25 DE JUNHO DE 1971 2231
mais explícitos, destinados a impedir semelhante situação, medida que se justificará pelas razões que passaremos a expor com algum desenvolvimento.
É princípio elementar que o homem, porque vive em sociedade, tem o dever e o direito de nesta desempenhar as tarefas, ou desenvolver as actividades que lhe forem distribuídas, ou atribuídas, de preferência as que mais se harmonizem com a sua capacidade física e intelectual, isto é, com as suas naturais aptidões.
Mas, no exercício dessas, múltiplas actividades, está evidentemente sujeito às exigências da solidariedade social, que se traduz, como é sabido, num conjunto de regras de convivência ordenadamente estabelecidas seguindo a vocação e os ditames da justiça (comutativa e distributiva) e, entre nós, também à luz da «imortal doutrina», que supomos ainda na base da nossa milenária civilização.
Assim, se qualquer membro do corpo social, porque comprometido nessa solidariedade, não pode deixar de se sentir, em consciência, inteiramente responsabilizado na execução da tarefa que foi chamado a desempenhar, há-de igualmente, só por via dessa tarefa, considerar-se credor dos proventos ou vantagens indispensáveis à sua sobrevivência, de harmonia com a sua capacidade, a sua condição e a dignidade da pessoa humana.
A própria solidariedade, com o princípio da divisão do trabalho, ou especialização, para que irreversivelmente se tende, postula que toda a função social, ou profissão, se entenda e defina em termos de auto-suficiência, isto é, isoladamente rentável, e portanto, remuneradora, por si só, do esforço intelectual ou físico que, através dela, se tenha porventura despendido no interesse da colectividade.
Nestas condições, todo aquele que se entrega a uma actividade útil terá, só por isso e independentemente do exercício de qualquer outra, o direito à contrapartida, ou seja, o direito à obtenção dos meios indispensáveis à sua própria mantença - queremos dizer, do seu agregado familiar -, de modo a poder ascender aos benefícios da civilização, em fraterna paridade com os seus semelhantes e de conformidade com o lugar que ocupa na hierarquia social.
Em suma: se é certo que todos devemos trabalhar, já não será legítimo, nem mesmo útil (a especialização aumenta a produtividade), que se exija a qualquer para se manter a prática de mais que uma profissão.
Estes princípios que dominam a ordem social são, como se compreende, sobretudo válidos e dogmàticamente aplicáveis no campo das actividades económicas e, aí, tanto na empresa como na sua administração, ou mão-de-obra de qualquer nível ou categoria.
A sociedade deverá, pois, organizar-se de modo que o sujeito de qualquer actividade económica válida se possa dedicar inteiramente à sua profissão, e dela também exclusivamente viver, como, aliás, está no espírito da nossa lei fundamental.
Reconhecem-se, efectivamente, sem esforço, estas condições de viabilidade (económica e social) nas grandes unidades industriais, ou comercias, e, certamente, também na grande ou latifundiária lavoura, se bem organizada pelas potencialidades que a sua dimensão e estrutura lhe conferem. O volume e as condições de produção de bens serão, aí, de molde a garantir-lhes os necessários rendimentos, capazes de remunerar com suficiência o capital, a administração, a mão-de-obra e também o empresário.
Já o mesmo, todavia, se não dirá da pequena ou média empresa (sobretudo da lavoura), enleada como está em peias de vária ordem, que embaraçam a acção, ou limitam as possibilidades dos seus agentes, os quais constituem, afinal, um grande sector - certamente o maior - das actividades nacionais, ou seja, a chamada «classe média».
Vem tudo isto a propósito de uma embaraçosa recomendação (embaraçosa em nosso entender, evidentemente) que podemos deduzir de algumas disposições, que vêm sendo inseridas na lei de meios e em outros textos oficiais ou oficiosos, segundo as quais, se bem entendemos, os pequenos empresários agrícolas devem procurar na industrialização dos seus produtos o rendimento que, na actual conjuntura, se reconhece não poderem retirar da sua própria empresa.
É que semelhante critério, se generalizado, levar-nos-ia a posições um tanto difíceis de sustentar.
Para sermos coerentes teríamos, então, igualmente, de aconselhar, por exemplo, à indústria de lanifícios, ou têxtil, em épocas de crise, a instalação ou abertura de alfaiatarias, ou casas de confecções de pronto-a-vestir, que lhe restaurassem o perdido equilíbrio financeiro.
E a verdade é que ninguém irá, do mesmo modo, exigir que o produtor cerealífero, para sobreviver, volva moageiro, padeiro e sei lá que mais...
Feitas estas considerações - e assim procedemos mais por necessidade de apoiar o próprio raciocínio do que no intuito de esclarecer o distinto auditório sobre o nosso pensamento nesta matéria - iremos, então, referir-nos a determinadas dificuldades, que, muito particularmente, afligem a pequena lavoura, procurando, ao mesmo tempo, um outro caminho para a resolução dos seus problemas.
Todos sabemos que a pequena exploração agrícola ou pecuária tem sido e continua a ser a menos compensadora das actividades económicas, vivendo a grande massa dos pequenos agricultores em quase permanente regime deficitário.
Esta situação representa, porém, no conjunto dessas actividades, uma anomalia grave, que se vem protelando e urge remediar, pois que, além do mais, nega todos os princípios de solidariedade acima referidos.
Os produtores agrícolas (pequena e média lavoura, entenda-se) vêm, na verdade, exercendo uma actividade que as mais das vezes é colocada, deliberada e conscientemente, era situação deficitária, subtraindo-se-lhe todas as possibilidades de obtenção do justo lucro.
De vária ordem são as causas que levam a semelhante conjuntura. Vamos, no entanto, enumerar e analisar as principais, que o serão, já se vê, segundo a nossa medida de valores.
Antes, porém, de o fazermos, importa dar aqui por resolvido um outro problema básico, já decorrente do que deixámos dito - o de saber se deve ou não manter-se e fomentar-se a pequena e a média empresa (em geral, a pequena ou média propriedade), isto é, se deverá subsistir entre nós a chamada «classe média» como elemento fundamental e, desse modo, imprescindível na contextura da nossa comunidade política.
Não hesitaremos na afirmativa, com duas sóbrias palavras de justificação.
Uma estrutura económica que, por selecção natural, ou de outra forma, viesse a alicerçar-se apenas em macro-empresas privadas, designadamente de sinal monopolista, com os meios de produção e outros exclusivamente concentrados nas mãos de alguns indivíduos (necessariamente poucos) e a técnica e o trabalho nas mãos de todos os demais, tomaria naturalmente, nessa fase, o aspecto de uma incómoda oligarquia (a potência económica dita sempre ou quase sempre a fórmula política) que, a breve trecho e no desencadear de uma série de fenómenos que levam à inversão das forças sociais em jogo, ou à subver-