a indemnização que compete aos inquilinos de comércio e indústria.
As mesmas razões de interesse público terão determinado a aplicação das disposições do Decreto-Lei n.º 23 465, sucessivamente: pelo Decreto-Lei n.º 23 931, de 31 de Maio de 1934, à Caixa Geral de Depósitos; pelo Decreto-Lei n.º 34 926, de 20 de Setembro de 1945, à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; pelo Decreto-Lei n.º 40690, de 18 de Julho de 1956, à Fundação Gulbenkian.
E o assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 1966, estabeleceu que:

As caixas de previdência, instaladas em edifício próprio, gozam do direito de despedir os seus inquilinos quando necessitem da parte por estes ocupada, mesmo que tenham adquirido o prédio depois do arrendamento.

Também não discuto a necessidade de alargar as disposições do Decreto-Lei n.º 23 465 a todas estas instituições, dado os altos fins de interesse público que prosseguem.
De resto, o próprio senhorio particular pode despedir qualquer inquilino - como estabelece o artigo 1096.º do

Página 1225

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1225

Código Civil - quando necessite do prédio para sua habitação ou para nele construir a sua residência, mediante indemnização correspondente a dois anos e meio de renda, situação esta que alguma analogia tem com a de uma pessoa colectiva que prossegue fins públicos e necessita de uma sua casa para instalar serviços. Discordo, porém, da forma como foi conferido às referidas instituições o direito de despedir inquilinos, segundo critérios de mera casuística, ignorando-se que existem outras instituições - designadamente as outras Misericórdias e demais pessoas colectivas de utilidade pública administrativa - que prosseguem idênticas finalidades públicas e às quais não foi concedido idêntico direito.
É dever de quem legisla ter presente o interesse geral, e não apenas a resolução deste ou daquele problema que se revelem mais prementes.
Sintetizando a minha intervenção, solicito a atenção do Governo para esta matéria do despedimento dos inquilinos dos prédios do Estado, sugerindo a publicação de um diploma que reforme o Decreto-Lei n.º 23 931, particularmente esclarecendo os pressupostos que devem verificar-se para que o Estado possa despedir os seus inquilinos; atribuindo o direito a uma indemnização justa aos inquilinos de habitação despedidos e, finalmente, definindo o seu âmbito de aplicação e alargando-o a todas as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa ou, quando assim se não entenda, pelo menos às Santas Casas da Misericórdia.
Se o fizer, o Governo porá cobro a uma situação confusa e de injustiça relativa e possibilitará a expansão de muitas instituições que, como ele, prosseguem fins públicos.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Nogueira Rodrigues: - Sr. Presidente: Prometo tirar muito pouco tempo à Assembleia.
Em meu nome pessoal e no das gentes que nesta Casa represento, pretendo dirigir, publicamente, dois agradecimentos.
Um ao Sr. Ministro do Ultramar, pelo seu interesse, pela sua dedicação, muito para além do seu dever à causa pública, pelos problemas de Angola, uma vez mais patenteado aquando da sua última estada ali.
Viagem que empreendeu para atender ao convite que lhe foi feito pelas associações económicas da província para presidir à sessão solene e de abertura do Congresso de Promoção Social e de Povoamento, transformando em mais uma sessão de intenso trabalho o período que ali permaneceu.
E, se recordo as celebrações de mais um centenário da cidade de Malanje, a que presidiu também, não esqueço que de promoção social e de povoamento se falou durante alguns dias no congresso que teve lugar no edifício da Associação de Classe, também secular, a mais antiga de todo o continente africano.
Promoção social!
Promover socialmente as populações é imperativo a que não nos podemos furtar, sob pena de negarmos não só toda a história, mas também a nossa condição de portugueses.
Porque essa promoção não é sinónimo de dar, mas, sim, de participar, há-de fazer-se com a colaboração activa, sem quaisquer reservas de esforço e de entusiasmo, das próprias populações e ter, como linhas de força, a educação e o acesso à propriedade perfeita, quer da terra, para as populações rurais, quer da habitação, para as populações urbanas e suburbanas.
O outro agradecimento sai-me do coração. Dirige-se a um grupo de distintos colegas nesta Casa que visitaram Angola durante o mês de Setembro.
Percorreram a província de lês a lês, em viagem exaustiva, incómoda tantas vezes, consequência da nossa preocupação, do desejo de mostrar-lhes tudo quanto estava feito, o pouco que a nossa insatisfação torna ainda menor, mas que, a seus olhos de homens inteligentes e bons, como que a dar-nos incentivo, pelo que ouvimos, pelo que nesta Casa disseram já, revela que não foi em vão o sacrifício de tantas gerações. Que nos dá a certeza de que a metrópole, a gente moça que daqui vai e de lá volta, toma a noção de que o seu país é maior quando chegam do que quando partem.
Foram dias de convívio extraordinário, de esclarecimento, nos quais, Angola e o País, face às suas críticas objectivas, às suas sugestões, muito aproveitarão certamente.
Ao nosso sentimento de portugueses nascidos em Angola, motivo de comoção e de satisfação foi a nossa, quando os sentimos enfeitiçados por aquelas terras, berço já de nossos filhos, prolongamento de Portugal pelos mundos; quando em oração tão tocante e tão feliz o Sr. Deputado Veiga de Macedo afirmava:

Sentimo-lo (ao feitiço) nos cruzamentos do amor; na compreensão humana; na justiça e na caridade de obras sociais; nas pedras das velhas fortalezas e nas cinzas húmidas daqueles que aqui ficaram para sempre, e ainda no esforço de quantos agora se consagram, com vontade e fé, às tarefas de fomento económico, da ascensão social e da disseminação da cultura.

Bem hajam todos.
Muito obrigado Sr. Presidente.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Brás Gomes: - Sr. Presidente: Completa-se hoje mais um ano sobre a data do trágico acontecimento que trouxe a dor e luto a toda a comunidade lusíada, forças armadas da União Indiana, ofendendo os princípios sagrados da liberdade e da autonomia dos povos - e perante a total indiferença de certas potências estrangeiras-, invadiram e ocuparam os territórios portugueses de Goa, Damão e Diu.
E nesses dias de violência correu, no solo da Pátria, sangue dos nossos irmãos, cujo sacrifício generoso não logrou evitar que as suas populações ficassem reduzidas ao mais duro cativeiro.
Daqui, desta Assembleia, a mais representativa do País, eu levanto a minha voz - que é a de todos os Portugueses - como protesto de tão covarde agressão, que o tempo e a força das armas não conseguiram atenuar e antes transformaram em imperecível motivação de alento e de esperança...
Recordo, neste momento, a figura desse grande apóstolo da paz que foi Mahatma Gandhi - a alma grande -, que, utilizando todos os meios bem conhecidos da não violência na defesa dos direitos da pessoa humana, proclamava publicamente - e na intimidade - a legitimidade da presença dos portugueses da Índia e reconhecia, sem restrições, que os habitantes de Goa, Damão e Diu eram já detentores dos hábitos e da cultura de Portugal, em cujo seio poderiam viver o bem-estar que, sem quaisquer discriminações, lhes era assegurado.
Mas foram, precisamente, os que se diziam discípulos desse sincero paladino da paz que, trilhando o vergo-

Página 1226

1226 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

nhoso caminho da traição, se constituíram os responsáveis pelo acontecimento a que todo o mundo civilizado assistiu com indignação e espanto.
E nesta quadra do Natal, em que as almas se unem no ideal da paz e da concórdia, que necessariamente postula o respeito dos direitos dos indivíduos e dos povos, surge no meu espírito a figura do homem genial que, com tanto afinco e amor, se devotou à defesa do património da Pátria Portuguesa: o antigo Presidente do Conselho de Ministros, Sr. Prof. Doutor António de Oliveira Salazar.
Ecoam, ainda, nas almas de todos nós as últimas palavras do seu discurso, de 3 de Janeiro de 1962:

Toda a Nação sente na sua carne e no seu espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora pequena, para quem desejaria morrer com ela.

