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3612 DIÁRIO DAS SESSÕES Nº. 184

que comprovou o rigor do sistema, em navegação aérea nocturna, e os seus profundos conhecimentos de investigador da náutica dos Descobrimentos, que tanta luz trouxeram a confusão talvez propositada de certos meios estrangeiros, convém informar que untes da viagem aérea ao Brasil, e logo em fins de 1919 ou começos de 1920, Sacadura e Gago Coutinho iniciaram os seus estudos com o objectivo de preparar a viagem que vieram a executar.

Resolveram o problema do abatimento ou deriva provocado pelo vento inventando um sistema prático para corrigir o rumo, com o seu corrector de rumos, trabalho dos dois oficiais, simplificando os cálculos que a navegação astronómica aérea impunha, e criando, pode dizer-se, um novo sextante de horizonte artificial para observações aéreas em que o génio de Gago Coutinho foi dominante.

De resto na sua viagem aérea experimental Lisboa-Madeira ocorrida em Março de 1921, o sistema fora provado com êxito total.

Gago Coutinho voara pela primeira vez com Sacadura Cabral em 1917 e a sua impressão foi nitidamente favorável quanto à segurança que sentiu: "até governei um pouco. Pareceu-me bastante fácil e muito mais seguro do que eu julgava. Em todo o caso entusiasmei-me", escreveu no seu diário.

Ambos tinham trabalhado como geógrafos, sob a chefia de Coutinho, em Moçambique, e daí vieram as suas relações de amizade, cimentada por caracteres muito fortes, verdadeiro espírito de sacrifício, resistência física, inteligência superior e devoção à Pátria, que eram apanágio comum.

O País após a 1.º Grande Guerra tinha atravessado crises graves, em que se salientava a intranquilidade, consequência de alterações da ordem pública frequentes. O ambiente era fracamente pessimista, fazendo viver angustiados os verdadeiros portugueses, que eram como sempre a quase totalidade. Quem não terá ouvido falar na chacina de 19 de Outubro de 1919!

Os nossos dois heróis tinham bem firme no seu espírito que algo de transcendente e de épico poderia ser o meio de unir os portugueses desavindos, fazendo vibrar aquele amor pela Pátria que nunca fenecera entre os lusitanos.

Essa ideia contribuiu sem dúvida para os incentivar nos seus quase sobre-humanos objectivos, até porque se tratava de dois homens que não eram políticos, mas apenas portugueses e marinheiros.

Por outro lado, vivia-se no Brasil, onde a colónia portuguesa tinha a maior projecção, uma fase ingrata, havendo-se iniciado uma espécie de companha nativista, envolvendo necessariamente os portugueses, que poderia deteriorar as tradicionais boas relações que uniam as duas pátrias irmãs. A viagem que estes dois intrépidos oficiais de marinha prepararam tinha assim, além do seu valor científico ímpar, que abriu os espaços à navegação aérea, sem acasos e sem balizas, objectivos nitidamente políticos, que eram os de procurar a união que se impunha e finalizar disputas mesquinhas entre portugueses, e através da sua ligação com terras de Santa Cruz criar ali ambiente de vibração, exaltando as históricas tradições lusas, e vivificar o orgulho entre brasileiros da sua origem portuguesa. Por isso, no pensamento de Sacadura esteve sempre a ideia de associar a aviação brasileira aos seus imaginosos projectos.

Penso que tem interesse trazer este rápido apontamento a Câmara, pois são em número dígito os Srs. Deputados que eram adultos à data da travessia aérea do Atlântico Sul. Eu próprio frequentava o 1.° ano da Escola Naval.

Sobre mais pormenores dos aspectos técnicos e científicos da viagem, além da divulgação escrita, em que tem lugar destacado o distinto coronel aviador Pinheiro Correia, que seria redundância alinhá-los depois da sessão solene do dia 30 de Março último na Sociedade de Geografia, e dos vários artigos publicados na imprensa diária, há ainda os produzidos na sessão da Assembleia Nacional de 14 de Fevereiro de 1958, em homenagem ao almirante Gago Coutinho, permitindo-me sugerir aos interessados a leitura do diário dessa memorável sessão em homenagem àquele extraordinário português.

Lembrarei somente que foram utilizados três hidroaviões monomotores, Fairey, e três navios de guerra - modestos navios, um dos quais a que se dava o título pomposo de cruzador e não passava de um simples aviso de pouco mais de uma dúzia de centenas de toneladas de deslocamento - para apoio em Lãs Palmas, em Cabo Verde e em Fernando de Noronha inicialmente, e depois nos penedos, quando se reconheceu que o avião não tinha autonomia para alcançar aquela ilha, e teve "felizmente" de optar-se pela amaragem nos penedos. Um quarto navio foi utilizado, a título imprevisto, para transportar o terceiro Fairey, a que se deu o nome de Santa Crus, para Fernando de Noronha.

O voo mais longo, entre a ilha de Santiago e os penedos, durou 11 horas e 21 minutos, percorrendo-se 908 milhas, ou 1682 km, números redondos.
O Penedo de S. Pedro tem a extensão de 200 m e o seu ponto mais elevado apenas uns escassos 19 m. Qualquer grande navio de passageiros ou petroleiro é muito maior e mais alto do que o Penedo. Por aqui se pode avaliar da precisão, do rigor inultrapassável da navegação executada! Durante este voo foram feitas quarenta observações do Sol!

A recepção que no Brasil se fez aos nossos aviadores, as cerimónias, distinções e manifestações de todas as espécies e em todos os níveis, atingiu o mais entusiástico grau de apreço, carinho e euforia. Portugal agigantou-se aos olhos dos brasileiros. Esse objectivo foi indiscutivelmente alcançado pelos nossos heróis.

O Dr. Epitácio Pessoa, então Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, pronunciou, a propósito do feito dos nossos oficiais de marinha, as palavras seguintes:

Não são rigorosamente exactos aqueles que dizem que só os portugueses domiciliados no Brasil vibram de entusiasmo com a chegada dos aviadores. Não, não são somente os portugueses; são os brasileiros também, com eles identificados, no mesmo sentimento de patriotismo e de orgulho, ao verem realizada, por homens da mesma raça, da mesma língua e, pode dizer-se, da mesma Pátria, essa proeza estupenda de que não há igual na história dos outros povos.

Em Portugal foram dias de delírio que se viveram, entrecortados de angústias, quando o segundo Fairley amarou entre os penedos e Fernando de Noronha, por avaria do motor, e também aquando da perda do Lusitânia, ao pousar nas águas pouco calmas junto aos penedos, receosos pela vida dos maiores de todos nós e de que a viagem ser ao concluísse por via aérea.

Eu sou testemunha ocular e participante de todas essas horas de ansiedade e de entusiasmo ilimitado. Lisboa em peso veio para a rua vibrando de patriotismo e orgulhosa por ser a capital do país que tais filhos tinha.

No Congresso da República, no fim de cada etapa, sempre houve vozes de apoio que recordavam o merecimento do que se ia passando, e o Presidente da Revolução República, esse grande e honrado português que foi o Dr. António José de Almeida, não deixou de acompanhar carinhosamente os bons e maus momentos da viagem.