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858 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 33

O Orador: - Breve, singela e sem grandes pretensões vai ser a minha ocasional intervenção.
Breve, porque o tempo urge, temos que avançar o mais rapidamente possível na tarefa específica que o eleitorado nos confiou e nenhum de nós, assim o creio, deve correr o risco de ser justamente acusado de ter contribuído para a atrasar.
Singela, porque a não saberia fazer complicada e erudita, simples professor técnico que toda a vida tenho sido, habituado ao rigor na análise e na formulação das questões e à exposição desta em termos directos, claros, acessíveis.
Sem grandes pretensões, porque saem da boca de um homem já velho, sem nenhumas ambições pessoais ou políticas, que não tem agora outro programa para o fim da sua vida que não seja o de retornar à tranquilidade dos seus estudos, uma vez levada a cabo esta última missão pública, que, não sem rude sacrifício, aceitou desempenhar.
A actualidade política que vivemos e os aspectos muito particulares que a estão caracterizando impõem-me que tente dar o meu contributo para um melhor entendimento da complexa e perigosa conjuntura que atravessamos.
Com este propósito, gostaria de apresentar a esta Assembleia um testemunho muito pessoal, produto das frequentes observações directas que pude ir acumulando, ao longo da minha permanência de alguns meses no extinto Conselho de Estado, sobre a maior parte do grupo de oficiais, antigos membros desse Conselho e actuais componentes do Conselho da Revolução, que tiveram, há dias, a hombridade e a lucidez de declarar publicamente «ter chegado o momento de se clarificarem posições políticas e ideológicas, terminando com ambiguidades que foram semeadas e progressivamente alimentadas por todos aqueles que, dentro e fora das forças armadas, estavam interessados no descrédito de uns tantos para melhor poderem fazer valer e impor as suas próprias ideias». E que souberam também, esses mesmos homens, terminar o seu histórico documento com palavras que, para todo o sempre, ficarão a vibrar nas nossas consciências: «É necessário reconquistar a confiança dos Portugueses, acabando os apelos ao ódio e as incitações à violência e ao ressentimento. Trata-se de construir uma sociedade de tolerância e de paz e não uma sociedade sujeita a novos mecanismos de opressão e exploração.»

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Orador: - Quem são estes homens, estes elementos destacados do MFA, estes revolucionários consequentes do 25 de Abril, que assim tão desassombradamente resolveram manifestar-se à luz do dia?
Embora esteja ciente de que não precisam do meu aval, nem estão à espera de que eu lhes passe certificados de boa conduta política, que, aliás, não tenho qualidade para passar seja a quem for, gostaria de vos trazer aqui, repito, a seu respeito, o meu depoimento pessoal, estritamente pessoal.
Dos dez signatários do famoso texto, apenas não tenho o gosto de conhecer o major Costa Neves, o brigadeiro Pesarat Correia e o capitão Sousa e Castro.
Mas convivi de perto com os restantes sete: Vasco Lourenço, Canto e Castro, Vítor Crespo, Melo Antunes, Vítor Alves, Franco Charais e Pinho Freire, que comigo se sentaram na Sala das Sessões do Conselho de Estado no Palácio de Belém.
Por isso mesmo, porque os fiquei conhecendo pior ou melhor, quando os vejo agora apelidar, aberta ou veladamente, de adversários da Revolução Portuguesa, ou até de contrarevolucionários, se não mesmo de inimigos do povo, eu que os vi sempre actuar, nas horas fáceis, como nas difíceis, como espíritos politicamente progressistas, como adeptos convictos de um claro ideário socialista apartidário (tão resistente à sedução social-democrata da colaboração de classes, quão impermeável às tentações da ditadura burocrática), como democratas sem compromissos perante os interesses estabelecidos, como adversários frontais da reacção, como autênticos revolucionários em suma, não posso deixar de sentir e afirmar que tais acusações ou não são honestas ou só podem provir de quem os não conhece.

Aplausos.

Pela minha parte, estou certo de que o caminho que eles desejam que Portugal percorra é, na sua essência, exactamente o que nos foi apontado pelos melhores «capitães do 25 de Abril, aqueles que, na clandestinidade e correndo todos os riscos, abriram as portas à difícil mas promissora Revolução Socialista, e outro objectivo que não fosse este jamais visaram ou prosseguiram.
Homens corajosos, responsáveis, lúcidos, ávidos de aprender, abnegados, servidores do povo - como é possível alguém dizer ou julgar que não pretendem a redenção deste e insinuar ou acreditar que estariam conluiados para nos impor formas de regresso a um passado para cujo completo desaparecimento eles contribuíram mais do que ninguém? Como é possível?

Aplausos.

Quem os viu reagir, como eu os pude ver, emocionados, aos acontecimentos contra-revolucionários de Junho e Setembro de 1974, não hesitando em assumir as suas responsabilidades e em correr os riscos que estas lhes impunham - tem a certeza absoluta de que não são reaccionários, abertos ou escondidos, contra-revolucionários, confessos ou disfarçados, mas sim revolucionários sem mácula, que não desejam senão ver a nossa pátria caminhar com firmeza e sem desmandos inúteis no sentido que o seu povo conscientemente escolheu através das eleições ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... um socialismo genuíno, destruidor; sem dúvida, do nefasto capitalismo, mas capaz de respeitar e defender as liberdades cívicas!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos prolongados.
(O orador fez a sua intervenção na tribuna.)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Calha.