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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.° 140 ANO DE 1971 20 DE NOVEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

X LEGISLATURA

SESSÃO N.° 140, EM 19 DE NOVEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Carlos Monteiro do Amaral Netto

Secretários: Ex.mos Srs.

João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

Amílcar da Costa Pereira Mesquita

SUMÁRIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 16 horas.

Antes da ordem do dia. — Foi aprovado o n.º 138 do Diário das Sessões.

Foi presente à Assembleia, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, o Decreto-Lei n.º 502/71.

O Sr. Deputado Cunha Araújo referiu-se à inexactidão da noticia dada por um jornal diário quanto à resolução tomada pela Assembleia relativamente a actos subversivos ocorridos nalgumas partes do território nacional, que foi unânimemente reconhecida por todos os Deputados presentes, e não apenas por alguns, como noticiara o referido jornal.

O Sr. Deputado Almeida Cotta ocupou-se de alguns acontecimentos que têm suscitado ás atenções gerais e o especial interesse do Governo.

O Sr. Deputado Moura Ramos tratou dos benefícios do alargamento do ensino a maior número de meios populacionais e das implicações dai resultantes.

O Sr. Deputado Correia das Neves referiu-se à morte do major Lobo da Costa, enaltecendo a folha de serviços prestados ao País por aquele oficial, nomeadamente no campo militar e desportivo.

O Sr. Deputado Oliveira Dias, a propósito das comemorações do 3.° aniversário da posse do Sr. Prof. Marcelo Caetano como Presidente do Conselho, fez considerações quanto ás formas de colaboração e participação de todos os portugueses na resolução dos problemas nacionais.

O Sr. Deputado Gaspar de Carvalho referiu-se ao significado da recente visita do Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência ao distrito da Guarda e à primeira romagem a Macau, realizada em Setembro último, por iniciativa da Casa de Macau em Lisboa.

O Sr. Deputado Alberto de A lar cão lamentou a exigência do reconhecimento por notário da assinatura dos pais dos alunos inscritos no ensino liceal, acentuando os seus inconvenientes.

Ordem do dia. — Na primeira parte foi tornado definitivo o texto elaborado pela

Comissão de Legislação e Redacção relativo ao decreto da Assembleia Nacional sobre a protecção do cinema nacional no Pimenta Serras e Silva Pereira da Costa Pereira Mesquita

Na segunda parte concluiu-se a apreciação da Convenção sobre Igualdade dos Direitos c Deveres entre Brasileiros e Portugueses, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Gonçalves de Proença, Henrique Tenreiro, Júlio Evangelista e Magalhães Mota.

Sobre esta Convenção foi aprovada uma proposta de resolução subscrita por vários Srs. Deputados.

Foi convocada a Comissão de Legislação e Redacção para dar a última redacção ás resoluções votadas nesta e na anterior sessão.

O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 17 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Vaz Pinto Alves.

Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

Álvaro Filipe Barreto de Lara.

Amílcar da Costa Pereira Mesquita.

António Bebiano Correia Henriques Carreira.

António da Fonseca Leal de Oliveira.

António Lopes Quadrado.

António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.

Armando Júlio de Roboredo e Silva.

Armando Valfredo Pires.

Bento Benoliel Levy.

Carlos Monteiro do Amaral Netto.

Delfim Linhares de Andrade.

Delfino José Rodrigues Ribeiro.

Eleutério Gomes de Aguiar.

Fernando David Laima.

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Fernando Dias de Carvalho Conceição.

Fernando do Nascimento de Malafaia Novais.

Filipe José Freire Themudo Barata.

Francisco António da Silva.

Francisco Correia das Neves.

Francisco Esteves Gaspar de Carvalho.

Francisco João Caetano de Sousa Brás Gomes.

Francisco Manuel de Meneses Falcão.

Francisco de Moncada do Casal-Ribeiro de Carvalho.

Gabriel da Costa Gonçalves.

Gustavo Neto Miranda.

Humberto Cardoso de Carvalho.

João Bosco Soares Mota Amaral.

João Duarte de Oliveira.

João José Ferreira Forte.

João Manuel Alves.

João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

Joaquim Carvalho Macedo Correia.

Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.

Joaquim Jorge Magalhães Saraiva da Mota.

Joaquim de Pinho Brandão.

José Coelho de Almeida Cotta.

José Gabriel Mendonça Correia da Cunha.

José João Gonçalves de Proença.

José Vicente Cordeiro Malato Beliz.

Júlio Alberto da Costa Evangelista.

Júlio Dias das Neves.

Luís António de Oliveira Ramos.

D. Luzia Neves Pernão Pereira Beija.

Manuel de Jesus Silva Mendes.

Manuel Martins da Cruz.

Manuel Monteiro Ribeiro Veloso.

Manuel Valente Sanches.

Olímpio da Conceição Pereira.

Pedro Baessa.

Prabacor Rau.

Rafael Ávila de Azevedo.

Rafael Valadão dos Santos.

Raul da Silva e Cunha Araújo.

Ricardo Horta Júnior.

Rogério Noel Peres Claro.

Rui de Moura Ramos.

Rui Pontífice Sousa.

Teodoro de Sousa Pedro.

Tomás Duarte da Câmara Oliveira Dias.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 63 Srs. Deputados.

Em período de antes da ordem do dia está, pois, aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: — Não há expediente na Mesa para ler hoje a VV. Ex.as, salvo o que adiante vou especificar.

Entretanto, poderia pôr em reclamação o n.º 138 do Diário das Sessões.

Se nenhum de VV. Ex.as solicitar à Mesa mais tempo para considerar esse Diário das Sessões, pô-lo-ei efectivamente em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Está em reclamação o n.º 138 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Como nenhum de VV. Ex.as deseja usar da palavra para apresentar reclamações ao n.º 138 do Diário das Sessões, considero-o aprovado.

Enviado pela Presidência do Conselho está na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, o Diário do Governo, n.° 271, de 18 do corrente mês, que publica o Decreto-Lei n.º 502/71, que insere disposições relativas à classificação, protecção e exploração das albufeiras de águas públicas.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Araújo.

O Sr. Cunha Araújo: — Sr. Presidente: E apenas para a manifestação de um desejo.

Tendo acabado de ler, em título destacado, num jornal diário de hoje, que a resolução ontem tomada nesta Assembleia Nacional quanto ás persistentes ocorrências de actos subversivos graves em algumas partes do território nacional fora reconhecida apenas por alguns Deputados, é meu desejo que fique consignado na acta da sessão de hoje que, como pude pessoalmente observar, a votação do seu reconhecimento foi unânime, sendo visivelmente grande o número dos Srs. Deputados presentes.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Almeida Cotta: — Sr. Presidente: Ao iniciar-se a 3.a sessão desta Legislatura, não se nos afigura ocioso aludir em breve resenha a alguns acontecimentos que vêm suscitando as atenções gerais e a que o Governo tem dedicado especial interesse.

Na realidade, nada do que se passa no País nos domínios da sua administração nos pode deixar indiferentes, quer como Deputados, quer como cidadãos. Nesta última qualidade, porque estamos automática e implicitamente ligados à sorte da comunidade a que pertecemos, e, como Deputados, porque temos, para além disso, a obrigação de seguir com cuidado a marcha dos negócios públicos, pois também nessa matéria esta Casa tem as suas responsabilidades.

Não somos, com efeito, uma força passiva e, muito menos, simples espectadores ou meros zeladores da actividade pública; antes participamos muitas vezes como agentes directos no processo administrativo e governativo, através do exercício das faculdades legais que nos são atribuídas, e, em qualquer caso, estamos indissoluvelmente ligados aos outros órgãos do Estado, pois a divisão dos poderes estatais não quebra nem dissolve a solidariedade básica que os une: todos beneficiam e em todos se reflecte o comportamento de cada um.

O bem-estar e a saúde dos homens, como dos povos, dependem efectivamente do regular funcionamento dos organismos vitais no seu conjunto, e não apenas de alguns.

Sr. Presidente: Como já tem sido dito e redito, atravessamos uma época em que as circunstâncias da vida nacional nos exigem redobrado trabalho e um espírito de disciplina, de civismo e de sacrifício a tal ponto elevado, que quanto mais pesada for a cruz, mais leve a consideremos, pois só assim se criam as resistências morais inabaláveis.

Os Srs. Deputados recentemente regressados do ultramar certamente verificaram in loco, como resulta das eloquentes declarações do nosso colega Ávila de Azevedo, o estoicismo daqueles que mais de perto vivem o calvário de populações que, desejando a paz, lutando pela paz, vêem os seus desígnios frustrados sem saber porquê.

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Sem saber por que razão cada um em sua casa terá de sofrer as incontinências, as ambições, as megalomanias de alheias gentes; sem saber por que estranhos malabarismos se transforma uma zona pacífica do Mundo, onde o progresso poderia realizar maravilhas, numa fogueira, cujas labaredas apagaremos com certeza, sem, contudo, evitar os danos que vão causando e, sobretudo, as vidas que vão roubando.

O ontem sem o hoje e o hoje sem o amanhã não têm sentido. Ora, nós, para mantermos os elos que històricamente moldaram a comunidade portuguesa, aguentaremos esta cruz enquanto for necessário, enquanto se não cansem as fontes que alimentam os nossos adversários.

Para tanto, o País continua como uma muralha à volta do seu Governo, disposto a segui-lo na defesa de um património sagrado, cuja legítima proveniência ninguém discute, cujo destino só a nós compete marcar.

E bem preciso é manter, na frente e na retaguarda, esse espírito indomável, essa vontade forte de vencer, para que não haja ilusões quanto aos nossos propósitos e à nossa determinação.

Vão-se alguns anéis, porventura, mas ficam os dedos, embora, na verdade e a despeito de tudo, os próprios anéis possam continuar nos dedos, mercê do enorme esforço desenvolvido no campo económico, social e cultural, permitindo boas esperanças da gradual melhoria do nível de vida de cada um. Assim tem acontecido e assim continuaremos, forçando a criação de novas fontes de riqueza, apesar das avultadíssimas despesas com a defesa das fronteiras africanas. Mas se tivéssemos que optar, apertaríamos o cinto sem qualquer espécie de hesitações.

