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1160 I SÉRIE - NÚMERO 32

até confessar que o evitava até certo ponto (aliás, os oráculos evitam-se), pois as palavras do Torga tinham uma força e uma contundência que é só para ouvir de tempos a tempos. E ele acompanhou-me desde sempre, na minha adolescência, com Libertação, Orfeu Rebelde, Cântigo do Homem; no meu exílio, com Poemas Ibéricos; agora, com Odes; e quando, narcisica e tristemente, me sinto transmontano, tenho sempre que reler Um Reino Maravilhoso para ver se retomo a alegria e a confiança na minha região.
Mas ao Torga oráculo temos que dar uma resposta política porque, como sabem, Torga identificava-se com a Pátria, como todos outros poetas e em poema datado de S. Martinho, Setembro de 1987, diz: "Desta terra sou feito./Fragas são meus ossos,/Húmus a minha carne./Tenho rugas na alma/E correm-me nas veias/Rios impetuosos./Dou poemas agrestes,/E fico também longe/No mapa da nação./Longe e fora de mão".
Torga era a Pátria, era a terra, mas era poeta, estava longe e ele mesmo se dizia: "Eu nasci subversivo". Daí que as suas opiniões têm que ter uma resposta política porque é certo que nos últimos anos Torga estava marcado mais fortemente que no passado pela angústia da morte. E também, em poema de 15 de Outubro, ele diz: "Meu corpo, meu versátil senhorio,/Ora a estuar de vida, ora doente./Meu corpo, meu dilema permanente,/Minha baça incerteza./Meu corpo, pobre e única riqueza/Que levarei comigo/Quando partir./Meu corpo, meu supremo desengano,/E meu gosto carnal de me sentir/Humano".
É este Torga que sentia dramaticamente a morte, sabendo do seu prognóstico terrível, que nos faz duas terríveis profecias que são a da desagregação da Pátria e a da perda da Pátria. Torga, nos últimos anos, alerta-nos para um medo, um medo de uma regionalização que divida o País e que funcione como forças centrífugas. Torga tem medo que a Pátria se perca numa grande comunidade em que as Pátrias deixem de ter sentido e eu, como regionalista feroz e como patriota dos "quatro costados", tenho de sentir que temos de dar resposta a um Torga através de pequenas regionalizações e não de grandes regiões, que têm que ser feitas o mais depressa possível para que a regionalização não se faça no conflito de duas regiões metropolitanas. E com a certeza de que a construção europeia se faça sempre tendo como base as Pátrias, porque essa é a melhor resposta que podemos dar ao desafio que Torga nos fez.
Para terminar, gostava de dizer que tenho uma outra preocupação: a preocupação com o que o Torga representa na cultura portuguesa. Unamuno defendeu a existência de uma bipolaridade temperamental da Ibéria: uma rude, violenta, da meseta, castelhana; outra, lírica, marítima, catalã, galega ou portuguesa. A generalização de Unamuno é excessiva. Torga é bem português, como expressão cultural, sem por isso ser um Bernardim. É que a bipolaridade ibérica é também nacional. E Torga assumiu, cultural e caracteriologicamente, o Portugal rural, interior, duro e até violento, mas ascético e sentimental. Torga mostrou pela sua obra e exemplo de vida que se pode ser profundamente transmontano, bem português e universal entroncando a sua problemática poética na problemática existencial tomada filosofia sofisticada no nosso século. Este Portugal de Torga, culturalmente tão meseta como Castela, é espinha dorsal do País no sentido físico e figurado. Terá sido talvez esta nossa realidade "castelhana" que nos livrou dos castelhanos. Perder a realidade física e o húmus cultural que a sustenta será uma tragédia para o nosso país.
Este é, no meu entender, o maior desafio que se põe à nossa geração. Recriar um Portugal rural agora sofisticadamente pós-industrial que mantenha as raízes, os valores e os sentimentos que Torga exprimiu. Perdê-lo será perdermo-nos porque Torga não é Portugal do passado, Torga é o Portugal do futuro.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associo-me a esta homenagem não apenas como homem que deve a Torga também o sentimento da liberdade e a luta por ela mas também como alentejano porque Torga, sendo transmontano, tinha um apreço muito especial pelo Alentejo, esse imenso relógio de sol em que os homens marcam os ponteiros do tempo e que ele punha ao nível do seu querido Trás-os-Montes.
E num compromisso entre o respeito pelo espírito de Miguel Torga, que era avesso às homenagens e aos elogios, e a minha própria liberdade de o homenagear, aqui digo um pequeno poema que para mim é uma referência permanente: "Todo o semeador/Semeia contra o presente/Semeia como vidente a seara do futuro/Sem saber/Se o chão é duro/E aceita a semente".

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

0 Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome pessoal e no do Grupo parlamentar de Os Verdes, associo-me às palavras aqui proferidas pelos oradores que me antecederam. Ao subscrever o voto de pesar pelo falecimento de Miguel Torga, queria, desde já, e sem prejuízo da homenagem mais alargada na qual a Assembleia da República (tal como referiu o Sr. Presidente) honrará Miguel Torga, homenagear esta grande figura do nosso tempo e realçar a sua figura de escritor, de poeta e, sobretudo, a faceta de humanista que Miguel Torga nos deixou através da escrita e também da sua própria vida e que faz dele, a nível nacional e internacional, uma das figuras mais destacadas da cultura portuguesa dos nossos tempos.
Finalmente, aproveito a oportunidade para dirigir aos seus familiares as nossas mais profundas e sentidas condolências.

Aplausos gerais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

0 Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que suficiente razão para homenagear a memória de Miguel Torga seria o facto de se tratar de um escritor que se revê não só à escala nacional mas também à escala mundial. Porém, Miguel Torga deixa-nos um exemplo que não se limita à sua figura de escritor pois é também o cidadão, o grande defensor da liberdade, o homem para quem nunca houve mitos que fossem capazes de o deter nas suas apreciações frontais Nem o próprio mito da Europa, tão em voga no nosso tempo, o impediu de se pronunciar livremente acerca dela.
E em relação a um homem que é um exemplo de escritor e de cidadão, de defensor da liberdade, queria terminar estas breves palavras de homenagem citando alguns versos seus, alguns versos em que se reflecte esse amor