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2266 | I Série - Número 56 | 08 De Março De 2001

Como hoje informa a revista Visão, as principais catástrofes semelhantes ocorreram na Índia, na Nigéria, na China, no Quénia, na Bósnia, no Paquistão e no Vietname. A tragédia confronta-nos, assim, não só com a fragilidade humana mas, sobretudo, com a fragilidade da governação, da política face ao País que somos.
Não queremos, aqui e agora, analisar o défice de administração, de governo, de democracia que a tragédia torna manifesto. Mas não podemos deixar de referir que enquanto no imediato, pós-tragédia, responsáveis políticos apresentaram a sua rápida demissão, o Presidente do Instituto das Estradas de Portugal, responsável técnico pela verificação da conservação das estradas e pontes, manteve-se durante muito tempo, até agora, em silêncio e não assume a única atitude possível: a demissão.
Perante esta tragédia, uma urgência se coloca também à Assembleia da República: a discussão, com informação rigorosa, e a tomada de medidas imediatas de prevenção relativamente à insegurança rodoviária de que o País é vítima, para que não se sucedam as tragédias e os lutos. A consciência da fragilidade torna indispensável a defesa, a prevenção, a responsabilização, em suma.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em nome de Os Verdes, quero, em primeiro lugar, manifestar a nossa total solidariedade para com todos os que viram, de uma forma trágica, de uma forma absurda, de uma forma inesperada, o rio roubar aqueles que lhes eram queridos. Esta solidariedade, por todos os que desapareceram, existe e tem de ser manifestada. Também tem e deve ser manifestada em relação àqueles que viram desaparecer os que lhes eram queridos, os seus vizinhos, os seus amigos, os seus familiares, aqueles que amavam.
Parece-nos que, independentemente de a dor que habita em cada um não poder ser avaliada e não haver meios de a compensar, há seguramente questões sobre as quais devemos reflectir.
Se é certo que não há - e, porventura, ainda bem - formas de determinar com rigor o poder sobre a vida e sobre a morte, há, hoje, seguramente, um conhecimento técnico e científico que nos responsabiliza pelas formas a encontrar para melhor proteger a vida.
Parece-nos que, independentemente de este não ser o momento mais adequado para utilizar politicamente a dor, a morte e o sofrimento, para fazer avaliações e responsabizações que têm de ser feitas em toda a sua amplitude, há aspectos que não podem ser ignorados. O primeiro é a voz e o grito constante da natureza. O que aconteceu tragicamente em Castelo de Paiva, o que aconteceu no rio Douro, teve consequências políticas, que têm de ser avaliadas em toda a sua amplitude e em toda a sua dimensão.
Não há seguramente uma causa única, há a conjugação de múltiplos factores que, associados, permitiram que esta tragédia tivesse ocorrido. Aquilo que nos parece que é hoje politicamente importante, ou seja, a responsabilidade política deste Parlamento é não só manifestar o pesar e fazer tudo o que for possível para que os corpos sejam resgatados de um rio que, seguramente, não teve culpa pelo que aconteceu, mas é também criar condições para que sejam avaliados e discutidos todos os aspectos de forma aprofundada.
Os aspectos que é necessário discutir prendem-se não só com as estradas, com a falta de prevenção, com a visão muitas vezes curta que existe sobre o que nos rodeia, aspectos que não existem só porque há uma cultura de desresponsabilidade mas que são o resultado de intervenções desastrosas que os homens têm no meio natural, como a pilhagem que tem sido feita designadamente naquele rio, uma pilhagem cujas consequências nunca foram avaliadas.
Parece-nos que este é o momento de equacionar tudo e de tudo fazer para que, em memória dos que sofrem, em memória dos que desapareceram, possamos evitar outros dias de luto e outras perdas de vida manifestamente inúteis, vidas inutilmente desperdiçadas.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra ao Sr. Deputado Paulo Portas.

O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Falo como Deputado eleito pelo círculo onde esta tragédia aconteceu. Falo como português igual aos outros e, como todos os outros, segundo creio, sinto uma profunda dor pelo sofrimento das vítimas e uma enorme angústia pela vulnerabilidade do Estado português relativamente a estas tragédias.
Compreendo o dever evidente de a Assembleia da República demonstrar o seu pesar e manifestar a sua solidariedade, mas sinto o dever de perguntar, como o fazem tantos outros portugueses, como é possível que 70 vidas possam perder-se assim e pergunto porquê.
Quero interrogar-me, em primeiro lugar, sobre a ética das responsabilidades. Temos, em princípio, uma Administração Pública que decide, que constrói, que repara e que fiscaliza. Mas que noção de serviço, de exigência, de rigor e de brio temos, hoje, na nossa Administração Pública?
Que degradação da Administração Pública permite a fuga dos quadros, a «partidocracia» nos institutos e, sobretudo, a falta dramática de uma hierarquia de mérito? Como é possível que, tendo um ministério assumido - e, a meu ver, bem - a responsabilidade política pelo que aconteceu, até hoje os responsáveis técnicos tenham desertado cobardemente de dar as suas explicações e de «dar a cara» perante esta tragédia?
Como é possível que sejamos um País que fiscaliza, que inspecciona, que certifica a qualidade ou a segurança dos elevadores das casas, das viaturas e, até, dos brinquedos, mas que não tem um sistema institucional, obrigatório e regular, de fiscalização e inspecção das pontes, dos túneis ou dos viadutos?
Interrogo-me, ainda, sobre a ética da justiça na distribuição dos investimentos, porque há, em Castelo de Paiva, uns milhares de portugueses que não conseguiram fazer ouvir a sua voz, independentemente dos governos, que não conseguiram fazer chegar a sua voz perante a necessidade de tomar decisões sobre infra-estruturas, a necessidade de não serem mais repetíveis nem as pontes centenárias nem aquelas centenas de curvas que, quem conhece aquele concelho sabe, têm de ser percorridas. E que desequilíbrio institucional temos nós, em Portugal, que não permite corrigir uma política de investimentos que se concentra no peso (de cidadania, eleitoral ou político, neste momento, não interessa) dos beneficiários mas não consegue atender ao peso das necessidades?!