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0262 | I Série - Número 09 | 06 de Outubro de 2001

 

acordo de extradição global com os Estados Unidos da América, onde há pena de morte. Estamos a negociar a extradição com os países europeus - acabou a proibição para países onde há pena de prisão perpétua. E se houver, como já se diz, um acordo de extradição global da União Europeia com os Estados Unidos da América, onde há a pena de morte e um dos maiores goulags prisionais do mundo actual, só com rivalidade na China?
Se negociarmos a extradição para a União Europeia e esta negociar o acordo global de extradição para os Estados Unidos da América, eu gostaria de saber onde vai parar esta nova garantia do artigo 6.º, incluída aqui para compensar a má consciência da introdução da excepção da extradição para os países europeus!
Em quinto lugar, opomo-nos a esta revisão constitucional, porque ela acaba com a inviolabilidade nocturna do domicílio pela polícia. Esta é uma norma emblemática do nosso edifício garantístico, e as normas emblemáticas, os símbolos devem ser mexidos com muito cuidado. Até posso compreender as razões de eficácia da revisão proposta, mas não se deve mexer em certas normas da Constituição, como não se deve mexer no Hino nem na Bandeira, precipitadamente, porque são normas simbólicas de um certo número de conquistas, nomeadamente da Revolução de Abril e da ordem constitucional de 1976. E aí reside, a meu ver, o perigo desta medida.
Sr. Presidente, esta revisão é, no entender do Bloco de Esquerda, um recuo nos direitos, nas liberdades e nas garantias da Constituição de 1976; é um recuo na visão humanística do nosso Direito Penal; é um recuo numa visão da Europa como baluarte inexpugnável dos direitos dos povos. Podem vir aí tempos de sombra para as liberdades e para as democracias europeias, e nós gostaríamos que todos os democratas, independentemente dos ventos da conjuntura, soubessem manter a lucidez na defesa do essencial.

Vozes do BE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Referir-me-ei à proposta em discussão, mas quero, antes de mais, tecer algumas considerações acerca deste processo de revisão constitucional.
A primeira consideração é no sentido de referir a desnecessidade deste processo de revisão extraordinária da Constituição, pois estamos a menos de um ano do momento em que é constitucionalmente possível a abertura de um processo ordinário de revisão da Constituição e trata-se da quarta revisão do texto constitucional em 12 anos.
De facto, desde a revisão constitucional de 1989, tivemos a revisão constitucional extraordinária de 1992, tivemos um processo de revisão constitucional em 1994 que não chegou ao seu termo (com este, teriam sido cinco os processos de revisão), tivemos a revisão constitucional ordinária de 1997 e estamos agora no quinto processo de revisão e perante a quarta revisão constitucional a proceder no curto espaço de 12 anos.
Temos, pois, um texto constitucional sob instabilidade permanente, sujeito a uma permanente revisão, pelo que estão afastadas todas as cautelas com que os constituintes rodearam a revisão de um texto fundamental como é o da Constituição.
Para além desta subversão da estabilidade constitucional, estamos também perante cedências graves relativamente a princípios que são parte basilar do nosso ordenamento constitucional, cedências essas que são determinadas por circunstâncias externas - em 1992, a reboque do Tratado de Maastricht, agora, a reboque da ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional e, fundamentalmente, no que toca ao debate do artigo em apreço, em relação ao chamado «espaço de liberdade, segurança e justiça» da União Europeia.
A minha segunda observação serve para referir que, mais uma vez, este processo de revisão constitucional foi resultado de uma concertação interpartidária entre o PS e o PSD. Aliás, todo o timing e toda a metodologia da revisão constitucional foram condicionados por esse acordo de vontades entre o PS e PSD celebrado à margem da Assembleia da República.
De facto, o âmbito deste processo de revisão constitucional foi definido fora da Assembleia da República, numa reunião realizada entre os líderes do PS e do PSD. Os trabalhos de revisão constitucional decorreram ao sabor dos progressos negociais que iam sendo feitos entre o PS e o PSD e terminaram abruptamente no dia em que o PS e o PSD chegaram a acordo. Fizeram-se todas as leituras, repetiram-se todos os discursos, discutiu-se várias vezes a mesma matéria enquanto o PS e o PSD não tinham chegado a acordo, mas o debate terminou subitamente e precipitou-se a discussão para Plenário no preciso dia em que o PS e o PSD fecharam o acordo de revisão constitucional fora da CERC.
A minha terceira observação é relativa ao âmbito desta revisão constitucional, para lembrar que, no princípio, esta revisão constitucional tinha como único objectivo permitir a ratificação por Portugal do Estatuto de Roma, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. Segundo se dizia, tratava-se de uma revisão «cirúrgica», com um objectivo muito preciso. Bom, esse objectivo «cirúrgico» vai hoje muito longe, pois, de facto, a «cirurgia» alastrou a várias partes do «corpo»! Aliás, como dizíamos no início deste processo, aberto um processo de revisão constitucional, ninguém pode garantir, à partida, onde é que ele vai parar, pois os partidos são livres de apresentarem as suas propostas.
Assim, para além da «cirurgia» inicial, que consistia em viabilizar a ratificação do Estatuto do TPI, estamos hoje perante a iminência da aprovação de disposições limitadoras do direito à greve por parte dos profissionais das forças de segurança, estamos na iminência da aprovação de uma norma que acaba com a inviolabilidade do domicílio à noite e estamos perante a iminência da aprovação de normas viabilizadoras de aspectos muito negativos relacionados com o espaço judiciário europeu.
É precisamente sobre este último aspecto, que é o que está em discussão no artigo 33.º e no n.º 6 do artigo 7.º, que neste momento quero pronunciar-me, para salientar a gravidade da disposição constitucional proposta, designadamente, para o artigo 33.º.
Estamos perante um verdadeiro «cheque em branco» ao chamado «espaço de liberdade, segurança e justiça», arredando, para esse efeito, as normas constitucionais que funcionariam como salvaguarda perante manifestos abusos