Anos decorreram sobre o nefasto acontecimento, e o Estado Português da índia, mutilado e oprimido, continua a sua representação na Assembleia Nacional, a fim de se acautelarem e defenderem os interesses daqueles portugueses - e muitos são eles - que se encontram espalhados pelas cinco partidas do Mundo.
Quer sujeitos ao jugo da opressão, quer acolhidos à hospitalidade de outros povos, os portugueses da índia, integrados na unidade da língua, da crença e da cultura lusíada, persistem em manter, abnegadamente, o fogo sagrado da portugalidade.
Daqui envio a mais sentida saudação a todos quantos, no Estado da índia, defendem o património da civilização portuguesa e, intransigentemente, afirmam o direito que lhes assiste de continuarem a ser portugueses.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Castro Salazar: - Sr. Presidente: Completam-se quinhentos anos no «próximo dia 21 de Dezembro que os navegadores portugueses João de Santarém e Pêro Escobar acharam, no golfo da Guiné, a ilha que tomou o nome do santo cuja memória nesse dia se festejava: o apóstolo S. Tomé. Dias depois, a 17 de Janeiro de 1471, encontraram os mesmos navegadores outra ilha, cerca de 80 milhas a nordeste da primeira, que denominaram de Santo Antão, e mais tarde se viria a chamar ilha do Príncipe.
Não nos diz a história quais os sentimentos que dominaram os navegadores portugueses ao tomarem contacto com essas duas ilhas perdidas na imensidade do mar oceano, mas não será precisa grande imaginação ao supormos que deviam ter ficado maravilhados perante a beleza extraordinária com que Deus dotou prodigamente as ilhas de S. Tomé e do Príncipe. «Perdido paraíso terreal» lhes chamou alguém, rendido perante aquela alucinante e exótica beleza; Armando de Aguiar afirmou não deverem existir outras «de maior beleza que estas duas, de areias finas, recantos paradisíacos e de um perfume capitoso provocado pela constante floração de sucessivos jardins, que se substituem quando a natureza faz morrer as plantas que já vicejaram».
A par da sua beleza extraordinária, foram as ilhas igualmente mimoseadas por Deus com, um solo, cujo substrato geológico, aliado à situação geográfica do arquipélago, o tornaram ubérrimo e rico, criando-lhe condições óptimas para o cultivo de dignos dos chamados produtos ricos tropicais.
Ao examinarmos o longo processo histórico que levou à humanização de um território até então desabitado e inóspito, embora paisagisticamente belo, não podemos deixar de admirar o patriotismo e a determinação dos homens que nestes quinhentos anos, superando todas as dificuldades que o clima, a floresta virgem, a distância e as doenças lhes faziam deparar, se fixaram aí e souberam com o seu trabalho e inteligência aproveitar todas as potencialidades que a «bondade do solo» lhes oferecia, fazendo de S. Tomé e Príncipe um dos territórios económicamente mais progressivos do ultramar português.
No entanto, S. Tomé e Príncipe não vale, nem pela beleza com que Deus a dotou, nem pelo trabalho aí realizado pelo homem, que desbravou a terra e criou riqueza: a exiguidade do território pouco significado tem no conjunto do mundo português, e a riqueza extraída do seu solo quase não chega a ter expressão dentro do espaço económico nacional; as ilhas de S. Tomé e Príncipe valem, sim, pelo que o homem português aí realizou em civilização cristã e compreensão humana, promovendo a formação nesse território de uma sociedade multirracial onde sómente o valor do homem como pessoa humana conta, qualquer que seja a sua origem ou cor da pele.
Portugueses oriundos da metrópole e da Madeira, a que se juntaram alguns genoveses e franceses, e depois, em maior número, negros da costa do Gabão, homens brancos e pretos com estilos de vida e cultura diferentes, encontraram-se nos fins do século XV na ilha de S. Tomé, onde se fixaram e constituíram o primeiro núcleo populacional das ilhas; facilitada e até superiormente determinada a miscigenação, que, aliás, nunca repugnou ao Português, aparece dentro em breve a primeira geração de mestiços e começa a estruturar-se socialmente a nova comunidade. Desde o seu início que esta foi aberta a todas as etnias, por ordenação régia e vontade dos portugueses aí fixados, tendo nela cada um o seu lugar unicamente «segundo os seus merecimentos». Essa pequena comunidade, cuja memória quase se perde na bruma dos tempos, cresceu, recebeu nova seiva ao longo dos séculos, multiplicou-se em pequenas comunidades pelas duas ilhas, e sempre fiel aos princípios em que se estruturou, engloba hoje uma população de setenta mil habitantes. Sociedade multirracial onde a amizade e o respeito mútuo unem todos os cidadãos, ela constitui um modelo de conveniência humana e de progresso.
Progresso que se traduz numa população totalmente escolarizada e de índice cultural muito acima da média geral do verificado nas outras regiões africanas; num índice de mortalidade infantil caracterizado por ser o mais baixo de toda a África; num rendimento per capita anual sómente superado em África pelos que se verificam na República da África do Sul e no Gabão; numa população activa aumentando de ano para ano e com um poder de compra que lhe permite adquirir cada vez maior quantidade de bens de consumo; e num produto interno com um crescimento anual bastante superior ao que as estimativas mais optimistas previam e desejavam para o resto do continente africano. S. Tomé e Príncipe é das pouquíssimas regiões africanas que ultrapassaram já a fase de subdesenvolvimento e lança-se com entusiasmo e confiança à conquista de novos horizontes.
Orgulhamo-nos do que em S. Tomé e Príncipe fizemos nestes cinco séculos de história, mas orgulhamo-nos, sobretudo, de termos provado ao mundo, ao longo deste meio milénio, que é possível a convivência fraterna entre homens das mais variadas origens e raças, quando os anima a compreensão, o respeito mútuo, a tolerância e a amizade, frutos da civilização cristã que os Portugueses levaram para aquelas ilhas e souberam, mais pelo exemplo do que por palavras, transmitir aos homens de outras raças que com eles edificaram S. Tomé e Príncipe.

Página 1227

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1227

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao evocar neste dia e neste lugar os valorosos navegadores João de Santarém e Pêro Escobar, que há quinhentos anos, ao descobrirem as ilhas de S. Tomé e do Príncipe, as tornaram portuguesas, presto também sentida homenagem a todos aqueles que ao longo deste meio milénio as souberam manter sempre portuguesas e lhes deram generosamente o seu trabalho, o seu sangue e a sua vida. Homenagem a todos devida, sem excepção, homens ilustres ou anónimos, livres ou escravos, missionários ou soldados, comerciantes ou funcionários, pois a todos eles deve S. Tomé e Príncipe o progresso e o bem-estar que hoje disfruta e a Pátria de que se orgulha.
Sr. Presidente: Não quis a população da província deixar passar, sem o festejar condignamente, o 5.º centenário da descoberta das ilhas; foi o Governo ao encontro desses anseios, promovendo durante este ano as festas comemorativas desse acontecimento histórico.
Seria injustiça não deixar aqui uma palavra de louvor ao Governo da província e à comissão executiva do 5.º centenário pelo patriotismo, grandeza e dignidade que souberam imprimir às comemorações. Desde as manifestações de arte aos espectáculos populares, das provas desportivas aos actos solenes, das manifestações de carácter patriótico às funções religiosas, tudo teve um cunho de beleza e dignidade muito difícil de ultrapassar. Na realidade, as festas comemorativas do 5.º centenário da descoberta de S. Tomé e Príncipe estiveram à altura da grandeza do acontecimento que se quis comemorar.
Atingiram estas o seu ponto culminante durante a visita que S. Ex.ª o Sr. Presidente da República fez a S. Tomé e Príncipe em Julho deste ano, acompanhado pelos Srs. Ministro do Ultramar, Secretário de Estado da Informação e Turismo e representantes dos três ramos das forças armadas.
A presença honrosa do Sr. Almirante Américo Tomás deu às comemorações do 5.º centenário da descoberta das ilhas carácter nacional e na sua ilustre pessoa associou às comemorações todas as parcelas de Portugal espalhadas pelo Mundo. Muito se honrou S. Tomé e Príncipe com a distinção que, com esta visita, lhe foi concedida pelo Chefe do Estado, e a população da província quis corresponder ao gesto generoso do Sr. Presidente da República, recebendo-o com todo o entusiasmo e manifestações do mais puro portuguesismo. Quem assistiu à chegada do Sr. Presidente Américo Tomás à cidade de S. Tomé, em 23 de Julho, e o acompanhou ao interior da ilha e ao Príncipe nos dias que se seguiram, não mais poderá esquecer o espectáculo empolgante e grandioso daquela mole imensa de gente rodeando e aclamando o Chefe do Estado, que, sem escolta ou qualquer outro dispositivo de segurança, se misturou com a multidão, correspondendo, com a simpatia e a bondade que lhe são habituais, ao entusiasmo do povo são-tomense.
Manifestações destas, disse uma vez o Sr. Presidente do Conselho, não se preparam - acontecem. Acontecem realmente, mas no mundo conturbado em que vivemos, onde, apesar de tanto se falar em amor, o ódio se espalha e domina grande parte da Humanidade, onde a violência substitui tantas vezes o direito e a justiça e os criminosos de direito comum são festejados como heróis, é consolador verificar que manifestações como estas só acontecem em Portugal, pois unicamente nos nossos territórios, mesmo naqueles que foram atingidos pela subversão, é possível a um Chefe de Estado contactar tão intimamente com o povo sem receio ide que a sua pessoa seja alvo do mínimo desacato.
As manifestações de entusiasmo que «aconteceram» em S. Tomé e Príncipe, durante a visita do Sr. Almirante Américo Tomás, não foram mais que a exteriorização do portuguesismo que há cinco séculos permanece arreigado na alma do povo são-tomense e também o reflexo da alegria profunda desse povo por se encontrar entre si o primeiro dos portugueses: o Sr. Presidente da República.
A perda que a Nação sofreu em 27 de Julho com a morte do Presidente Salazar, perante cuja memória me inclino respeitosamente, fez interromper a visita do Chefe do Estado e suspender as festas comemorativas do 5.º centenário da descoberta das ilhas, mas também nessa dolorosa circunstância o povo de S. Tomé e Príncipe soube comportar-se com uma inexcedível dignidade. As manifestações de pesar da população são-tomense e o carinho e respeito com que acompanhou o Sr. Almirante Américo Tomás nessa hora de luto para todos os portugueses, deviam ter servido ao Chefe do Estado de reconfortante lenitivo, tal a sinceridade que se adivinhava nos sentimentos manifestados por toda a população.
Antes de terminar, quero dirigir uma palavra de agradecimento aos membros do Governo e aos representantes dos três ramos das forças armadas, que quiseram, com a sua presença em S. Tomé e Príncipe, durante a visita do Chefe do Estado, honrar a província e abrilhantar ainda mais as comemorações que se estavam realizando.
Não quero, todavia, deixar de salientar o nome do Sr. Prof. Silva Cunha, ilustre Ministro do Ultramar, e, em nome das populações que aqui represento, agradecer-
lhe as medidas legislativas que, no uso da faculdade que a Constituição lhe confere, achou por bem tomar durante a sua permanência em S. Tomé e Príncipe, demonstrando, por esta forma, e mais uma vez, que os problemas da província estão na primeira linha das suas preocupações. Finalizo endereçando ao Sr. Presidente da República as minhas respeitosas homenagens e, como português e em nome do povo que me elegeu, agradeço ao Sr. Almirante Américo Tomás mais este serviço prestado à Nação: a visita que, na rota de João de Santarém e Pêro Escobar, fez a S. Tomé e Príncipe no 5.º centenário do seu achamento para Portugal.

