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21 DE MARÇO DE 1986 1729

escudo, em 1986, em 8,1% em face do dólar. E não havemos de esquecer que o Governo elaborou a sua proposta à base da cotação média de 169S, e já lá vai uma queda adicional de mais de vinte pontos!
Para além disso o já referido mergulho do preço do petróleo e do consequente embaratecimento do custo do factor energético. O crude vem, de fresca data, dos 34 dólares/barril. Vai nos 12 e já se anunciam os 8. É o reverso de 1974-1975 e da crise subsequente. É a destruição do novo bezerro de ouro.
Há ainda o coetâneo abaixamento do preço em geral das matérias-primas importadas e das oleaginosas.
Há, enfim, o IVA, esse maná dentro de outro, só ele responsável por um efeito somado de 50 milhões de receitas, ou de 84 milhões, se tomarmos em conta esse efeito conjugado com o aumento das taxas reais de impostos conexos.
Em resumo e conclusão: um aumento das receitas totais que cavalga os 40%, pulo de corça nunca visto e que tão depressa não voltará a ver-se, como usa acontecer com os cometas!
Decerto a cogitar nestas elementaridades vizinhas do óbvio, o relatório da Comissão dá por si a referir, com repetida ênfase, a margem de manobra financeira de que este governo desfruta, ora qualificada de «sem precedentes», ora esticada até à constatação de que «permite tudo»! ... Até o disparate, como veremos.
Se a estes dados de uma comparação impossível juntarmos a vantagem inestimável de governar sozinho, ainda que sem maioria, mas com namorada certa quando se faz mister uma piscadela de olho, digamos que este governo nasceu condenado a só poder governar inteiramente mal se ele próprio se revelar desastradamente péssimo.
O mínimo que a esse respeito se pode adiantar é que revela talento para o erro. A folga nas contas não é a única condição de um bom governo.
A margem de manobra financeira que este governo herdou pode, aliás, vir a revelar-se mais ampla do que a traduzida nos números da proposta do Governo.
Já vimos que o Governo trabalhou a sua proposta à base de uma cotação média anual do dólar de 169$, bem como do preço do petróleo de 16 dólares por barril. Onde vão esses pressupostos! ...
A correcção do défice da balança de transacções correntes para 300 milhões de dólares disfarça mal o facto de, nessa data, ser já mais que previsível um saldo positivo.
Sabemos, pelo relatório da Comissão, que a previsão da cobrança da contribuição industrial se mostra subavaliada em 5,6 milhões de contos, a do imposto complementar em, pelo menos, l milhão de contos, a do imposto de capitais em 5 milhões de contos, a do imposto extraordinário em 1,5 milhões de contos.
O PIDDAC vai também libertar sobejos não negligenciáveis. Dada a generosidade com que foi dotado, o adiantado do ano e a não muito optimista previsão do grau da sua exequibilidade (lembro que uma dotação bem mais modesta só pôde ser executada em 70% no ano transacto) é de prever uma redução de despesas da ordem das dezenas de milhões de contos.
Como se vê, o facto de o Governo ser pouco rigoroso a prever, não o impediu de, como regra, errar no sentido de ocultar margem de manobra. No fim do exercício dirá que foi tão bom que conseguiu ultrapassar os objectivos que se propôs!
É claro que há também suborçamentação de despesas, quando não ocultação intencional delas. Será, como foi realçado, o caso das subvenções previstas para empresas públicas, manifestamente insuficientes, e de empréstimos do tesouro seguramente não reembolsáveis. Digamos que, no encontro do a mais e do a menos, os grandes lesados são a verdade e o rigor do Orçamento. Não a margem de manobra, essa folgada!
No entanto, esta suborçamentação de despesas deve exprimir o natural complexo de culpa de um partido que na oposição clama por menos Estado e que no Governo o engurgita. Seria, aliás, a primeira vez que um governo de direita era sincero ao desejar um Estado mais «exíguo», palavra de que tanto gosta o Sr. Deputado Adriano Moreira.
Demonstrando com números: em 1977, as despesas correntes, menos juros, situaram-se ao nível dos 27,2% do PIB. Em 1983, atingiram os 33,5%. Um acréscimo, pois, de 6,3 pontos percentuais.
Destes, 6 pontos correspondem ao período de 1980-1983. Aquele, precisamente, em que o PSD mais teve a possibilidade de dar satisfação à sua própria exigência de menos Estado.
A esta «facilidade» de pôr a circular escudos através de despesas públicas correspondeu, como se sabe, a mais desbragada política de endividamento externo. No período de 1980-1983 o défice anual médio da balança de transacções correntes foi da ordem dos 2250 milhões de dólares, enquanto que, para o restante tempo decorrido entre 1974 e 1984, essa média se quedou por uns modestos 800 milhões de dólares.
Com este desembaraço para gastar escudos da rotativa do Banco de Portugal e dólares dos credores estrangeiros, não admira que os governos liderados pelo PSD tenham, a espaços, feito alguma figura.
Por isso se tornou inadiável a arrumação da casa, e se foi chamar o Partido Socialista para, uma vez mais, conduzir essa arrumação.
Quererá este governo reiniciar o ciclo do escudo fácil e do dólar alheio?
É certo que tenta reduzir o peso do Estado, cortando fatias ao sector público empresarial. Mas, aí, espero eu, serão mais as vozes do que as nozes.
O mérito ou demérito desta proposta de orçamento há-de assim medir-se, no essencial, pelo bom ou mau uso da margem de manobra de que o Governo dispunha.
A conclusão não pode deixar de ser a de que fez dela um uso socialmente reprovável. Pegou no barro e moldou-o à sua imagem e semelhança.
A criatura espelha o criador. E como o criador é neoliberal, ainda que rotulado de social-democrata, é tecnocrata, logo imune à pressão das humanidades, detesta o sector público empresarial e põe toda a sua complacência nas virtudes do privado, esta proposta de orçamento é isso mesmo o que reflecte.
Não há-de assim estranhar-se que o Governo se tenha distanciado da imagem que difunde de si, do rótulo social-democrata que pendura na contra-face dos seus actos, do fado dos Coitadinhos que diariamente canta nos ecrãs da televisão. Trata-se de gerir dinheiro e, aí, a direita é sempre igual a si mesma!
Nessa medida, e só nela, propõe um orçamento de verdade. A verdade da sua tecnocrática desumanidade.
Este não é, longe disso, o orçamento dos pobres. Os mais necessitados não tiveram padrinho nos artífices desta peça calculadamente fria. Pelo contrário, faria as

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