Alguns pensarão que tudo isto não passa de palavras cheirando ao bafio de velhas arcas onde se guarda o espólio precioso de valores que se irão esboroando diante da terrível ofensiva de um impante materialismo ateu e revolucionário, levando de vencida as consciências da gente ordeira e temente a Deus.

Mas não creio que seja assim. Não são só palavras, mas todo um corpo de doutrina, cujo maior mérito, afinal de contas, é o de estar bem mais perto do que qualquer outro das realidades humanas e das suas supremas aspirações e necessidades.

Poderia alinhar números estatísticos uns atrás dos outros para demonstrar como tem crescido a riqueza e aumentado o nível de vida.

Aliás, sempre se curou do bem-estar geral que não é conquista de mal avisados arautos que por aí andam semeando aterradores preceitos e drogas, em demanda da felicidade terrena à margem de quaisquer limitações e perfeitamente indiferentes à ideia do bem e do mal. Ora a questão — a maior e a mais grave — consiste precisamente em não confundir o bem e o mal.

Uma coisa é formar o homem no culto da virtude e da honra, promovendo a sua ascensão espiritual e certamente também a social e económica, outra é esculpi-lo como bezerro de ouro, esquecendo as suas origens e o seu destino. Uma coisa é forjar uma sociedade onde possam surgir exemplos de heróis e de santos, outra chafurdar na massa movida por instintos incontroláveis.

A coexistência de sociedades políticas dirigidas por sistemas opostos é possível dentro de certos limites, mas nenhuma concepção de vida resistirá à redução do homem a um mero factor de consumo ou a uma máquina de trabalho, e daí a exigência de um fundo de ideal a informar e a formar o comum das pessoas, a imperiosa necessidade de o progresso se operar no respeito dos valores morais.

Mas como ia dizendo, é notável o esforço feito no sentido de revitalizar e acelerar os meios de produção no espaço nacional.

Também aqui as estatísticas poderiam dar-nos a imagem exacta, mas árida, dos números comprovativos do avanço no sector privado, singrando, ainda que lentamente e nalguns casos com sérias dificuldades, como acontece no início das arrancadas ou das profundas modificações estruturais.

O sector público, por outro lado, dá inequívocos sinais de força e de confiança, numa escala de grandeza invulgar no nosso meio. Para o demonstrar basta recordar a recente conversa em família do Sr. Presidente do Conselho, que nos deu um elucidativo apontamento sobre a actividade do Governo nos últimos dois meses e dos enormes investimentos destinados à realização do plano rodoviário e das indústrias de base, à educação, à habitação, aos transportes, à energia eléctrica, de que salientamos o colossal empreendimento de Cabora Bassa, tudo isto mercê de uma gestão financeira que já fez escola entre nós. Ainda neste domínio registamos a regularização dos pagamentos interterritoriais, que clarificaram o ambiente em que se movem as transacções no território português.

Mas eis que surge o cancro das economias em processo de aceleração, e quem sabe também se no da recessão, o fantasma do círculo infernal da inflação, espinho cravado no corpo económico do País.

Eis que surge mundialmente o espectro de um fenómeno tanto mais grave quanto mais se insinua e infiltra devido ás eufóricas ilusões que geralmente o acompanham. A pressão exercida sobre o consumo parecerá ás vezes traduzir, realmente, uma situação de desafogo e abastança. Mas a breve trecho damo-nos conta de que nem sempre quem compra paga e que aquilo que hoje, se adquire com o produto de certo trabalho exige, no dia seguinte, mais tempo de trabalho para comprar o mesmo produto. E, entretanto, as forças produtoras perdem diàriamente a sua capacidade competitiva na galopada incessante dos preços e dos salários. Ao fim e ao cabo, ninguém lucra.

O Governo travou já o combate para deter essa marcha diabólica.

Nesta como noutras batalhas haverá estrategos paira todos os gostos.

Mas, se é certo que a apreciação e a discussão dos problemas é índice desejável do interesse pela administração pública, não é menos verdade que as soluções resultam das medidas que se tomem e da forma como sejam executadas e cumpridas. Quer isto dizer que, se discutir e apreciar é bom sinal de cultura e até de civismo, a adesão e a receptividade ás decisões legítimas é o melhor e o mais inequívoco sintoma da verdadeira maturidade.

Não devemos, com efeito, agravar aquilo a que já se chamou a crise de obediência, melhor dizendo, da verdadeira participação da colectividade na realização do bem comum, porque, se eternizamos as dúvidas e as discussões, as contestações e as polémicas, então nada de útil se fará.

E aqui chego a um outro ponto sobre o qual desejaria fazer alguns comentários.

Efectuaram-se há pouco no País as eleições para as juntas de freguesia.

Qualquer observador imparcial pode ter verificado a ordem e a compostura com que decorreram. Mas, para além disso, e não obstante a consulta ás urnas em toda a parte parecer revelar algum desapego por banda do

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eleitorado, particularmente quando não é precedida de doentias propagandas, tivemos a consoladora satisfação de ver como por esse País fora os eleitores se mostraram animados de um verdadeiro e salutar espírito de compreensão face aos interesses da política local e nacional. É evidente a aragem vivificadora que se desencadeou.

Essa consulta veio confirmar, a nosso ver, as conclusões que devem tirar-se da última eleição para Deputados à Assembleia Nacional.

Antes do mais, convém sublinhar que se nem todos alinhamos no mesmo pensamento político, todos somos portugueses e, nessa medida, o Estado, sejam quais forem as correntes predominantes que detenham o Poder, não deve discriminar na protecção e na defesa devida ao cidadão, salvo quando este transgride a ordem jurídica estabelecida.

Mas, se uma enorme maioria apoia o Governo, o seu programa de acção e os princípios que lhe servem de base ideológica; se essa força se mantém dia a dia mais vigorosa, porque corresponde aos interesses da Nação, aceites por ela própria na real expressão do seu eleitorado e no reconhecimento da fidelidade com que são interpretados e garantidos por quem tem a responsabilidade da chefia do Estado e do Governo — descurar a defesa inflexível da ordem estabelecida seria, sem dúvida, também grave discriminação contra a maioria dos portugueses.

Acrescento apenas mais um comentário:

E sobre realizações como as que sumàriamente apontei, pressupondo métodos de trabalho fecundo e probo e ditadas pelos interesses permanentes da comunidade portuguesa, que se pode fazer uma política de verdade, uma política de progresso, uma política autênticamente nacional, dirigida a todas as pessoas de boa vontade.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já por mais de uma vez que nesta Assembleia tivemos a oportunidade de chamar a atenção do Governo para os mais instantes problemas do ensino no distrito de Leiria, que aqui temos a honra de representar.

E manda a verdade dizer que tais problemas têm merecido o melhor acolhimento e carinho por parte dos governantes, facto este com que gostosamente me congratulo e a Câmara certamente também.

E pana causar admiração e estranheza era se de outro modo acontecesse, porquanto, e como é sabido, os problemas da educação e do ensino inquietam sobremaneira o mundo de hoje, dominando sèriamente as preocupações de governantes, professores, pais e estudantes.

Na verdade, constituis hoje em dia, um dos objectivos mais prossegui dos o de alargar os benefícios da cultura cada vez mais a toda a população, fazendo a extensão da educação e do ensino a camadas sempre mais numerosas na expectativa esperançosa de que, deste modo, venha a construir-se um mundo mais justo e mais próspero.

Nota-se, efectivamente, em todos os países uma preocupação constante quanto aos problemas ligados ao ensino, preocupação esta que resulta não só do facto de a educação constituir um dos direitos fundamentais do homem, mas também da circunstância de ela ser considerada o motor 'essencial a todo o progresso económico e social.

E, frente à gradualmente progressiva pressão demográfica sobre as escolas, e que se vem acentuando cada vez de forma mais notória, não nos deverá causar espanto que seja imperativo moral e legal dos Estados modernos o de zelar prioritariamente pela riqueza do espírito das suas populações, fomentando a força motora do seu progresso através da criação de escolas em todos os graus do ensino.

Por isso mesmo, investimentos vultosos vêm sendo feitos anual mente por todos os países na 'educação, atendendo a que se reputam tais investimentos dos mais importantes e reprodutivos. Também entre nós, e por várias vezes, ele bem sido assim considerado pelo Sr. Presidente do Conselho ao apontá-lo como «o primeiro dos problemas portugueses».

Dentro da educação, o sector mais condicionado é o do ensino. E o ensino ou sistema escolar que, durante largo tempo, foi dominado pelo estudo das humanidades, podendo a propósito falar-se na «integração dos jovens de hoje nas culturas de ontem», modificou-se consideravelmente a partir da revolução industrial e, sobretudo, nos últimos anos, com o aparecimento de novas técnicas e tecnologias e com a consequente necessidade de incrementar a formação dos quadros técnicos. E assim sê preparam os profissionais na medida julgada precisa ao preenchimento das actividades que o meio social e económico determina, pelo que o ensino tende a ser de carácter sómente ou predominantemente técnico, e não geral.

Preconiza-se, por isso, nos dias de hoje uma educação básica polivalente ou politécnica que — evitando o perigo de formar profissionais aptos tão-sòmente para esta ou aquela tarefa — prepare os indivíduos para, ao longo da vida, aprenderem não uma mas várias profissões, porventura bastante distintas.

Também no nosso país, e em face da apetência nacional pela promoção cultural das gentes, se trava aquilo que vem sendo designado por batalha da 'educação e que, destinando-se a servir o bem comum e as necessidades colectivas, implica o reorganizar de todo um sistema educativo, que foi criado para um mundo muito diferente do nosso e que, em muitos dos seus aspectos, não acompanhou as transformações da vida. E daqui resulta, em alguns sectores, uma quase completa inadequação das estruturas do nosso sistema escolar ás condições da vida actual.

Ora, Leiria, capital de um distrito com Crescente densidade demográfica e que tem procurado corresponder aos apelos de desenvolvimento técnico e económico, como se comprova através do seu elevado índice de industrialização, bem carece de um estabelecimento de ensino que prepare a sua juventude de harmonia com o desabrochar dessas novas técnicas e tecnologias e articulá-las de acordo com as conveniências do desenvolvimento regional.

A formação de técnicos de que a região disponha para acorrer ás suas prementes necessidades de realidade industrial, relevante e destacada, com verdadeira projecção da vida distrital na vida nacional, eis o problema que importa encarar com certa prioridade, dada a inadequação neles verificada frente à dinâmica económica e social.