O orador foi muito cumprimentado.

A Sr.ª D. Sinclética Torres: - Sr. Presidente: O magno problema de terras foi, em todos os tempos e por todo o Mundo, a origem de grandes conflitos entre gerações.
Ao trazer a esta Câmara o problema de terras, faço-o com a consciência de quem cumpre um dever, perante o Governo que dedica o melhor esforço para solucionar ou atenuar certas situações.
Todos sabemos os inconvenientes de uma irregular distribuição de terras ou do seu mau aproveitamento.
Não podemos afirmar, pelo facto de sermos em Angola cerca de 5 milhões de almas para uma superfície de 1 250 000 km2, que não existe o problema naquela província, devendo acontecer o mesmo em proporções diferentes na província de Moçambique.
É evidente que há espaço para todos e até sobra, mas há zonas inaproveitáveis, umas melhores, outras piores, algumas bem protegidas, outras mais expostas à cobiça e aos apetites.
Uma das causas de conflitos é a vivência nómada de algumas tribos, filiada no instinto de defesa contra o inimigo e contra a fome, tornando difícil, se não impossível, qualquer tentativa para a sua fixação.
Mas a principal razão da sua vida itinerante é sem dúvida o problema da alimentação.

Página 1228

1228 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Logo que a terra se recusa a dar-lha, mudam para outra região onde verificam a fertilidade do solo por meio de conhecimentos transmitidos oralmente através de gerações.
E, como o sistema de vida da maioria desta gente é comunitário, deslocam-se em massa de região para região.
São muito diversos e curiosos os modos de vida dos variadíssimos povos de Angola, e é a partir do respeito de certos princípios tradicionais que teremos de exercer a nossa benéfica actividade.
Quando conseguirmos fazê-lo, sem, contudo, afectar os nossos princípios morais e religiosos, tenho a certeza de que não haverá ventos históricos nem movimentos terroristas que abalem a soberania portuguesa em terras ultramarinas.
Por isso, para as relações humanas no interior da província entre os aldeamentos tradicionais e os alienígenas há que seleccionar, tanto quanto possível, os indivíduos que hão-de estabelecer os elos de ligação entre uns e outros.
Entre os autóctones e os verdadeiros obreiros da abertura do sertão à civilização europeia é indispensável haver quem seja capaz, sem trair a si próprio, de os orientar e controlar, para que haja um perfeito equilíbrio e o máximo respeito entre todos.
Numa palavra, para certas e determinadas regiões há necessidade de detectar e manietar não só o que por qualquer meio consegue atabalhoadamente ficar na posse de determinadas terras, mas também os que se deixam subornar.
Nos grandes centros urbanos e periferias, o problema toma outro aspecto, visto que há imensos terrenos particulares sem qualquer utilidade, não obstante a falta de casas com rendas acessíveis à maior parte dos vencimentos.
Sem entrar no problema da habitação, que será tema para outra intervenção, penso que uma reforma agrária bem programada e rigorosamente cumprida seria mais um passo para o progresso e um factor de equilíbrio político-social.
Através dessa reforma, os terrenos concedidos in illo tempore a título gracioso, ou teriam aproveitamento imediato ou reverteriam à posse do Estado.
Os terrenos adquiridos por compra teriam um prazo para ser aproveitados, findo o qual pagariam um imposto, ressalvando-se os que justificadamente não possam ser utilizados (planos de urbanização, questões pendentes de tribunal, etc.).
Tanto os terrenos adquiridos como as receitas cobradas reverteriam a favor do Estado para a construção de bairros de rendas económicas.
Voltando ainda aos terrenos do interior, creio, segundo informações, que só há cerca de quatro ou cinco anos começaram as demarcações nos terrenos de 2.ª classe.
Contudo, as populações têm necessidade de se sentirem apoiadas e protegidas. Para isso, é fundamental definir-se para os agricultores tradicionais não só as áreas ocupadas actualmente, mas também as que são necessárias aos respectivos pousios, pelo menos, até que consigam intensificar as agriculturas através de novas técnicas.
Estes terrenos têm de ser demarcados tão depressa quanto possível, quer sob a forma de terrenos de 2.ª classe para uso segundo as normas tradicionais, quer em lotes individuais de terrenos de 3.ª classe, sendo esta última hipótese a transição para o objectivo que temos em vista: promoção social, saindo do meio tribal para uma sociedade mais evoluída.
Creio mesmo que o Governo deveria intensificar a concessão de títulos de propriedade aos agricultores tradicionais, principalmente nas áreas do café, do algodão ou de qualquer outra agricultura, desde que, efectivamente, o seu modo de viver seja europeizado, como tive ocasião de verificar.
Não podemos, nem devemos exceder-nos com paternalismos, a coberto de receios infundados.
Os nossos próprios filhos fazem-se homens enfrentando perigos.
Tentarmos esquecer que o tradicional só fica tranquilo e feliz quando pode exibir um documento comprovativo de que a terra onde vive ou tem a sua fazenda lhe pertence e ninguém poderá tirar-lha é iludirmo-nos a nós próprios, é vivermos sempre na incerteza da nossa própria segurança, porque a um descontentamento corresponde sempre uma reacção imprevisível.
Conceda-se-lhes, pois, aos que estão em condições, os títulos de propriedade, porque este será o meio mais eficaz e seguro para fixá-los à terra e defendê-la contra qualquer infiltração inimiga.
No entretanto, a partir dos sistemas comunitários tradicionais, fixados nas áreas de terrenos de 2.ª classe, incidirá todo o trabalho de promoção e desenvolvimento.
É a partir destas zonas que se poderá pôr em prática um programa que permita a valorização nacional das suas culturas, valorizando os seus produtos qualitativa e quantitativamente.
É ainda sobre uma população fixa que podemos exercer uma acção educativa, sanitária e profiláctica.
A protecção ao agricultor tradicional, instruindo-o com novas técnicas, rasgando-lhe novos horizontes no desenvolvimento das suas culturas, é um empate de capital de juro assegurado que pesará ria economia dos territórios.
Depois de tantos insucessos, continuarmos a pensar que só com a fixação de agricultores povoadores conseguiremos o desejado desenvolvimento económico é uma utopia.
Primeiro, porque, pela nossa própria Constituição, pelos nossos princípios de acção missionária e civilizadora, não está na nossa índole paralisar o desenvolvimento daqueles povos.
Segundo, porque é muito difícil ao agricultor europeu, que desconhece totalmente o solo daquelas regiões, que encontra um clima francamente diferente daquele a que estava habituado, adaptar-se ao novo método de trabalho.
Depois, está mais que provado, salvo raras e honrosas excepções, que o agricultor, quando resolve ir para o ultramar, vai contando com uma mão-de-obra barata, ou que vai apenas dirigir.
Finalmente, o espírito de sacrifício é méis espontâneo quando se deslocam para fora do território nacional.
Tudo isto são realidades que temos de procurar encarar de frente e tentar resolver.
Não basta o Governo marcar uma linha de rumo tirando, conclusões ou legislando, é necessário que cada um de nós e todos em conjunto saibamos cumprir, esquecendo um pouco de nós próprios, para pensarmos no bem comum, na segurança da Nação.
Para além de uma guerra subversiva, que havemos de ganhar com a ajuda de Deus e a vontade dos homens, há que vencer também a barreira de obstáculos criada por ideias fixas e ultrapassadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de terminar estas breves considerações, quero salientar neste lugar o esforço que se tem feito para a resolução do complexo problema de terras.
Está em andamento o exaustivo trabalho de demarcações pelos Serviços Geográficos e Cadastrais, que lutam com falta de recursos humanos e materiais.
Sendo também um meio de defesa do território, é justo que se arranjem técnicos especializados que, em comis-

Página 1229

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1229

sões de serviço, executem o (trabalho de demarcações o mais depressa possível.
Está planeado criar-se um serviço de sociologia e economia rural.
É uma necessidade premente para Angola, e eu tomo a liberdade de agradecer ao Governo em nome das populações que hão-de beneficiar por tão oportuna e justa decisão.
Muitos caminhos temos percorrido, muitos mais havemos de andar, e não faltarão obstáculos a vencer, sacrifícios a oferecer, perigos a enfrentar. Tudo faz parte de um programa que temos de aceitar por amor a Deus, à Pátria e ao próximo.
E se assim tem de ser, lutemos então todos por uma Angola portuguesa e que, tão breve quanto possível, tenhamos todos uma vida calma, progressiva e feliz.

