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16 DE JUNHO DE 1994 2587

das medidas adoptadas pelo Governo nesta matéria, porque essa bondade é nula - é maldade na nossa leitura - e insistimos que teria sido melhor aprovar as medidas que, na altura própria, propusemos.
Este é o primeiro aspecto que me apraz sublinhar.
O segundo aspecto tem a ver com a própria legislação que o Governo aprovou - a tal que era necessária e fundamental. Essa legislação, no seu processo de aplicação pelo Governo, revelou-se eivada dos vícios que lhe tínhamos apontado. E tão eivada de vícios que, deixando de lado o facto de o Governo não cumprir várias das disposições que aqui aprovou - refiro-me, sobretudo, a algumas das disposições referentes, por exemplo, ao cumprimento da lei do asilo político, matéria em que o Governo não cumpre sistematicamente as próprias formalidades que a lei prevê quanto à fixação dos pareceres do comissário nacional, quanto às notificações de recusa, que são continuamente desacompanhadas do despacho ministerial - procedimento que é aberrante e contrário à lei -, quanto aos prazos de abandono do país, sob pena de expulsão, como muito pertinentemente têm vindo a alertar, por exemplo, entidades como o Conselho Português para os Refugiados, sublinhando este aspecto, o Governo vem confessar, hoje também, que o artigo 89.º da Constituição, que tanta crítica motivou na Assembleia da República e contra o qual dirigimos as mais severas observações negativas, ao contrário do que o Ministro Dias Loureiro aqui disse, redisse e tre-disse, longe de ser uma obra de joalheria de carácter jurídico, era um aleijão que é preciso remendar agora. Foi isso que, de maneira não tão directa, o Sr. Secretário de Estado confessou - tudo espremido, foi exactamente isso o que ele disse e não outra coisa.
Em primeiro lugar, quanto à inconstitucionalidade orgânica, esta matéria, tal como as outras, está a ser apreciada no Tribunal Constitucional. Sr. Secretário de Estado, quanto a isto, independentemente da discussão que aqui fez sobre a habilitação legal concedida pela cláusula «outras medidas de coacção», que não tem o mínimo fundamento - essa expressão não significa em nada a autorização de medidas deste tipo e, tal como foi aprovada na Comissão, significa o contrário -expressamente foi suprimida a alusão aos centros de instalação temporária. Ora, nós nunca habilitámos o Governo a legislar nesta matéria.
Mas, deixando de lado a inconstitucionalidade orgânica, a proposta do Governo é a confissão tardia, envergonhada e disfarçada, de que tínhamos razão também em relação aos outros aspectos. Só que o Governo não nos dá a razão toda! Ficou aquém, primeiro, em relação à natureza dos centros que estamos a discutir. O Governo neste diploma misturou, de propósito - é uma habilidade não excessivamente hábil -, duas coisas, que, de facto, não têm qualquer conexão, excepto quando tudo corre mal. Misturou no mesmo diploma o tratamento da questão dos centros humanitários e a questão das instalações, que, por razões de segurança, seja necessário utilizar para dar cumprimento a certas disposições legais.
E a mistura, obviamente, visa diluir, num conceito geral, centros que têm bastante pouco a ver uns com os outros. É a mesma coisa que confundir um centro social com uma prisão e fazer centros mistos, que, na parte da frente, têm um centro de dia para reformados e, na parte de trás, têm uma «pildra» para cadastrados! Esta mistura entre uma coisa e a outra, esta criação de uma situação biface em que, se se entrar pela parte de trás, se vai dar a uma prisão e em que, entrando-se pela parte oposta, se vai dar a uma instalação social recatada e agradável, com televisão, boas instalações, chá e torradas, é alguma coisa que leva «água no bico», porque visa criar um conceito geral de centros. Há centros com (abramos chaveta) de um lado, centros prisionais e, do outro lado, centros de lazer; de um lado, centros penitenciários e, do outro lado, centros de «estar bem»! Isto é uma mistificação, porque entre estes dois centros não há semelhança nenhuma, a não ser a semelhança que há entre o centro do mundo e o centro do inferno, entre o centro do céu e o centro «Brazabu»! E, por consequência, pela nossa parte, isso não passa como coisa inocente, nem a aceitamos - à semelhança do que outras legislações fazem, teria sido melhor fazer uma separação clara entre os dois aspectos.
Em segundo lugar, tratando agora dos centros para «refugiados», para «asilandos», o Governo não entrou de garantir adequadamente os direitos daqueles a quem eles se destinam e, desde logo, o Sr. Secretário de Estado não esclareceu o que é que entende por «pessoas a aguardarem decisão final». São as pessoas que aguardam decisão na sequência de eventual recurso administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo? Ou são aqueles que aguardam decisão de carácter puramente administrativo? Tenho esperança de que ainda se possa esclarecer este ponto, e seguramente teremos de o fazer antes da discussão final. Por consequência, nem quanto a este aspecto deixam de subsistir dúvidas e há algumas, expressas formalmente pelo Conselho Português para os Refugiados, que gostaria de ver esclarecidas pelo Governo antes de passarmos à votação final do diploma.
Em relação à questão dos centros de segurança, ou seja, às prisões propriamente ditas, há vários problemas pelos quais o Governo passa ligeiramente: em primeiro lugar, quanto às razões que podem fundamentar o «internamento» - leia-se detenção, porque os eufemismos nesta matéria também não são inocentes. A instalação por razões de segurança - leia-se «detenção» - pode ser feita com vários fundamentos, um dos quais é inteiramente diáfano e etéreo. A saber: o perigo de lesão de interesses fundamentais diversos dos que determinam a expulsão, conceito cujo recorte é obviamente caracterizado por uma definição igual à das nuvens e permite uma enorme arbitrariedade administrativa - não se trata de discricionariedade, mas de arbitrariedade em sentido técnico-administrativo, o que é obviamente perigoso e filia-se na mesma filosofia que marca alguns dos piores preceitos da chamada Lei do Asilo Político.
Mas, por outro lado, e pior, ou mais relevantemente ainda, o artigo 3.º desta proposta não esgota as razões pelas quais alguém, uma pessoa humana, pode ser «instalada» num «centro de instalação temporária» - num CTT -, porque há uma outra razão, que é, porventura, a razão das razões, que é a configurada no artigo 4.º. E essa razão é a penetração em zona internacional do porto ou aeroporto quando razões de segurança o justifiquem ou mesmo quando não haja razões de segurança mas tenham sido ultrapassadas as 48 horas.
É um regime, Sr. Secretário de Estado, que, se bem o percebemos, se traduz no seguinte: chegue quem chegar a um aeroporto sito em território nacional e permanecendo naquilo que se considera zona internacional, que, como diz o n.º 3 do artigo 4.º, seja, entenda-se, «(...) a zona compreendida entre os pontos de embarque ë desembarque e o local onde foram instalados os pontos de controlo documental de pessoas», nas condições sabidas, péssimas, da responsabilidade da ANA - a tal ANA - é, findas as 48 horas, encaminhado para o CIT. Esse encaminhamento para o CIT é feito, supõe-se, em condições detentivas,...