6 DE JANEIRO DE 1995 1053
Por outro lado, a proposta de lei que a Câmara que aprecia aponta para a intervenção do legislador em matéria penal, tipificando como ilícitos penais certas condutas praticadas por declarantes, cônjuges e testemunhas, em violação de normas do Código do Registo Civil. Assim, qualificam-se como crimes de desobediência e de falsas declarações novas situações a configurar pelo proposto normativo. Por sua vez, consideram-se ilícitos de mera ordenação social (puníveis com coimas) outras infracções ao Código do Registo Civil, do tipo omissão de declaração de nascimento ou do óbito dentro dum prazo legal.
Finalmente, a presente iniciativa do Governo propõe a isenção de emolumentos para vários actos do registo civil, o que - para além de se revogar o artigo 64.º da tabela geral do imposto do selo - se justifica em face do interesse público e do alcance social evidente daqueles actos.
Dito isto, Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, acrescentamos que a proposta de lei n.º 113/VI define cabalmente o objecto da autorização. E, uma vez que o Governo pretende legislar em matéria que é do âmbito da reserva relativa de competência desta Assembleia, declaramos que a proposta de autorização em apreço define com rigor o seu sentido e extensão.
Por outro lado, em relação à componente política das medidas legislativas ora propostas, afigura-se-nos que o debate parlamentar de hoje a consubstancia suficientemente. Acresce que, nos termos do programa do Governo, e para deixar este registo à Câmara, constitui prioridade a revisão da legislação própria dos registos, numa perspectiva que e também de «desburocratização e simplificação».
Acompanhamos, pois, com aplauso geral a presente proposta de lei, razão por que o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata lhe dará o seu voto positiva.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No dois ou três minutos que me restam é muito difícil escalpelizar todas a fundamentação do presente pedido de autorização legislativa, mas devo dizer, em primeiro lugar, que estou com o Sr. Deputado José Vera Jardim sobre a natureza alternativa de as partes recorrerem ao poder jurisdicional ou ao poder administrativo para a separação de pessoas e bens e para o divórcio por mútuo consentimento quando não haja filhos.
No entanto, achava eu que seria melhor não haver esta separação - a minha posição talvez seja conservadora de mais - e que esta questão continuasse nas mãos do poder jurisdicional e por uma razão simples. É que jurisdição é jurisdição e mesmo sendo de jurisdição voluntária não deixa de ser jurisdição; e a administração é a administração e há questões delicadas no direito institucional que não são meramente administrativas.
Tenho muito respeito por todos os técnicos de direito, sejam eles conservadores, notários, juizes, magistrados do Ministério Público ou outros. Não está em causa a sua capacidade de decidirem bem, com justeza, com rigor e com regularidade, mas, em conformidade com a separação de funções definidas pelo Estado, parece-nos que estas funções, de um direito institucional, não devem ser consideradas, meramente, como a dissolução de um contrato.
Lembro-me de uma controvérsia que houve entre o Professor Antunes Varela e o Professor Pereira Coelho, a propósito da publicação, por este último, das Lições do Direito da Família, onde ele definia a dissolubilidade do casamento canónico, apesar da Concordata. Como é natural, a controvérsia trouxe para a discussão muitos problemas, principalmente o da natureza jurídica do casamento e da sua dissolução. E uma das coisas que parecia adquirida era que tanto o casamento como a sua dissolução não eram actos de mero direito privado, eram, pelo menos, actos mistos de direito público e de direito privado, pela simples razão que existe um instituto, que é configurado, segundo o qual as partes não podem dispor livremente de requisitos, sejam do casamento, sejam de dissolução, seja ou não seja dos fundamentos. É uma espécie de take it or leave it (tome ou deixe), tem de entrar na instituição e ao entrar na instituição tem de comprar o pacote e ao deixá-la tem de o largar.
Efectivamente, quando se faz esta distinção entre o regime pessoal dos bens do casamento e o regime patrimonial do casamento, lemos de ter presente que os dois são indissociáveis e que apesar do regime pessoal do casamento e da sua indissolução poder ser considerado como um acto meramente administrativo, susceptível de ser deixado à competência dos conservadores, nunca podemos esquecer que os efeitos patrimoniais dessa dissolução, quando haja dificuldades, terão sempre de ir parar ao poder jurisdicional. Portanto, a mera dissolução pessoal nunca será um acto completo de dissolução
Em segundo lugar, isto pode abrir caminho - e, naturalmente, vai abri-lo - a que muito dos actos dos direitos da família, actualmente sob a jurisdição dos tribunais, passem para as conservatórias Então, por que razão não fazer o mesmo relativamente à adopção? Todos nós sabemos que no acto da adopção há interesses extremamente complicados, extremamente complexos e extremamente subtis, que não podem ser deixados ao mero acto administrativo. E a lógica que preside actualmente à dissolução administrativa do casamento através das conservatórias poderá levar, naturalmente, a que, amanhã, a adopção também seja feita através de mero acto administrativo.
Em terceiro lugar, parece-nos que a lógica do juiz não é a mesma que a do conservador ou a do notário. Há teses de doutoramento sobre isso, chamadas a lógica do juiz ou a lógica jurisdicional e, efectivamente, a lógica jurisdicional, que preside até mesmo aos actos de natureza administrativa ou de regime pessoal dos bens, não é a lógica administrativa notarial ou dos conservadores que deve intervir nestes casos.
Devo dizer-lhe, Sr.ª Secretária de Estado, que não posso, neste momento, como fez o Sr. Deputado José Vera Jardim, alínea por alínea, dizer com o que é que concordo e com o que é que não concordo. Mas a sensação com que fico é a de uma certa dúvida grave e de insatisfação, como jurista, como prático de direito e como institucionalista num regime de casamento e da sua dissolução. Por isso mesmo, não poderei aplaudir com grande entusiasmo essa medida, embora concorde que muitos actos devem ser retirados do tribunal para maior celeridade da Justiça, que deve ser prestigiada a função dos conservadores e dos notários dando-lhes poderes que possam exercer, sem grande gravame para as partes, para regularem a situação das pessoas, mas há alguma coisa que não me satisfaz, embora não saiba dizer qual. Talvez seja a própria natureza institucional, talvez seja a minha forma de pensar tradicional nesta matéria, talvez seja o meu receio de que a parte do regime dos bens consequente da separação das pessoas fique desguarnecida ou talvez eu acredite que a