O orador foi cumprimentado.

A Sr.ª D. Raquel Ribeiro: - Sr. Presidente: Tem o Governo anunciado publicamente o seu desejo de dotar o País de uma política global de saúde unitária, cujos objectivos serão definidos em diplomas a publicar brevemente.
Está também em curso nova legislação sobre política industrial, na sequência de medidas de política já iniciadas.
Desejaria, nesta conjuntura, chamar a atenção para um problema que me parece dever ser objecto de estudo profundo e de consequentes medidas de reforma: o preço dos medicamentos e a assistência medicamentosa.
No relatório e contas do Grémio Nacional dos Industriais de Especialidades Farmacêuticas referente ao ano de 1969 foca-se a necessidade da reorganização da indústria farmacêutica, cujo projecto de diploma já foi entregue ao Governo.
Sabe-se que a indústria farmacêutica registou no ano findo uma taxa de crescimento na produção da ordem dos 13,3 por cento e que a importação de medicamentos aumentou a uma taxa de 17,2 por cento.
Sabemos também, por confronto de alguns medicamentos produzidos em laboratórios idênticos, que o preço em Portugal é cerca de 50 por cento mais elevado do que em Espanha e 30 a 40 por cento mais do que em França.
Não será necessário rever efectivamente as condições da indústria farmacêutica instalada com capitais nacionais ou estrangeiros?
Será apenas a importação de matérias-primas que onera o custo das especialidades farmacêuticas?
Entre outros encargos:, não será a excessiva propaganda médica, quer nas inúmeras amostras gratuitas - distribuídas ao desbarato -, quer na documentação de vária ordem e consequente publicidade, que acaba por ser paga pelo próprio público, que pesa na aquisição dos medicamentos a preços cada vez mais elevados?
Que dizer do actual encargo para os serviços da Previdência e para os próprios beneficiários com o fornecimento de qualquer especialidade receitada, ainda que de patente estrangeira, mas desde que fabricada no País?
Será de rever todo o circuito - produção, armazenagem, venda ao público e garantir que esta se faça em farmácias com direcções técnicas especializadas, a quem deveria passar a caber, também, a responsabilidade pela venda de certos pesticidas. Para tal, há que criar as «condições necessárias para a fixação do pessoal farmacêutico, particularmente na província.
Outro aspecto do problema que há a considerar é o da assistência medicamentosa aos econòmicamente débeis em tratamento ambulatório hospitalar.
Toma-se premente a utilização do Formulário Nacional que garanta a prestação de assistência com o menor encango possível, sem despendido de formulais, e que permita a coordenação dos vários laboratórios das entidades oficiais.
A economia resultante de uma melhor racionalização dos recursos existentes permitirá tomar mais extensiva a assistência medicamentosa, como é mister assegurar.
Esperamos que o Governo possa encarar este problema com a urgência que ele requer e o introduza nas medidas em curso para a reforma da política unitária da saúde e em ordem ao bem-estar das populações.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Sá Viana Rebelo: - Sr. Presidente: Não vou falar apenas por mim, embora de bom grado o fizesse, mas impulsionado por uma vintena de cartas recebidas de Angola nestes últimos dias e pelos contactos pessoais tidos com algumas figuras representativas da maior parcela do território português. A minha vontade, as missivas e as palavras ouvidas impelem-me a erguer aqui a minha voz, louvando o desassombro, a verticalidade, direi, mesmo, a verdade do último discurso proferido nesta casa pelo ilustre Presidente do Conselho de Ministros, que, seguindo o lema da renovação na continuidade, prometeu novas perspectivas ao futuro das províncias ultramarinas, e de entre elas de Angola, apresentando-lhes uma dilatação de autonomia que foi ao encontro dos anseios que, pelo menos nós, os Angolanos, sentimos ser justos e há muito temos solicitado.
Que fique, portanto, hoje referenciado com grata simpatia o apreço com que as palavras do Sr. Presidente do Conselho de Ministros foram acolhidas pela grande maioria da gente válida de Angola, que deseja, repito, mais autonomia administrativa, embora de modo algum essa autonomia signifique apartamento da Mãe Pátria, cuja bandeira continuam querendo ver flutuar de Cabinda ao Cunene, altaneira, respeitável e símbolo verdadeiro e necessário da união de todos os portugueses que ali vivem.
A Pátria comum não se discute, nem sequer se põe em causa, pois isso seria atraiçoar a história e a gesta maravilhosa, que nos enche de orgulho, escrita pelas nossas forças armadas nas matas, nas chanas, por toda a parte onde é necessário acorrer, numa convicção firme de que estão defendendo Portugal e os Portugueses das investidas traiçoeiras de quem não o é.
O Sr. Presidente do Conselho foi claro, não deixou dúvidas a ninguém, e a sua voz de ordinário calma, tornou-se dura, incisiva, ao enunciar o princípio, a determinação, de que o Governo não alterará uma; linha da acção intrépida e baseada na razão que assiste a Portugal.
Palavras bem esclarecedoras e bem precisas para uma Angola em que o nível cultural médio das populações é baixo e onde pululam, infelizmente, mais do que seria para desejar, os insensatos, os ambiciosos e os cínicos malabaristas de ideias que lêem nas entrelinhas a seu belo prazer, para espalhar boatos e pensamentos inexistentes nas pessoas válidas.
Palavras ditas sem hesitações e sem tibiezas, as palavras necessárias para não deixarem dúvidas, nem acalentarem pesadelos.
Palavras que precisam de ser muito repetidas como slogans de uma política, palavras que convençam os insensatos a caírem em si, os ambiciosos a desistirem de propósitos irrealizáveis e os perturbadores a calarem-se, ou a serem calados a bem ou a mal.
Que o Governo-Geral de Angola não hesite, nem fraqueje nestes tempos que vão seguir-se, vitais para uma política

Página 1230

1230 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

que se esboça, bem delineada, mas onde há termos perturbantes. Por mim, confio, no actual governador-geral, coronel Camilo Rebocho Vaz, que razões fortes, indubitavelmente, levaram o Governo Central a reconduzir no alto cargo que há quatro anos vinha desempenhando. Confio no conhecimento que possui das pessoas e coisas de Angola, na honestidade dos seus processos de actuação e até na bondade que tem presidido a difíceis resoluções tomadas.
Angola aprecia a magnanimidade, a abertura, e quem a usa é sempre recompensado pelo respeito das populações. Mas que não se abuse também dessas boas disposições, pois os tempos que passam, sobretudo aqueles que se aproximam, requerem firmezas inabaláveis e até correcções imprescindíveis a actos que poderão surgir e a certa legislação ultrapassada, para não dizer ridícula.
Citarei, a propósito desta última e para não ser acoimado de exagerado, uma portaria, a n.º 24, de 7 de Dezembro de 1942, assinada pelo então Ministro das Colónias Dr. Francisco Vieira Machado, pessoa que, aliás, muito respeito, portaria ainda em vigor numa Angola onde existem dezenas de cidades, entre as quais uma, Luanda, que procura firmar-se no terceiro lugar das urbes portuguesas.
Pois essa portaria proíbe expressamente às câmaras municipais ordena ?em ou permitirem o corte das arvoreis que marginam, as ruas antes de, para esse efeito, lhes ter sido concedida autorização pelo Governo da respectiva província. E os governadores só podem dar a autorização referida em face de exposição fundamentada da câmara, em que, de modo concreto, se especifique o inúmero e a natureza das árvores a abater e se indique o motivo ou motivos por que não é possível evitar o corte proposto.
Isto para retirar uma árvore de um passeio!
E há punições!... A portaria mão deixou esquecer os castigos para quem prevarique.
Assim, o governador que der autorização para o corte de árvores por razão não suficientemente ponderosa - julgo que quem apreciará o seu critério será o Ministro do Ultramar - incorre na multa de um a dezasseis dias do seu vencimento e a câmara que as cortar sem licença incorre na falta de obediência à tutela. Houve a preocupação exagerada dos cortes, e Angola, para encarar o futuro com optimismo, precisa de mais liberdade e menos tutelas, exactamente o que lhe foi agora dito ser possível.
Que acabem de vez ais portarias como aquela que acabei de citar e mais legislação ultrapassada emanada de milhares de quilómetros de distância, há longos anos.
Que se faça uma revisão do que já não tem razão de ser, tendo bem presente que pior do que existirem leis incríveis é ninguém fazer caso delas.
E que venha a almejada e prometida ampliação de autonomia administrativa para o regozijo consciente dais gentes de Angola se manter no ponto auto cujo eco me chegou e achei de interesse sublinhar nesta ilustre Assembleia.

