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1218 | I Série - Número 30 | 15 de Dezembro de 2000

 

cada tornar-se-ão mais dependentes dos mais poderosos, com especial destaque para a dependência em relação à Alemanha, que passa a ser, cada vez mais, o verdadeiro dono dos destinos desta União.
Para quem defendia que esta Conferência Intergovernamental tinha de tornar mais operacional e eficaz o processo decisório para permitir o alargamento - e recordo, Sr. Primeiro-Ministro, que não é esta a tese do PCP, para quem tiver dúvidas -, as decisões de Nice são profundamente contraditórias, mas confirmam o essencial, ou seja, que a questão central em discussão era apenas a do reforço do poder interno dos mais fortes.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Nice decidiu que mais 40 temas deveriam passar a ser objecto de decisão por maioria qualificada. Ficam apenas de fora questões que certos países, novamente os mais fortes, consideraram de seu interesse específico e nacional manter no âmbito das decisões por unanimidade. Portugal continuará a beneficiar parcialmente deste facto por mero arrastamento e não por ter definido previamente, como seria desejável e corresponderia ao interesse português, um vasto e alargado leque de temas em que poderia e deveria ser mantido o direito de veto.
Apesar de tudo, políticas importantes para Portugal, como a relativa aos fundos estruturais ou a que diz respeito a acordos comerciais, passarão, num prazo muito curto, a ser, eventualmente, aprovadas contra a opinião, o voto e os interesses do País.
Por fim, Nice dá luz verde às chamadas cooperações reforçadas, designação eufemística utilizada para gerar pequenos directórios de grandes interesses. Nice permite o reforço da militarização da União Europeia, o avanço para a criação de um corpo de exército que muscule os interesses de alguns.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nice institucionaliza a Europa a várias velocidades, liquidando de forma definitiva o espírito de coesão estabelecido no Tratado de Roma.
Alguns virão, amanhã, de forma hipócrita, lamentar o agravamento de problemas económicos e sociais no País, que pode resultar da perda de poder de Portugal decidida em Nice. Fizeram isso no passado, voltarão a tentar fazer isso no futuro próximo, por exemplo no próximo acto eleitoral.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Vai agora iniciar-se o processo de ratificação do acordo subscrito em Nice. Espera o PCP que, a partir de agora, e ainda que tardiamente, o Governo assuma as suas responsabilidades e promova um grande debate nacional sobre as implicações profundas das decisões de Nice.
Espera também o PCP que todos os responsáveis políticos e partidários, eleitos nesta Assembleia ou noutras instâncias parlamentares, participem nesse debate, procurem mostrar a todos os portugueses as razões pelas quais é que «os grandes é que saíram vencedores de Nice», expliquem os motivos pelos quais consideram que os seus «resultados são em todos os aspectos muito negativos» ou, então, que sejam coerentes com as debilidades e com os erros graves hoje aqui, neste debate, já enunciados por alguns.
Pela nossa parte, o PCP assumirá as suas responsabilidades e o seu papel nesse debate. E, como consideramos que o Acordo de Nice prejudica Portugal e a União Europeia, ficamos à espera de que os votos desses críticos se juntem aos do PCP.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Sr. Orador: - É que o Acordo de Nice, Sr. Primeiro-Ministro, não é uma fatalidade, não é um dado adquirido, pode ser recusado por Portugal e pode e deve ser rejeitado, no futuro, por esta Assembleia!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Neves.

A Sr.ª Helena Neves (BE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo está mais ou menos satisfeito com os resultados da Cimeira de Nice e o PS, o PSD e o PP idem, aspas, aspas.
É certo que o Governo português conseguiu evitar o pior. Paladino dos mais pequenos, conseguiu umas benesses. Para os que aderem à filosofia Poliana, de antes mal do que pior, é o bastante.
Na discussão sobre a nova arquitectura institucional para o alargamento, o que esteve em causa foi, de facto, o equilíbrio ou, se quiserem, o desequilíbrio de poderes. A Europa das cidadãs e dos cidadãos esteve sempre fora da Cimeira. A Carta dos Direitos Fundamentais, que restringia direitos consagrados e alargava o âmbito dessa restrição, nem sequer passou. Tony Blair, da terceira via tão liberal, nem isso quis.
Os acordos de Nice concedem um espaçozinho conveniente aos pequenos Estados; institucionalizam um sistema de decisão tão complexo que a metáfora adequada é a do caranguejo; asseguram o domínio dos grandes, de modo a que três grandes Estados podem decidir por todos os outros e contra todos os outros; e a Alemanha reforça a sua presença no Parlamento e na tomada de decisão do Conselho. O alargamento salda-se em termos contabilísticos e puramente economicistas. A União Europeia afirma-se como um grande mercado e como projecto de grande exército simulacro da NATO. A moeda e as armas valem mais do que as cidadãs e os cidadãos da União Europeia e valem contra as cidadãs e os cidadãos da Europa.
Mais envolvida na mimesis do modelo americano, mais esvaziada de conteúdo democrático, renunciando-se como projecto social e como identidade plural, a Europa de Nice constitui-se como um tabuleiro onde o jogo nem sequer tem emoção, porque ganhadores e perdedores conhecem-se à partida.
Mas a Europa das cidadãs e dos cidadãos, a que esteve cá fora, a Europa expressa nas movimentações dos movimentos sociais e que foi tratada com gás lacrimogéneo em Nice, essa permanece, exigindo uma Europa democrática, participada, de cooperação económica e monetária, de justiça social e de paz.
Esta Europa não espera que qualquer reponderação de votos lhe dê a palavra. Podem os Srs. Governantes recusar-lhe o referendo e recusar-lhe que se pronunciem sobre a Europa como projecto a refundar democraticamente. A Europa das cidadãs e dos cidadãos confronta-os, e permanece, a perturbar, cada vez mais, a auto-satisfação complacente de vários senhores.