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21 DE JUNHO DE 1980 3093

do historiador profundo, sério e rigoroso, a dimensão do homem de acção, de lutador, de interventor. A sua pena tanto serviu para publicar as suas obras de investigação como para escrever testemunhos de lutador antifascista, de lutador da liberdade.
Com orgulho, recordo também o facto de precisamente um ano antes do 25 de Abril o Prof. Joaquim Barradas de Carvalho me ter confiado em Paris, apesar de já na altura pertencermos a partidos diferentes, o manuscrito que escrevera intitulado «O Obscurantismo Salazarista», manuscrito esse que veio a ser posteriormente publicado já a seguir ao 25 de Abril.
Aliás, convém recordar que o Prof. Joaquim Barradas de Carvalho era membro da Comissão do Livro Negro do Fascismo, onde fora justamente encarregado de estudar a bibliografia proibida ao longo dos anos da ditadura. Aliás, ninguém melhor do que ele estaria em condições de o fazer.
Convém ter presente que a obra de historiador do Prof. Joaquim Barradas de Carvalho marcará condigna e indelevelmente a nossa historiografia. Já aqui foi assinalado pelo Sr. Deputado Vítor Sá - mas convém sublinhá-lo - que o Prof. Joaquim Barradas de Carvalho é justamente considerado uma das maiores autoridades mundiais no campo da historiografia do Renascimento. E convém pôr em destaque a sua obra sobre a busca da especificidade do Renascimento português, bem como a sua tese de doutoramento de estado que brevemente será publicada, sobre o Esmeralda de Situ Orbia e a literatura portuguesa de viagens na época das grandes descobertas.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista associa-se, assim, à homenagem que é devida por todos os portugueses patriotas e por todos os portugueses que tem a consciência da importância de afirmar o prestígio da cultura portuguesa no Mundo a esse vulto eminente que foi o democrata, o português, o antifascista e o grande historiador Prof. Joaquim Barradas de Carvalho.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi ontem a enterrar um grande português. Dele poderíamos simplesmente dizer que é um dos vultos cimeiros da cultura purtuguesa nas últimas décadas e, apesar de certas palavras estarem gastas, não há muitos homens cuja obra justifique uma tal afirmação. Falar de Joaquim Barradas de Carvalho como se se tratasse apenas de um intelectual de craveira ímpar seria, no entanto, encará-lo numa perspectiva limitada. Porque na figura do historiador internacionalmente conhecido e apreciado coabitavam outras personagens de grandeza considerável.
Havemos, antes de mais, de referir o antifascismo de sempre. As suas origens familiares não o destinavam a sentir desde cedo a injustiça de um inundo onde os fracos, os pobres, os oprimidos não tinham - como, infelizmente, continuam a não Ter - acesso a um justo quinhão. Mas o sentimento fraterno do direito à justiça eira faceta fundamental da sua personalidade. E não se tratava, tão-só de uma cómoda revolta sem riscos. Esse filho de boas famílias teve a coragem, desde a sua juventude, de assumir até às últimas consequências a luta contra o regime fadista. Estudante universitário já profundamente empenhado nessa tarefa intelectual que o iria apaixonar durante a vida inteira, Barradas de Carvalho foi suficientemente coerente paira aceitar então a vida clandestina, com todos os riscos e incomodidades que ela comportava.
Jamais sectário, singularizava-se por uma vivência cuja largueza nem sequer foi afectada pelas condições difíceis desses anos de clandestinidade. Nunca se olhou como um herói. Cabe perguntar, todavia, se a qualidade de intelectual militante, vivendo as dificuldades inerentes a essa dupla condição, não comportará justamente uma exigência autêntica de heroísmo.
Foi depois a partida para Paris, onde acabou por viver mais de duas décadas. Foi o encontro com Lucien Fevre e ia descoberta de uma outra visão da história que ele surdamente pressentia. Nem por isso a militância política cessou de o envolver por diferentes formas. No entanto, a obra histórica ia crescendo, graças a um empenhamento quotidiano de uma aplicação implacável e sem pressas. Quando os longos anos do exílio começaram, que a polícia estava atenta, nem o ritmo do trabalho nem a determinação no combate do fascismo foram alterados. A obra avolumava-se e os títulos académicos iam sendo conquistados. Nos círculos universitários, o historiador Barradas de Carvalho alargava a sua notoriedade.
Assim surgiu, naturalmente o convite para desempenhar funções de professor catedrático na prestigiada Universidade de S. Paulo. Da aceitação e da fecunda influência que o jovem mestre alcançou em terras do Brasil testemunham os numerosos discípulos que aí deixou. O agravamento da situação política brasileira reconduziu-o a França, onde o aguardava uma posição de investigador no Centre Nacional de Recherches Sientifiques.
Teve então oportunidade a sua tese monumental e inovadora que constituiu o ponto mais alto da sua obra científica. Para testemunhar do seu valor, limitar-nos-emos a assinalar que nos últimos quarenta anos houve em França apenas dez doutoramentos de Estado que obtiveram a mais alta distinção académica. Alguns dos maiores historiadores contemporâneos contam-se entre esses. Mas nessa lista de escol figura o nome de um português, o do historiador Joaquim Barradas de Carvalho.
Essa sua tese sobre o Esmeralda de Situ Orbis. de Duarte Pacheco Pereira, impressionou da tal forma o júri que u m dos seus membros - e dos mais ilustres - não hesitou em afirmar que, doravante, haveria a decidir se o Renascimento português não teria sido, afinal, tão significativo quanto o próprio Renascimento italiano.
Era esta a maneira directa mas difícil de Barradas de Carvalho afirmar o seu amor da Pátria.
Tornou-se agora impossível apagar a mágoa daqueles universitários que, após o 25 de Abril, assistiram, impotentes mas indignados, à injustiça sem nome que a estrutura da universidade portuguesa cometeu ao protelar indefinidamente a integração no seu quadro permanente deste mestre que, para trabalhar no seu país deixou a Franca e recusara tantas pró-