O orador foi Cumprimentado.

O Sr. Malafaia Novais: - Sr. Presidente: Por despacho de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia de 16 de Novembro de 1966, publicado no Diário do Governo, de 9 de Dezembro do mesmo ano, no que se refere ao mercado de vinho das províncias ultramarinas e com vista a garantir a qualidade dos produtos e a uma diminuição de encargos de transportes, propõe o Governo que se actue com a máxima brevidade no sentido de cãs autoridades das províncias ultramarinas (Angola e Moçambique fundamentalmente) manterem a atitude favorável que inicialmente manifestaram relativamente às concessões de alvarás às sociedades locais - cuja constituição deve ser estimulada - que se proponham construir instalações de armazenamento, engarrafamento e distribuição».
Posteriores despachos ministeriais de SS. Exas. os Srs. Ministros do Ultramar e da Economia, publicados no Diário do Governo, de 25 de Setembro de 1967 e 20 de Abril de 1970, estabelecem as normas sobre o comércio de vinhos entre a metrópole e as províncias ultramarinas, não permitindo que os vinhos recebidos a granel sejam comercializados, a não ser em recipientes de capacidade não superior ali, com marcas registadas e devidamente aprovadas.
Assim, em cumprimento do disposto na legislação que citei, e que merece inteiro aplauso, foram as firmas exportadoras da metrópole obrigadas a instalar em Angola e Moçambique armazéns e linhas de engarrafamento. Surgiram sete unidades deste tipo em Angola, que correspondem a um capital investido de cerca de 150 000 contos e a uma capacidade de engarrafamento de 160 milhões de litros; pois sendo a importação média da província de cerca de 85 milhões de litros de vinho, previa-se uma substancial elevação do consumo, com a protecção dada à qualidade do produto através do seu engarrafamento.
Em Moçambique foram instaladas duas unidades, esperando-se para breve que entrem em funcionamento mais duas.
Frente a esta orientação, que, repito, merece o nosso inteiro aplauso, e tomando em conta que estas duas províncias de há muito que são os principais mercados da nossa produção excedentária, certamente que causou séria apreensão o teor do Boletim Oficial de Angola, de 13 de Novembro, e o do Boletim Oficial de Moçambique, de 26 de Novembro, onde eram anunciadas medidas restritivas à importação de certas mercadorias provenientes da metrópole, com vista a impedir o agravamento da situação cambial da província ou a proteger a indústria provincial.
Entre estas mercadorias encontram-se os «vinhos e mosto de uvas abafado com álcool».
Informações posteriormente colhidas esclareceram que a província de Moçambique só passará a emitir licenças de importação até um montante de 100 000 contos C. I. F., e a província de Angola até ao montante de 370 000 contos C. I. F., o que equivale, respectivamente, a cerca de 12,5 milhões e 52 milhões de litros.
Tomando como média a importação efectuada nos últimos sete anos, as medidas de restrição anunciadas vem agravar em cerca de 40 e 68 por cento, respectivamente, as nossas exportações de vinho para Angola e Moçambique.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não estando previsto um aumento substancial das nossas exportações para o estrangeiro, pelo contrário, e tendo sido reencontrado o nível médio das nossas produções, 11 milhões de hectolitros, vão ficar a pesar no mercado interno 63 milhões de litros (126 000 pipas).
Mais um extraordinário esforço terá de ser desenvolvido pela Junta Nacional do Vinho a fim de prontamente fazer a sua intervenção no mercado. Será que mais taxas irão recair sobre a lavoura?
A nota oficiosa dos Ministérios do Ultramar e da Economia que veio a público em 10 de Novembro e que visava o problema dos pagamentos interterritoriais apontava entre outras medidas «a ampliação por cinco anos do prazo durante o qual é permitida a protecção das indústrias locais, na fase de arranque, nas províncias de Angola e Moçambique, mediante o estabelecimento de restrições quantitativas na importação dos produtos lá produzidos, de modo a defender as respectivas balanças de pagamento».

Página 1231

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1231

Parece, pois, haver um antagonismo entre o pensamento governativo e as medidas tomadas em relação ao vinho, que é do conhecimento geral não ser produzido naqueles dois territórios portugueses.
As instalações de armazenagem e engarrafamento de vinhos, que, como citei, foram instaladas por orientação superior, não poderão dispor de matéria-prima que justifique a sua Laboração, e, muito menos, o capital nelas investido.
Não parece ter grande significado em confronto com alguns inconvenientes citados a redução aproximadamente de nove para seis meses, que com estas medidas as autoridades da província de Angola pensam poder reduzir o prazo das transferências.
Estou certo de que o agravamento da situação cambial foi a razão forte que levou o Governo a incluir nas mercadorias cuja importação vai ser restrita no ultramar - as que têm a posição pautai 22.05 «Vinhos e mosto de uvas abafado com álcool».
Contudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, são bem conhecidos os problemas da viticultura nacional, que, dentro de breves dias, também tenciono tratar! São bem conhecidos os problemas de milhares de portugueses que têm como base da sua economia a cultura da vinha.
O vinho já desceu de preço, a lavoura, cada vez mais depauperada, voltou a ser atingida, e foi ponderando as graves incidências que as medidas tomadas poderão vir a ter na viticultura nacional que ousei trazer a esta Casa um problema de tanta gravidade.
Resta-me, pois, solicitar ao Governo, nas pessoas de SS. Exas. os Srs. Ministros do Ultramar e da Economia, a quem daqui tenho a honra de saudar, a conveniente solução, para que sejam anulados os efeitos que se prevêem com as medidas tomadas e que, repito, constituíram o motivo desta minha intervenção.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regimento, ponho à reclamação o texto aprovado em última redacção pela Comissão de Legislação e Redacção para o decreto da Assembleia Nacional sobre autorização das receitas e despesas para 1971.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este texto, considero-o aprovado para os efeitos do disposto mo artigo 43.º e seus parágrafos do Regimento.
Vamos passar agora à parte principal da ordem do dia: continuação da discussão na generalidade do projecto de lei sobre a designação, pelas respectivas corporações, dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves de Proença.

O Sr. Gonçalves de Proença: - Sr. Presidente: No breve intervalo que mediou entre as duas sessões parlamentares - que o drama tornou enorme - ocorreram acontecimentos que profundamente atingiram esta Casa, ferindo-a na essência mesma da sua carne e nos fundamentos humanos da sua existência política.
Entrou na perenidade da história o fundador político da Assembleia Nacional, tal como a consagra a actual Constituição, passando o seu egrégio espírito a identificar-se assim, em definitivo, com os alicerces doutrinários da instituição.
A vontade humana de Salazar desligou-se do seu suporte material, dando lugar ao património político da sua obra constitucional, em que a legitimidade da representação popular sempre ocupou lugar de especial relevo.
Já a Assembleia prestou homenagem ao seu instituidor, em termos de actuação regimental, o que não dispensa certamente mais condigna manifestação em nome da vontade nacional aqui representada, logo que melhor oportunidade se proporcione.
Estamos ainda muito perto do acontecimento para o medir em toda a pujança da sua dimensão histórica.
Com o passamento vital de Salazar tremeram os alicerces humanos do Regime, mas torna-se cada vez mais claro que a sua obra e o seu sacrifício, que o foi até ao último momento, ajudaram à sua consolidação doutrinária.
Aí está a demonstrá-lo a resistência oferecida ao impacte da transição, favorecendo a solução nacional mais conveniente, e o capital de confiança e de certezas que dele continuamos a haurir a todo o momento quanto ao futuro.
Outros depois de nós irão escrever a história do momento actual, com a perspectiva de grandeza que agora nos falta.
Mas não nos esqueçamos de que a história que eles vão escrever será aquela que nós agora soubermos construir.
Façamos tudo para que a história por nós feita não desmereça daquela que nos foi legada.
Para isso a Nação nos confiou o seu mandato.
Essa será a melhor homenagem que poderemos prestar a Salazar.
No breve intervalo das sessões legislativas desapareceram, igualmente do nosso convívio humano cinco companheiros de trabalho, quatro dos quais brutalmente caídos em pleno desempenho da sua missão parlamentar, o outro vítima do zelo posto na sua missão humana.
A Assembleia ficou mais pobre, embora as suas bancadas tenham ficado mais ricas espiritual e moralmente pelo halo de sacrifício e glória que agora ilumina os vazios deixados pelos Deputados desaparecidos.
Todos sentimos a sua falta, na ausência das vozes bruscamente apagadas e na obrigação que a todos se impõe de preencher esse silêncio, substituindo os ausentes e tomando para nós, com zelo redobrado, a sua missão.
Melhor preito de gratidão não poderemos prestar a James Pinto Bull, José Vicente de Abreu, José Pedro Pinto Leite, Leonardo Coimbra e António Covas de Lima.
Sr. Presidente: Em política o que parece é. Daí o cuidado que todos devemos ter com as aparências.
Ora, a verdade é que o processo legislativo em discussão neste momento, a propósito da designação dos representantes das actividades privadas nos organismos de coordenação económica, tem toda a aparência de «paradoxo», para não usar termo mais expressivo. E se calhar só um termo mais expressivo poderia qualificar a situação.
Eu explico melhor, indo direito ao assunto: Em 1936 foram criados os referidos organismos de coordenação económica e então se disse, no respectivo diploma instituidor - Decreto-Lei n.º 26 757 -, que tais organismos «serão integrados nas, corporações, logo que estas se constituam, como elementos de ligação entre o Estado e as actividades nelas enquadradas, e poderão revestir