Efectivamente, pela sua considerável gama de indústrias, desde a de cimentos — com duas grandes fábricas, sendo uma delas, a de Maceira-Lis, a maior da Península e uma das primeiras da Europa — ás de vidros e cristais na Marinha Grande e Alcobaça, à de fiação de tecidos de algodão, também em Alcobaça, ás de lanifícios em Castanheira de Pêra, Avelar, no concelho de Ansião, e Mira de Aire, no concelho de Porto de Mós, ás de limas em Vieira de Leiria, ás 291 das 464 verdadeiras instalações industriais de cerâmica existentes no País, ás de plásticos e porcelanas, ás de moldes e materiais

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pré-esforçados, de serrações de madeiras e de mármores, ás de farinhas alimentares e para rações, etc., o distrito de Leiria, pelo grau elevado de industrialização e pelos problemas de um crescimento económico que se processa em termos acelerados, bem justifica que na sua capital seja criado um estabelecimento de ensino que permita a sequência dos estudos àqueles que se diplomam pelas escolas técnicas.

A expansão do ensino técnico profissional tem no distrito acompanhado o desenvolvimento industrial, existindo escolas técnicas na sede, Marinha Grande, Alcobaça, Caídas da Rainha, Peniche e Pombal e escolas preparatórias na Batalha, Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, além de uma escola agrícola em Alcobaça e uma modelar escola de formação rural também na sede do distrito. Isto só para falar nos estabelecimentos de ensine oficial, pois que existem, para além destes, colégios particulares em vários concelhos.

Aconselhado que vem sendo o apetrechamento dos vastos sectores industriais e que, neste distrito, tem já expressão bem concludente, impõe-se enquadrar nesta realidade a estrutura do nosso ensino técnico.

E constituindo — ao que parece pelo que tem sido afirmado — preocupação governativa atenuar a pressão demográfica sobre as escolas com a dispersão de estabelecimentos de ensino onde se ministrem cursos de índole prática e profissional que acompanhem e apoiem o surto de desenvolvimento industrial através da criação de ensino politécnico ou tecnológico, cremos impor-se, por justo e conveniente, que a desejada descentralização do ensino técnico superior encontre em Leiria um dos seus pólos de expansão.

Na batalha da educação, em boa hora empreendida pelo Governo de Salazar, com a actuação dinâmica e clarividente do então Subsecretário de Estado Dr. Veiga de Macedo, e que agora, com o Governo de Marcelo Caetano, recebeu novo impulso vivificador, vai certamente desempenhar lugar relevante o ensino politécnico ou tecnológico e que, nos termos do projecto de lei n.º 5/X, o Governo pretende venha a substituir o chamado ensino médio e se destina «a conferir a preparação técnica especializada e adequada ao desempenho de actividades profissionais que não requeiram pela sua própria natureza ou por determinação da lei habilitação universitária».

E devendo tal ensino politécnico ou polivalente ser prioritàriamente instituído nas regiões que possuem núcleos industriais e económicos de importância nacional, a de Leiria conta-se nesse número, atentas as suas exuberantes potencialidades, pelo que se julga com direito a que ali seja criado um instituto politécnico ou tecnológico para servir em termos de utilidade a sua crescentemente numerosa população estudantil.

Ao Sr. Ministro da Educação Nacional aqui se deixa o apelo para que Leiria veja satisfeita reivindicação tão justa e de tamanha importância para a promoção cultural das suas gentes, numa época em que a tecnologia constitui factor decisivo de todo o progresso económico e social e em que tanto se fala da importância dos investimentos intelectuais para a aceleração do ritmo da actividade produtiva.

Por isso mesmo se espera e confia no Governo da Nação.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Correia das Neves: — Sr. Presidente: Os jornais desta manhã trouxeram-nos a notícia dolorosa da morte trágica e inesperada do major Fernando Lobo da Costa.

A profunda mágoa pelo desaparecimento do amigo e do conterrâneo, essa, guardá-la-emos em silêncio, por nada mais podermos fazer contra a fria ironia do destino, no íntimo recolhimento da nossa alma, no mesmo lugar onde se guardam as amizades sinceras e a recordação dos homens bons e dignos.

Mas o major Lobo da Costa, cuja vida foi ontem implacàvelmente ceifada por um atropelamento em Lisboa, onde se encontrava em curto período de férias, foi um exemplo vivo de cidadão digno e militar esforçado e um símbolo da missão valorosa da minha geração de portugueses.

Militar brilhante de carreira, com 40 anos de idade, prestara já por diversas vezes os seus serviços no ultramar, tendo sofrido penoso cativeiro no Estado da índia, aquando da invasão; tinha há poucos anos cumprido uma comissão de serviço em Angola e ali se encontrava agora no cumprimento de outra, bem como havia lutado já na Guiné, onde foi gravemente ferido.

Profundo conhecedor e entusiasta das actividades desportivas, prestou-lhes larga e valiosa colaboração, tanto no sector civil como no âmbito militar, de cuja equipa foi seleccionador durante vários anos, tendo sido louvado no Diário do Governo pela sua acção como representante de Portugal no Conselho Internacional de Desporto Militar.

Oficial distinto, homem bom, carácter generoso, não foi feliz na vida.

Com larga, brilhante e dura folha de serviços militares prestados por diversas vezes no ultramar, e que morre com 40 anos de idade, sem chegar a usufruir a possível felicidade, sossego e recompensa da segunda etapa da sua vida, ele foi bem e sobretudo, repito, um símbolo da geração actual dos Portugueses na sua existência esforçada e nobre, de luta, tenacidade e compreensão.

Por isso, e com total independência, o recordo aqui.

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Oliveira Dias: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se extinguiram ainda os ecos das comemorações do dia 27 de Setembro, que assinalaram o terceiro aniversário da posse do Sr. Prof. Marcelo Caetano como Presidente do Conselho. Por mim, tenho sempre presentes as palavras que proferiu no mesmo dia de 1968 quando lançou veemente apelo de cooperação aos portugueses de boa vontade — por muitos correspondido — num regime em que todos caibam.

Este é um problema que o Estado dos nossos dias deve procurar resolver a cada momento, assegurando aos indivíduos, famílias e grupos uma participação crescente na vida pública. Essa participação consciente e responsável na construção de uma comunidade política mais justa e na sua gesta é, ao mesmo tempo, sintoma de progresso cultural e cívico e condição de um desenvolvimento em que todos estejam empenhados.

Mas se é desejável a colaboração de todos na vida pública e se devemos procurar activamente que assim seja na sociedade portuguesa, é nosso dever construir uma comunidade onde todos caibam ordenadamente, assente no respeito das convicções de cada um.

De que nos serve proclamar que dentro do Regime cabem todos os portugueses de boa fé. em diversidade de posições políticas, se lhes não forem dadas reais oportuni-

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dades de participação, exprimindo livremente as suas opiniões, num clima de tolerância?

Se queremos a colaboração de todos, sem esquecer as novas gerações, de uma forma responsável e livre, não podemos «encaixá-los» em quadros de pensamento estereotipado, antes os devemos respeitar tal como são, conscientes de que a diversidade é fecunda quando exercitada com tolerância e civismo.

E estéril a diversidade apregoada por aqueles que se julgam detentores do monopólio da verdade e apenas se dispõem ao diálogo para impor os seus pontos de vista. Procuremos, pois, a colaboração de todos, em saudável pluralismo, que -para ser autêntico pressupõe o respeito mútuo e a aceitação de todos os contributos válidos, venham donde vierem.

Enterremos a fábula estafada dos «cavalos de Tróia» e, se estamos seguros das nossas convicções, disponhamo-nos ao diálogo em campo aberto, prantos a assumir os seus riscos e conscientes de que o imobilismo e o monolitismo são terríveis inimigos dos interesses da Pátria.

Não iludamos a questão, levantando o falso dilema «unidade ou balbúrdia partidária», e não tenhamos receio de evoluir para novos caminhos que assegurem a participação efectiva e livre de todos os portugueses, cônscios das suas responsabilidades na vida pública.

Não há vida política sem permanente confronto de pontos de vista e livre exame dos problemas, que deverão processar-se em clima de paz social. Só na diversidade e no respeito mútuo é possível encontrar a verdadeira unidade de que o País tanto carece neste período crucial da sua história.

O melhor apoio que podemos dar ao Governo há-de estar, quanto a mim, numa cooperação séria e responsável, enfim, liberta de esquemas propangandísticos de tipo emocional e adesões cegas mais ou menos primárias.

Pessoalmente, continuo a acreditar, na lógica de uma opção reformista, que é possível, fazer evoluir a nossa comunidade política por forma a torná-la mais livre e participada. Assim saibamos dar, com decisão e oportunidade, os passos necessários. Esse será um caminho seguro de desenvolvimento.

O Sr. Mota Amaral: — Muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Gaspar de Carvalho: — Sr. Presidente: Permito-me hoje ocupar, por alguns momentos, a atenção da Assembleia para aludir a dois acontecimentos que, segundo penso, tem cabimento referir aqui.

O distrito da Guarda foi, há poucos dias, visitado pelo Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência, que teve, assim, ocasião de tomar contacto com alguns dos mais importantes problemas regionais, quer no campo da assistência e previdência social, quer no da saúde pública. Acredito que da sua visita algo de concreto resultará, a começar pela substituição do hospital da sede do distrito, ultrapassado nas suas instalações, e que só o extraordinário espírito de bem servir dos seus administradores, médicos, enfermeiros e restante pessoal consegue que funcione com a eficiência que reconhecem quantos a ele recorrem.

Inaugurou o Sr. Dr. Rebelo de Sousa no Rochoso a sede da Casa do Povo e presidiu à merecida homenagem que, na mesma freguesia, os conterrâneos do Sr. Prof. Doutor Gonçalves de Proença em boa hora lhe resolveram prestar e que fica como expressão do justo reconhecimento ao notável homem público que, nas cadeiras do Governo, como nesta Casa, tão bem, com tanta dignidade e com tão invulgar dedicação tem sabido servir o País.

