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3616 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 184

Os seus projectos eram grandiosos e neles teria, sempre que houvesse navegação astronómica a executar, a comparticipação de Gago Coutinho.
Desde a volta ao Mundo, a que pretendia associar aviadores brasileiros, como já referi, a um projecto menos ambicioso, mas sem deixar de ser notabilíssimo, tal fosse a viagem Lisboa-Angola-Moçambique-Goa (tudo dependia dos recursos de que viessem a dispor), a sua imaginação não parava nem o seu extraordinário poder de planear e realizar.
Sacadura Cabral era um insatisfeito, um obstinado organizador e um completo piloto e navegador dos ares.
Creio que a raça se mantém íntegra nas suas qualidades intrínsecas. A coragem, a abnegação e o patriotismo dos Portugueses vêm sendo postos à prova há mais de onze anos na luta contra a subversão revolucionária em África.
Apesar de já longa, exaustiva e desgastadora, os sacrifícios impostos por esta luta a tantos não têm sido apreciados devidamente por reduzida, parte da Nação, e digo-o com verdadeira mágoa.
Os nossos militares, que o mesmo é dizer a nossa generosa juventude, têm sido dignos sucessores dos fundadores da nacionalidade, dos homens de Nuno Álvares, dos da Restauração e dos que se bateram na 1.ª Grande Guerra.
Quantos heróis não vivem hoje em Portugal ou ganhando a vida fora dele, que tudo merecem da Pátria!
Nesta sessão da Assembleia Nacional, em que se comemora o cinquentenário da portentosa e imortal viagem aérea Lisboa-penedos-Rio de Janeiro, só ficará- bem, a meu ver, exaltar os nossos militares, lídimos continuadores daqueles outros que, como os nossos dois já lendários marinheiros, aviadores e cientistas, muito fizeram e continuam fazendo para prestigiar esta Pátria que tanto o povo de Portugal como nós, seus legítimos representantes, queremos cada dia mais respeitada e mais dignificada.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vasconcelos Guimarães: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de confessar que me dirijo a V. Ex.ª e a toda a Câmara com alguma emoção. Ter a oportunidade de evocar a figura de dois portugueses que seguindo a linha de rumo da tradição lusitana levaram, mais uma vez, o nome do seu Pais ao Mundo, reafirmando a potencialidade da raça, é responsabilidade a que não quis fugir, mas que emociona.
A travessia do Atlântico Sul foi empreendimento de repercussão mundial realizada pela aeronáutica portuguesa.
E este facto obriga a reclamar a minha juventude como oficial da Marinha e como aviador naval quando ali servi e enquadrar-me na Força Aérea, que continuo a servir. E talvez por isso que sem dificuldade de grande esforço de memória tenho presentes essas duas figuras que ao longo da minha vida tantas vezes impressionaram profundamente a minha consciência.
Relembrar a V. Ex.ª a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, a viagem de ]922, foi encargo que desde a primeira sugestão do Sr. Presidente decidi tomar, não só em sequência lógica da minha situação profissional, mas ainda, e talvez mais especialmente, por me ser dada a oportunidade de trazer outra vez o feito histórico à memória dos mais velhos e ao conhecimento dos mais novos.
Valorizar os homens, reconhecer os seus motivos, consciencializar seus actos, exaltar, em resumo, é, repete-se, incumbência honrosa só ofuscada pelo temor de não saber dar a palavra a força, e o brilho que o acto merece.
Mas o País tom acampainhado a grande viagem através de comunicações mais diversas. Desde a Sociedade de Geografia à mais pequena academia popular, com inicio a 30 de Março, data da partida até hoje, 18 de Abril, dia da chegada aos rochedos de S. Pedro e S. Paulo, se tem comemorado com a maior dignidade o 1.º centenário da primeira ligação aérea Portugal-Brasil.
Por isso não se teme pelo diminuto brilho da exposição, mas exulta-se pelo ambiente em que é feita: a Câmara dos Representantes do Povo, a Assembleia Nacional, que sempre, desde 1922, tem prestado as melhores e maiores homenagens aos ilustres aviadores.
Fica a certeza de se traduzir o sentir de todos os Srs. Deputados, o que representa o sentimento da maioria, senão da totalidade dos portugueses.
É portanto natural que se exteriorize, de forma tão impressiva quanto possível, a enorme satisfação pelo resultado do grande feito aeronáutico que Sacadura Cabral e Gago Coutinho conseguiram.
Vamos por isso analisá-lo, mas para o fazer temos fatalmente de enquadrar essa viagem nos três parâmetros que o condicionaram ou em três capítulos distintos:
A ciência;
A aventura;
A política.

Muito se tem já escrito sobre a primeira travessia aérea do Atlântico Sul e sobre o poio científico que a mesma necessário foi dar.
Não haverá, portanto, alternativa para evitar repetições de conceitos já emitidos, mas julga-se valioso recordá-los, já que não é possível ser-se original.
Creio bem que a melhor síntese se faz dizendo que a primeira travessia aérea de um oceano feita com base científica foi a realizada por Sacadura Cabral e Gago Coutinho. De facto, até ai, a primeira viagem aérea de longo curso - a ligação da América à Europa, realizada pela aviação naval americana em 1919 - foi apoiada em navios colocados ao longo do percurso.
Grande influência teve ao espírito dos dois aviadores esta travessia, que os levou a prosseguirem e a intensificarem os seus estudos de navegação aérea astronómica.
De tal forma o fizeram, que, baseados no sextante de horizonte artificial, de invenção de Gago Coutinho, no corrector de rumos, trabalho conjunto de ambos, no aperfeiçoamento do calculo náutico que viria a ser aplicado, conseguiram levar o seu avião a dois rochedos com as dimensões de 200 m por 150 m e com uma altura de 19 m, emergindo do meio do Atlântico Sul e descobertos em 1511 pela nau portuguesa S. Pedro.
Deu-se à navegação aérea um aspecto positivo, eficiente e prático, que permitiu o início da utilização do meio aéreo como meio natural de transporte de pessoas e bens, dentro da cobertura do natural coeficiente de segurança.
Mas tudo isto só foi possível porque os dois extraordinários e brilhantes marinheiros eram, por si, já uns cientistas estudiosos e conscientes.
E do maior interesse o conhecimento da vida desses dois eminentes aviadores.
Gago Coutinho que nasceu em Lisboa em Fevereiro de 1869, depois dos estudos politécnicos ingressou na Escola Naval, onde terminou o curso em 1888; prestou serviço nalguns navios da Marinha portuguesa, começando em 1893-1904 a publicação de muitos trabalhos, revelando sempre uma inteligência fora do vulgar e uma coragem indómita.