Página 1232

1232 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

carácter pré-corporativo na coordenação das actividades quando ainda não organizadas».
Posteriormente, em 12 de Novembro de 1938, o Decreto-Lei n.º 29 no afirmou que tais organismos, «enquanto for julgado necessário», funcionarão junto das corporações, como elementos de ligação entre o Estado e a organização corporativa, acrescentando o mesmo diploma que a competência dos conselhos gerais dos organismos de coordenação económica «passa a ser exercida por secções económicas dos conselhos das corporações u medida que estas forem sendo instituídas».
Finalmente, abundando na mesma orientação, a base IV da Lei n.º 2086 reafirma quer a transitoriedade dos organismos de coordenação económica como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, a manter apenas «enquanto forem julgados necessários», quer a obrigatoriedade de transferir, desde logo, para as secções das corporações, «sempre que possível», a representação das actividades coordenadas por aqueles organismos.
Isto é, desde o seu parto se afirma que os organismos de coordenação económica têm carácter transitório e que neles a função de representação das actividades coordenadas deve competir às corporações.
Pois bem, é nesta moldura, que não dignifica ninguém, nem os organismos atingidos (condenados à nascença a uma existência precária), nem a inércia de uma actuação que vem tomando definitivas situações originariamente transitórias, que agora se vem discutir, decorridos trinta e quatro anos, não propriamente o arranjo definitivo do sistema, mas sim um remendo que nem se compadece com uma nem com outra das duas soluções.
Assim não nos entendemos, e eu volto a explicar porquê:
Ao discutir e decidir, neste momento, se e quando os representantes das actividades privadas nos organismos de coordenação económica devem ser escolhidos pelas corporações, pelos grémios ou pelo Governo, pressupõe-se, por um lado, que os organismos de coordenação económica ainda têm garantida sobrevivência para tal decisão, mas, por outro lado, procurando apenas remediar por essa forma anomalias gritantes, sem coragem para atentar em outros aspectos de igual relevância e por igual carecidos de reforma, está-se também a pressupor que tais organismos têm os seus dias contados, pelo que não valerá a pena entrar muito a fundo na sua reestruturação.
Devemos confessar que, na perspectiva da elevada competência legislativa desta Assembleia, a situação em causa não é muito dignificante.
E tudo porque, no encantamento das árvores, perdemos a visão da floresta.
Apesar de tudo, já poderíamos compreender que o problema, no seu conjunto, fosse simplificado e reduzido aos termos da seguinte proposição: uma vez que se continuam a considerar necessários os organismos de coordenação económica - não obstante o requiem que se eleva à sua volta -, ao menos que se procure salvar a pureza dos princípios e preparar desde já, com dignidade, o passamento das respectivas funções a quem, em definitivo, as venha a exercer.
E como? Muito simplesmente, sabendo nós, como sabemos, que tais organismos, em muitas das suas actuais funções, se destinam a ser integrados nas corporações e sendo, além disso, também orientação legal que a representação das actividades por eles coordenadas deve ser confiada às secções das corporações, parece que o que haveria a fazer desde já, por diploma adequado (e suponho que para o efeito a Assembleia tem competência), seria determinar essa transferência, dando assim cumprimento à determinação expressa do Decreto-Lei n.º 29 no e da Lei n.º 2086, respectivamente no seu artigo 3.º, § 2.º, e base IV, acima referidos.
Duas disposições do seguinte teor poderiam, eventualmente, servir à finalidade pretendida, resolvendo de uma assentada todos os problemas agora pendentes:

Artigo 1.º - 1. Enquanto se mantiverem, nos termos da base IV da Lei n.º 2086, como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, os organismos de coordenação económica terão como órgãos representativos das actividades coordenadas as secções correspondentes das corporações.
2. Compete às corporações propor ao Conselho Corporativo as alterações de estrutura e as adaptações institucionais e regulamentares que o exercício de tais atribuições venha a exigir.
Art. 2.º Os mandatos dos representantes das corporações nos órgãos consultivos dos Ministérios coincidem com os mandatos dos órgãos das corporações que os designaram, salvo as representações de carácter transitório.

Confiando, deste modo, aos próprios interessados não só a legítima representação dos seus interesses como o arranjo institucional das estruturas necessárias, de esperar seria que os problemas postos encontrassem finalmente a «solução rápida e adequada que se impõe, e que, com mais ou menos eufemismos, o projecto de lei em discussão pretende também atingir.
Do mesmo passo, como manda a prudência e a justa ponderação de todos os valores em presença, igualmente ficaria salvaguardada a legítima intervenção do Governo na decisão final, pelo apelo que em tal sentido seria feito ao Conselho Corporativo, a quem competiria sempre a última palavra no assunto. O que é justo e conforme com as mais elementares exigências da nossa orgânica corporativa.
Esta seria para já, eventualmente, a solução.
Seria..., mas, por estranho que pareça, não iremos além de uma simples sugestão.
A nossa atitude na matéria é mais profunda e essencial, não se compadecendo com soluções meramente formais e parciais.
Preferiremos assim, com o risco embora de continuar a pisar terrenos paradoxais, não associar responsabilidades próprias a iniciativas que fiquem apenas a meio caminho da encosta.
O que certamente acabará por justificar o voto passivo de quem não quer ser estorvo de boas intenções... como as que seguramente estão na origem do projecto de lei em discussão.
Eis por que na generalidade a ele não nos oporemos, embora contrariados e pouco convencidos.
Até porque desde já e facilmente se antevê o que vai acontecer.
Com esta «pintura» de legitimação corporativa, garantida pela própria intervenção das corporações na designação dos respectivos vogais, os organismos de coordenação económica irão ganhar, por certo, novo alento doutrinário e com ele esperança reforçada de continuidade.
A não ser que de tal «situação nos venha a salvar a comissão liquidatária nomeada pelo Sr. Ministro da Economia para estudar a extinção de tais organismos. Mas também de tal decisão não sairá muito valorizado o esforço em que, neste momento, tão acuradamente a Assembleia se empenha. Terá sido inútil e contraditório.