O ilustre visitante deslocou-se ainda a Manteigas, onde inaugurou um lar para pessoas idosas, a segunda fase, já em pleno funcionamento, da obra de remodelação do edifício do Hospital da Misericórdia e uma cantina escolar, esta tornada possível graças à generosidade de dois grandes beneméritos e aqueles tornados realidade mercê do espírito de decisão, da larga visão e até — por que não dizê-lo? — da audácia dos que, à frente da mesa da Misericórdia, não olharam a sacrifícios, a riscos, nem a trabalhos para, secundados por muitos e bons conterrâneos, que acorreram com o seu auxilio material, e amparados também com a ajuda financeira e técnica do Estado e da Fundação Gulbenkian, ergueram obra que honra o concelho e os sentimentos dos que nele nasceram e há-de perdurar para exemplo de nossos filhos.

Mas não ficou por aí a operosa actividade do Sr. Dr. Rebelo de Sousa.

E assim é que, também em Manteigas, visitou o edifício do infantário, em vias de conclusão, o posto médico e o bairro de casas que as caixas de previdência estão edificando, através das respectivas federações, dedicando especial atenção, como é compreensível, aos importantes trabalhos da Colónia Termal de Férias, iniciativa do mais largo alcance do nosso dinâmico colega Dr. Veiga de Macedo, como presidente do Instituto de Obras Sociais, e que, quando em funcionamento, constituirá, estou certo disso, assinalável serviço prestado aos trabalhadores portugueses — como, aliás, o reconheceu o Prof. Doutor Gonçalves de Proença, o qual, como Ministro, sempre lhe prestou o mais entusiástico apoio que, sem dúvida, o actual titular da pasta das Corporações e Previdência também lhe não tem regateado.

Na Guarda, o Dr. Rebelo de Sousa, infatigável, esteve no Sanatório de Sousa Martins, na Direcção de Saúde, nos locais destinados à construção do novo hospital e da sede do grémio da lavoura, na delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, no tribunal do trabalho, na caixa de previdência, no pavilhão desportivo da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, ¦e ainda encontrou tempo disponível para se reunir, na sua qualidade de dirigente da Acção Nacional Popular, com as respectivas comissões locais.

Desenvolveu, na verdade, actividade prodigiosa durante os três dias da sua permanência; bem merece, pois, o agradecimento profundo que., com toda a sinceridade, aqui lhe deixo expresso.

E se se me consente que formule um voto, é o de que, como esperamos confiados, essa visita, para além das agradáveis recordações que deixou, através dos contactos humanos estabelecidos, seja a chave que abra a porta à solução das graves insuficiências que no distrito da Guarda abundam em tantos campos.

Que essa visita do dinâmico Ministro das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência seja prenúncio de outras, é igualmente desejo radicado no distrito da Guarda.

O Sr. Roboredo e Silva: — V. Ex.a dá-me licença?

O Orador: — Faça favor.

O Sr. Roboredo e Silva: — Apenas duas palavras, sómente para dizer que, como Deputado pelo círculo da Guarda, apoio totalmente as Considerações de V. Ex.a e,

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designadamente, a última que acaba de fazer sobre a visita do Sr. Ministro da Saúde e das Corporações, que espero seja prenúncio de visitas de outros Ministros, visto que um distrito tão desprotegido como tem sido o da Guarda só através de visitas frequentes, direi mesmo assim: «frequentes», dos Ministros que mais estão ligados ao progresso regional do País, poderão ser analisados e resolvidos os seus problemas.

Era só isto que queria dizer, muito obrigado.

O Orador: — Muito obrigado, Sr. Deputado, pela achega que me veio dar.

No entender dos responsáveis, só assim, por observação directa, será possível ao Governo inteirar-se da necessidade instante de adoptar medidas específicas que façam recuperar o atraso em que nos encontramos, mormente no sector de melhoramentos públicos.

O outro ponto sobre que me proponho tecer algumas despretensiosas considerações está relacionado com a primeira romagem a Macau, feliz iniciativa da Casa de Macau, em Lisboa, que teve realização no passado mês de Setembro.

Embora nado e criado nesta província lusitana, de uma Nação que se estende por todo o Mundo, foi-me dada a oportunidade, que aproveitei gostosamente, de me integrar na caravana de quase duas centenas de pessoas que se deslocaram àquelas longínquas paragens, na maioria naturais de Macau que as andanças da vida têm mantido afastadas da terra natal, e outras que foram rememorar os tempos em que lá desempenharam funções oficiais — aquelas e estas dominadas por compreensíveis sentimentos de saudade e desejosas de voltarem a pisar o solo daquele maravilhoso cantinho português no Extremo Oriente, repleto de tradições e de encanto.

Tive, pois, o grande prazer de participar na romagem e viver, assim, alguns dias inesquecíveis, dos mais belos da minha existência, em deslumbramento constante por tantas e tão variadas facetas que nos oferece a cidade do Santo Nome de Deus de Macau, na qual se casam, numa harmonia que só lá indo se acredita, as mais puras tradições da nossa terra com os hábitos, não menos veneráveis, da milenária civilização chinesa; aqui se confirma o conhecido provérbio de que «é preferível ver uma vez com os próprios olhos do que ouvir cem vezes».

Foram muitos e variados os motivos da minha admiração: a beleza da terra, o progresso social e económico, o bem-estar e o nível de vida dos seus habitantes, o desenvolvimento turístico, a ânsia de ir sempre mais além na senda desse progresso; nos campos da instrução, da assistência social, das obras públicas com especial relevo para a ponte de ligação à ilha da Taipa —, do comércio, da indústria, do turismo, sendo patente que se está a atravessar um surto de invejável expansão de que, decerto, hão-de ser colhidos os melhores frutos.

De tudo o que observei, aquilo que, porém, mais me impressionou foi o perfeito entendimento, a cordialidade de relações, o ambiente fraternal em que trabalham, lado a lado, ombro com ombro, as comunidades portuguesa e chinesa, sob a prudente e criteriosa orientação do governador da província, Sr. General Nobre de Carvalho.

Não há dúvida de que, em matéria de «coexistência pacífica», continuamos a dar lições ao Mundo, como povo e como indivíduos, despidos de qualquer pretensa superioridade racial, antes vendo em todos os homens nossos semelhantes, tratando-os como iguais, como nossos irmãos, que na realidade são. E, de facto, comovedor verificar como populações de raças e costumes tão diferentes se estimam, compreendem e respeitam!

Se alguma dúvida pudesse haver sobre o acerto da política ultramarina portuguesa, traçada pelo Sr. Presidente do Conselho e naquela província prosseguida pelo governador Nobre de Carvalho, sob a superior direcção do Ministro Silva Cunha, o ambiente de paz, de trabalho e de progresso que se respira em Macau dissipá-la-ia.

Bem pode, pois, Macau ser apresentada como feliz exemplo a seguir por aqueles países que, desconhecedores da realidade portuguesa e incapazes de resolver os seus próprios problemas internos, se permitem, todavia, aconselhar-nos e, depois, nos criticam quando se convencem de que não 'damos ouvidos ás suas sugestões interesseiras . . .

E que dizer da recepção que em Macau e em Hong-Kong tiveram os visitantes? Que ultrapassou tudo quanto seria lícito esperar.

O Sr. Governador de Macau, as restantes entidades oficiais, não esquecendo o ilustre Deputado pela província, os representantes das comunidades portuguesa e chinesa, os membros da prestimosa comunidade portuguesa em Hong-Kong, que tão vivos mantêm os elos de ligação com a Mãe-Pátria, enfim, todas as pessoas com quem tivemos ensejo de contactar foram inexcedíveis de gentileza, havendo levado tão longe as suas amabilidades que é impossível traduzir em palavras a gratidão que lhes devemos, aqueles que tomámos parte nesta maravilhosa peregrinação, pelas atenções com que nos distinguiram e de que nos cumularam. Aqui lhes deixo estas singelas palavras de profundo reconhecimento.

O Sr. Delfino Ribeiro: — V. Ex.a dá-me licença?

O Orador: — Faça favor.

O Sr. Delfino Ribeiro: — Agradeço, desvanecido, as amáveis referências feitas à minha querida terra natal e à minha modesta pessoa, a propósito da romagem que, em boa hora organizada pela Casa de Macau, em Lisboa, sob o alto patrocínio dos Srs. Ministro do Ultramar e Governador da referida província, a cerca de duas centenas de portugueses, proporcionou o ensejo de conhecerem ou reverem aquela nossa minúscula parcela, vizinha de uma potência asiática ora aceite pelas Nações Unidas.

Viveram-se, na realidade, momentos de sã convivência numa reafirmação de indefectível patriotismo e confirmaram-se as boas relações com a laboriosa comunidade chinesa que, com a sua tradicional hospitalidade, quis comungar no júbilo que ia nos nossos corações.

Alegra-me verificar que V. Ex.a, que não é macaense, é um ilustre macaísta.

Oxalá os restantes e distintos Srs. Deputados tenham a possibilidade de seguir as pisadas de V. Ex.a, pois, então, a província de Macau passaria, com a máxima economia e completa eficiência, a ser representada por toda a Assembleia.

Bem haja, Sr. Deputado.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Meireles: — V. Ex.a dá-me licença?

O Orador: — Faça favor.

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O Sr. Alberto Meireles: — Se V. Ex.a me permite, eu diria uma palavra a apoiar o voto do tão ilustre Deputado por Macau. Falou das possibilidades que poderiam ter alguns 'Srs. Deputados de ir tão longe. Pois eu desejaria que fosse proporcionado a um grupo de Deputados o conhecimento dessa longínqua, mas bem portuguesa, terra de convergência do mundo.

E é esse o voto que certamente está no espírito de muitos, ou de alguns Srs. Deputados, que possam, como V. Ex.a, embora noutras condições, conhecer também essa terra que é um símbolo de lusitanidade e de comunhão com..cultura tão diferente, mas tão próxima, afinal.

E, lembrando Macau, não poderia deixar de lembrar Timor, a nossa ilha do Oriente que não está esquecida e que está ainda na rota dos nossos corações.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Muito obrigado, Sr. Deputado, estou absolutamente de acordo com o parecer de V. Ex.a, pois considero absolutamente indispensável que todos os Deputados possam ter a possibilidade de conhecer as nossas províncias ultramarinas, pois com isso haverá muito a ganhar sob todos os aspectos.

