24 DE OUTUBRO DE 1990 97
desenvolvimento tecnológico, apesar de haver condições para que assim não seja, já que está em curso, nos dois países, um grande esforço educacional, científico e técnico, e existe uma situação de desenvolvimento tecnológico semelhante ou complementar.
Na educação e ciência está ainda por descobrir a rota de Cabral.
Mais portugueses e brasileiros deviam frequentar cursos de pós-licenciatura e de aperfeiçoamento tecnológico no país irmão. É fundamental desenvolver programas comuns de investigação e desenvolvimento.
No campo do audiovisual, quero mais uma vez afirmar a necessidade da criação de um canal, via satélite, de língua portuguesa. E faço-o com redobrada convicção, porque contribuiria para a consolidação do espaço cultural, manteria ligadas as diásporas dos países de língua oficial portuguesa e ajudaria ao conhecimento de uma cultura que não disfruta do grau de difusão que merece. Não recebemos o quinhão de reconhecimento e de apreço correspondente à nossa valia.
Sr. Presidente, o Brasil constitui, para os Portugueses, uma esperança em que nos revemos com legítimo orgulho e em que acreditamos com entusiasmo, esperança que nasce de um humanismo que comungamos e nos é caro.
Portugal, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Brasil e ainda Moçambique e Timor Leste, e outros rincões dispersos pela Ásia, são um cadinho que fabricou a alquimia de uma comunidade lusíada de nações que, respeitando-se mutuamente, não encontra par. Acreditamos no seu futuro, embora os seus caminhos não sejam fáceis de trilhar, como não será fácil abandonar e substituir alguns arquétipos que ficaram do passado para investir na linguagem da modernidade. Importa, no entanto, que se ponha todo o esforço no empenhamento de melhor conseguir.
Sr. Presidente, como Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego, só nos conhecemos como sinfonia, forjando a harmonia entre todos, onde o respeito pela sua individualidade e pelos direitos humanos sejam actos conscientes de comunhão com o próprio e com o seu semelhante.
A visita de V. Ex.ª constitui fundamento para novas arrancadas, para procurar uma identidade pragmática que, de tão fértil, resulte em benefícios para a família universal e, em particular, para os povos que se encontram e reencontram, já lá vão 500 anos.
Aplausos gerais.
Vai usar da palavra S. Ex.ª o Presidente da República Federativa do Brasil.
O Sr. Presidente da República Federativa do Brasil
(Collor de Mello): - Exmo. Sr. Dr. Vítor Pereira Crespo, Presidente da Assembleia da República, Ex.º Sr. Dr. Mário Soares, Presidente da República Portuguesa, Srs. Embaixadores acreditados junto do Estado Português, Srs. Deputados, minhas Senhoras e meus Senhores: Quero agradecer sensibilizado, Sr. Presidente, as palavras generosas que me dirige V. Ex.ª, ilustrando as tradições de cortesia desta Casa e a amizade profunda que une Brasil é Portugal.
Ao escrever suas memórias, há cerca de um século, afirmava Joaquim Nabuco que nós, Brasileiros, não vamos, mas voltamos à Europa. Evidentemente, referia-se o grande diplomata e estadista às raízes históricas e culturais da Nação Brasileira, firmemente plantados no solo fértil do Velho Continente. Sem a pretensão de corrigir Nabuco, diria que é sobretudo a Portugal que nós, Brasileiros, voltamos. Não sei se há na história dos povos exemplo que se assemelhe ao carinho mútuo que caracteriza as relações entre Brasil e Portugal. Nosso passado comum não é fonte de contendas ou ressentimentos, mas constitui, antes, testemunho indelével de amizade entre dois povos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história da democracia confunde-se com a crónica da vida parlamentar. Neto e filho de políticos, e tendo tido eu mesmo a honra e o privilégio de exercer mandato no Congresso brasileiro, sinto-me autorizado a reafirmar minha convicção de que um parlamento forte e actuante é condição imprescindível para a vitalidade da instituição democrática.
O poder legislativo, porta-voz privilegiado da vontade popular e de seus anseios de mudança, representa, simultaneamente, factor de estabilidade e de transformação. As complexas relações sociais e as funções múltiplas do poder público cada vez mais exigem a vigilância actuante e permanente do parlamento, de modo a garantir a fluidez do processo democrático e sua continuidade.
Mais do que um poder da República, o legislativo constitui um dos pólos imprescindíveis do funcionamento e do aperfeiçoamento da sociedade. No Brasil, o Congresso desempenhou papel capital na recuperação do processo democrático e na reconquista das liberdades essenciais. O movimento das "Directas Já", que traduzia o limite da nacionalidade ao arbítrio e ao paternalismo, encontrou nas lideranças parlamentares apoio de primeira hora. Sob esse impulso, a renovação da Carta Magna da República pela Assembleia Nacional Constituinte configurou um dos exercícios mais solidários entre segmentos amplamente expressivos da opinião pública brasileira e seus representantes políticos.
Vivemos hoje, no Brasil, uma democracia plena por mandato da voz do povo, com cujo apoio maciço assumi a chefia do Estado nas eleições mais exemplarmente livres da história republicana, e em cujo nome lancei um programa de reconstrução nacional.
O acerto das drásticas medidas adoptadas para o saneamento da economia, a redinamização dos sectores produtivos, o arejamento ético da conduta governamental e o resgate da confiança e da esperança nacionais confirmou-se agora, aos sete meses de vigência do projecto Brasil Novo. A larga maioria dos políticos eleitos em 3 do corrente mês, tanto para os governos estaduais quanto para os legislativos da União e dos Estados, pautou sua campanha no compromisso com a modernidade que propusemos aos Brasileiros em 15 de Março último.
Estou convencido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que, a partir de agora, a nação actuará ainda mais irmanada na tarefa de levar o Brasil à prosperidade económica, assentada na justiça e na equidade sociais. O povo brasileiro e, no seu alto intermédio, as lideranças políticas nacionais, sabem que o projecto Brasil Novo continuará a exigir grandes sacrifícios da cidadania. Mas, graças à transparência da acção do governo, é reconhecimento unânime que, mais que nunca na história do país, foram esses sacrifícios reclamados de todas as parcelas da população, sobretudo dos que mais podem em benefício dos que mais precisam. A legitimidade do processo está precisamente na lisura de seus mecanismos, na grandeza de seus propósitos e na convicção generalizada de que hoje os poderes da República funcionam em estreita harmonia com as aspirações do povo brasileiro.