Página 1233

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1233

Ao chegar aqui tenho, no entanto, de fazer dois reparos urgentes:
O primeiro consubstancia-se na homenagem que devida é ao autor do projecto de lei em apreciação, engenheiro Camilo de Mendonça, a cujas qualidades de iniciativa, competência e dedicação à causa corporativa aqui desejo prestar o testemunho da minha admiração e apreço.
É pouco eficaz o remédio proposto e tem os seus riscos na longevidade do mal?... mas talvez seja o que para já se pode conseguir. Panaceia que não cura, mas não deixa agravar a doença.
O Governo o dirá, que é afinal quem tem a faca e o queijo na mão, já que tudo se resolveria se, finalmente, fosse decidido, como se espera há quase três lustros, regulamentar a base IV da Lei n.º 2086.
Será pedir muito?
E talvez este simples pedido seja o processo mais correcto, no sentido de «bem educado», que pode ser seguido pela Assembleia neste momento, lembrando ao executivo compromissos tomados perante as suas leis.
Aguardemos confiadamente os resultados, sem pensar, pela parte que me toca de experiência governativa, na demora ocorrida ao longo do caminho andado.
A outra observação que desejamos fazer é a de que não está de modo nenhum na nossa intenção lavrar aqui o processo condenatório dos organismos de coordenação económica. Limitar-nos-emos, a esse respeito, a sublinhar mais autorizados depoimentos que sobre o assunto têm sido prestados, chamando com especial aprazimento (todo intelectual) a atenção para o voto de vencido do Digno Procurador Martins de Carvalho, acerca da justificação do nascimento e morte natural dos organismos de coordenação económica, e para a notável intervenção do autor do projecto de lei ao introduzir a discussão na generalidade, toda ela imbuída de largo conhecimento de causa e profunda e amarga experiência.
De momento, a nossa atitude, a este respeito, é meramente doutrinária, por exigência dos princípios corporativos e da mais elementar coerência legislativa.
O que pedimos é pura e simplesmente que a lei seja cumprida. Aí o paradoxo, que o local deste pedido torna ainda mais evidente. O resto é sabido e sobre ele não nos deteremos, na expectativa dos resultados da comissão liquidatária acima referida.
É evidente que o que acaba de ser dito quase me dispensa de entrar propriamente no âmago da questão, centrada a volta de saber a quem é que deverá competir a designação dos representantes das actividades privadas nos organismos de coordenação económica - juntas nacionais, comissões reguladoras e institutos - e qual a duração do mandato desses representantes.
Esquecendo por momentos as reservas postas e aceitando, embora como válidos e pertinentes, alguns dos argumentos expendidos no douto parecer da Câmara Corporativa, a cujo relator igualmente presto a minha homenagem, afigura-se-me que a pureza dos princípios aponta mais decididamente para as corporações, representantes legítimos e unitários das actividades que integram e a quem, portanto, deve doutrinàriamente competir a designação dos respectivos mandatários. Competência que, logicamente, está circunscrita ao âmbito temporal da sua própria autoridade.
No mesmo sentido depõem ainda outros dois argumentos:
Um, formal: não se compreenderia facilmente diversidade de critérios para a hipótese das actividades já corporativamente organizadas (que, segundo o parecer, seriam representadas pelos grémios) e para a hipótese de essa organização corporativa faltar (caso em que a designação dos respectivos representantes competiria a corporação). A lógica e a dignidade das instituições não entraria facilmente nesse jogo.
O segundo argumento é de essência: Não oferece qualquer dúvida que, ao exigir a representação das actividades privadas nos organismos de coordenação económica, o sistema tem em vista assegurar a plena visão de todos os interesses que integram essas actividades, o que só pode ser garantido fazendo intervir na definição e defesa dos respectivos valores, unitàriamente, todos os que nelas participam, qualquer que seja a posição que ocupem (patronal, sindical, técnica...). Desiderato que só as corporações logram alcançar, porque elas são exactamente o ponto de encontro e conciliação de todos esses interesses.
Orientação diferente desta, apontando ao predomínio da representação sindical ou gremial - soa a sindicalismo que é por definição dialéctica e oposição, por contraposição ao corporativismo que procura ser conciliação e coordenação de interesses.
Com efeito, falar só em sindicatos fortes ou grémios poderosos ou na legitimidade representativa de uns e outros (como tem de ser e convém à autenticidade do Regime), sem acrescentar logo a legitimidade paralela dos respectivos «bens comuns» e a necessária convergência dos interesses divergentes, é ou parece ser sindicalismo, e do melhor!
Depois não se queixem, se as forças, em vez de convergirem na conciliação necessária, divergirem na dialéctica inevitável.
Mas tudo isto é doutrina conhecida. Adiante!
E não é isto que o projecto de lei quer, e como quem não quer ser lobo não lhe veste a pele, o melhor é sermos claros nas afirmações feitas.
O verbo encarna sempre, daí o cuidado que tem de haver no uso das palavras ou das ideias que se lançam no caminho. Fora da autoridade de quem as profere ou defende, elas ganharão depois vida própria, que muitas vezes serão bóia de neve à desfilada na montanha.
E se é assim na conversa responsável, como o não será no texto da lei, com toda a mitificação do seu poder soberano?
Mas creio bem que contra estes riscos a Assembleia está consciente, impondo-se apenas que haja sempre coerência entre as palavras e as realidades.
O País agradecerá essa coerência.
Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amílcar Mesquita: - Sr. Presidente: Com a aprovação por plebiscito nacional, em 11 de Abril de 1933, da Constituição Política da República Portuguesa, era restaurado no País o corporativismo. Efectivamente, o artigo 5.º da Constituição estabelece:

O Estado Português é uma República unitária e corporativa...

Em 7 de Maio de 1834 um decreto extinguia em Portugal as corporações, cuja instituição data dos primórdios da nacionalidade. O triunfo do liberalismo e a Constituição de 1822 põem termo ao corporativismo tradicional.
No final do século XIX e primeiro quartel do século XX assiste-se ao renascimento do corporativismo em Portugal, cujo sistema de organização social é finalmente consagrado na Constituição do Estado Novo.
Nas formas de organização da sociedade os diferentes ingredientes sociais conjugam-se de modo diverso: ora com primado do indivíduo, como sucede no individua-

Página 1234

1234 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

lismo; ora com superioridade do Estado, como sucede no estatismo; ora com participação de todos os corpos sociais, como acontece no pluralismo.
É nesta última que se enquadra o corporativismo como organização social onde os interesses dos vários elementos e grupos da sociedade se defendem, conjugam e são respeitados, enquanto se adequam e prosseguem o bem comum.
A organização corporativa pode estender-se aos vários sectores da sociedade e pode processar-se por vias diferentes.
Nesta diversidade assenta a classificação do corporativismo.
Prevendo a mossa Constituição e, bem assim, o Estatuto do Trabalho Nacional o seu alargamento a todos os sectores da sociedade portuguesa, foi pelo sector económico que o edifício corporativo principiou a erguer-se.
Mas essa edificação seria lenta, pois a realidade onde assentava era fenómeno social moldado por mais de um século de liberalismo, que havia de mancar a natural tendência associativa do homem.
Por isso os princípios informadores do sistema corporativo encontram dificuldades de efectivação, sofrendo alguns desvios.
A falta de espontaneidade dos interessados ma construção da estrutura pluralista da sociedade levava o próprio Estado à iniciativa da instituição de organismos corporativos e corporações. Mas logo, em obediência ao espírito da ordem corporativa, deixava-os entregues à autodirecção, vivendo com autonomia.
Reportando-nos, ainda, ao sector da economia nacional, houve os que surgiram pela iniciativa dos interessados de certas actividades económicas, os que não chegaram a aparecer por a mesma faltar e os que foram provocados.
Mas ao lado destes e, também, antes deles, criou o Estado organismos que desempenhariam as funções corporativas à medida que a estrutura da sociedade se instituía nesse sentido.
Surgiu, assim, na sociedade portuguesa, uma organização pré-corporativa destinada a preparar e a alicerçar a institucionalização do sistema corporativo, enquanto para assegurar o funcionamento deste regime aparecia a organização paracorporativa. Naturalmente, os organismos daquela substituir-se-iam à medida da efectivação do sistema e os desta permaneceriam.
Enquadram-se na primeira os organismos de coordenação económica, porque o diploma legal que os criou atribui-lhes carácter pré-corporativo e natureza transitória. A sua precariedade é afirmada no mesmo diploma, pelo sentido obrigatório da disposição legal que os manda integrar nas corporações, uma vez constituídas.
A verdade é que o precário tem-se tornado certo e o que transitoriamente exercia as funções a transferir para as corporações permanece catorze anos depois destas instituídas.
Algo parece estar mal: ou a realidade apreendida pelo legislador não é a configurada ou o sistema definido não se adequa ao fenómeno social português. Por mim, não acredito na segunda parte do dilema, porque é no preâmbulo do decreto-lei, criador daqueles organismos, que encontro a razão da sua existência duradoura, ao afirmar o direito e a obrigação que assistem ao Estado de coordenar e regular superiormente a vida económica e social, determinando-lhe os objectivos e subordinando todos os interesses parcelares ao conceito mais elevado do interesse da Nação, sem prejuízo de uma verdadeira autodirecção das relações económicas que às actividades organizadas cabe.
É irrefutável, nos nossos dias, a justificação do intervencionismo do Estado na economia nacional. Aceitam-no, hoje, os próprios países tradicionalmente mais liberais.
A nossa Constituição Política consagra esse intervencionismo no artigo 31.º, cuja disposição legal é repetida no artigo 7.º do Estatuto do Trabalho Nacional.
Mas o Estado quando intervém é para coordenar e regular superiormente a vida económica e social da Nação, ou seja, para tomar a direcção superior dos aspectos essenciais dessa vida, em harmonia com os fins e interesses da política nacional, e aparecer como árbitro supremo nos conflitos de interesses; e não para se perder burocràticamente nos escaninhos dos pormenores e aspectos parciais da economia, enredando as soluções e esquecendo a voz dos interessados das actividades económicas, através da organização corporativa.
Portanto, de duas uma: ou os organismos de coordenação económica são aqueles através dos quais o Estado intervém na economia nacional ou têm carácter pré-
corporativo.
Se são a primeira coisa, não passam de verdadeiros órgãos do Estado, funcionando como órgãos descentralizados da Administração, que exercem, também (eventualmente ou normalmente?), na falta de organização das actividades económicas, funções corporativas.
Se são a segunda coisa, porque continuam a existir - pelo menos, enquanto tais - à medida que as actividades se organizam corporativamente?
Que são a primeira coisa, entenderam-no, designadamente, a Procuradoria-Geral da República, em parecer de 9 de Maio de 1957, e o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 4 de Dezembro de 1957. E se assim é, porque exercem ou continuam a exercer, depois de instituídos os organismos corporativos das actividades, funções corporativas correspondentes? Pretende-se, acaso, que o nosso sistema seja apodado de «fascismo» ou de «corporativismo de Estado», se é que destes se pode falar de verdadeiro corporativismo? Por que, então, criados os organismos corporativos e as corporações, não passaram para eles as atribuições que aos mesmos cabem, aliás de acordo com o espírito da Lei n.º 2086 e como já dispunha o § único do artigo 2.º do diploma legal que criou os organismos de coordenação económica?
Mas, pergunta-se: Seria viável ou possível a transferência - ou, pior ainda, a sua integração - de organismos estruturados segundo critérios diferentes? Cremos que aqui reside uma razão fundamental do statu quo.
Que há dúvidas, para mim, serem a segunda coisa, comprova-o a sua falta de precariedade e natureza transitória, pois subsistem em concorrência com a organização corporativa e continuam a funcionar como elementos de ligação entre o Estado e as corporações.
E como, se, além do mais, os organismos de coordenação económica elaboram regulamentos obrigatórios para os organismos corporativos e aplicam sanções disciplinares às empresas?
Esta actividade heterónoma é bem a prova de exercer funções oficiais.
Não sendo, para nós, organismos pré-corporatiyos, a não ser transitoriamente, subsistem como órgãos do Estado e, nesta qualidade, sem a faculdade de representar as actividades neles enquadradas. Logo, nessa medida, não chegam a ter carácter para qualificar o corporativismo português.
Com uma estrutura baseada no critério do produto ou do ciclo produtivo, os organismos de coordenação económica apresentam-se desadaptados à estrutura das corporações, dificultando a integração nestas. Permanecendo como elementos de intervenção governativa na economia nacional, parece-me que já não satisfazem cabalmente a esta função, por causa da referida desadaptação e da estrutura excessivamente sectorial.