E termino por, nas pessoas dos Srs. General Flávio dos Santos e Dr. Oliveira Hagatong, dedicados presidente da assembleia geral e presidente da direcção da Casa de Macau, cumprimentar quantos colaboraram nesta patriótica jornada e contribuíram para o clamoroso êxito que alcançou.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Alberto de Alarcão: — Sr. Presidente: Fui inscrever um dos meus filhos no 3.° amo liceal.

E aquilo que devia ser um acto simples, normal, corrente, na vida de um cidadão, encontra-se complicado com a exigência do reconhecimento da assinatura dos pais das crianças.

E aqueles dos portugueses progenitores que, infelizmente, não sabem ler e escrever? Será «a rogo»? Mas que interesse terá tal? Ou não poderão inscrever as crianças suas familiares?

Não basta apenas assinar.

Exige-se o reconhecimento da assinatura. Posso prever as declarações a que tal obriga, as bichas de espera, as perdas de tempo, as despesas inúteis a sobrecarregar minguados orçamentos familiares, a inutilidade dos passos perdidos ou dos caminhos andados — então, em nossos pobres meios rurais, em que o notário não está assim ao pé da porta.

E todos os anos, para cada um dos filhos, o rosário continua.

Nem basta sequer a simples apresentação do bilhete de identidade do progenitor ou outro encarregado de educação . . .

Até quando continuaremos a ter a exigência do reconhecimento de assinaturas para que os nossos filhos possam cursar escolaridades?

E será necessária a exigência, noutros casos, de apresentação de atestados de residência?

Dos atestados administrativos passados pelas juntas de freguesia para efeitos de abono de família — que Deus haja ... — viemo-nos assim encontrar com os boletins de inscrição lieeais, na forma em que ainda subsistem . . .

Confio, Sr. Presidente, em que também estas simples palavras não deverão de cair em «cesto roto» da administração escolar.

Confio e aguardo.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Vamos passar à

Ordem do dia

visto que o número de Srs. Deputados entradas durante a sessão asseguram o quórum.

A primeira parte da ordem do dia, como VV. Ex.as sabem, tem por objecto a apresentação de eventuais reclamações sobre a última redacção do decreto da Assembleia Nacional sobre a protecção do cinema nacional.

Está, portanto, à reclamação o texto elaborado pela nossa Comissão de Legislação e Redacção.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Uma vez que nenhum de VV. Ex.as quer apresentar qualquer reclamação, considerar-se-á o texto definitivo.

Vamos agora passar à segunda parte da ordem do dia: Apreciação da Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses.

Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves de Proença.

O Sr. Gonçalves de Proença: — Sr. Presidente: Senti-me embaraçado ao começar esta fala.

Por imperativo do coração e do sentimento só deveria proferir palavras de louvor e aplauso à Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, ora submetida, por iniciativa do Governo, à aprovação da Assembleia Nacional; mas por exigência da razão e do entendimento, dúvidas e interrogações impuseram-se também ao raciocínio.

Dominaram estas, e o meu embaraço aumentou.

E quais eram as interrogações que assim me assaltavam, quebrando a tranquilidade de uma conclusão que a todos se impõe com límpida e inequívoca transparência?

Primeiro, uma questão de essência político-jurídica: que espécie de igualdade nos direitos e deveres consagra a Convenção assinada em Brasília em 7 de Setembro de 1971?

Sabido, como é, que os direitos e os deveres que integram a cidadania de cada indivíduo no respectivo estado constituem o estatuto da 'Correspondente nacionalidade, pergunta-se se passam a brasileiros os portugueses residentes no Brasil e a portugueses os brasileiros residentes em Portugal, cumpridas que sejam as demais condições necessárias para a igualdade?

A resposta é negativa e aqui está a sua maior originalidade: uns e outros adquirem a titularidade da quase totalidade dos direitos dos cidadãos do estado da residência sem perda, todavia, da cidadania do estado da nacionalidade.

Nem sequer se pode falar em dupla nacionalidade. E o tal tertium genus entre o estatuto de nacional e de estrangeiro de que nos fala o douto parecer da Câmara Corporativa.

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Amante das coisas claras, o nosso espírito detém-se e de novo se interroga:

Qual a realidade política subjacente ao estatuto de igualdade assim concebido, uma vez que a cidadania é por essência um estatuto político baseado na independência do estado nacional?

E aqui se aflora o problema da individualização política da comunidade luso-brasileira.

Não há uma nacionalidade luso-brasileira, já que continuam a manter a sua cidadania própria portugueses e brasileiros, ainda que residentes no outro estado.

No entanto, essa comunidade é geradora de uma igualdade político-jurídica que em muitos aspectos quase se identifica com a unidade de nacionalidade extensiva a todos os seus membros.

Chegamos assim ao âmago da questão:

Como definir a comunidade luso-brasileira?

Muitas recorrerão então ao conceito de Nação, já que está presente a generalidade dos pressupostos que individualizam as nacionalidades — identidade de língua, afinidades étnicas, cultura, religião, história, sentido colectivo da existência, etc. —, apenas com uma diferença: é a de que tal Nação se encontra repartida no seu corpo e na sua alma por dois Estados.

E talvez tenham razão os que assim pensam, bem apoiados historicamente na tese da fraternidade que presidiu -à formação do Brasil. Tese por essência contrária à da descolonização.

O Brasil e Portugal sempre se consideraram pátrias irmãs com um tronco comum, aquele que serviu de suporte a ambas até ao momento da autonomia recíproca. Nem Portugal se arvorou jamais em país colonizador, que contrariado tenha cedido perante a rebeldia de antiga colónia, nem o Brasil saiu da unidade lusíada em jeito de libertação contra a dominação alheia.

Foram os Portugueses que fizeram o Brasil como parte da Pátria comum.

Foram portugueses que o autonomizaram e lhe apontaram destino próprio.

Assim o confirmam os homens e os sentimentos que coexistiram com a proclamação da independência brasileira.

Dois irmãos que pertencem à mesma família, mas que atingida a maioridade do mais jovem, resolvem ter vida distinta, sem quebra da unidade familiar.

Este o segredo da comunidade luso-brasileira e sua justificação político-jurídica. A mesma família a apontar à mesma nacionalidade, mas com suportes político-jurídicos distintos a justificar cidadanias independentes.

Tal é o segredo -da comunidade luso-brasileira, mas também a sua originalidade. Que os olhos se espraiem à volta e o mundo não oferecerá muitos mais exemplos de situação político-social congénere.

Ora, se o enquadramento político-jurídico é original, necessàriamente original teria de ser também a solução encontrada para a caracterização estatutária dos cidadãos comuns.

Mérito das reformas constitucionais introduzidas nos diplomas fundamentais de um e outro país e da convenção agora celebrada, sem dúvida, e grande mérito daqueles que a subscrevem e dos que de há muito vêm advogando a sua concretização, pràticamente desde a assinatura do Tratado de Paz, Amizade e Aliança de 29 de Agosto de 1825, confirmado pelo Tratado de Amizade e Consulta, assinado no Rio de Janeiro em 16 de Novembro de 1:953.

Mérito dos juristas ilustres que a conceberam, em que se salientam os nomes dos Professores Marcello Caetano, Barreto Campeio e Cama e Silva, sabendo encontrar na originalidade das soluções o reflexo natural da originalidade das situações.

As leis são feitas para os homens e não os homens para as leis.

Mas mérito, sobretudo, da própria comunidade, que, sendo inédita na sua estrutura, soube conciliar a alma da Nação comum com a força e o dinamismo das vontades estaduais próprias.

Com o que aquietado fica o nosso espírito na primeira interrogação posta, relativa à concepção e justificação político-jurídica da identidade dos direitos e deveres de Brasileiros e Portugueses: dois Estados, uma só Nação.

Mas logo outra questão se levanta, agora que o passado explica o presente e este, naturalmente, olha o futuro.

Fruto da história, bem assente na realidade sócio-política que lhe -está subjacente, original por força das raízes, como se ajusta a comunidade luso-brasileira assim caracterizada com as exigências da época presente, toda ela voltada para definições claras e afirmações definitivas?

E a tese dos grandes espaços que -então naturalmente aflora ao nosso espírito.

Todos sabemos que uma das -características mais salientes da dinâmica político-social do tempo presente é a tendência mundial para a formação de grandes blocos ou espaços económico-políticos, caracterizados pela complementaridade e solidariedade dos interesses comuns.

Estamos na época das comunidades internacionais e das associações de Estados.

Já se fala nos Estados Unidos da Europa, para contrapor a outros blocos continentais, e nenhum Estado isolado se sente seguro no espaço limitado das suas fronteiras de origem. Daí o afã com que se procuram solidariedades, -alianças e associações.

Pois é nesta perspectiva da macropolítica mundial que nos aparece e importa caracterizar a comunidade luso-brasileira.

Dir-se-á, por um lado, que o Brasil e Portugal também, nas suas dimensões próprias, já constituem verdadeiras comunidades à escala universal, tal a dimensão das potencialidades e interesses que integram as respectivas estruturas políticas e sociais.

O Brasil é todo um continente com a pujança de uma riqueza sem limites e uma capacidade de expansão humana sem horizontes; Portugal reparte pelo Mundo o corpo da sua grandeza histórica e afirma-se no presente como uma das nações de maiores potencialidades futuras.

Sendo assim, parece que estão realizadas em relação ás duas nações irmãs as exigências da época na grande escala do Mundo, não se levantando a seu respeito novas necessidades de comunidade maior.

Essa a aparência. Penetremos, porém, mais fundo na realidade. E esta nos diz que, não obstante a sua dimensão individual, os dois membros da grande comunidade lusíada têm tudo a lucrar no arranjo e associação recíproca dos interesses políticos e económicos que lhes são próprios.

Vejamos o que se passa, por exemplo, nos domínios da segurança, da economia e da política mundial.

Quanto ao primeiro aspecto, o da segurança, recordarei aqui um episódio em que tive a honra de participar e que, sem ser inédito nas suas conclusões, nunca mais esquecerei no seu significado profundo.

Encontrava-me em visita oficial, como membro do Governo Português, a um poderoso país estrangeiro.

