23 DE JANEIRO DE 1971 1453
Mas convindo fazer uma referência mais circunstanciada ao problema, começo por me congratular com a aplicação às actividades teatrais e cinematográficas do regime da contribuição industrial. Deve, no entanto, referir-se que noutros países estas actividades beneficiam de isenções ou reduções fiscais mais ou menos expressivas, o que bem se compreende dados a sua feição cultura] e a crise que as afecta. Só para não cansar a Assembleia é que não aludo a alguns dos países em que esse tratamento favorável foi adoptado.
A contribuição industrial vem substituir, no domínio de tais actividades, o imposto único sobre os espectáculos criado pelo Decreto n.º 14396, de 10 de Outubro de 1927, e o adicional sobre esse imposto instituído pelo artigo 5.º do Decreto n.º 46091, de 22 de Dezembro de 1964.
Aceite a ideia da aplicação do regime da contribuição industrial aos espectáculos teatrais e cinematográficos, não deveria a Assembleia tomar quaisquer decisões no sentido de reduzir as taxas ou atenuar as condições desse regime.
O Estado, ao enveredar pelo caminho da substituição do imposto único e do adicional sobre este imposto pela contribuição industrial, terá dado plena satisfação às aspirações das actividades do teatro e do cinema? Só parcialmente, segundo penso. Na verdade, o Estado verificou que, com o novo sistema, as suas receitas anuais seriam afectadas na ordem dos 9000 contos, e tratou de encontrar a compensação numa percentagem do adicional a incidir sobre o preço dos bilhetes. Quer dizer: o sistema, a ser aprovado, não traria as desejadas vantagens para as actividades em causa, pelo que não seria razoável proclamar-se que se fora ao encontro das petições dos interessados.
Mas, do ponto de vista jurídico, esta circunstância não interessa ao que pretendo evidenciar. E o que se pretende evidenciar é que o ónus fiscal, ou seja a percentagem sobre o adicional dos bilhetes, constitui um novo encargo de natureza diferente, quer do actual imposto único, quer da contribuição industrial. E são também diferentes as entidades responsáveis pelo seu pagamento: o imposto único e a contribuição industrial que o substituirá recaem sobre os empresários das casas de espectáculos ou sobre as pessoas que promovam os espectáculo enquanto o adicional sobre os bilhetes, na economia das propostas de lei, onera os espectadores, embora o encargo seja incluído no preço global dos bilhetes.
Já o artigo 10º do Decreto n.º 14 396, de 10 de Outubro de 1927, estabelecia que:
Os empresários de casas ou recintos de espectáculos ou divertimentos públicos ou as pessoas que promoverem esses espectáculos ou divertimentos não poderão cobrar do público, a título de imposto, quaisquer importâncias, ficando sujeitos ao pagamento, como multa, de uma importância igual à do imposto único que tiver sido liquidado pelo respectivo espectáculo ou divertimento quando infringirem este preceito.
No concernente a receita para o Fundo de Socorro Social, os diplomas anuais que sobre ele são publicados continuam a prever que "os empresários dos espectáculos poderão adicionar aos preços dos bilhetes a quota da contribuição a ele afecta". Veja-se, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 47 500, de 18 de Dezembro de 1967, no seu artigo 3.º, § 2.º, que é o que de momento tenho á mão.
Como se vá, no caso da percentagem do adicional sobro os bilhetes que, nas propostas do lei, se pretendo consignar ao Tesouro, a Assembleia pode não aprovar a solução, pois essa sua atitude não "envolve diminuição de receitas do Estado criada por leis anteriores".
Dir-se-á: Mas o Estado, ao enveredar por este caminho, contou com essa compensação, e, por isso, não será justo que a Assembleia deixe de tomar em conta essa posição. Respondo: A Assembleia teve, acima dessa preocupação, esta outra, de se integrar no pensamento mais fundo e mais proclamado das propostas, ou seja, a de fomentar a protecção das actividades teatrais e cinematográficas, com novas estruturas e novos e mais expressivos meios financeiros.
Além disso, pode, desde já, prever-se o aumento da matéria colectável nos próximos anos, pelo que aquela quebra de receitas é momentânea e será em breve ultrapassada pelo aumento do produto da contribuição industrial arrecadado dos espectáculos. Estou mesmo certo de que se se estabelecer uma fiscalização mais racional e apertada, através de diversas providencias, entre as quais a relacionada com o contrate das bilheteiras, em muito subirão as receitas fiscais provindas das actividades em causa.
Ter-se-á querido, de modo indirecto e menos claro, criar uma espécie de imposto de consumo? Se assim é - e embora me pareça que muito se está a exagerar neste domínio e que não é aceitável estender tal imposto aos espectáculos -, o Governo poderá tomar as providências adequadas nesse sentido. Mas seria bom que o fizesse de forma directa e esclarecendo melhor o seu pensamento.
Devo ainda dizer que foi pena não constarem dos preâmbulos das propostas de lei, quer os elementos relativos aos estudos económicos e financeiros feitos pelos serviços oficiais e as repercussões das medidas sugeridas pelo Governo quanto aos novos regimes tributários dos espectáculos, quer os referentes is taxas previstas do adicional e As percentagens da sua distribuição.
E aqui surge outro problema que, já agora, não deve ficar ma penumbra. Refiro-me ao facto de o Governo, nas suas propostas, prever que o adicional a cobrar com o preço dos bilhetes fique dependente, no seu montante, de um "diploma complementar".
Ora, rigorosamente, o montante desse adicional deveria ser fixado pela própria Assembleia, uma vez que, em matéria de impostos, o § 1.º do artigo 70.º da Constituição prevê que é a lei que determinará a sua incidência, as suas taxas, isenções, etc.
Quero admitir que, neste preceito, a palavra lei veia aplicada no sentido material e genérico, abrangendo, por isso, o decreto-lei emanado do Governo. Mas o que não me parece certo é pretender-se que as relações do cinema e teatro sejam reguladas por lei da Assembleia e se reserve, na mesma altura, para decreto-lei uma matéria do maior interesse e que deveria ser tomada em conta numa votação naturalmente carecida de se apoiar em elementos concretos bastantes.
Não foi outra a orientação seguida na Lei n.º 2027, no seu artigo 5.º
Pelo seu interesse, referir-me-ei ainda à evolução dos regimes tributários em matéria de espectáculos, elucidando, antes de mais, que, na economia do Decreto n.º 18 564, de 6 de Maio de 1927, se consideravam incluídos no imposto pago ao Estado "todos os serviços prestados pela polícia e bombeiros durante as horas normais dos espectáculos (artigo 197.º)". Ainda em 1927, 10 de Outubro, o Decreto n.º 14 396 aumenta a taxa do imposto único de 4 para 7 por cento sobre dois terços da lotação.