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1213 | I Série - Número 30 | 15 de Dezembro de 2000

 

O Conselho Europeu de Nice teve como principal objectivo a conclusão da CIG e a questão da reforma institucional.
Face ao que dele resulta, somos forçados a concluir que os líderes europeus, em vez de se preocuparem em apresentar o alargamento como um desígnio histórico e geoestratégico, reduziram a Conferência Intergovernamental a um exercício de ponderação do peso relativo dos Estados. E que um dos objectivos mais proclamados - o de introduzir maior eficácia no funcionamento da União - não foi verdadeiramente alcançado.
A presidência francesa e alguns Estados de maior dimensão utilizaram o alargamento como pretexto para a alteração de certos equilíbrios que vigoraram ao longo de todos estes anos e estiveram na base de um período sem precedentes de paz, de estabilidade e de prosperidade na Europa.
Foi, pois, um erro - e um erro muito grave - que se tivesse mexido na relação institucional entre os Estados, na medida em que isso debilitou ainda mais o espírito e o método comunitários.
A opinião pública europeia, que acompanha estas questões quase sempre com grande distanciamento e muitas vezes com perplexidade, não viu em Nice políticos verdadeiramente comprometidos com o espírito europeu mas puras estratégias de poder, as quais só podem contribuir para enfraquecer o projecto de uma Europa mais afirmativa.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ora esta deriva ocorre, em larga medida, por não haver neste momento na Europa capacidade de liderança política.

O Sr. António Capucho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Parece óbvio que tal liderança terá sempre de partir ou, pelo menos, de contar com a vontade e o empenho de alguns dos países de maior dimensão e da própria Comissão.
Mas, quanto a este ponto, o que vemos nós? Uma Comissão cada vez mais debilitada, perdendo o papel de relativa independência, indispensável na arquitectura europeia.
Em relação aos Estados de maior dimensão, o que constatamos quanto à sua vontade e à sua capacidade de liderança na actual fase do processo de integração? Vou ser sincero e pouco diplomático - tenho, neste aspecto, a vantagem de não estar no Governo e de poder dizer aquilo que talvez o Sr. Primeiro-Ministro pense, mas não pode dizer. A questão é séria e merece uma análise sem subterfúgios. Hoje, na Europa, temos uma Alemanha que pode, mas não quer; uma França que quer, mas não sabe; uma Inglaterra que sabe, mas não pode.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De facto, o actual chanceler alemão e boa parte da elite daquele país acusa ainda os efeitos dos custos da reunificação alemã, muito superiores ao esperado. Talvez por isso, a Alemanha aparece hoje menos comprometida com o projecto europeu do que em lideranças anteriores.
Reconheça-se, contudo, que a República Federal da Alemanha foi em Nice o único país de maior dimensão que compreendeu que na Europa a forma de liderar não passa pela constante exibição do poder nacional mas pelo exemplo de concessões que favoreçam o projecto europeu.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A França de Chirac e Jospin veio, infelizmente, mostrar o peso que ainda tem um certo nacionalismo gaulista na formulação da sua política externa e também como permanecem tantos complexos relativamente ao seu vizinho alemão. A presidência francesa, Sr. Primeiro-Ministro, é a primeira responsável pelo facto de em Nice se ter alterado o peso relativo dos Estados e se ter feito imperar a lógica casuística das medidas de força e da contabilidade do peso nacional. Os líderes franceses podem ter ficado muito satisfeitos pelo facto de garantirem, ao nível do Conselho, a paridade com a Alemanha. Mas o que de facto conseguiram foi diminuir a sua credibilidade perante a maioria dos Estados, debilitando assim o vínculo de confiança necessário ao desempenho de um papel liderante no processo europeu.
O Reino Unido goza da inteligência diplomática que falta a outros, mas tem contra si a posição objectivamente marginal e periférica. E o Sr. Tony Blair, que tanto fala em colocar a Inglaterra no centro da Europa, continua, na prática, submetido à opinião dominante do país, que se mantém relutante face à evolução da União. O máximo que a Inglaterra tem conseguido é exercer a sua influência mais pela oposição do que pela mobilização para uma causa comum.
A Espanha, cuja cotação no concerto europeu cresceu indubitavelmente, ultrapassando mesmo em muitos aspectos uma Itália infelizmente ausente nos grandes momentos, conseguiu marcar pontos. Mas fê-lo, ainda e sempre, numa óptica puramente nacional - uma espécie de França mais pequena -, o que serve naturalmente o interesse de Madrid no imediato, mas dificulta a mais longo prazo a sua capacidade de efectiva influência na definição dos rumos da Europa.
Neste contexto, fica bem patente o défice de liderança estratégica na união europeia.
De facto, quando estão em causa projectos transnacionais, a inteligência estratégica não se mede pela contabilidade de mesquinhos ganhos e perdas no estrito ponto de vista nacional. Se este tipo de raciocínio tivesse vingado após a II Guerra Mundial, não teria ocorrido a reconciliação franco-alemã, nem se teria iniciado o processo de integração europeia. Se esta lógica tivesse imperado, os Estados Unidos da América - verdadeiros predecessores da integração europeia por via do Plano Marshall - teriam deixado a Europa entregue a si própria, não gastando aí qualquer dólar.
Esta seria, porventura, uma atitude imediatista de pretenso interesse nacional, mas uma total ausência de sentido estratégico, que felizmente para o ocidente não ocorreu.
A verdadeira inteligência estratégica reside em pôr de lado os eventuais ganhos imediatos, investindo em vez disso num projecto comum e, nesse plano, colher benefícios mais sólidos e duradouros. É isto que em absoluto falta à medíocre Europa política que hoje temos.
Por isso, depois de Nice, apetece-me, sobretudo, dizer: que saudades de Helmut kohl, de François Miterrand, de Jacques Delors! Mas também que saudades de Helmut Schmidt ou de Valéry Giscard d'Estaing! Que saudades de