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1914 I SÉRIE - NÚMERO 57

É certo que, nessa lei e na definição do conceito de abrangência de nacionalidade originária ou adquirida, se estabeleceram condições para a sua atribuição quando se trate, por exemplo, de cidadãos filhos de estrangeiros ou mesmo de cidadãos estrangeiros.
Admitia-se ontem, como se aceita hoje, que o vínculo jurídico-político que liga o cidadão ao respectivo Estado, por via da nacionalidade ou da cidadania, assenta na tradução legal de uma real ligação e pertença do cidadão à comunidade e não, ou nunca, em meros aproveitamentos utilitários, geralmente derivados de razões económicas ou sociais. Daí que se tenha aceite, como admissível, o preenchimento de requisitos básicos, entre os quais o de residência há mais de seis anos em território português, o conhecimento suficiente da língua, a idoneidade civil e moral, etc.
A estes requisitos condicionantes e necessários para o acesso à nacionalidade, quis-se acrescentar - e acrescentou-se, como consta do texto da actual lei - a obrigação de declaração de vontade ou de requerimento expresso do cidadão interessado na atribuição ou aquisição da nacionalidade.
Entendidas foram, pelo PS - ontem como hoje -, tais exigências legais, como uma forma prudente de regular o processo de definição da nacionalidade e nunca como um meio de hierarquizar ou burocratizar legitimidades diversas, transformando-as em poder discricionário do Governo, subvertendo assim as expectativas naturais dos cidadãos.
Ora, é a alterações, no sentido de restrições ou exigências, que se refere a proposta de lei em discussão e que o Governo submeteu, hoje, à nossa apreciação.
Avulta nesta proposta, do preâmbulo ao texto normativo, a intenção de limitar ou dificultar os chamados casamentos por conveniência ou casamentos fictícios, que, em algumas áreas da nossa sociedade, nomeadamente no desporto, têm sido utilizados, com alguma publicidade e até escândalo.
Na verdade, não pode deixar de causar indignação que a nacionalidade portuguesa, valor que sempre queremos preservar, venha sendo "comprada" por via de casamentos que, sendo de direito, o não são de facto, e assim usada, como se de uma mercadoria ou valor de troca se trate.
A exigência de uma duração mínima de tempo de casamento, para aquisição da nacionalidade, afigura-se-nos como um meio provavelmente eficaz para combater o "comércio casamenteiro", medida que, aliás, tem já acolhimento noutros ordenamentos jurídico-políticos que não o português.
Esta será - e estamos, porventura, certos disso - a alteração mais vistosa daquelas que o Governo hoje nos propõe, sendo, como é, fonte de abundante notícia política e até de provável generalizado consenso. Mas sucede que outras, menos vistosas e bem menos virtuosas, se propõem também neste diploma.
Afirma o Governo, na sua proposta de lei, que, por imperativos de coerência e harmonização com as restantes alterações, dever-se-á exigir, como requisito de aquisição da nacionalidade portuguesa, uma "ligação efectiva à comunidade nacional". E descreve, no texto normativo proposto, como aferição dessa exigida ligação afectiva, o cultivo de hábitos, usos e tradições de raiz nacional, a comunhão de valores culturais com o cidadão nacional médio e a identificação com esse cidadão nas formas de vivência diária.
Registe-se ainda que, até hoje e na pendência da actual Lei da Nacionalidade, era ao Ministério Público que incumbia, sob participação de autoridade, a dedução de oposição à aquisição de nacionalidade contra o cidadão que a pretendia adquirir, sendo entre outros fundamentos possíveis, a manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional.
Com a alteração que nos vem propor, pretende o Governo - e refere-o na proposta de lei - inverter o ónus da prova quanto ao fundamento da oposição à aquisição da nacionalidade.
A partir daqui, e a ser mantida e aprovada esta proposta de lei, a concessão de nacionalidade não se basta na prova, a fazer pelo requerente, de que é cidadão maior e emancipado, de que reside há mais de 6 anos no país, de que conhece a língua portuguesa, de que tem idoneidade moral e cívica e ainda meios de subsistência. A partir de agora - seja aprovada esta proposta -, o cidadão terá de fazer, ele próprio, pessoalmente, quando requerer a nacionalidade, a prova de que cultiva hábitos, usos e tradições de raiz nacional, direi, por aparte, que canta fado, gosta de cozido à portuguesa, sabe dançar o vira e outras características próprias de quem cultiva hábitos, usos e tradições de raiz nacional.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Se não for preciso votar no PSD...

0 Orador: - Tudo isto para fazer a prova daquilo que se chama ligação efectiva à comunidade.
Já agora, pode perguntar-se: como se prova tal requisito, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados?
Bom seria que o Governo, na apresentação desta proposta, cuidasse da explicitação clara desta exigência. Creio ser, de todo, razoável que isso se faça, a menos que se pretenda, muito simplesmente, exigir o que se entende ser impossível de provar para, assim, facilitar ou preparar o despacho negativo de concessão de nacionalidade.
A declaração aqui feita, há pouco, pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, abriu alguma porta. Esperemos que valha a pena.
Será que nascer e crescer em solo português não é, desde logo, ligação efectiva? Estudar nas nossas escolas, criar laços de amizade e convivência, falar português como os demais, trabalhar e constituir família em Portugal, não será, de facto, ter ligação efectiva à comunidade nacional? É que é bem sensível a fronteira entre a exigência legítima e a discriminação.
Para quem nasceu no país, vive nele há vários anos, frequenta as suas escolas ou nele trabalha, exigir uma declaração de vontade pessoal para aquisição da nacionalidade, convenhamos, é já um requisito que a lei em vigor prescreve e obriga. Acrescer a tal exigência e aos requisitos que essa obrigação comporta actualmente aquilo que o Governo pretende ver aprovado nesta proposta de lei, não nos parece, sinceramente, a melhor forma de acolher legítimas expectativas dos cidadãos que querem ser portugueses, mas, isso sim e porventura, consagrar formas óbvias e inultrapassáveis de recusar tais pretensões, mesmo quando sejam manifestamente justificadas.
0 mesmo se diga quanto à alteração pretendida com a explicitação de que residir em território português significará, para efeitos de processo de atribuição de nacionalidade, ser portador de título válido de autorização

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