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2402 I SÉRIE - NÚMERO 61

Foi lido. É o seguinte:

Parecer sobre o recurso de admissibilidade do projecto de lei n.º 387/IV (CDS) apresentado pelo MDP/CDE.

O Grupo Parlamentar do MDP/CDE vem arguir, no recurso acima identificado, a inconstitucionalidade do projecto de lei n.º 387/IV, relativo à abertura da actividade televisiva à iniciativa privada, por entender que o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa impede a televisão de ser objecto não só de propriedade privada, como também de a sua gestão ser realizada por outras entidades que não públicas.
A questão suscitada - interpretação do n.º 7 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa - tem sido objecto de larga controvérsia na doutrina, não se tendo chegado a uma interpretação unívoca de tal preceito.
No entanto, tal questão chegou, até aos dias de hoje, como um problema em aberto, sendo certo que, muito brevemente, serão discutidos em Plenário da Assembleia da República os projectos do PS e do PRD sobre e a propósito de idêntica matéria.
Nestas circunstâncias, e tendo esta Comissão concluído que os aludidos projectos reunirão condições de subir a Plenário, não se vê motivo para que outrossim se deixe de adoptar o mesmo procedimento.
Nesta conformidade, é parecer desta Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, por maioria, que o presente recurso não merece provimento.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos como os órgãos de comunicação social ajudam, deformam e moldam a chamada opinião pública, por vezes distorcendo-a. Necessitando hoje de vultuosos investimentos em material humano e em sofisticadas aparelhagens electrónicas, só o grande capital financeiro pode aspirar ao seu controle exclusivo.
De órgãos meramente informativos, transformaram-se os mass media, sobretudo a partir do pós-guerra, em opulentos instrumentos das classes dominantes, temidos pelo poder político, funcionando não poucas vezes como verdadeiro contra-poder que fazia cair ministros ou mesmo governos, estrelejar crises políticas ou ribombar a vitória deste ou daquele candidato, desta ou daquela força política.
Dizia-se, ainda no pós-guerra, que na América mais poder que o presidente só Deus e mais poder do que Deus só o director do Washington Post.
Esse crescente poderio e essa crescente influência na esfera do poder político fizeram com que este se acautelasse e regulamentasse com alguma sobriedade o seu exercício. E assim que aparece o carácter público, estatal ou estatizado, dos mais fones meios de comunicação social, entre os quais avulta, evidentemente, a Televisão.
Senhora de muitos ardis, é a única que no seu meio consegue vestir em exclusivo o manto da linguagem visual ao domicílio, quase sem custos, para além dos decorrentes da aquisição da aparelhagem mais ou menos sofistica ia. Criada e aplaudida pelo poder, foi, porém, curto o seu namoro, já que à ciumeira da segunda correspondia uma clara misofobia do primeiro.
De esposa e amante compíscua, transformou-se em escrava, que, embora insubmissa, se sentava contrariada à mesa do poder. Com o seu amadurecimento, mais fortes foram sendo os laços devidos a seu amo e senhor.
O teor público da sua génese estava agora legislado e codificado, deixando lacrimejantes os voluptuosos amantes de ontem. A grande dama iria deixar de receber e proteger os seus favoritos na milionária alcova, com a qual só mitómanos e duendes sonhavam.
Difícil foi também a nova vida mais repartida, menos faustosa, mas mais útil.
Mesmo a sua natureza pública não impediu que sagrados princípios que ataviam a sua existência sofressem contestação, desvios e mesmo adulterações. E por isso, enquanto muitos se queixavam da sua isenção e do seu pluralismo, da sua democraticidade interna e da má qualidade dos seus serviços, outros rejubilavam pelo vestido de chita com que a Televisão aparecia finalmente nos écrans.
Impossíveis de regulamentar total ou completamente continuavam a ser, pois, os princípios de acesso das entidades particulares e o chamado direito à diferença.
Na sua vaguidade exemplar, a parte final do artigo 38.º do nosso texto fundamental dava em si mesma conta dessa dificuldade quase insuprível. E hoje deixa-nos que pensar sobre a hermenêutica da lei, sobre a sua leitura analógica e sobre a criação de situações que, a posteriori e à SUE revelia, se pretendem despoletar.
É evidente que a década que decorreu entre o texto inicial e a actualidade muito apresentou em termos de avanço tecnológico e de sofisticação de meios.
Mas não e claramente essa a questão principal. Essa remete-se para a vexata quaestio de saber até que ponto a lei ordinária pode mexer na lei constitucional. E se as respostas são evidentes quando a regulamentação se faz contra legem, tornam-se titubeantes na sua vaguidade ou na sua vacatio.
Conviria, por isso, ouvir o que mestres ancestrais entendiam por «imprensa pública», como, por exemplo, o Prof. Marcello Caetano. Com efeito, diz o velho mestre de Direito Administrativo:

Como oportunamente ficou dito, o instituto público terá por substracto uma empresa quando esta consista numa organização em que se combinem o capital fornecido por pessoas colectivas de direito público (capitais públicos) com a técnica e o trabalho paia produzir bens ou serviços destinados à oferta no mercado, mediante um preço que cubra os custos e permita o financiamento normal d 3 empreendimento.

Constitucionalistas mais actualizados, homens cuja autoridade creio que ninguém ousará discutir, abordam também este assunto. É o caso, por exemplo, de Vital, Moreira que, comentando na sua Constituição Anotada o artigo 8.º, diz o seguinte:

Ser do estes a razão de ser e o enquadramento constitucional da Televisão, compreende-se então que a norma abranja igualmente a interdição de entrega ou concessão da Televisão a quaisquer outras entidades, independentemente da sua natureza. Além do mais, porque não se vê como poderia então ser respeitado o princípio da igualdade e não discriminação no acesso à Televisão.

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