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Entre os contactes que tal visita me proporcionou, foi incluída uma audiência com um dos mais elevados dirigentes que o era também à escala europeia e do Mundo. Estávamos em 1966. Naturalmente a conversa recaiu sobre os nossos dois países, e quanto a Portugal, mais insistentemente sobre a situação dos territórios ultramarinos.

Com satisfação ouvi então palavras de compreensão e estímulo, mas não esquecerei de modo particular as que se referiram ás nossas responsabilidades perante o Mundo e a civilização cristã ocidental. Nestas últimas se inseriram alusões claras à posição que Portugal ocupa na segurança do Atlântico Sul, dada a especial localização dos seus territórios metropolitanos e ultramarinos de Angola, Guiné e Cabo Verde.

Quem dominar estes territórios tem na sua mão o destino do Atlântico Austral.

Mas porque não compreendem assim todos os países ocidentais? — perguntei.

Simplesmente porque são tão grandes os interesses em jogo que as maiores potências os desejariam para si, invejando a posição que a tal respeito ocupa Portugal. O que é um erro, pois assim estão em mãos seguras, e de outra forma nunca se saberá . . .

Ora esta conclusão interessa a Portugueses e Brasileiros que numa e noutra margem do grande oceano repartem entre si as responsabilidades do hemisfério Atlântico Sul.

E se da segurança passarmos à economia, também não são menores os factores de solidariedade entre as duas nações irmãs.

Ninguém desconhece que por vezes os seus interesses não são complementares, situando-se pelo contrário no domínio da concorrência recíproca.

Mas, por isso mesmo, a solidariedade entre os dois Estados maior deve ser ainda.

Devem, antes de mais, um e outro, explorar convenientemente os aspectos em que as suas economias se completam.

E importantes são alguns desses aspectos. Haja em vista os fluxos tradicionais de exportações metropolitanas de Portugal para o Brasil e vice-versa e agora as imensas possibilidades que os territórios ultramarinos oferecem e podem receber de um e outro lado do Atlântico. Não enumerarei produtos, mas tenho presentes, do lado brasileiro, a imensa capacidade da sua indústria e, do lado ultramarino português, grandes riquezas em matérias-primas de que o Brasil carece e melhor poderá encontrar no seio da comunidade luso-brasileira.

Questão é que hábeis acordos comerciais saibam encontrar o caminho do interesse recíproco, não apenas nas trocas das mercadorias, mas também no mercado dos capitais. E que uma e outra parte se sinta compensada e satisfeita com o que recebe e dá em troca.

Idêntico caminho importa percorrer quanto aos produtos em que ambos são concorrentes.

Tal concorrência significa, antes de mais, riqueza unitária da comunidade considerada como um todo. Reunidas as potencialidades de uma e outra parte e coordenados os respectivos interesses, maior será a força do conjunto e maior a sua capacidade de negociação e influência nos mercados mundiais. E muitos são os produtos em que sob este aspecto a coordenação de esforços e a concentração de potencialidades só poderá trazer vantagens aos dois membros da comunidade.

Mas essa necessidade e vantagem da coordenação não se impõe apenas para maior concentração da força comum e capacidade de intervenção exterior. Essa coordenação vale ainda pelo ajuste que permite, transformando muitas vezes em complementar o que é concorrencial ou procurando diversificar aqui o que mais importa concentrar além, ou ainda evitando que os caminhos da concorrência confluam entre si, quando devem procurar antes linhas paralelas de mercados não coincidentes.

Todo um mundo de possibilidades a explorar, que transformem aquilo que muitos consideram fraqueza da comunidade — a posição concorrencial — numa riqueza potencial comum, ainda maior para cada um dos seus membros.

E a verdade é que, quanto maior for o entendimento recíproco, acrescidas potencialidades se podem oferecer também. Sabem-no os produtores e industriais brasileiros, que olham cada vez com maior interesse para as nossas províncias ultramarinas, e devem-no saber também os nossos industriais e produtores, por quem o mercado brasileiro deve ser cada vez mais apetecido e procurado. E aqui está uma vez mais demonstrada a vantagem da dimensão que a comunidade luso-brasileira pode oferecer, agora valorizada pela igualdade dos direitos entre Brasileiros e Portugueses.

Importa, por último, referir o aspecto político do interesse dessa dimensão.

Quem o ignora?

Como portugueses, todos sabemos quanto vale inter-nacionalmente a solidariedade político-social do Brasil no concerto dos interesses mundiais, mas estamos em crer também que a nenhum brasileiro passa despercebida a vantagem política da sua maior solidariedade com Portugal nos caminhos do Mundo que começaram na Europa mas se alargaram depois aos outros continentes, passando pela América, pela Ásia e pela África, onde se espraiaram em largos horizontes.

Acresce o peso natural de uma comunidade imensa, como é a luso-brasileira, neste mundo que parece ser cada vez mais pertença de duas ou três superpotências que tudo discutem e decidem acerca dos outros, como se tudo lhes pertencesse. Isolados, por grandes que já sejamos, seremos pedras de xadrez que os outros jogam. Unidos e solidários talvez possamos ser jogadores da mesma partida. E repare-se que o que está em causa não é apenas o nosso destino e os nossos interesses, mas também o destino e os interesses da civilização que ajudamos a construir e a espalhar pelo mundo.

Eis por que, chegado a este ponto, de novo o meu espírito se aquieta e tudo volta ao ponto de partida: Serão de louvor e de concordância as palavras que aqui entusiàsticamente importa proferir sobre a convenção destinada a estabelecer a igualdade de direitos e deveres entre Brasileiros e Portugueses.

Sei que não era necessário percorrer todo o caminho exposto para chegar a tal conclusão, de tal modo ela é evidente e incontroversa. O que é evidente não se demonstra, mostra-se.

Pela minha parte, no entanto, não dei por desperdiçado o tempo, pois que melhor será louvar com fundamento do que aplaudir apenas com entusiasmo.

Bem radicada no passado, a comunidade luso-brasileira ajusta-se em plenitude ás exigências do presente. E porque original, talvez sem paralelo no mundo, teria de encontrar na sua expressão político-jurídica fórmula também inédita de definição.

Ela aí está, na titularidade de direitos e deveres concedidos aos cidadãos de ambas as pátrias, numa identidade que não anula nem se sobrepõe à individualidade de cada uma delas: os portugueses serão brasileiros no Brasil e os brasileiros portugueses em Portugal, em necessidade de

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voltar as costas à sua pátria de origem ou sobrepor cidadanias que cabem juntas numa mesma nacionalidade.

O caminho está certo e foi bem encontrado. Importa agora prossegui-lo com a mesma prudência e inteligência com que foi iniciado.

Mas também a este respeito a Convenção nos tranquiliza, prometendo os ajustes e as adaptações que as circunstâncias exigirem.

E mais não me alongo, entrando no pormenor da especialidade que os técnicos certamente cuidarão, revendo ou afinando aspectos que a experiência ainda não vivida deixou aflorar menos claros ou menos definidos.

Assim termino, aquietando definitivamente o sangue que me corre nas veias, muito dele brasileiro de origem, já que também no meu íntimo é perfeita a concordância dos valores morais e humanos na sua figura e na sua essência.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Henrique Tenreiro: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poucas vezes, ao subir a esta tribuna, o tenho feito com a alegria de hoje. A importância, tão transcendente, da Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, a fundada convicção de que este documento é a mais elevada expressão jurídica da fidelidade a altos valores históricos, morais, culturais, linguísticos e étnicos que ligam os povos português e brasileiro, permitem-me, desde já, propor que esta Assembleia Nacional lhe dê a sua aprovação.

Esta Convenção não significa, apenas, o reconhecimento do valor e da perenidade de uma identidade de povos, forjada num longo e glorioso processo histórico. Ela é a base de um futuro grandioso que os povos de língua portuguesa, espalhados pelos quatros cantos da terra, se propõem construir.

Ao Portugal da Europa, ao Portugal da África, ao Portugal da Ásia e Oceânia, juntasse o portentoso Brasil, na construção de uma comunidade de almas e vontades que à sombra dos mais elevados ideais de ordem, paz e justiça, constituirá motivo de orgulho para a própria humanidade.

Saudemos, pois, Sr. Presidente, todos os magníficos obreiros de um labor que agora se concretiza em tão digno documento. Recordemos os poetas, os políticos, os pensadores, os idealistas, toda essa imensa legião de portugueses e brasileiros que, desde o Tratado de Paz, Amizade e Afiança de 1825, sonharam e quiseram viver a presente hora.

A paz, a aliança e a mais perfeita amizade do Tratado de 1825 concretizam-se agora numa identificação quase total de portugueses ® brasileiros.

Louvor

A letra do Tratado de Amizade e Consulta, tão auspiciosamente assinado em Novembro de 1953, torna-se agora, no que respeita ao seu artigo 2.°, algo de vivo e perene.

Permito-me, também, a este propósito, recordar o alto sentido político da visita oficial do Presidente Marcelo

Caetano ao Brasil, em 1969, ande o ilustre Chefe do Governo afirmou a intenção decidida de concretizar a caminhada de igualdade, nobre aspiração luso-brasileira.

Não poderei, de igual modo, esquecer os obreiros da emenda constitucional brasileira de 17 de Outubro de 1969. Ela constituiu o ponto alto, por parte do Brasil, no almejado estatuto da igualdade.

Sr. Presidente: Na discussão sobre a última revisão constitucional tive já ocasião de salientar a importância da alteração que permitiu consagrar o § 3.° do artigo 7.° da nossa Constituição Política.

O que então disse mantém a mesma actualidade para justificar o voto que agora dou à Convenção sobra a Igualdade de Direitos e Deveres entoe Brasileiros e Portuguesas.

Razões muito gratas ao meu coração permitiram-me, desde sempre, um contacto íntimo com a terna brasileira e as suas generosas populações. Aprendi cedo a amar a terra e a admirar os homens. Nunca me senti aí estranho. Nunca pressenti distinções entre os que nasceram no Brasil e os que, provenientes, de Portugal, desembarcaram nessa terra que passou a ser a sua segunda pátria.

Só de 1851 a 1950 o Brasil acolheu cerca de milhão e meio de portugueses. Embora mais recentemente, por razões do conhecimento geral, a emigração portuguesa tenha diminuído, as terras de Santa Cruz continuam a ser o maior e mais belo solar que acolhe os portugueses fora de Portugal.

