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26 DE JANEIRO DE 1972 3081

Há que acentuar que, apesar de as estatísticas, quanto aos recursos em médicos e escolas médicas, serem, na grande maioria idos países europeus, muito mais favoráveis que as nossas, tais países consideram-se em estado de carência, paio que definem políticas tendentes a aumentar significativamente tais recursos. Por exemplo: a Suécia propõe-se atingir a taxa de 180-200 médicos por 100 000 habitantes, em 1980; a Franca, 230:100 000 em 1985, e a Espanha avalia em 2 000 o número anual de novos médicos necessários para os objectivos marcados para 1975. Note-se que, neste país, só em 1968 foram criadas 6 Faculdades de Medicina. O Reino Unido, com 17 escolas médicas em 1968, tem agora 25.

Fica aqui perfeitamente demonstrado, creio eu, que o Paia, considerando mesmo apenas o continente e ilhas adjacentes, se encontra despovoado de médicos, pois, se excluirmos as cidades do Porto, Lisboa e Coimbra, a relação número de médicos-população é Aras vezes pior do que aquele mínimo que nos índices da Organização Mundial de Saúde se considera razoável. E se atendermos a que o consumo médico, por diversas razoes, tende progressivamente a aumentar, por aumento da população, por aumento do número de pessoas de idade, por aumento da frequência das doenças crónicas, por aumento das doenças da civilização urbana, pela diversificação progressiva dos serviços médicos, porque os médicos se vão cada vez mais "funcionarizando" e passam a trabalhar menos horas por dia e a ter direito a usufruir da reforma - esta escassez extraordinária de médicos que sofremos virá a agravar-se muito mais no futuro. Se anotarmos que no último decénio s média anual de novos licenciados foi apenas de 123, chega-se perfeitamente à conclusão que a produtividade das nossas Faculdades de Medicina não é satisfatória para as necessidades do Pais.

Produtividade baixa em valor absoluto, mas baixíssima em rendimento, isto é, comparando o número de alunos que entram e o número de médicos que saem. As perdas são superiores a 50 por cento, quando nos índices internacionais se consideram como "normais" perdas até 8 por cento.

Se referirmos o número de Faculdades para o número de habitantes, verificamos que a relação em Portugal, e apenas considerando o continente e ilhas, é de l Faculdade de Medicina para 2,9 milhões de habitantes, o que é o índice muito pior que em qualquer outro país europeu. Creio, portanto, que a única forma de conciliar a necessidade imperiosa de mais médicos com a necessidade imperiosa e da mais elementar honestidade, que em ceda Faculdade só entrem os alunos em número correspondente Aquele que elas podem educar, é a criação de novas Faculdades de Medicina.

Isto é um problema, para mim, tão essencial, mesmo em ordem à reforma do ensino médico, que, se o Sr. Presidente mo permitir e se houver oportunidade, eu tratarei em segunda intervenção.

Vou terminar. Ficaram expostas, segundo o meu pensamento, as grandes linhas de uma política da educação médica em Portugal, mas eu não poderia terminar sem declarar que elas não resultariam se essa educação não fosse eminentemente educativa, isto é, se não formasse efectivamente cada um dos seus sujeito" no sentido da sua disposição total para o serviço da comunidade em que se vão integrar. E como esta formação não se prega com palavras, mas aprende-se, assimila-se pelo exemplo, eu espero que o corpo docente das Faculdades de. Medicina portuguesas esteja realmente à altura deste momento decisivo que a educação médica portuguesa atravessa.

E termino, fazendo um voto: o de que nunca aconteça a ninguém, nem a mim me volte a acontecer, o que não há muito me sucedeu, num dia 2 de Novembro de certo ano, ao entrar num cemitério onde tenho alguns filhos. Ao ver muitas daquelas campas, eu pensei em quantos que ali estavam teriam morrido por falta de uma assistência médica, quantos daqueles que estavam ali mortos poderiam estar vivos. O meu voto, pois, é que esta pergunta nunca mais se possa fazer com real fundamento.

Muito obrigado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Miller Guerra: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que pede V. Ex.ª a palavra?

O Sr. Miller Guerra: - Pela importância e actualidade do aviso prévio que acaba de ser apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Machado, roqueiro a V. Ex.ª a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.

O Sr. Miller Guerra: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miller Guerra, para generalização do debate.

O Sr. Miller Guerra: - O aviso prévio que acaba de ser apresentado à Assembleia retraia o estado do ensino da Medicina no nosso país, diagnostica-lhe os males e propõe soluções.

De tantos estudos sobre o assunto, feitos por pessoas autorizadas, o do Deputado Pinto Machado é dos mais completos e penetrantes. Direi que chega no momento preciso, no instante em que o desenrolai: dos acontecimentos atinge o ponto crítico.

Durante muitos anos, apesar das repetidas exposições, apelos e clamores das Faculdades, oriundos do corpo docente ou discente, o ensino na sua concepção, métodos e particularidades conservou-se de harmonia com os cânones tradicionais, desactualizados.

As estruturas pedagógicas, herdadas de um passado remoto, continuaram, e continuam, dominando a formação dos novos médicos e cingindo as Faculdades num espartilho asfixiante.

O curso médico reflecte, como não pode deixar de ser, a educação universitária que reina entre nós. Por um lado, funda-se na aula magistral e nas relações de carácter paternalístico entre o professor e o aluno; por outro, numa organização fortemente hierárquica, centralizada, autoritária.

Aqui se radica o sistema, e daqui derivam os seus defeitos maiores. Construído numa época em que as ciências médicas, a profissão e a sociedade, eram bem diferentes do que são hoje, não se modificou, salvo num ou noutro ponto que não lhe afecta o espírito nem a estrutura. E a desarmonia entre a cadência evolutiva das ciências e da vida social e a inércia do sistema escolar a causa importante do mal-estar e do tremendo atraso.

Bem sabemos que as instituições universitárias são normalmente conservadoras e -tantas vezes! - reaccionárias. Longe de serem, como em regra se crê, instrumento ou acicate das transformações sociais e intelectuais, pelo contrário, opõem-se ao movimento, especialmente nas épocas de mudanças activas como a nossa.