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27 DE MARÇO DE 1987 2403

Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estes argumentos muito mais do foro do Direito do que propriamente do da política, embora uns possam vir a desembocar noutros. Tal nos faz colher, com segurança, a certeza de que o artigo 38.º da nossa Constituição não pode ser mexido por via ordinária, nem em termos de concessão de bens ou serviços, nem em termos de concessão de exploração tout court. Uma e outra situações prefigurariam, de facto, uma mexida no texto constitucional, ou seja, uma parcial revisão da lei fundamental.
O sentido laborai da norma aponta, inequivocamente, para tal asserção, e esta sai reforçada se tivermos em conta, numa procura do sentido sistemático que neste artigo se encontra, a parte I da Constituição (Direitos, Liberdades e Garantias) e não a sua parte n, sobre a organização económica, o que indicia, desde logo, que a Televisão não pode ser considerada como meio de produção económica.
De resto, não faria sentido que o legislador constituinte estivesse a proibir neste artigo a possibilidade da apropriação privada de algo, possibilidade essa que já se encontra proibida no artigo 83.º da Constituição, referente a nacionalizações e desnacionalizações. Na verdade, estando a RTP nacionalizada desde Dezembro de 1975, seria redundamente que o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição abrangesse apenas a titularidade da propriedade dos meios de distribuição.
Assim sendo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pelas razões invocadas, votaremos pela inconstitucionalidade deste projecto de lei.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do MDP/CDE veio arguir, em recurso próprio, a inconstitucionalidade do projecto de lei n.º 387/IV, relativo à abertura da actividade televisiva à iniciativa privada, por entender que o n.º 7 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa impede a televisão de ser objecto não só de propriedade privada, como também de a sua gestão ser realizada por outras entidades que não públicas.
Porque considera que uma e outra coisa veda o diploma fundamental, avança que só no âmbito da próxima revisão da Constituição se poderá discutir o impacte que as novas tecnologias exercem sobre este veiculo de comunicação social e só então essa influência poderá eventualmente modificar o seu tratamento constitucional.
Também o CDS considera que esta matéria deve ser objecto de revisão constitucional, mas na perspectiva da possibilidade de a televisão passar a ser um serviço não exclusivamente público e, consequentemente, passar a permitir-se também a propriedade privada dos instrumentos e das infra-estruturas necessárias à prestação daquele serviço.

O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Disso não se trata, porém, agora. Agora trata-se apenas de analisar se com o preceito constitucional contido no n.º 7 do artigo 38.º, onde se prescreve que «a televisão não pode ser objecto de propriedade privada», é coonestável o projecto de lei n.º 387/IV, do CDS, designadamente na parte em que este preconiza o exercício da actividade da radiotelevisão por entidades privadas, através de concessão.
Como já em outro momento tivemos ocasião de dizer neste Plenário, maneira fácil de ultrapassar a dificuldade consistiria em defender que este normativo constitucional se reporta tão-só à propriedade no sentido jurídico-económico do termo, isto é, veda apenas a propriedade privada da televisão, mas não a sua gestão por entidades privadas.
Ou ainda, de outro modo, pretender que a proibição constitucional atinge apenas a apropriação privada dos instrumentos e das infra-estruturas necessárias à «distribuição e transporte por intermédio de ondas electromagnéticas de imagens permanentes e sons destinados à recepção directa pelo público», e não à emissão de programas. Dir-se-ia, nesta hipótese, que o conceito de «televisão», utilizado no citado n.º 7 do artigo 38.º, abrangeria aqueles instrumentos e infra-estruturas. e não os serviços de comunicação. Crê-se, porém, não ser correcta esta posição.
Pelo contrário, a inserção daquele normativo no título relativo a «direitos, liberdades e garantias», a própria epígrafe «liberdade de imprensa» impõe que, no preceito constitucional em análise, «televisão» é não só um meio técnico de comunicação, mas também ou até, principalmente, os serviços de comunicação que, através daqueles, se prestam ao público, ou seja, a emissão de programas acessíveis ao público.

«televisão», tal como é concebida neste preceito, não é pois um bem económico e, muito menos, um bem de produção como, de resto, defende o MDP/CDE no seu recurso. E tem, por força da decisão constitucional, tal como hoje existe e sem prejuízo de o CDS entender que a mesma deve ser objecto de revisão, de estar sujeita ao regime de propriedade pública e afectada a um fim de utilidade pública. É um bem do domínio público.
Ora, as coisas públicas estão fora do comércio jurídico privado, pelo que são insusceptíveis de redução à propriedade particular, imprescritíveis e impenhoráveis. Mas, à luz das normas do direito público, as coisas públicas podem ser comerciáveis, admitindo, designadamente, «a criação de direitos reais administrativos e de direitos administrativos de natureza obrigacional em benefício dos particulares, designadamente concessões, como ensina, não o velho, porque infelizmente já não faz parte do número dos vivos, mas o insigne mestre Marcello Caetano no seu Manual de Direito Administrativo.
Assim, a natureza pública do bem «televisão» não impede a sua exploração por entidades particulares desde que essa exploração obedeça ao regime de concessão (do domínio público e de serviço público), o que envolve, por parte do Estado, o poder de a regulamentar e de resgatar a concessão, quando for caso disso.
Decorre daqui que o n.º 7 do artigo 38.º não proíbe a concessão do serviço público «televisão» a pessoas de direito público ou de direito privado. Ponto é que o legislador, no exercício da competência prevista na alínea x) do artigo 168.º da Constituição, estabeleça o regime jurídico da exploração da televisão, definindo, designadamente, quem para isso pode requerer e obter concessões. É isso que com a presente iniciativa legislativa do CDS e de outros partidos se pretende alcançar.

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