Como acentuou a Câmara Corporativa no seu parecer, a assinatura da Convenção tem aplicação muito mais ampla para os portugueses radicados no Brasil do que para os brasileiros radicados no território português. Assim, ela permite — e sentimo-nos particularmente jubilosos e gratos — «a solução de problemas por vezes dolorosos» e torna desnecessária «a opção pelo abandono da nacionalidade portuguesa que as circunstâncias levaram muitos a ter de praticar».

De futuro, porém, haverá um aspecto novo.

O desenvolvimento das províncias ultramarinas espera do contributo dos Brasileiros um apoio mais lato e eficaz do que o verificado nas últimas décadas.

Três povos, três civilizações, entraram em contacto no Brasil. O contributo português foi o mais decisivo para a unidade da grande nação, o mais importante no domínio dos valores políticos, culturais e humanos.

Ora, é esta confraternização racial que se está repetindo na África portuguesa.

Será para ela que os Brasileiros, com a autoridade de uma coexistência pacífica de raças (nobre legado do Português), o entendimento de uma vivência no Trópico, o proveito de uma aculturação de plantas e selecção de animais, a experiência de uma revolução técnica, poderão bem proveitosamente contribuir.

Quando este desígnio se concretizar largamente a Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres significará, da nossa parte, uma retribuição ao Brasil pelas possibilidades agora oferecidas a maior número de portugueses.

Esta Convenção não é um documento estático. Num mundo em constante evolução e onde os problemas da cooperação internacional assumem todos os dias novos e ricos aspectos, consagra, no artigo 16.°, o princípio da consulta recíproca, com vista, além do mais, a estabelecer as modificações julgadas convenientes.

Interpreto esta linguagem como realista e progressiva. Mais do que reflectir o carácter especial dos indestrutíveis vínculos existentes actualmente entre brasileiros e por

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tugueses, está aqui igualmente presente uma mensagem ás gerações futuras.

Fico, também, convicto de que a Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses contribuirá para desenvolver as relações económicas 'entre os nossos dois países, o que, de algum modo, virá ainda alicerçar a união entre ambos, como é desejo de todos.

Estou certo, e este é o meu último voto, de que essas gerações, na fidelidade aos valores do homem de sempre, manterão, através dos tempos, bem viva a chama da lusitanidade, património de duas pátrias, suprema expressão do humanismo universalista e cristão.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Júlio Evangelista: — Sr. Presidente: Os grandes temas não carecem de muitas palavras, e este da Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinada em Brasília em 7 de Setembro de 1971, é não apenas um grande tema, como ainda um marco decisivo nas relações entre o Brasil e Portugal.

O Prof. Barreto Campeio, na sua tese, sobre a «dupla nacionalidade dos portugueses no Brasil», haveria de dar forma à que ficou a ser conhecida como «teoria da quase-nacionalidade», mas já antes disso portugueses e brasileiros se empenhavam de há muito na concretização de um estatuto jurídico que permitisse aos nacionais do Brasil e de Portugal serem considerados livres cidadãos das duas pátrias. A doutrina do eminente catedrático da Faculdade de Direito do Recife foi objecto de oportunos e brilhantes comentários do Prof. Marcelo Caetano em 1942, não apenas na revista O Direito como justamente vem citado no sóbrio e excelente parecer da Câmara Corporativa —, mas também nas colunas do Diário de Noticias. E com redobrada oportunidade, pois este problema, se era e é matéria de preocupação de especialistas do Direito, igualmente constitui profundo anseio dos dois povos, com raízes na história.

É por isso, no seguimento do Tratado de Amizade e Consulta de 1953, tal anseio foi reafirmado durante a visita oficial do Chefe do Governo Português ao Brasil em 1969. Com as modificações introduzidas nos textos constitucionais do Brasil e de Portugal ficaram aplainados os caminhos que haveriam de conduzir à assinatura desta Convenção.

A igualdade de direitos políticos atribuída nos portugueses no Brasil traduz-se, para a vasta colónia portuguesa, numa representatividade ao nível de decisões políticas, dificilmente atingível aqui pela colónia brasileira, dada a grande diferença quantitativa entre uma e outra. No parecer da Câmara Corporativa fala-se, a este respeito, da «nobre e generosa atitude das autoridades brasileiras», acrescentando-se que o estatuto da igualdade representa «rigorosa tradução jurídica da situação e dos sentimentos das comunidades portuguesas no Brasil», que constituem «elementos válidos e meritórios na sociedade brasileira».

A corrente migratória do Brasil para Portugal é diferente, não só em número como em tipo de emigrantes, situando-se muito nitidamente nas profissões liberais, na chamada «intelligentsia». À falta de uma correspondência que, em número, represente politicamente os brasileiros em Portugal, será desejável que se encontre uma área compensatória nos domínios culturais e económicos, de modo a facilitar o acesso de brasileiros ao pleno exercício das suas profissões em Portugal, não obstante o que já se encontra estabelecido em numerosos acordos firmados entre os dois Governos. Desejaria anotar que, em tal aspecto, o nosso velho Estatuto Judiciário continha disposição, que se mantém há dezenas de anos, permitindo que os advogados brasileiros possam exercer a advocacia em Portugal, o que se me afigura a primeira tradução no direito positivo da doutrina da quase-nacionalidade.

Neste domínio da segurança profissional dos brasileiros no nosso país há imensas possibilidades a explorar. Permito-me sugerir o papel que professores e investigadores brasileiros poderão representar para o desenvolvimento do ensino em Portugal, nesta hora de explosão escolar e de reformas verdadeiramente ousadas que o nosso país está vivendo, e em que se acentua cada vez mais a escassez de pessoal docente. Na cooperação cultural, tecnológica e científica, os brasileiros poderão vir a desempenhar papel altamente relevante no nosso país. Anote-se que ambas as Nações estão em 'estádio análogo de desenvolvimento, com problemas semelhantes de ordenamento do território, de assimetrias regionais e mesmo de emigração, que no Brasil assume a forma de migração interna. Quer isto dizer, que ambas as nações estão vivendo experiências semelhantes e possivelmente com soluções semelhantes para alguns problemas, donde decorre que a presença de pessoas de alto nível cultural e técnico, exercendo plenamente a profissão, se torna importante para cada um dos países em causa. Neste domínio poderá residir uma compensação qualitativa, dada por Portugal ao Brasil em relação aos direitos políticos reconhecidos à nossa colónia, através das garantias profissionais dos brasileiros que entre nós queiram viver e trabalhar.

O português é no Brasil uma força de trabalho real no comércio, na indústria e, em menor escala, no jornalismo e no magistério. O tipo da corrente migratória Brasil-Portugal, sendo diferente do nosso pela qualidade, há-de exigir soluções de qualidade também. Lembremo-nos de que o Brasil atingiu um nível excepcional nos domínios da tecnologia, da investigação, da cultura, e está atravessando uma fase de gigantesco desenvolvimento económico e progresso social. Portugal, no conjunto dos seus territórios europeu e ultramarinos, vive experiências igualmente assinaláveis, de espectacular surto de desenvolvimento, não obstante a subversão que no estrangeiro se inspira e alimenta. Está dito e redito que a comunidade luso-brasileira, pela união dos dois países irmãos, fez emergir na vida internacional uma entidade poderosa e influente, quer pelo volume demográfico, quer pela vastidão territorial, quer pela primazia cultural. Neste complementaridade dos dois povos, que transformámos em potência política, reside factor decisivo da nossa mútua grandeza, ou melhor, da grandeza dia comunidade. Ao aprovarmos a Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, devemos ter presente aquela realidade, rejubilando por a aperfeiçoarmos e acrescentarmos.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Magalhães Mota: — Sr. Presidente: Regressei há poucos dias do Brasil.

Tendo manifestado interesse em visitar a assembleia legislativa do Estado em que mais tempo permaneci e sabido o lugar que neste Casa ocupo, fui recebido em termos de tal simpatia e amabilidade que é, para mim, gostoso dever deste lugar manifestar o meu agradecimento.

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Ao Deputado Hugo Mardini, vice-presidente da assembleia legislativa do Rio Grande do Sul, que encontrei pouco antes de ele poder conhecer a consagração legislativa nacional do projecto que lançou sobre o uso e tráfico de substâncias tóxicas, e que, posso dizer, de modo verdadeiramente amigo, me acompanhou na visita ás instalações da assembleia e com quem mantive uma conversa que, até pelo tempo que lhe ocupou, em muito excedeu os limites da simples cortesia; ao presidente daquela assembleia, que no salão nobre quis receber-me e levou a sua gentileza ao ponto de generosamente insistir pela minha presença na audiência que concedeu ao prefeito da cidade; aos Deputados que tive o prazer e a honra de conhecer; a todos, o meu muito obrigado.

Que é, certamente, o agradecimento desta Assembleia. Porquanto as distinções e gentilezas de que fui alvo não me tiveram, a mim, por objecto, mas sim a um membro, certamente dos menos ilustres, desta Câmara. Foi esta Assembleia, na ocasião por meu intermédio, que a assembleia legislativa do Rio Grande do Sul quis distinguir e honrar.

Foi por não ser pessoal que não quis deixar de referir-vos facto que verdadeiramente à Assembleia diz respeito e que, neste momento, assume a proporção do mais exacto entendimento da Convenção que, estou certo, iremos ratificar.

Sr. Presidente: Não é, evidentemente, com um saber auto-suficiente de um curtíssimo contacto que me atrevo a falar, a propósito, das relações luso-brasileiras. Claro que a minha visão é, necessàriamente, influenciada por alguma coisa que fui vendo, alguns contactos que tive ocasião de fazer.

Não gostaria de deixar aqui a sensação provinciana de quem, ao primeiro e, necessàriamente, superficial contacto, julga ter desvendado todos os mistérios, encontrado todos os caminhos, simplificado o complexo que há em todas as realidades.

Mas não ficaria de bem comigo mesmo se, aqui e agora, não desse conta de umas quantas reflexões e interrogações.

Breves, prometo.

A primeira das quais se refere à «emigração», ao tornar-se o colono livre de terras de além-mar em emigrante, forçado, para sobreviver, a expatriar-se.

Creio muito firmemente que a figura do emigrante português para o Brasil, tão mal compreendido, aqui e lá (desde Camilo), bem justifica uma nossa muito séria e digna homenagem.

