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23 DE JULHO DE 1971 2547

vas apropriadas que mantenham as vantagens e eliminem os inconvenientes. E impõe também - e entro agora concretamente na matéria em debate - que seja ciosamente defendida a independência do Poder Judicial, independência esta considerada em duas linhas: a da sua competência exclusiva no julgamento e penalização das infracções às leis e a da não interferência dos governos na constituição dos tribunais.
Na defesa da sociedade contra abusos (isto é, maus usos) do exercício das liberdades cívicas há que distinguir dois momentos, duas competências, dois planos:

1) Intervenção rápida da responsabilidade superior dos governos, em ordem a fazer desde logo cessar esse abuso;
2) Intervenção ulterior da responsabilidade dos tribunais judiciais, visando julgar se houve ou não abuso e, no caso afirmativo, atribuir as penas adequadas.

Esta doutrina deve, portanto, aplicar-se também aos abusos a pretexto do exercício da liberdade religiosa, e muito particularmente quando se trata de penalização que retira o reconhecimento jurídico a uma organização religiosa, decisão cuja gravidade é despiciendo explicar aqui. Acresce que o julgamento pode ser difícil, pois nem sempre será singelo comprovar que determinada actividade é estranha ao fim próprio de uma confissão religiosa (encíclicas sociais, Gaudium et spes).
A atribuição ao Governo do poder de julgar e decidir a revogação do reconhecimento de uma confissão religiosa pode levar a arbítrios da Administração e à perda de confiança na garantia consignada na base I, coarctando-se, assim, na prática o que na teoria se quer defender.
Que o Governo, como lhe compete, vigie e detecte. Mas que sejam os tribunais judiciais a julgar.
Creio ter justificado por que subscrevi a redacção proposta para a base X pelo Sr. Deputado Sá Carneiro, a quem deixo as objecções do Sr. Deputado Miguel Bastos.
E termino estas já longas considerações aplicando à matéria em debate o que a propósito da liberdade de imprensa declarou, no seu voto de vencido ao parecer da Câmara Corporativa, o Digno Procurador Henrique Martins de Carvalho:

[A liberdade religiosa] está tanto melhor assegurada, num Estado de direito, quanto mais as condições sócio-políticas e sócio-culturais permitem ampliar a área de jurisdicionalização em detrimento das decisões tomadas por via administrativa.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: Essencialmente, a alteração proposta visa retirar ao Governo a competência para a revogação do reconhecimento, para a conferir aos tribunais. E também a condicioná-la a que: se mostre uma organização, como tal, seja responsável pela violação, etc. Parece-me esta última redacção preferível à proposta do Sr. Deputado Sousa Pedro. Visto que afasta os inconvenientes apontados pelo Sr. Deputado Miguel Bastos quanto a ter de se aguardar uma prática sistemática de actos. Mas, parece-me indispensável consignar que seja a organização, como tal, a responsável pela violação do disposto na base viu e pela actuação ilícita, e não apenas os simples fiéis.
Quanto à atribuição da competência para a revogação do reconhecimento: poderia pensar-se que estando esta matéria Intimamente relacionada como o conteúdo proposto para a base viu, a votação feita sobre esta última prejudicaria a alteração proposta para a base X. Estava efectivamente em grande parte relacionada uma matéria com a outra. Mesmo assim, apesar do teor actual da base VIII, parece-me indispensável que seja adoptada a redacção que propomos. Opõe-se a isto que, sendo o reconhecimento um acto de concessão do Governo, só pelo Governo poderia ser revogado, visto que não estão em causa normativos. Em si, o reconhecimento não é propriamente um acto de concessão. O Governo nada concede, reconhece um direito; limita-se a verificar um certo número de pressupostos, necessários para que seja garantida uma mais ampla e institucionalizada liberdade religiosa às confissões. Mas é certo que o reconhecimento dos pressupostos é feito por acto do Governo, acto administrativo. O que já não é exacto é que a revogação do reconhecimento ponha em causa apenas aqueles pressupostos que levam ao reconhecimento. O que está em causa, essencialmente, no reconhecimento, é a salvaguarda do interesse da Administração, quanto à verificação dos pressupostos enumerados na base IX. E compreende-se que os interesses da Administração sejam defendidos por esta, sobre a fiscalização dos tribunais administrativos.
Mas a revogação de um reconhecimento não surge apenas quando se não verifiquem aqueles pressupostos, visto que, na própria redacção da base X, constante da proposta do Governo, ele será revogado quando «a organização é responsável pela violação da base VIII, actua por meios ilícitos ou se dedica a actividades estranhas aos fins próprios das confissões religiosas». Basta atentar na actuação por meios ilícitos, para se ver que o que aqui está em causa são preceitos normativos da lei geral, em especial da lei penal. E teremos o absurdo de ver o Governo julgar da infracção da lei penal, decidir sobre a aplicação da mesma. Quem é que decide que os actos são ilícitos, para efeitos de reconhecimento? Pois, tal como está redigida a proposta do Governo, parece que é o próprio Governo.
Estão em causa, portanto, normativos; estão em causa interesses fundamentais das pessoas, e não, exclusivamente, interesses da Administração. Essa me parece ser a razão essencial por que não se pode confiar ao Governo a revogação do reconhecimento.
Não são apenas os interesses da Administração que estão em causa, mas sim os interesses, os direitos e as liberdades das pessoas.
Como conciliar, pois, os interesses da Administração e os das pessoas?
Afigura-se-me que só uma forma é possível e, nesse sentido, se propôs uma nova redacção para esta base X. Ao Governo competiria assegurar a defesa dos interesses da Administração, pela iniciativa que tomasse do pedido de revogação do reconhecimento. Aos tribunais competiria decidir da aplicação da lei e da defesa dos interesses das pessoas e da sua equacionação com os interesses gerais, através da decisão de revogação do reconhecimento.
Só assim se poderão conciliar, devidamente, os interesses, direitos e liberdades das pessoas com os interesses da Administração.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base X, segundo o texto da proposta de lei e das emendas pendentes na Mesa.