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I SÉRIE-NÚMERO 53 1980

Em primeiro lugar, é a descaracterização e destruição de parte do urbanismo de algumas das nossas cidades, vilas e aldeias, que constitui importante património cultural da nossa arquitectura e urbanismo tradicionais, adaptados e integrados na paisagem e reflectindo uma organização espacial característica e proporcionadora de um modelo próprio de convivência colectiva.
Esta descaracterização tem sido feita através do loteamento de terrenos, da reconstrução de zonas degradadas e de expansões urbanas completamente desinseridas do espaço em que se integram e onde apenas a mais-valia obtida pela máxima densificação do solo foi tomada em consideração.
Segundo, o crescimento urbano, feito exclusivamente à custa de planos de pormenor - e às vezes nem isso -, executados sem a necessária articulação e visão do conjunto, constituindo o somatório destas parcelas, por vezes, aglomerados de betão extensos, sem qualidade e, pior, sem condições que permitam a articulação de serviços e funções que integram a especificação do próprio conceito de habitação.
Formam-se, assim, guetos que esmagam e violentam a qualidade de vida a que os cidadãos e as famílias têm legitimamente direito.
Em terceiro lugar, a criação de um sistema de relações imprecisas e pouco clarificadas, sem a necessária transparência. que deve presidir às relações entre o poder público e a iniciativa privada, propiciadora não de focos de corrupção que vem minando alguns dos nossos municípios, como é referido na exposição de motivos. A nosso ver, não é verdade que seja esse o'traço dominante dessas relações; a característica dominante é sim, ao contrário, a permissividade do quadro legal face aos interesses especulativos do uso do solo por parte da iniciativa privada, não dispondo a Administração de meios legislativos adequados que possam condicionar esses interesses ao interesse público.
O articulado do decreto-lei não dá, no entanto, resposta a estes problemas, cuja caracterização não é passível de ser enquadrada da forma simples e redutora como que é feita, reduzindo-a ao aspecto esquemático do plano de urbanização, visto como o manual de instruções da construção de espaços urbanos onde basta seguir com atenção o texto para que tudo saia perfeito e no seu lugar.
A situação é muito mais complexa e deve assentar em legislação adequada.
Desde logo, a primeira grande questão diz respeito a uma adequada lei dos solos e à definição precisa do carácter público do seu uso. Isto é, a definição de que o direito de propriedade não confere o direito de transformação do uso dos solos, dado que este deve ser um direito público.
Outra grande questão.diz respeito ao quadro legal em que foram elaborados os instrumentos de gestão territorial, como os planos directores municipais. Não dispondo a Administração de poderes para programar a transformação do uso do solo e, consequentemente, a expansão urbana, os planos directores municipais apenas podem definir a admissibilidade de construção e não a sua previ sibi [idade.
A Administração foi obrigada a admitir construções em importantes parcelas do território porque os PDM implicam a classificação do solo. Basta recordar que só na Área Metropolitana de Lisboa esta admissibilidade traduzir-se-ia num crescimento impensável e impossível para quatro milhões de habitantes, aproximadamente.

Contudo, tal não é, nem de perto nem de longe, a previsibilidade de crescimento, pelo que seria não só inútil como um erro transformar esta admissibilidade de construção em planos de urbanização, conferindo ao solo classificado pelos PDM uma qualificação e, por consequência, um valor completamente irreal.
Não quer isto dizer que não seja necessário definir a execução urgente de planos de urbanização em determinadas condições, particularmente onde a sua, ausência pode permitir a reconstrução ou expansão urbana à custa do somatório de planos de pormenor desconexos. Mas tal definição não pode ser feita pelas sedes de concelho ou pelo número de habitantes das localidades ou, pior, introduzindo conceitos subjectivos como «aumento populacional apreciável».
Sendo, por um lado, irrealista a execução de tais planos directores no espaço de tempo atribuído, por outro muitos deles seriam perfeitamente dispensáveis tendo em conta a caracterização dos planos directores municipais em que se inserem. Além disso, o projecto de lei necessita, nestas definições, de rever completamente o conceito em que se baseia.
Também o artigo 3 º do projecto de lei é, a nosso ver, completamente descabido, dado que prevê a execução de um elemento presumivelmente de gestão territorial que, pura e simplesmente, não tem existência legal, não se sabendo, consequentemente, do que é que se trata.
Por último, importa referir que diplomas legais complementares da Lei de Bases de Ordenamento do Território, previstos no n.º 2 do artigo 35.º desta lei e que o Governo se comprometeu a fazer publicar até Junho próximo - e que já se encontram incompreensivelmente atrasados na sua apresentação -, como os que definem o regime dos instrumentos da política de solos e o regime dos instrumentos de transformação da estrutura fundiária, são instrumentos indispensáveis para o sistema de gestão territorial, no âmbito municipal, que não se podem deixar de considerar, designadamente, no que se refere ao regime de uso do solo e à respectiva programação, consignados na Lei de Bases do Ordenamento do Território.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para a última intervenção deste debate, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Faria.

O Sr. Júlio Faria (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Somos chamados a emitir parecer sobre uma iniciativa legislativa do CDS-PP, que visa tornar obrigatória a elaboração e aprovação pelos municípios de planos de urbanização.
A propósito desta matéria, seja-me permitido recordar um excerto do Programa deste Governo - o XIII Governo Constitucional -, objecto de aprovação nesta Assembleia: «A nível local há que apoiar o desenvolvimento de novas formas de planeamento e gestão territorial. Importa ampliar o movimento tendente a concluir o processo de elaboração, aprovação e ratificação dos planos directores municipais, mediante incentivos ao desenvolvimento de planos de urbanização e de planos de pormenor, acompanhados por acções que sensibilizem os cidadãos para os problemas a que o planeamento municipal deve dar resposta».
Por outro lado, a Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, que estabelece as bases da política de ordenamento do territó-