O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2446 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 120

brearam com a metrópole, e, no entanto, excluído um triste parêntesis de perseguição aos nossos católicos, sempre naquelas terras, das mais belas de Portugal, imperou a liberdade religiosa sem quaisquer peias.
Talvez, por isso mesmo, aquela boa gente continue, teimosa e livremente, a querer ser portuguesa, a falar a nossa língua, a ensinar aos filhos a nossa história, a seguir os nossos costumes, e continue ligada a Portugal pelo coração e pelo espírito, o que é muito mais do que por razoeis de direito. Este postergasse e viola-se. A crença e a fé são sempre livres em qualquer prisão e sob qualquer tirania.
O facto positivo dos portugueses de Goa, Damão e Diu quererem, por eles mesmos, continuar a ser portugueses e como tal se considerarem, deve-se, sobretudo, ao respeito que sempre o Estado teve pela religião daquele povo, não distinguindo as pessoas pelo culto que professavam.
A liberdade religiosa só pode ser entendida se o Estado não favorecer um culto só pelo facto de neste estar interessada a maioria.
Um país multirracial, heterogéneo, mas politicamente uno, um país constituído por elementos étnicos professando religiões diferentes não pode adoptar apenas uma destas, só porque é praticada tradicionalmente pela maioria, relegando para segundo plano as outras, embora as respeite e lhes dê liberdade.
Por isso a comissão eventual propõe a redacção do n.º 1.º da base II:

O Estado não professa qualquer religião e as suas relações com as confissões religiosas assentam no regime de separação.

Para mim, Deus é só um, é um Ser Supremo, acima e independente das práticas religiosas, e não me parece aceitável que se tenha por melhor uma doutrina religiosa só por ser tradicional e com mais prosélitos, o que não quer dizer que de facto não seja a melhor.
Filho de famílias que seguem a religião hindu e que nunca traíram Portugal, casado com uma mulher católica, não interessa aqui dizer qual a minha religião, ou se de facto sigo alguma.
Mas importa pôr de parte eufemismos e claramente dizer que até há bem pouco tempo os católicos no nosso país, com excepção da Índia Portuguesa, sempre foram privilegiados, distinguidos e se consideravam como de uma casta superior. Importa dizer que quem não fosse católico ou se não dissesse católico era preterido até em lugares públicos e os seus filhos mal vistos nas escolas. Tinha-se medo de dizer que se não era católico. O não se ser católico era princípio para quase se ser acusado de mau português.
Sem lirismos nem mantos de fantasia, a verdade era esta.
É para os maus católicos ou pseudocatólicos que proliferam por este País fora, julgando reunir em si todas as virtudes só porque de católicos se rotulam, que daqui apelo para que sigam a verdadeira lei de Cristo, os princípios do Evangelho e abram fraternalmente o coração a todos os portugueses, sem cuidar do culto da sua religião, mas que são tão portugueses com os bons católicos, com as mesmas virtudes e defeitos.
Defendo, sem omissão, a neutralidade do Estado em matéria de religião, dando a todas as religiões a mesma liberdade, dentro dos princípios definidos na base VIII da proposta de lei que ora se vai discutir.
Sr. Presidente: Sob as preocupações que procurei aqui reproduzir e defender votarei segundo a proposta do Governo, ponderadas as doutas sugestões e emendas da comissão eventual da Assembleia de que tive a honra de fazer parte.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Talvez valesse a pena, nesta breve análise da proposta da lei em debate, começar por resumir a história da liberdade religiosa em Portugal nos últimos 150 anos.
Entender-se-ia melhor o sentido e o objectivo de alguns, que, sob o pretexto de desenfeudar a Igreja de compromissos sociais - quando vai longe o antimoderne, e ultramoderne de Jacques Maritain -, pretendem enfeudá-la a esquerda, atirando os fiéis e as suas associações de apostolado e formação contra os poderes constituídos.
A promoção social, a dignificação da pessoa humana, e quantas justas aspirações postulam o pensamento e a acção de todos os homens que em todos os quadrantes se esforçam por erguer um inundo melhor, pressupõem, para esses, certo cunho de pretensa vernaculidade, que chega a roçar às vezes pela fronteira da foice e do martelo.
Há certo paralelismo entre um tal compromisso e aquela liberdade de consciência, em nome da qual a Lei da Separação, num sinistro tartufismo, veio, em 1911, completar os assassínios de padres, a expulsão e discriminação social de religiosos dos dois sexos, com o ataque cerrado à crença católica a expoliação da Igreja e a restrição ou proibição do culto católico.
O objectivo disto, que se fez em nome do mito da liberdade contra a consciência católica da Nação, a qual, na lei dos números - tão valorizada por alguns -, é constituída por uma maioria esmagadora de católicos, havia de ficar simbolizada na frase que se atribui a um dos corifeus da 1.ª República na sessão magna da maçonaria em 26 de Março de 1913, segundo o jornal contemporâneo O Tempo:

Está admiravelmente preparado o povo português - dizia - par receber essa lei e a acção da medida será tão salutar que, em duas gerações, Portugal terá eliminado completam ente o catolicismo que foi a maior causa da desgraçada situação em que se caiu.

Mas prefiro não falar do passado, porque os antepassados da 2.ª República vêm de muito longe, por muito que isso pese às pessoas de boa vontade que insistem em dizer que não há passado, ou persistem em localizar a contemplação dos erros dos homens, à parte negativa dos últimos quarenta anos do País.
Compensada a intolerância religiosa da 1.ª República em relação à igreja católica com a Concordata, que permitiu a liberdade e dignificação da mesma igreja em Portugal, vem agora a lei da liberdade religiosa definir e coordenar, no plano da legislação, as liberdades que, de facto, as confissões religiosas não católicas há muito usufruem em Portugal.
Como católico do meu tempo, e como português, congratulo-me porque finalmente se legisle em ordem a dar direitos de cidade no plano jurídico às confissões e disciplinas religiosas que não são as minhas e aos que com elas chegaram a uma verdade religiosa à qual são fiéis e coerentes na vida.
Cabe agora, e aqui, resumir o conceito de liberdade religiosa. Socorro-me para certos aspectos negativos do texto do primeiro esquema do estudo pré-conciliar que se sucedeu ao documento de Friburgo e veio concretizar-se na declaração Dignitatis Humanae.