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30 DE JUNHO DE 1994 2759

Instituto de Criminologia em funcionamento - e pela própria falta de estatísticas fiáveis em domínios fundamentais.
O Presidente da Comissão reconheceu abertamente ter-se trabalhado sem números dignos de confiança. Nos debates ocorridos pairou a ideia de que eram às vezes simples juízos de impressão que suportavam avaliações severas - como essa, não provada, de que a magistratura não teria interiorizado suficientemente o Código de 1982.
Nesta perspectiva, o processo de revisão foi uma oportunidade perdida para um diagnóstico fundamentado e apoiado pluridisciplinarmente do desempenho do nosso sistema penal e para uma mais rigorosa avaliação do desempenho, no âmbito desse sistema, de muitas das normas sob revisão.
Não obstante estas limitações, que, aliás, lhe não são imputáveis, a Comissão de Revisão, presidida pelo Professor Figueiredo Dias, efectuou um trabalho a cujo valor prestamos homenagem e a que o Parlamento deve uma palavra de reconhecimento, em que queremos expressamente envolver todos os membros da Comissão na sua composição plural.
O confronto entre o texto da Comissão e a proposta do Governo permite identificar diferentes sentidos.
Nalguns casos há afastamentos de sentido positivo, como, por exemplo, acontece com as melhorias, ainda que insuficientes, introduzidas no domínio dos crimes sexuais, na previsão do crime de danos contra a natureza, nas alterações - se bem que também carecidas de benfeitorias - no regime da liberdade condicional.
Outros são de sentido negativo, como acontece na disciplina da difamação e do aborto. É que nem a circunstância do partido do Governo se integrar - ainda, ao que parece- na mesma família europeia a que pertence a Sr.ª Simone Weil, que nos idos de 1975 dotou a França de uma lei moderna sobre a interrupção voluntária de gravidez, estimulou o Governo a acompanhar a tímida melhoria que a Comissão chegou a avançar, para já não falar nas próprias concepções do seu Presidente sobre a matéria.
E, infelizmente, pontos há em que são injustificadas e negativas as coincidências entre um e outro texto. Quando se pretende absolutizar a tutela da reserva de «vida privada e familiar» face ao direito de informar, sacralizando-a frente a outros interesses legítimos, propõe-se uma inovação perigosa, que o exame da prática da comunicação social portuguesa, no confronto com a de outros países democráticos, não justifica. E isto é feito ao mesmo tempo que se despreza outra proposta criteriosa da Comissão neste domínio, que o exame dessa prática, essa sim, justifica-o que empresta às inovações nesta área a lógica de uma opção inaceitável em detrimento do espaço da liberdade de informação.
É um ponto, e para nós da maior importância, em que seria indispensável que a maioria reveja as suas opções, honrando compromissos assumidos na Comissão e concretizando espírito de abertura do Governo que aqui foi manifestado neste debate e que abriu expectativas que não gostaríamos de ver frustradas.
Independentemente de múltiplas questões e objecções de especialidade, a abordar na sede própria, a proposta governamental, desde logo na importante medida em que traduz o acolhimento de um património jurídico-penal actualizado de que a Comissão de Revisão se constituiu promotora, não justifica uma postura de distanciamento ou de criticismo artificial. O balanço da discussão na especialidade e o acolhimento de propostas de alteração indispensáveis constituirão um elemento de grande importância para uma avaliação final. Mas desejamos sinceramente que se reunam as condições para podermos dar o nosso voto favorável na votação final global porque entendemos que é valioso que a revisão de um Código Penal traduza um consenso alargado.
Há, contudo, alternativas mais consistentes a algumas das orientações que são propostas, e são essas que aqui queremos enunciar e preconizar.
À cabeça, uma valorização e uma maior diversificação das reacções penais alternativas à pena de prisão clássica, que não assente na centralidade no apelo à multa e na relativa timidez no recurso à prestação de trabalho a favor da comunidade, na admoestação, na prisão por dias livres, na semi-detenção e outras penas de carácter não detentivo.
Os limites demasiado apertados em que estas últimas são contidas na proposta contrastam com a concentração de expectativas na multa quando esta, enquanto sanção especificamente criminal, suscita problemas sérios que não podem deixar de ser equilibradamente equacionados: problemas de igualdade prática entre os justiciados; problemas de congruência com o panorama das coimas no direito das contra-ordenações; problemas de inequivalência material e de diferença qualitativa em relação à pena de prisão; problemas práticos no plano do regime execução que podem agravar todos os anteriores. Que fique clara a advertência e a consciência de que é necessário um acompanhamento rigoroso da inovação nas suas consequências práticas.
Justifica-se, hoje, um leque de reacções penais mais alargado, que não só valorize mais aquelas penas e estenda o seu âmbito de aplicação, como reformule algumas das existentes e inclua outras reacções que fazem já a sua entrada noutras ordens jurídicas, como, por exemplo, a proibição de contratar com o Estado e outras entidades públicas, a proibição de constituir empresas, de assumir determinadas profissões - que parecem particularmente apropriadas para a punição de determinados tipos de crimes.
Preconizamos uma linha de «neo-criminalização » convictamente dirigida para a defesa de novos bens jurídicos que vão adquirindo relevância decisiva para a actual sociedade democrática e aberta, desperta para os valores do livre desenvolvimento pessoal, da igualdade e não discriminação, da integridade das decisões públicas e da defesa do ambiente.
Defendemos uma orientação de reforma coerentemente virada para a penalização de comportamentos que envolvam abuso intolerável de posições de autoridade, de influência e de superioridade e para a protecção acrescida de vítimas como as crianças, os deficientes, as pessoas idosas, as grávidas, e outras pessoas em posição de especial vulnerabilidade.
Nesta linha, propomos que o tráfico de influência não continue impune na sociedade portuguesa e seja expressamente criminalizado no Código Penal. No âmago de um fenómeno grassante na nossa e noutras sociedades contemporâneas, estão em desenvolvimento comportamentos ameaçadores e lesivos da autonomia e integridade de decisões públicas e da igualdade dos cidadãos que não são recondutíveis ao tipo clássico da corrupção.
Um programa criminal à altura dos problemas das sociedades democráticas de hoje não pode deixar de identificar e penalizar o abuso de posições fácticas de influência, enfrentando formas de venalização que ameaçam, a vários níveis, a autonomia intencional do Estado e da Administração Pública.
Acolhemos com satisfação a posição de abertura aqui revelada neste domínio pelo Sr. Ministro e ficamos à espera que se converta em resultados na convicção de que ficaria a ganhar a defesa de bens jurídicos relevantes para as sociedades democráticas na actualidade.
Defendemos que seja criminalizada toda a discriminação que se traduza na recusa de fornecimento de um bem ou