1238 I SÉRIE -NÚMERO 34
que se refere estritamente às questões levantadas, quer sobre o direito de asilo - o direito de asilo português e as suas hipotéticas restrições -, quer sobre a Convenção de Dublin.
Pensava que os Srs. Deputados já sabiam de cor o que temos dito sobre esta matéria ao longo de todo este tempo, que já não havia dúvidas que nós, como é evidente, não podíamos ter posições divergentes dos outros países comunitários sobre a questão do direito de asilo.
Relativamente à Convenção de Dublin recordo que ela diz respeito a um problema concreto, cívico: resolver, designadamente, o problema dos refugiados em "órbita".
Em relação a este problema tomámos a posição de aderir à Convenção e de explicar por que é que o fizemos.
E que a questão do direito de asilo, tal como ele se pratica, hoje em dia, nos Estados europeus, e dos problemas que resultam deste direito de asilo novo,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não há harmonização comunitária!...
O Orador: - ... tem a ver com um problema mais geral e mais vasto. É ele o de saber reconduzir a prática do direito de asilo à sua verdadeira substância, isto é, não alterar o circunstancialismo e o condicionalismo que esteve na base da Convenção de Viena e do Protocolo de Nova Iorque. Por outras palavras, o que acontece é que não podemos estar a falar de conceitos distintos de direito de asilo se temos regras comuns em relação ao direito de asilo. É, portanto, uma questão substancial neste aspecto.
De facto, o que se tem verificado é que a prática dos pedidos de direito de asilo não tem a ver com a realidade do direito de asilo, matéria e conceito substancialmente nobres, que congraçou os Estados num determinado conjunto de iniciativas e de admissões. O que dissemos, em determinada altura, foi, nomeadamente, isto: alterada a configuração substancial do direito de asilo em alguns Estados europeus, maxime na Alemanha, que teve uma alteração constitucional, nesta matéria, de grande importância, não fana sentido que Portugal mantivesse o mesmo conceito que tinha - aliás, dúbio e um pouco absurdo - em relação à prática do direito de asilo.
No entanto, isso não eliminou nem elimina que considerações de outro género não possam ser tidas em conta, devido a uma faculdade da legislação portuguesa que o Sr. Deputado José Magalhães muito "bondosamente" concedeu, dizendo, aquando da sua discussão, que a lei não era inconstitucional, que não ofendia os princípios constitucionais, compreendendo depois que a lei era substancialmente melhor do que a outra porque, realmente, outorgava poderes e facilidade que, claramente, não estavam contemplados na lei anterior.
Se é certo que as concessões de direito de asilo não têm aumentado - e não têm aumentado, necessariamente, de forma percentual, porque não podem aumentar já que a realidade com que estamos confrontados não é com verdadeiros pedidos de asilo -, aumentaram - e em muito - as concessões de autorizações de residência por motivos humanitários, convolando os pedidos de direito de asilo em pedidos de autorização de residência por motivos humanitários, como a própria lei actual prevê. E devo dizer-lhe, Sr. Deputado Luís Sá, que nunca foram concedidas tantas autorizações de residência por motivos humanitários. Por exemplo, em relação aos dados obtidos até à última semana, concedemos 25 autorizações de residência por motivos humanitários Nunca na história do Direito português, em relação ao direito de asilo, foi concedido um tal número de autorizações de residência por este motivo.
Como vê, Sr. Deputado Luís Sá, não tem razão quando critica a nossa legislação por falta de consideração de direitos essenciais ou por desumanidade, e razão tem o Sr. Deputado José Magalhães para lhe colocar uma outra questão - a que, aliás, V. Ex.ª não respondeu - e que é: a não existir isto o que é que existiria, como é que os problemas eram resolvidos?
Aí V. Ex.ª está na maior das dificuldades, porque, realmente, não poderá nunca responder.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Compreendo que tenha necessidade de fazer alegações de mesa, mas a verdade é que não há pior defesa do que aquela que gera confusão.
V. Ex.ª sublinhou que o Estado português - através do Governo, naturalmente - sentiu a necessidade de afinar o nosso escalão interno pelo padrão germânico, mas, evidentemente, não disse, porque não podia dizê-lo (se o dissesse fá-lo-ia grosseiramente), que, ao fazê-lo, o Governo não cumpriu nenhum imperativo comum, não cumpriu nenhuma norma decorrente do Tratado de Maastricht, pelo contrário, não cumpriu senão aquilo que decorria da sua vontade política e não era obrigado a alterar uma vírgula da legislação que estava em vigor, que era constitucional, razoavelmente generosa e aplicada bastante limitada e avaramente pelo Governo.
A legislação não se deve a bondade nenhuma e não vale a pena reeditar polémicas velhas, a não ser na medida em que VV. Ex.as as avivem todos os dias. Agora, não creio que tenha razão para congratular-se com os resultados e acabou - e é por isso que lhe faço a pergunta - por desvendar um sinal externo de anomalia. Quando V. Ex a vem dizer que o Governo foi generosamente obrigado a conceder 25 autorizações de residência por razões humanitárias, ao abrigo daquele famoso poder que lhe assiste na legislação que citou e que é completamente discricionário, apenas veio alertar para o carácter anómalo dessa legislação Ou seja, o Governo está, neste momento, a utilizar essa faculdade, que a legislação prevê como extraordinária e fundada em razões de invulgar configuração, para resolver casos correntes em relação aos quais devia invocar e aplicar o quadro e a solução gerais, se estivesse em vigor um outro enquadramento mais adequado, por exemplo, um similar àquele que o PS propôs.
Mas tal- não acontece e, em primeiro lugar, temos uma quantidade enorme de estrangeiros por legalizar. Ainda ontem uma organização, que verdadeiramente respeitámos, alertou para o facto de essa chaga viva, que é a existência de estrangeiros não legalizados, em situação irregular e perigosa, ser um factor de instabilidade. E não estão legalizados porque falhou o processo de legalização extraordinário! De qualquer modo, essa chaga viva, esse flagelo vivo, continua a merecer a nossa preocupação, a nossa solidariedade e a indiferença do Governo, que é, de resto, o responsável pela situação existente.
Em segundo lugar, a faculdade extraordinária de concessão de residência é usada para resolver e para tapar os buracos do regime geral, demasiado restritivo no caso da lei dos estrangeiros e no caso da legislação sobre o direito de asilo. E é com estes aleijões que V. Ex.ª se apresenta à entrada da União Europeia, considerando ter um quadro jurídico exemplar. Sr. Secretário de Estado, a nossa consideração é: não o tem!