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29 DE MAIO DE 1993 2461

te decreto-lei se inseria na análise feita nessa revista acerca da legislação vigente em vários países. Foi exactamente isto que eu disse e, como tal, Sr. Deputado, não queira deturpar as minhas palavras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 16/93, de 23 de Janeiro, que estabelece o regime geral dos arquivos e do património arquivístico, hoje, aqui, chamado à ratificação por esta Câmara, assume uma importância que, provavelmente, a muitos soará como desajustada ou, no mínimo, surpreendente. Não se trata, na verdade, de uma questão de somenos, que apenas interessaria a alguns técnicos altamente especializados ou a essa espécie caricatural de «ratos de biblioteca», que, inconsequentemente, se comprazem com o sacudir do pó de velhos incunábulos abandonados em prateleiras bolorentas. Nada disso! Pelo contrário, do que aqui se trata é de documentos que, em grande medida, corporizam a nossa memória histórica, balizam o caminho, enformam o caminhar que deixaremos aos nossos herdeiros e constituem, afinal, material insubstituível para a construção da nossa própria identidade como homens, como povo e como nação.
É por isso que não é indiferente, nem tão-pouco secundário, o modo como preservamos, ou não, esses documentos, ou o modo como os defendemos, ou não, ou ainda o modo como os tornamos, ou não, acessíveis. Nestes domínios, o Decreto-Lei n.º 16/93, ora em apreciação, é bem um exemplo da forma desajeitada, canhestra e mesmo perversa como o governo do Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva olha para os documentos e para a história e da forma prepotente e mesmo policial como encara os investigadores. O Sr. Primeiro-Ministro e o seu governo, que vêem o futuro a fugir-lhes, pretendem talvez controlar o passado. Só que, convenhamos, muito dificilmente poderão aplicar as suas leis do segredo de Estado às relações tensas entre os Jesuítas e o Marquês de Pombal; ou poderão ocultar o problema da relação numérica entre portugueses e castelhanos na Batalha de Aljubarrota do mesmo modo como, bem recentemente, fugiram à publicitação dos números do desemprego; ou poderão ainda debruçar-se sobre a carta de Pêro Vaz de Caminha à luz do peregrino conceito do direito à informação com que ainda há bem pouco tempo o PSD geriu o seu conflito nesta Assembleia com os senhores jornalistas.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O que vos queremos dizer, afinal, é bem simples. Impossibilitados de refazer a história, o Sr. Primeiro-Ministro e o seu governo tentarão, pelo menos, reescrevê-la, ou impedir que outros a escrevam. Este Decreto-Lei n.º 16/93, mais do que regulamentador de um direito - o direito de acesso aos arquivos -, é um normativo armadilhado, é um autêntico campo de minas, que só alguns mais afortunados conseguirão ultrapassar. Mais afortunados ou mais bem parecidos aos olhos do Governo.
A extinção do Instituto Português de Arquivos, o qual durou o tempo apenas suficiente para pressentirmos a acção meritória que começava a desenvolver, a consequente criação dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo como orgão de gestão nacional dos arquivos e expressão megalómana da coincidência das funções de concepção, execução e controlo da política arquivística nacional, só comparável, por contraste, com a pobreza dos meios humanos e materiais de que dispõe, a ineficácia funcional que resulta da existência de «uns olhos tão grandes para uma barriga tão pequena», tudo nos leva a fazer crer não estar o Governo, com este decreto-lei, interessado em criar uma rede nacional de arquivos.
Em nenhum ponto do decreto aparece explícita ou implicitamente referida a existência ou a necessidade de uma rede nacional, uma rede participada e participativa, desconcentrada mas coordenada, apoiada, democrática, desgovernamentalizada, e onde num conselho nacional de arquivos, que dela naturalmente emanasse, coexistissem, mutuamente se enriquecendo, representantes dos arquivos da rede, de estabelecimentos de investigação e de ensino, de associações de investigadores e arquivistas e de outras entidades culturais representativas a nível nacional, regional ou mesmo local.
Mesmo no plano estritamente técnico, o Decreto-Lei n.º 16/93 apresenta lacunas, ambiguidades e erros significativos. Por exemplo: por que se excluem do âmbito de aplicação do presente diploma os arquivos audiovisuais, conforme se diz no n.º 2 do artigo 1.º, quando, logo adiante, no n.º 1 do artigo 4.º, nada permite supor essa exclusão? Considerando que a Lei Orgânica dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, na forma do Decreto-Lei n.º 106-G/92, de Junho, refere a necessidade de se implementar uma rede nacional de arquivos, por que razão no diploma ora em apreço se omite em absoluto o conceito ou a expressão «rede»? Que critérios estiveram subjacentes ao estabelecimento dos limites temporais de 50 e 75 anos para o acesso dos investigadores a determinados dados sensíveis, sendo certo que os documentos da Alta Autoridade contra a Corrupção serão acessíveis após 20 anos e os arquivos de Salazar e Caetano, da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa após 25 anos?
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por todas as razões atrás expostas, o Decreto-Lei n.º 16/93 não corresponde às urgentes necessidades do nosso património arquivístico, nem tão pouco às legítimas expectativas dos nossos arquivistas e dos nossos investigadores.
Mas, por outro lado, sem dúvida que corresponde às ideias centralizadoras e manipuladoras que o Governo, descomplexadamente, possui sobre estas realidades. E só ainda não privatizou nem realizou nenhuma OPV da Torre do Tombo talvez porque ainda ninguém se tivesse lembrado disso. Pois bem, aqui fica a sugestão! E felizes nos podemos considerar pelo facto