E que, como escreve Torga — que foi emigrante — «Quem nunca se sentiu a mais na própria terra, a pontos de ser obrigado a deixá-la e a procurar na distância o calor que ela lhe nega, mal pode compreender o que significa esse golpe na consciência, essa vergastada no amor-próprio, esse sentimento dorido de todo o filho segregado ao lar materno. [. . .] Ir semear noutras leiras o suor que o pátrio chão lhe rejeita»1.

Os emigrantes portugueses no Brasil constituem a maior parte daquela numerosa colónia que lá ternos.

Bem mereceu desta Assembleia uma palavra de profundo respeito por tudo quanto por nós e pela comunidade, tantas vezes só celebrada «de fora» e como cenário de salamaleques, eles souberam e quiseram fazer.

Creio bem que, se não fora o seu nunca desmentido patriotismo aliado à sua plena integração na vida do Brasil, não poderíamos ratificar, como, repito, estou certo faremos, esta Convenção.

1 Miguel Torga, Traço de União, 2.ª edição, p. 107.

Segundo nota que é, aliás, exemplificativa.

A literatura portuguesa é, para a maior parte dos brasileiros, simplesmente desconhecida ou saudada como brilhante passado, algo que terminou com Eça de Queirós.

Há aqui toda uma problemática complexa que começa por ser um «caso» de informação — que é óptica bem diversa da propaganda.

A literatura é, repito, só um exemplo.

Há ainda muito para unir, para aprofundar e ampliar. E para além de manter o passado, há que desenvolver e projectar o futuro.

Termino já.

António Sérgio, no encerrar da sua «História de Portugal» escreveu que, «sendo muito amante do meu país e tendo-me consagrado a bem servi-lo, não quis escrever do seu pretérito com louvaminhos de patriota e menos ainda de ‘nacionalista’; pois creio que a vantagem que nos pode dar a história é á de não sermos tentados a repeti-la, porque penso que a história bem entendida deve ser um instrumento de cultura humanista, e uma maneira, não só de nos libertarmos do nosso passado (segundo o objectivo que lhe assinalava Goethe), mas de nos libertarmos, outrossim, de toda a espécie de limitações; e isto sobretudo para um português, filho de um povo cujo papel histórico foi o de ser por essência navegador, e que, oriundo de uma faina cosmopolita, teve por missão abraçar a terra e por-se em contacto com todas as raças; de uma gente, em suma, de quem disse o épico no seu poema: ‘e se mais houvera, lá chegara’; pelo que só é português verdadeiramente castiço o que for como tal cidadão do mundo».

Quero dizer com a citação que a dupla cidadania que vamos construindo só tem exacta medida e alcance quando entendida não como trincheira pana nos metermos só nós (Portugueses e Brasileiros), mas como fonte a Ligar-nos, nós com os outros; na medida em que unidos e congregando esforços, sejamos capazes de cumprir como cidadãos do Mundo.

E nestes termos que quis juntar & minha voz a quantos têm saudado a iniciativa dos dois Governos e deram o seu voto, expresso e caloroso, à ratificação da Convenção.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados: Não está mais nenhum orador inscrito para o debate sobre esta matéria.

Na sessão de ontem, o Sr. Deputado Pinto Balsemão afirmou que, pelo motivo do tema, a hora era de festa para a Assembleia. E eu. que fixei essa expressão, por me parecer profundamente adequada à circunstância e aos sentimentos que esta poderia originar, só Lamento não poder acrescentar-me a VV. Ex.as no alinhar das razões de inteligência e dos transportes de sentimento que moveram VV. Ex.as tão brilhantemente a celebrar o acerto da Convenção, aplaudindo e exprimindo o desejo de que sejam aprovados os seus termos.

Esgotado o debate, resta-nos, efectivamente, concluí-lo. E, a este respeito, quero recordar especialmente a VV. Ex.as as três recomendações das comissões que procederam preliminarmente ao estudo deste tema.

Vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes:

Nestas circunstâncias, as comissões recomendam ao plenário:

Que dê a sua aprovação, com aplauso, à Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses;

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Que o texo do presente parecer seja transmitido pelo Presidente da Assembleia Nacional ao Presidente do Congresso Brasileiro;

Que se acentue perante o Governo o vivo interesse da Assembleia Nacional em que, pela regulamentação e consultas previstas nos artigos 15.° e 16.° da Convenção, se torne viável a sua rápida executoriedade.

O Sr. Presidente: — Com o fim de materializar a primeira das recomendações das Comissões, está pendente na Mesa uma proposta de resolução que vai ser lida.

Foi lida. E a seguinte:

Proposta de resolução

A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento do texto da Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinada em Brasília a 7 de Setembro de 1971, Vistos os pareceres da Câmara Corporativa e das Comissões dos Negócios Estrangeiros e Eventual para o Estudo das 'Medidas Tendentes a Reforçar a Comunidade Luso-Brasileira desta Câmara, resolve aprovar para ratificação a mesma Convenção, conforme o texto oficial submetido à Assembleia.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 18 de Novembro de 1971. — Os Deputados: Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira — Francisco José Pereira Pinto Balsemão — Manuel Martins da Cruz — Maria Raquel Ribeiro — Pedro Baessa — Gustavo Neto Miranda — José Coelho Jordão — Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva — Rafael Ávila de Azevedo — Alberto Eduardo Nogueira Lobo de Alarcão e Silva.

O Sr. Presidente: — Submeto à apreciação de VV. Ex.as esta proposta de resolução.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Tomo o silêncio de VV. Ex.as como concordância nos seus termos e em consequência vou pô-la à votação.

Os Srs. Deputados que aprovam a proposta de resolução que acabam de ouvir ler têm a bondade de se pôr de pé, os que a rejeitam têm a bondade de se manter sentados.

Submetida ã votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Roboredo e Silva: — V. Ex.a dá-me licença?

O Sr. Presidente: — Tenha a bondade.

O Sr. Roboredo e Silva: — Eu ia pedir a palavra, mas V. Ex.a pôs à votação da Assembleia a moção para que os Srs. Deputados a aprovassem de pé. Ora o meu requerimento era justamente para que a votação fosse feita e a aprovação dada com os Deputados na posição de pé.

O Sr. Presidente: — Até eu, Sr. Deputado, embora sem direito a voto, me permiti acompanhar VV. Ex.as

Quanto aos outros pontos da recomendação das comissões, ou seja, que o texto do presente parecer seja transmitido pelo Presidente da Assembleia Nacional ao Presidente do Congresso Brasileiro e que se' acentue, certamente, o Presidente da Assembleia Nacional em nome de VV. Ex.as, perante o Governo, o vivo interesse da

Assembleia Nacional em que, pela regulamentação e consultas previstas nos artigos 15.° e 16.° da Convenção, se torne viável a sua rápida executoriedade, normalmente competir-me-á dar execução a estes votos de VV. Ex.as

Pergunto a VV. Ex.as se me autorizam a, em vosso nome, proceder neste sentido.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Tomo o silêncio de VV. Ex.as como de assentimento.

Em consequência, vou encerrar a sessão.

Convoco a Comissão de Legislação e Redacção a fim de dar ia última redacção, nos termos regimentais, ás resoluções votadas na Assembleia ontem e hoje. A Comissão de Legislação e Redacção reunirá para o efeito na próxima terça-feira, dia 23, ás 17 horas. E como as nossas Comissões de Finanças e de Economia estão prosseguindo o estudo da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1972, e necessitam de se debruçar atentamente sobre ela, e considerando ainda a intercorrência de um dia feriado, marco a próxima sessão para o dia 2 de Dezembro, à hora regimental, tendo corno ordem do dia o início da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1972.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Júlio dos Santos Almeida.

Deodato Chaves de Magalhães Sousa.

Francisco de Nápoles Ferraz de Almeida e Sousa.

Henrique dos Santos Tenreiro.

Henrique Veiga de Macedo.

João Paulo Dupuich Pinto Castelo Branco.

José Dias de Araújo Correia.

José de Mira Nunes Mexia.

José Vicente Pizarro Xavier Montalvão Machado.

Manuel Artur Cotta Agostinho Dias.

Manuel Elias Trigo Pereira.

Manuel José Archer Homem de Mello.

Miguel Pádua Rodrigues Bastos.

D. Sinclética Soares dos Santos Torres.

Teófilo Lopes Frazão.

Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.

Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira.

Alexandre José Linhares Furtado.

Amílcar Pereira de Magalhães.

António Fausto Moura Guedes Correia Magalhães Montenegro.

António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda.

Artur Augusto de Oliveira Pimentel.

Augusto Domingues Correia.

Augusto Salazar Leite.

Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.

Carlos Eugénio Magro Ivo.

D. Custódia Lopes.

Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.

Fernando Artur de Oliveira Baptista da Silva.

Fernando Augusto Santos e Castro.

Fernando de Sá Viana Rebelo.

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Francisco José Pereira Pinto Balsemão.

Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.

Henrique José Nogueira Rodrigues.

João António Teixeira Canedo.

João Duarte Liebermeister Mendes de Vasconcelos Guimarães.

João Lopes da Cruz.

João Pedro Miller Pinto de Lemos Guerra.

João Ruiz de Almeida Garrett.

Joaquim José Nunes de Oliveira.

Jorge Augusto Correia.

José Coelho Jordão.

José da Costa Oliveira.

José Guilherme de Melo e Castro.

José Maria de Castro Salazar.

José dos Santos Bessa.

José da Silva.

Lopo de Carvalho Cancella de Abreu.

Luís Maria Teixeira Pinto.

Manuel Homem Albuquerque Ferreira.

Manuel Joaquim Montanha Pinto.

Manuel Marques da Silva Soares.

D. Maria Raquel Ribeiro.

Maximiliano Isidoro Pio Fernandes.

Ramiro Ferreira Marques de Queirós.

Vasco Maria de Pereira Pinto Costa Ramos Victor Manuel Pires de Aguiar e Silva.

O Redactor — José Pinto.

Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:

Nos termos regimentais, requeiro que me seja fornecida a seguinte publicação do Instituto Nacional de Estatística:

Estatística de Educação — Continente e Ilhas Adjacentes, 1970.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Novembro de 1971. — O Deputado, Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva.

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Imprensa Nacional

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