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26 DE JUNHO DE 1971 2243

portância do tema e da gravidade da hora em que vivemos, para deixar, apesar do perfeito conhecimento das minhas limitações nesta matéria, de defender o melhor que posso e que sei aquelas soluções que entendo as melhores para o bem presente e, sobretudo, futuro deste País. Não quero que a consciência, supremo juiz dos meus actos, me acuse um dia de ter faltado, nesta hora, que bem pode ser decisiva, as responsabilidades que me cabem por ter agora assento aqui nesta Assembleia.
Uma constituição, selado a estrutura jurídica fundamental de uma sociedade política, não pode ser uma construção teórica e abstracta, mas, ao contrário, tem de revestir uma realidade social bem concreta e, naturalmente, evolutiva. Por isso me pareceu de algum interesse trazer a VV. Ex.ªs algumas breves e desvaliosas considerações sobre a sociedade em que vivemos, e sobre elas assentar a minha posição nesta apreciação na generalidade da proposta e dos projectos em discussão.
A sociedade portuguesa tem vindo a sofrer profundas e rápidas modificações. Mostram as estatísticas, e mais não fazem do que dar expressão quantitativa à evolução que todos comprovamos, que os nossos campos se vão despovoando daquele excesso de população que há bem poucos anos neles vivia. Aquela sociedade agrária tradicional, fortemente patriarcal e hierárquica, vivendo à sombra e sob a influência do presbitério, vegetando em economia de subsistência e suportando com resignação os azares de uma vida sem horizontes, vem-se sumindo rapidamente. E essa evolução é irreversível, por muito que pese aos que viam nessa sociedade o paradigma da vida calma e feliz, esquecendo-se de que atrás dessa fachada de bucolismo poético se escondia muita privação material e forte dose de menoridade humana e civil. Tem sido a industrialização e, com ela, a chamada das populações, antes rurais, à cidade apontadas como as causas imediatas destas mudanças. Mas na base, e como motor principal, creio bem estar sobretudo uma tomada de consciência de que há outros mundos além da aldeia natal e de que é possível enjeitar uma atitude passiva e tentar cada um construir o seu próprio futuro. Os poderosos e penetrantes meios de comunicação social, a emigração e mesmo a guerra que suportamos em África, com a deslocação de tantos soldados a que obriga, levam a todos os recantos, mesmo os mais afastados, o conhecimento desse outro mundo, com todas as portentosas maravilhas científicas e tecnológicas que consegue realizar e com um grau de desenvolvimento económico e social diferente do nosso. Como consequência, e simultaneamente também como causa motora dessa transformação, surge-mos ainda o fenómeno da escolarização. Massas cada vez maiores de estudantes, muitos dos quais, quando as condições se lhes proporcionam, fora já da normal idade escolar, acorrem às nossas escolas oficiais e particulares, desejosas de promoção por meio da cultura e do saber. Não é minha intenção, e disso tranquilizo já VV. Ex.ªs, procurar fazer uma análise sociológica da situação, mas Apenas tirar algumas necessárias ilações políticas.
Na sociedade agrária tradicional, o homem vive enquadrado em meio muito pequeno, com um quadro de valores muito estável, dominado por um culto profundo da autoridade do notável da terra, seja essa posição resultante da situação económica ou social ou do prestígio cultural ou político.
Por outro lado, a actividade agrícola subordina muito o homem às forças naturais, e esse facto não estimula a sua iniciativa, mas abafa-a e imprime-lhe uma mentalidade fortemente fatalista. Ao contrário, a sociedade industrial, projectando-o em meios maiores, desenquadra-o; sendo muito menos rígida e estratificada, dá-lhe outras oportunidades de acesso e de promoção, e o tipo de actividade que exerce marca muito mais as possibilidades de iniciativa do homem.
É essa nova sociedade, mais culta e mais consciente de si própria e dos seus interesses e, por isso mesmo, pouco inclinada a aceitar soluções paternalistas e a passar chequeis em branco por período indefinido, que surge na realidade portuguesa. Que resposta se vai dar e esse é o ponto fundamental, ao seu desejo de participar na construção do seu próprio futuro colectivo?
E aqui projecta-se logo um dos principais pontos contemplados «o projecto n.º 6/X, de que fui subscritor-eleição do Chefe do Estado. Já aqui foi salientado com todo o rigor jurídico, e isso dispensa-me de acrescer seja o que for a este respeito, a posição ímpar do Supremo Magistrado da Nação, os seus amplos poderes e a sua indendência perante os restantes órgãos de soberania.
Por isso, entenderam os subscritores do projecto referido, dada a proeminência e a independência que o Presidente da República assume na nossa Constituição, que a sua forma de eleição deveria voltar a ser feita pela Nação, através do sufrágio directo de todos os cidadãos eleitores. Tem sido repetidas vezes afirmado, já na última revisão constitucional e nesta que está ai decorrer, que também o sufrágio orgânico que agora vigora: é expressão da Nação, e até melhor ainda que o anterior, visto nos regermos por um regime corporativo, e estas afirmações têm sido assistidas por vastos e eloquentes argumentos de impecável sabor jurídico.
Confesso não me terem, porém, convencido, talvez devido à minha ignorância de direito constitucional, mas a larguíssima maioria dos cidadãos portugueses está exactamente nas minhas condições, e repito aqui a afirmação, durante a discussão de revisão constitucional de 1959, do Sr. Deputado José Saraiva, tantas vezes e tão justamente aqui citado:

Não basta que se diga que é a Nação que elege o Chefe do Estado; também é necessário que ai Nação sinta que o Chefe do Estado é eleito por ela.

Perfilho esta posição, não me tendo podido aperceber - e muito ao Contrário -, e VV. Ex.ªs certamente também não, que o sentimento popular seja o de se considerar participante, ainda que indirecto, na eleição do Supremo Magistrado da Nação.
E estaria o Governo que propôs a alteração da forma de eleição do Chefe do Estado convencido de que era realmente a Nação que continuava a eleger, no então novo regime de sufrágio orgânico? Não era isso patente, pelo menos com clareza, na proposta, que dizia textualmente:

O Chefe do Estado é o Presidente da República eleito por um colégio eleitoral, etc...

Essa fórmula foi objecto de uma proposta de modificação no parecer n.º 10/VII da Câmara Corporativa, nos seguintes termos:

A Câmara entende que poderia continuar a dizer-se como até aqui que o Chefe do Estado é o Presidente da República eleito pela Nação...

e prossegue adiante:

... é ainda a Nação que continua a eleger o Chefe do Estado - e, se a visão ou concepção corporativa é exacta, elege-o em termos da maior autenticidade.