Página 1235

19 DE DEZEMBRO DE 1970 1235

Dado o exposto, parece justificar-se, com suficiência, uma revisão estrutural e de funções dos organismos referidos, destinada a respeitar a pureza dos princípios do sistema corporativo português e melhor adaptação aos superiores interesses da economia nacional.
Desta forma, contribuímos para prosseguir na consolidação e desenvolvimento do regime corporativo e, por consequência, afastar os tipos de organização comunista, socialista e dos regimes liberais, pois nenhum destes tipos garante, a liberdade individual e os interesses da comunidade portuguesa.
Logo, só o estado corporativo, que cê, necessariamente, um estado social» - porque «é um poder político que insere nos seus fins essenciais o progresso moral, cultural e material da colectividade, numa ascensão equilibrada e harmoniosa que, pela valorização dos indivíduos e pela repartição justa das riquezas, encurte distâncias e dignifique o trabalho», na definição do Sr. Presidente do Conselho -, nos pode dar essa garantia.
Não percebo, por isso, quando ouço dizer, que não sabem o que é o Estado social! Esses que assim falam, ou ignoram ou não aceitam o regime corporativo. Logo, só lhes resta um dos outros tipos ...
São estas considerações suscitadas pelo projecto de lei relativo à designação pelas respectivas corporações dos vogais que fazem parte dos organismos de coordenação económica em representação das actividades por eles coordenadas, apresentado pelo Deputado Camilo de Mendonça.
Na linha do que já estabelece a base VI da Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, pretende o autor do projecto, e enquanto aqueles organismos subsistirem, indevidamente, no exercício de funções corporativas, que os representantes das actividades por eles coordenadas sejam designados pelas corporações.
Numa economia que pretende ser corporativa, é da sua essência a participação nos órgãos de intervencionismo do Estado, da Nação corporativamente institucionalizada. De facto, através da organização corporativa a Nação participa na actividade do Estado e a mesma organização funciona como princípio de limitação do poder estadual.
Os órgãos consultivos dos Ministérios, estipula a base VI da lei citada, serão substituídos pelas corporações; e quando não for possível a substituição, acrescenta a mesma base, caberá às corporações designar os representantes das respectivas actividades naqueles órgãos. Pois pretende-se, com a aprovação do presente projecto de lei, consagrar a mesma doutrina, de forma a atenuar os desvios do sistema, enquanto, efectivamente, não for revista a matéria e regulamentada a base IV da já referida lei.
Não se justifica, por isso, em boa técnica jurídica, a repetição de disposição idêntica à da base VI. Mas já se deseja o seu cumprimento e a sua regulamentação no necessário.
Será para não ser letra morta, embora com desvio da pureza dos princípios jurídicos cometidos pela Constituição a esta Câmara, que o projecto de lei ora em debate contém disposições de natureza regulamentar?
Ë receio plausível, pois algumas das bases jurídicas da Lei n.º 2066, designadamente a base IV, passados que são, quase, três lustros, continuam a «aguardar do Governo a sua regulamentação, que não deve, todavia, sobrepor-se, nem substituir a que compete às corporações, como manifestação de direito social.
Mas já se tolera, como forma expedita, a aplicação prática do princípio legal da representatividade nos organismos de coordenação económica, no que respeita às actividades por eles coordenadas, de maneira a respeitar-se o espírito do sistema.
Seria de desejar, porém, que o Governo, com a maior urgência, se debruçasse sobre esta matéria e ultimasse os trabalhos para que foi criada, e há vários anos em funcionamento, a Comissão encarregada de estudar a extinção dos organismos de coordenação económica.
Se a lei preconiza que os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica devam ser constituídos, sempre que possível, pelas secções das corporações, a estas deve competir, dada a sua natureza paritária e enquanto mão entrar em execução aquela lei, a designação dos representantes das actividades.
Isto não pode significar a sobreposição da corporação, em detrimento dos organismos de base ou intermédios, não pode representar a sobrevalorização dos interesses individuais ou de grupo com sacrifício do bem comum; não pode, em suma, sucedendo à divinização do indivíduo - como acontece no liberalismo - ou ao totalitarismo do Estado - como resulta no socialismo -, dar lugar ao «estatismo» da corporação.
O nosso sistema, corporativo deve opor-se não só aos regimes do liberalismo individualista, mas a todas as manifestações de totalitarismo, mesmo as que têm origem na forma corporativa.
Só assim, como afirmou o Presidente do Conselho, somos «fiéis à Constituição Política, não podendo deixar de ser fiéis aos ideais corporativos».
O orador foi muito cumprimentado.

O ;Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Este debate continuará na próxima sessão.
Vou encerrar a sessão, mas antes desejo dirigir a VV. Ex.ªs sinceros votos de feliz Natal e próspero Ano Novo e de que gozem as festas da próxima quadra na paz das vossas famílias e com alegria e satisfação de todos os vossos amigos.
A próxima sessão será no dia 5 de Janeiro, à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade e, eventualmente, início da discussão e votação na especialidade do projecto de lei que estivemos a discutir.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alexandre José Linhares Furtado.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Gustavo Neto Miranda.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.
Miguel Pádua Rodrigues Bastos.

Srs. Deputados que faltaram a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Antão Santos da Cunha.
António Bebiano Correia Henriques Carreira.
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.
Armando Valfredo Pires.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Eugênio Magro Ivo.
D. Custódia Lopes.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.

Página 1236

1236 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.
João Lopes da Cruz.
João Manuel Alves.
João Pedro Miller Pinto de Lemos. Guerra.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
José da Silva.
Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.
Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão:

Requerimento

Requeiro, ao abrigo do § 3.º do artigo 1.º do capítulo I do Regimento da Assembleia Nacional, a seguinte publicação:

Vinte Avios de Defesa do Estado Português da Índia.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 18 de Dezembro de 1970. - O Deputado, Rui de Moura Ramos.

Requerimento

Nos termos regimentais e com vista a poder esclarecer-me e documentar-me para uma eventual intervenção sobre a rentabilidade das obras de hidráulica agrícola e outras grandes obras de fomento agro-pecuário, requeiro que, pelos competentes departamentos ministeriais, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1.º Custos de cada uma das obras de hidráulica agrícola realizadas nos últimos vomite anos, com indicação da área total irrigada e das amortizações previstas para cada uma delas e importâncias que têm estado a ser amortizadas e pagas com a taxa de conservação;
2.º Financiamentos, empréstimos, subsídios e outros auxílios feitos no complexo agro-industrial do Cachão, previsão das suas amortizações e montante das que tenham sido efectuadas, com indicação também do montante dos subsídios não reembolsáveis.
Mais se requer que sobre todas estas realizações sejam fornecidas cópias dos relatórios e despachos acerca da sua rentabilidade e respectiva amortização.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 18 de Dezembro de 1970. - O Deputado, Rui de Moura Ramos.

IMPRENSA NACIONAL

PREÇO DESTE NÚMERO 8$00

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×